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Mínimo existencial e patrimônio mínimo.

O equívoco da pré-constitucionalidade

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Agenda 13/03/2010 às 00:00

Notas

Para mais, veja o leitor: FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. 8 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, bem como HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 15 ed. Petropolis: Vozes, 2005, 2 volumes.

Mediando este cenário, a reificação do mundo consiste na transformação de tudo que existe em ferramentas, em objetos, coisas. É o movimento gerado pelo trabalho do homo faber, violentando a natureza em busca de novas formas de construção. Neste sentido, ele próprio, o homo faber, se converteria em matéria do seu trabalho.

Para uma análise mais detida sobre o tema veja-se ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

  1. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora Campos, 1992, p. 21.
  2. Nos referimos à legitimidade ficta, porque sendo estes direitos pré-constitucionais condições para a implementação de fundamentos para a governabilidade, para o procedimento democrático de forma legítima, não se poderia admitir que se dissesse de um Estado Democrático de Direito quando não fossem garantidos estes parâmetros inafastáveis.
  3. O direito, como as demais ciências, os demais ramos do pensar científico pode ser considerado uma pre-sença, na concepção heideggeriana do etrè-la. E, neste sentido, deve ser investigado em sua diversidade de formas. Entendemos que, por sua natureza fenomênica, o direito jamais poderá ser apreendido pela norma, tampouco por uma corrente desagregada do pensamento jurídico. Ele se revela no âmago do ser. Indagando sobre as perspectivas de um direito achado na rua em confronto com uma visão hermenêutico-filosófica do fenômeno jurídico – longe de querer simplificar o que é complexo – postulamos pela equivalência entre ambas as correntes, posto que por "equações" diversas obtém um resultado parecido. Afinal, se é na rua que as coisas acontecem, é também no ser que a própria rua acontece e, por conseguinte, o que acontece na rua. Embora este não seja o espaço para estas divagações, não podemos furtar estes posicionamentos, visando demonstrar nosso entendimento no sentido do direito como um ente complexo, que jamais poderá ser reduzido à norma, mas também não poderá ser exaurido no fio-condutor da linguagem, até porque, sendo fio-condutor, ela leva a algum destino, vale dizer, no ser-humano. E nesta complexidade de significados em que explode o fenômeno da juridicidade é que conseguimos identificar pensares diferentes, de uma teoria crítica e de uma filosofia da existência.
  4. SESSAREGO, Carlos Fernández. Derecho y persona. 2ª Ed. Truhullo-Peru: Normas Legales, 1995, p. 86-87.
  5. A concepção que adotamos de família se distingue em grande monta da concepção clássica deste instituto. Não se trata mais do grupo de indivíduos sob o jugo do pater famílias. De fato, a família moderna "não se encaixa a modelos, ao vínculo da cognação, que é o parentesco por consangüinidade, ou ao princípio da autoridade; não se restringe à esfera privada, mas nem por isso se estatiza: equilibra-se entre ambos os planos. Trata-se mesmo do espaço da realização plena do indivíduo, uma sociedade afetiva onde nada mais importante que o cuidado e o amor. Enfim, uma instituição democrática, pluralista, constitucionalizada.". Para mais veja nosso: SOLLA, Paulo Ramon da Silva. Para além do arco-íris: a família constitucional e a união homossexual. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2269, 17 set. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13519>. Acesso em: 29 out. 2009.
  6. Em ambos os casos, do mínimo ou do máximo, as palavras jamais poderão esgotar o sentido da ideia. Aliás, as palavras sequer conseguem esgotar o sentido das coisas mundanas. Isto, porque rompidos os elos das similitudes, da emulação, do avizinhamento que existia entre as palavras e as coisas até o século XV. Michel Foucault, em análise magistral liga esta dissociação ao deslocamento da linguagem mística para o verbo centificado. Na sua arqueologia das palavras, o autor persegue a constituição do moderno modelo linguístico, chegando, em seguida, à conclusão idêntica a de Martin Heidegger, segundo a qual o apofântico, vale dizer, a linguagem exteriorizada, jamais poderá esgotar o sentido do mundo da vida.
  7. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 273.
  8. Idem, p. 277.
  9. Neste sentido, a lição do inigualável J. J. Calmon de Passos: "Cumpre-nos conscientizar o povo brasileiro dos riscos que decorrem dessa solerte campanha desmobilizadora. Precisamos convencer-nos, todos os brasileiros, de que Papai Noel não existe, que será inútil colocarmos nossos sapatos na beira da cama ou no peitoril da janela, na esperança de que o bom velhinho coloque neles os mimos que desejamos. Nossos sapatos permanecerão vazios, porque só o nosso empenho, nosso engajamento, nosso trabalho e nossa organização têm condições de produzir os frutos que se farão presentes. Será inútil, portanto, e frustrante, pretendermos que o Direito seja nosso Papai Noel e com suas formulações (palavras, palavras e palavras!) coloque em nossos sapatos os presentes que não pudemos adquirir com nossa luta política." PASSOS, J. J. Calmon de. A constitucionalização dos direitos sociais. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3197>. Acesso em: 06 de out. 2009.
  10. Estas metamorfoses em curso ou porvindouras são do aplauso da doutrina moderna. Contudo, não se isenta de críticas a perspectiva civil constitucional que se intenta implantar. "Embora proclame-se de maneira quase unânime a supremacia constitucional na atividade hermenêutica, o certo é que o direito civil brasileiro [ou melhor, o direito brasileiro em geral] não soube ainda incorporar o texto maior à sua práxis. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 01)
  11. Sobre os temas da reificação, da alienação do mundo e da condição humana, O esclarecimento de Hannah Arendt ainda é o mais acertado. Para autora, convivendo as esferas da vida humana na ação, no trabalho e no labor, existe uma produção, uma ruptura entre as coisas do mundo. O animal laborans é o senhor de todos os animais, mas o labor de seu corpo rende-o ao apelo da necessidade, e esta fisiologia naturalística transmuta o rei das coisas naturais em servo de si mesmo. O homo faber, de outro lado, vive a largo da necessidade corporal, porque já satisfeita, seu trabalho engendra um mundo de artificialidade. Tudo aquilo que o homo faber toca se lhe incorpora e já não mais pode sem aquilo viver. A ação, de outro lado, consiste no interagir de homens entre homens no seio da sociedade, produzindo um domínio simbólico que nossa análise arrisca igualar a um ethos.
  12. Pode-se, neste diapasão, lembrar a primorosa lição de Kant sobre a dignidade: "No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Uma coisa que tem um preço pode ser substituída por qualquer outra coisa equivalente; pelo contrário, o que está acima de todo preço e, por conseguinte, o que não admite equivalente, é o que tem uma dignidade (...) o que constitui a só condição capaz de fazer que alguma coisa seja um fim em si, isso não tem apenas simples valor relativo, isto é, um preço, mas sim um valor intrínseco, uma dignidade." KANT, Immanuel. Fundamentação metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Ed. 70, 1986, p. 434-435.
  13. BARCELONA, Pietro. El individualismo proprietário, Collección Estructuras y Procesos – Série Derecho. Madrid: Trotta, 1996, p. 37
  14. Cabe ressaltar que o patrimônio mínimo jamais tenta refutar à ordem capitalista. Porém adequá-la à um Estado democrático de direito, engendrando categorias fundamentais e intocáveis por parte dos eflúvios dos mercados. Assumindo este papel, não se lhe pode dirigir a crítica que já se dirigiu à funcionalização da propriedade no magistério do mestre baiano Orlando Gomes, alegando haver ali "profunda hipocrisia, pois ‘mais não serve do que para embelezar e esconder a substância da propriedade capitalística’. É que legitima o lucro ao configurar a atividade de um produtor de riqueza (...) Seu conteúdo essencial permanece intangível, assim como seus componentes estruturais. A propriedade continua privada, isto é, exclusiva e transmissível livremente. Do fato de poder ser desapropriada com maior facilidade e de poder ser nacionalizada com maior desenvoltura não resulta que a sua substância se estaria deteriorando". GOMES, Orlando. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 109.
  15. TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora FGV, jul./set. 1989, pág. 29-49. p., p. 46.
  16. TORRES, Ricardo Lobo.(org). Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 264 e ss.
  17. TORRES, R. L. A cidadania multidimensional na era dos direitos.. In: ———-. (Coord.). Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 243-342, p. 264.
  18. CANOTILHO,J. J. Gomes. Metodologia "fuzzy" y "camaleones normativos" en la problemática actual de los derechos econômicos, sociales y culturales. In: Derechos y Libertades. Revista do instituto Bartolomé de las Casas. 6:43. 1998.
  19. BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 263.
  20. CANOTILHO,J. J. Gomes. Metodologia "fuzzy" y "camaleones normativos" en la problemática actual de los derechos econômicos, sociales y culturales. In: Derechos y Libertades. Revista do instituto Bartolomé de las Casas. 6:44-5. 1998.
  21. Cumpre esclarecer, contudo que a ideia de um direito absoluto parece pouco razoável numa realidade em que se postula uma fragmentariedade complexa do sistema jurídico-axiológico, baseado em dimensões ético-discursivas que não ignoram a existência da lei, mas não se reduzem à aridez da exegese textual solipsista. Assim, impende " entender com claridad a inexistência de derechos absolutos, em tanto que el interés de los demás, de los ‘otros’, está presente, em alguna medida, em la situación jurídica subjetiva." SESSAREGO, Carlos Fernández. Derecho y persona. 2ª Ed. Truhullo-Peru: Normas Legales, 1995, p. 86.
  22. BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 298.
  23. Neste sentido, pode-se ler nos escritos do ilustre mestre: "(...) me gustaría matizar esta posición relativista aceptando la existencia de mínimos absolutos, bajo los cuales la defensa de libertades y demás derechos deberían adquirir prioridad total, porque dejan de entrar en conflicto. Si la desigualdad es un concepto relativo, y así deben interpretarse los distintos índices que intentan medirla, la pobreza es una categoría que, aunque cambiante en su definición según épocas y sociedades, tiene en cada una un sentido absoluto. Así queda reflejado en la forma de los índices utilizados para medirla, que parten todos ellos del establecimiento de una línea de pobreza, que una vez determinada divide a los miembros de la sociedad entre ricos y pobres." BARBERA, Salvador. Escasez y derechos fundamentales, in V.V.A.A.. Problemas actuales de los derechos fundamentales, edición de José María Sauca, Universidad Carlos III, Madrid, 1994, p. 226 e seg..
  24. RAWLS, John. Liberalismo Político. Trad. Sergio René Madero Baés. México: Fondo de Cultura Econômica, 1992.
  25. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. Carlos Pinto Correia. Lisboa: Presença, 1993.
  26. Um melhor entendimento do panorama das conclusões tratadas pelo próprio autor pode ser encontrado em HABERMAS, J. A constelação pós-nacional. Ensaios políticos. Trad. Márcio Seligmann-Silva. São Paulo: Littera Mundi, 2001.
  27. Estas concepções são iluminadas pelo próprio autor em HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia : entre facticidade e validade. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v. 1. Não podemos, contudo, olvidar as contribuições de Karl Otto Apel, Luiz Moreira e Manfredo de Oliveira em MOREIRA, Luiz; APEL, Karl-Otto; OLIVEIRA, Manfredo Araujo de (Org.).. Com Habermas, contra Habermas: direito, discurso e democracia. São Paulo: Landy, 2004, onde se questiona a realidade de alguns pressupostos da teoria habermasiana e algumas de suas omissões, como a recusa a uma fundamentação última por um naturalismo racionalista fraco e a desídia demonstrada sobre a reserva do falibilismo de Popper, que estaria amplamente vinculada à fundamentação da ética do discurso e este é o motivo pelo qual não se consideram mais Apel e Habermas como co-autores de uma mesma ética do discurso.
  28. Habermas considera que a mesma tensão existente no interior do discurso existe no interior do procedimento democrático, de forma que o direito será a categoria responsável por esta mediação. Para mais, veja o leitor HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v. 1.
  29. HABERBELE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1997.
  30. A reificação no pensamento de Hannah Arendt surge por meio da atividade do homo faber, para quem tudo pode se tornar um instrumento, passando a fazer parte de sua própria atividade na construção de um mundo de artificialidade. Contudo, neste mesmo espaço produtivo ocorre o alijamento deste ser da própria condição humana, posto que na ânsia de aumento produtivo, o homem que fabrica acaba por entender a ele mesmo como material, capaz de se converter em coisa e promovendo, por essa mutação de valores a alienação do mundo. Para mais: ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
Sobre o autor
Paulo Ramon da Silva Solla

Assessor Técnico do Governo do Estado da Bahia, na área de Licitações, Contratos Administrativos, Convênios e Contratos de repasse destinados a execução de obras e serviços de engenharia.<br>Pós Graduando em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça pela Universidade Federal da Bahia.<br>Avaliador de diversos periídicos, tais como: Revista Jurídica da UERJ, Revista Jurídica da UNISINOS, Revista Jurídica da PUC-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOLLA, Paulo Ramon Silva. Mínimo existencial e patrimônio mínimo.: O equívoco da pré-constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2446, 13 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14508. Acesso em: 23 dez. 2024.

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