A suspensão do processo e do prazo prescricional, prevista no artigo 366 do Código de Processo Penal, em primeiro momento, não apresenta grande dificuldade para sua interpretação. Todavia, dois pontos envolvidos merecem uma exegese mais aprofundada, compreendendo a constituição de defensor e a suspensão do curso da prescrição.
Importante, antes de examinar diretamente cada tema, registrar que a suspensão do processo e da prescrição, prevista no art. 366 do Código de Processo Penal, apresenta duplo fim: primeiro, para preservar a efetividade da pretensão punitiva; segundo, para assegurar a ampla defesa ao acusado, evitando que o processo criminal siga sem a presença do próprio denunciado e de um defensor por ele escolhido.
Feito o registro, tratando-se do primeiro tema, parece mais coerente, para garantir a finalidade da norma processual penal, que a constituição de defensor para defesa do réu ocorra na ação penal e, caso seja o mesmo advogado da parte na fase inquisitorial, que essa constituição seja renovada no processo, ainda que de forma tácita, mediante uma atuação efetiva, independente de ter, ou não, procuração acostada ao inquérito.
Não é incomum que alguém contrate profissional para defendê-lo, quando do inquérito, e, caso venha a ser denunciado, sua defesa passe a ser feita por outro advogado. Por isso, não se pode presumir que todo investigado em inquérito policial, em futura ação penal pelo delito apurado, mantenha o mesmo defensor.
A finalidade é garantir a ampla defesa e esta não é presumida, deve ser resguardada de forma efetiva, por isso a constituição de defensor não pode ser reconhecida por suposição.
Ainda, o inquérito policial e a ação penal são procedimentos criminais distintos, sendo a regra do art. 366 do Código de Processo Penal aplicada ao processo penal, por isso é neste que deve ocorrer a constituição de defensor.
Também se deve evitar que alguém venha a usar a regra processual em seu favor, burlando seu real fim. Exemplo disso é no caso de alguém ter contratado advogado na fase policial e, quando denunciado, não é encontrado para citação pessoal. Neste caso, após sua citação via editalícia, não comparece em juízo e nem constitui defensor na ação, sendo determinado, por aplicação do art. 366 do Código de Processo Penal, a suspensão do processo e da prescrição. Todavia, sendo futuramente encontrado o denunciado, este, mediante seu defensor (independente de ser o mesmo ou diverso da fase inquisitorial), postula a anulação da decisão que suspendeu o feito e, por consequência, o reconhecimento da prescrição, com base na alegação que tinha defensor constituído no inquérito.
Ora, neste exemplo tem-se claramente o intuito de burlar o fim da norma, sendo evitada tal situação, conforme já referido, com a exigência da constituição de advogado na ação e, caso seja o mesmo defensor da fase policial, que seja renovada em juízo.
A respeito do limite para suspensão do prazo prescricional, é predominante o entendimento de restringir a regra do artigo 366 do Código de Processo Penal nesse aspecto. O fundamento para tal conclusão é que, caso se tenha a suspensão do curso prescricional de forma ilimitada, tornar-se-ia o delito imputado ao réu como imprescritível, o que só ocorre por força de norma constitucional, como no caso do racismo e do terrorismo.
Por isso, de modo a evitar tal situação, limita-se a suspensão do curso da prescrição, usando-se por base os prazos do art. 109 do Código Penal, ou seja, suspende-se até o limite do máximo da pena prevista abstratamente para o crime envolvido.
Sobre a questão, assim leciona Guilherme de Souza Nucci [01]:
33. Suspensão da prescrição: não pode ser suspensa indefinidamente, pois isso equivaleria a tornar o delito imprescritível, o que somente ocorre, por força de preceito constitucional, com o racismo e o terrorismo. Assim, por ausência de previsão legal, tem prevalecido o entendimento de que a prescrição fica suspensa pelo prazo máximo em abstrato previsto para o delito. Depois, começa a correr normalmente. Isso significa que, no caso de furto simples, cuja pena máxima é de quatro anos, a prescrição não corre por oito anos. Depois, retoma seu curso, finalizando com outros oito anos, ocasião em que o juiz pode julgar extinta a punibilidade do réu.
Também abordando o tema, transcrevo o precedente do Superior Tribunal de Justiça [02]:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL. NÃO-ATENDIMENTO À CITAÇÃO EDITALÍCIA. REVELIA. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO CURSO DO LAPSO PRESCRICIONAL. ART. 366 DO CPP. EXISTÊNCIA DE LIMITE PARA DURAÇÃO DO SOBRESTAMENTO. PRAZO REGULADO PELO PREVISTO NO ART. 109 DO CP, CONSIDERADA A PENA MÁXIMA APLICADA AO DELITO DENUNCIADO. PRESCRIÇÃO EVIDENCIADA. PROVIMENTO.
1. Consoante orientação pacificada nesta Corte, o prazo máximo de suspensão do lapso prescricional, na hipótese do art. 366 do CPP, não pode ultrapassar aquele previsto no art. 109 do Código Penal, considerada a pena máxima cominada ao delito denunciado, sob pena de ter-se como permanente o sobrestamento, tornando imprescritível a infração penal apurada.
(...)
Concluindo, passado o período da suspensão prescricional limitado ao prazo da prescrição pelo máximo da pena abstratamente prevista para o delito (art. 109 do Código Penal), caso não afastada a incidência do art. 366 do Código de Processo Penal, volta a correr a prescrição, permanecendo, todavia, suspenso o processo.
Notas
- Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 606
- STJ, REsp 1113583/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 13/10/2009