Resumo: O presente artigo tem como ponto de partida o estudo das condições socioeconômicas que, no período compreendido entre o final do século XIX e início do século XX, deram ensejo às primeiras positivações dos direitos fundamentais de segunda dimensão. Após a análise da forma pela qual os direitos sociais foram tratados na Constituição mexicana de 1917, na Declaração do Povo Trabalhador e Explorado redigida durante a Revolução russa e promulgada em 1918, bem como na Constituição de Weimar (1919), apresenta-se o conceito dos direitos sociais, bem como são abordadas as características de tal modalidade de direitos. Com base em tais informações preliminares, o artigo avança e passa a analisar as consequências provocadas pelo déficit na implementação dos direitos sociais, avaliando de que maneira o fenômeno da globalização, aliado à economia de mercado, vem modificando o perfil do Estado, consolidando um modelo neoliberal, acarretando, assim, a diminuição dos investimentos no campo das políticas públicas voltadas para a concretização dos direitos sociais, daí resultando índices cada vez mais elevados de exclusão, violência e criminalidade.
Palavras-chave: direitos sociais; origens e características; déficit na implementação; consequências.
Sumário: Introdução; 1. Origens dos direitos sociais: primeiras positivações; 2. Conceito e características dos direitos sociais; 3. Consequências do déficit na implementação dos direitos sociais: exclusão, violência e criminalidade; Considerações finais.
Introdução
Sob o signo da igualdade, os direitos sociais surgiram em decorrência das inconcebíveis e massacrantes condições de vida e trabalho impostas, no decorrer do século XIX e início do século XX, à imensa massa operária.
As primeiras positivações no âmbito internacional, cuja relevância mostra-se indiscutível do ponto de vista histórico e formal, bem como a maneira pela qual os direitos sociais foram tratados nas Constituições brasileiras, desde 1824 até 1969, revelam a distância entre os correspondentes textos e a realidade.
A Constituição Federal de 1988 trouxe nova esperança de que, enfim, as promessas da modernidade, marcadamente aquela voltada para a implementação do necessário para que a dignidade humana se transformasse em algo real e extensível a todos, seriam alcançadas.
Mais de vinte anos depois da promulgação da "Carta Cidadã", referida esperança mostra-se arranhada em decorrência da incapacidade dos Poderes Públicos em tornar realidade o que, com amplitude ímpar, os legisladores constituintes asseguraram a cada um e a todos os membros de nossa sociedade.
A garantia de acesso aos serviços públicos essenciais, com a qualidade que a estrita observância do princípio da eficiência exige, revela-se como postulado inócuo do ponto de vista prático, não conseguindo alcançar a realidade, sobretudo daqueles que estão distantes dos grandes centros urbanos, vivendo no "Brasil profundo", e que somente são alvo da devida atenção às vésperas dos pleitos eleitorais, por motivos óbvios. Neste sentido, de se ressaltar as alarmantes condições de nossos sistemas de saúde e educação, incapazes de garantir o mínimo ao indivíduo que procura, com o seu esforço e não por meios escusos, assegurar dignidade aos seus.
Este trabalho, após apresentar um panorama relativo às origens dos direitos sociais, trazendo, também, o conceito e as características dos denominados "direitos fundamentais de segunda dimensão", procura analisar as consequências, nos planos internacional e nacional, do déficit concernente à implementação desta modalidade de direitos, com enfoque no que diz respeito ao vertiginoso aumento da violência e da criminalidade.
Com tal objetivo, analisamos a influência que a "globalização" e a consolidação da economia de mercado vêm exercendo sobre o modelo de Estado, que agora caminha a passos largos para o "neoliberalismo", resultando daí a diminuição dos investimentos públicos na área dos direitos sociais, submetendo as camadas da população menos favorecidas do ponto de vista econômico a condições de vida cada vez mais precárias e excludentes.
1. Origens dos direitos sociais: primeiras positivações
Heranças da tradição francesa, a liberdade, a igualdade e a fraternidade podem ser consideradas como os pilares de sustentação da doutrina dos direitos fundamentais. A cada um destes pilares corresponde uma dimensão de tal gênero de direitos.
Os de primeira dimensão são os direitos civis e políticos. Os de segunda dimensão caracterizam-se como direitos econômicos, sociais e culturais. Entre os de terceira dimensão compreendem-se aqueles voltados para a proteção de toda a humanidade e não exclusivamente de determinado indivíduo ou grupo, podendo ser citados como exemplos o direito ao desenvolvimento, o direito à paz e o direito ao meio ambiente equilibrado.
Mesmo reconhecendo a importância histórica de documentos como a Magna Carta (1215), a Petition of Rights (1628) e o Bill of Rights (1688), temos que a origem dos direitos fundamentais de primeira dimensão encontra-se nas declarações de direitos norte-americanas e na Declaração francesa de 1789 que significaram a emancipação do indivíduo, do ponto de vista histórico, dos grupos sociais aos quais sempre esteve vinculado: a família, o clã, o estamento e as organizações religiosas. (COMPARATO, 2007, p. 53)
A contrapartida dessa emancipação correspondeu à perda da proteção familiar, estamental ou religiosa, tornando o indivíduo vulnerável às vicissitudes da vida. Diante de tal perda, o Estado liberal ofereceu ao indivíduo a proteção decorrente do respeito à legalidade, cujo símbolo maior está na concepção de que todos são iguais perante a lei. Entretanto, essa isonomia rapidamente mostrou-se como uma "pomposa inutilidade" para a massa operária. (COMPARATO, 2007, p. 53)
O advento dos direitos de cunho liberal não se mostrou suficiente para que a dignidade humana fosse assegurada. A industrialização, marcada pelo signo do laissez faire, laissez passer, acentuou a exploração do homem pelo homem, problema que o Estado liberal, de característica absenteísta, não tinha como resolver. (SARMENTO, 2006, p. 15)
A igualdade de todos, assegurada pelo império da lei, já não era suficiente posto que a equiparação de indivíduos com características profundamente diferentes (patrões e operários, ricos e pobres, jovens e anciãos, homens e mulheres, etc.), que partia do pressuposto de que todos poderiam, pelos seus próprios meios, prover sua subsistência e enfrentar as adversidades impostas pela vida, resultou em um avassalador empobrecimento das massas proletárias, isto já na primeira metade do século XIX. (COMPARATO, 2007, p. 53-54)
O grande impacto causado pela industrialização, aliado aos graves problemas sociais e econômicos dela decorrentes, bem como ao surgimento das doutrinas socialistas e à constatação de que a consagração formal da liberdade e da igualdade não gerava a garantia de que seriam efetivamente gozadas, resultaram, ainda no decorrer do século XIX, no surgimento de amplos movimentos reivindicatórios e no consequente reconhecimento de direitos que impunham ao Estado um comportamento ativo na busca da realização de justiça social. (SARLET, 2007, p. 56)
Compreendeu-se, então, a necessidade de se buscar outra espécie de direitos capaz de assegurar o essencial ao indivíduo, garantindo-lhe a possibilidade de uma vida digna. Surgiu, assim, o embrião ideológico que conduziu, sobretudo por intermédio dos movimentos socialistas, ao reconhecimento dos direitos econômicos e sociais. 1
As conquistas decorrentes do reconhecimento e positivação dos direitos econômicos e sociais caracterizam-se como a principal contribuição do pensamento socialista em favor da humanidade. Entre os socialistas acreditava-se na superioridade dos direitos dos proletários em relação aos direitos naturais, estes considerados como direitos eminentemente burgueses. (TORRES, 2003, p. 102)
O titular dos direitos sociais e econômicos não é o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo sempre teve maravilhosa convivência, mas sim o conjunto dos grupos sociais oprimidos pela miséria e pela doença. Dentro deste contexto, os direitos fundamentais de segunda dimensão revelam-se como anticapitalistas e, por este motivo, só prosperaram a partir do momento histórico em que os donos do capital foram obrigados a buscar uma forma de composição com os trabalhadores. (COMPARATO, 2007, p. 54-55) Corroborando tal assertiva:
Se o capitalismo mercantil e a luta pela emancipação da "sociedade burguesa" são inseparáveis da consciencialização dos direitos do homem, de feição individualista, a luta das classes trabalhadoras e as teorias socialistas (sobretudo Marx, em "A Questão Judaica") põem em relevo a unidimensionalização dos direitos do homem "egoísta" e a necessidade de completar (ou substituir) os tradicionais direitos do cidadão burguês pelos direitos do "homem total", o que só seria possível numa nova sociedade. Independentemente da adesão aos postulados marxistas, a radicação da idéia da necessidade de garantir o homem no plano econômico, social e cultural, de forma a alcançar um fundamento existencial-material, humanamente digno, passou a fazer parte do patrimônio da humanidade. (CANOTILHO, 2003, p. 385)
Diante de tal quadro, o massacre a que estava sendo submetida a classe trabalhadora obrigou-a à organização e à luta pelo reconhecimento dos direitos econômicos e sociais, sendo que estes tiveram como origem as reivindicações em torno de um direito de participação do bem-estar social, compreendido como os bens que os homens, por meio de um processo coletivo, acumulam ao longo do tempo. (LAFER, 2006, p. 127)
O ainda incipiente processo de industrialização no continente europeu, que demandava a reformulação das relações entre capital e trabalho, revelou a insuficiência do modelo adotado pelo Estado liberal no que diz respeito aos direitos fundamentais, impondo a adoção de um novo modelo de Estado que, já no século XX, passa a assumir a missão de superar os problemas gerados pelo capitalismo. O Estado social nasce ancorado na necessidade de uma reformulação do capitalismo, a partir do esgotamento do modelo liberal. Os direitos de liberdade, considerados como direitos naturais e correlatos à própria condição humana, revelaram-se incapazes de conter conflitos crescentes no âmbito social, sendo necessário que o Estado passasse a positivar direitos de índole "artificial", os direitos econômicos e sociais. (APPIO, 2005, p. 55-56)
A Constituição francesa de 1848 reconheceu algumas exigências do operariado. Entretanto, a plena afirmação dessa nova dimensão dos direitos fundamentais só veio a ocorrer no século XX, por intermédio da Constituição mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar de 1919, nas quais os direitos econômicos e sociais foram inicialmente positivados. 2 (COMPARATO, 2007, p. 54)
A Carta Política mexicana de 1917 foi a primeira a atribuir aos trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais, ao lado das liberdades individuais e dos direitos políticos (arts. 5º e 123). Tal precedente histórico mostra-se relevante se considerarmos que na Europa a consciência de que os direitos fundamentais também possuem uma dimensão social só se afirmou após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), sendo que nos Estados Unidos, ainda, hoje, a ideia de extensão dos direitos fundamentais ao campo socioeconômico é largamente contestada. (COMPARATO, 2007, p. 178)
A Constituição mexicana de 1917, reagindo ao sistema capitalista, foi a primeira a prever a desmercantilização da força de trabalho, reconhecendo a igualdade substancial entre as posições jurídicas dos trabalhadores e dos empresários no âmbito da relação contratual que os permeia. (COMPARATO, 2007, p. 181)
O texto constitucional mexicano de 1917 destacou-se não só pela primazia em estabelecer uma declaração ideológica dos direitos fundamentais de segunda dimensão, como também por buscar a instituição de uma sociedade baseada no direito ao trabalho, sendo forjado dentro de um acirrado embate entre a visão socializante do Estado e a liberal clássica, disputa esta que já prenunciava o cisma que se estabeleceria, em termos internacionais, apartando os direitos civis e políticos dos econômicos e sociais. (LIMA JÚNIOR, 2001, p. 23)
Entretanto, a relevância ora atribuída à Constituição Mexicana de 1917 não se caracteriza como posicionamento pacífico na doutrina. Neste sentido:
A Constituição mexicana de 1917 é considerada por alguns como o marco consagrador da nova concepção dos direitos fundamentais.
Não há razão para isso, mesmo sem registrar que sua repercussão imediata, mesmo na América Latina, foi mínima. Na verdade, o que essa Carta apresenta como novidade é o nacionalismo, a reforma agrária e a hostilidade em relação ao poder econômico, e não propriamente o direito ao trabalho, mas um elenco dos direitos do trabalhador (Título VI).
Trata-se, pois, de um documento que inegavelmente antecipa alguns desdobramentos típicos do direito social. Nem de longe, todavia, espelha a nova versão dos direitos fundamentais. (FERREIRA FILHO, 2006, p. 46-47)
Continuando no campo das primeiras positivações relativas aos direitos econômicos e sociais, mostra-se necessário destacar a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, redigida no âmbito da Revolução russa de 1917 e promulgada no dia 03 de janeiro de 1918. Tal documento introduziu três novidades que, em sua substância, não aderiram tanto ao constitucionalismo ocidental de então quanto àquele que se seguiu, marcado pelo que se convencionou denominar "economia de mercado": a) declarou abolida a propriedade privada e a possibilidade de exploração do trabalho assalariado (Capítulo II), rompendo com as anteriores constituições e declarações de direitos que garantiam a propriedade privada como elemento central; b) estabeleceu um tratamento diferenciado para os titulares de direitos de acordo com a classe social, promovendo uma restrição às prerrogativas dos integrantes da burguesia; c) estabeleceu o trabalho como dever obrigatório para todos. Essas inovações foram ratificadas pela Constituição soviética de 10 de julho de 1918, que introduziu uma série de direitos sociais (arts. 14. usque 17). (DIMOULIS et al, 2006, p. 32-33)
Com o fim da Primeira Guerra Mundial e a derrota do Império alemão, foi promulgada, em 11 de agosto de 1919, a Constituição da Primeira República alemã, conhecida como Constituição de Weimar.
Como resultado do processo de industrialização, formou-se na Alemanha uma numerosa classe operária que passou a se organizar em sindicatos e partidos políticos. Em decorrência dos graves problemas de ordem econômica e geopolítica que se originaram da imposição do Tratado de Versalhes, a Alemanha passou a viver, logo após o término da Primeira Guerra Mundial, um período de profunda instabilidade política e social. Dentro deste contexto, a burguesia procurou neutralizar os movimentos revolucionários, negativamente, por meio da repressão, e, positivamente, mediante um projeto de república democrática e social que foi denominada República de Weimar. (DIMOULIS et al, 2006, p. 33)
A Constituição de Weimar apresenta uma estrutura dualista, sendo que, em sua primeira parte, regulamenta a organização do Estado, ao passo que, na segunda parte, apresenta uma declaração de direitos e deveres fundamentais, acrescentando às clássicas liberdades individuais os novos direitos de conteúdo social. (COMPARATO, 2007, p. 193)
Seu extenso rol de direitos fundamentais era dividido em cinco títulos que tratavam do indivíduo, da ordem social, da religião e sociedades religiosas, da educação e formação escolar e da ordem econômica. Os dois primeiros títulos estabeleciam as garantias liberais clássicas, ao passo que os dois últimos introduziam a dimensão social e econômica dos direitos fundamentais, objetivando-se, desta forma, garantir a liberdade individual por meio de ações (prestações) estatais. (DIMOULIS et al, 2006, p. 34)
As disposições da Constituição de Weimar relativas à educação pública e aos direitos trabalhistas serviram de base à democracia social que se implantaria em muitos dos países europeus após a Segunda Guerra Mundial.
A seção pertinente às questões econômicas iniciava-se com uma disposição de cunho principiológico, estabelecendo como limite à liberdade de mercado a preservação de um nível de existência adequado à dignidade humana (art. 151). A função social da propriedade foi marcada por uma fórmula que se tornou célebre: "a propriedade obriga" (art. 153, segunda alínea). Assim como na Constituição mexicana de 1917, os direitos trabalhistas e previdenciários foram elevados ao nível constitucional de direitos fundamentais (art. 157. e s.). (COMPARATO, 2007, p. 195)
Importante observar, dentro deste contexto, que a Constituição de Weimar exerceu decisiva influência sobre a evolução das instituições políticas em todo o Ocidente. Confirmando este entendimento:
O Estado da democracia social, cujas linhas-mestras já haviam sido traçadas pela Constituição mexicana de 1917, adquiriu na Alemanha de 1919 uma estrutura mais elaborada, que veio a ser retomada em vários países após o trágico interregno nazi-fascista e a Segunda Guerra Mundial. A democracia social representou efetivamente, até o final do século XX, a melhor defesa da dignidade humana, ao complementar os direitos civis e políticos – que o sistema comunista negava – com os direitos econômicos e sociais, ignorados pelo liberal-capitalismo. De certa forma, os dois grandes pactos internacionais de direitos humanos, votados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1966, foram o desfecho do processo de institucionalização da democracia social, iniciado por aquelas duas Constituições do início do século. (COMPARATO, 2007, p. 192-193)
Assim, temos que a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar (1919) caracterizam-se como os marcos iniciais da positivação dos direitos fundamentais de segunda dimensão, que somente muitos anos depois seriam alvo de documentos adotados pela Assembleia Geral das Nações Unidas, quais sejam, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966).
2. Conceito e características dos direitos sociais
Antes de buscarmos um conceito para os direitos sociais, mostra-se necessário que estes sejam diferenciados dos direitos econômicos.
Em linhas gerais, pode-se afirmar que os direitos econômicos têm uma dimensão institucional, enquanto os direitos sociais constituem formas de tutela pessoal. Os direitos econômicos voltam-se para a realização de determinada política econômica, ao passo que os direitos sociais disciplinam situações subjetivas, pessoais ou grupais, de caráter concreto. Pode-se admitir que os direitos econômicos caracterizam-se como pressupostos da própria existência dos direitos sociais tendo em vista que, sem uma política econômica orientada para a intervenção e participação estatal na economia, dificilmente serão construídas as premissas necessárias para o surgimento de um sistema democrático capaz de tutelar as parcelas mais fragilizadas da população. (SILVA, 2008, p. 286)
Feita esta primeira distinção, observamos que a tentativa de conceituar algo não se mostra, na maioria das vezes, simples. Assim, na busca de um conceito para os direitos sociais, temos que a seguinte afirmação nos assegura o norte para que não percamos o rumo ao caminharmos pelos desdobramentos que a partir dela mostram-se necessários: "como as liberdades públicas, os direitos sociais são direitos subjetivos. Entretanto, não são meros poderes de agir – como é típico das liberdades públicas de modo geral – mas sim poderes de exigir. São direitos de crédito". (FERREIRA FILHO, 2006, p. 49-50)
Pode-se dizer que os direitos sociais são, em sentido material:
[...] direitos a ações positivas fáticas, que, se o indivíduo tivesse condições financeiras e encontrasse no mercado oferta suficiente, poderia obtê-las de particulares; porém, na ausência destas condições e, considerando a importância destas prestações, cuja outorga ou não-outorga não pode permanecer nas mãos da simples maioria parlamentar, podem ser dirigidas contra o Estado por força de disposição constitucional. (LEIVAS, 2006, p. 89)
A dimensão dos direitos fundamentais sob análise outorga ao indivíduo a possibilidade de exigir prestações sociais estatais (assistência social, saúde, educação, etc.), explicitando a necessidade de uma transição entre as liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas. (SARLET, 2007, p. 57)
A nota distintiva dos direitos sociais é sua dimensão positiva, uma vez que não mais estamos diante de situações nas quais o que se busca é evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual; pelo contrário, o que se pretende, com o reconhecimento dos direitos sociais, é a garantia de participação do indivíduo no bem-estar social. "Não se cuida mais, portanto, de liberdade ‘do’ e ‘perante’ o Estado, e sim de liberdade ‘por intermédio’ do Estado". 3 (SARLET, 2007, p. 56-57)
O titular dos direitos sociais continua sendo, como nos direitos civis e políticos, o homem na sua individualidade. (LAFER, 2006, p. 127)
A exemplo dos direitos de primeira dimensão, também os direitos sociais se reportam à pessoa individual, sendo que, por este motivo, não podem ser confundidos com os direitos coletivos e/ou difusos da terceira dimensão. (SARLET, 2007, p. 57)
De se observar, porém, que os direitos sociais diferem em natureza dos clássicos direitos subjetivos. Tal diferença decorre da circunstância de que os direitos sociais não são fruíveis ou exequíveis de forma individual. 4 Isso não quer dizer que não possam, em determinadas circunstâncias, ser exigidos judicialmente de forma semelhante a outros direitos subjetivos. Entretanto, via de regra, os direitos sociais, por terem como característica a generalidade e a publicidade, dependem, para sua eficácia, da atuação dos Poderes Executivo e Legislativo. Assim é o caso, por exemplo, dos serviços públicos de educação, saúde e segurança. (LOPES, 2005, p. 129)
Nesse sentido, os sociais, embora tendo como titular o indivíduo, podem ser concebidos como direitos de índole coletiva, o que justifica, inclusive, a utilização da expressão "social". Os direitos de segunda dimensão caracterizam-se por serem uma "densificação do princípio da justiça social", sendo que correspondem, invariavelmente, a reivindicações das classes menos favorecidas, sobretudo a operária, a título de compensação em decorrência da extrema desigualdade que caracteriza as relações com a classe empregadora, detentora de maior poderio econômico. (SARLET, 2007, p. 57)
Por sua vez, o sujeito passivo dos direitos sociais é o Estado, sendo este o responsável pelo atendimento do objeto de tal modalidade de direitos, qual seja, a prestação de um serviço: o serviço escolar, quanto ao direito à educação; o serviço médico-sanitário-hospitalar, quanto ao direito à saúde; os serviços desportivos, para o lazer, etc. (FERREIRA FILHO, 2006, p. 50)
Em sentido amplo, todo direito a uma ação positiva do Estado pode ser caracterizado como um direito prestacional. Os direitos sociais, portanto, encontram-se entre as espécies de direitos prestacionais em sentido amplo e podem ser considerados como direitos prestacionais em sentido estrito. Ao lado deles, outras duas espécies de direitos prestacionais podem ser elencadas: os direitos de proteção e os direitos à organização e ao procedimento. (ALEXY, 2007, p. 391-393)
Os direitos de proteção podem ser entendidos como aqueles que dão ao indivíduo o direito fundamental à proteção estatal frente à intervenção de terceiros. Eles podem ter como objeto coisas muito diferentes, sendo que estas se estendem desde a proteção, de tipo clássico, frente ao homicídio, até a proteção frente aos perigos do uso pacífico da energia atômica. Não só a vida e a saúde são bens passíveis de proteção, como também todos aqueles que, do ponto de vista dos direitos fundamentais, são dignos de receberem tutela estatal, como, por exemplo, a dignidade, a liberdade, a família e a propriedade. (ALEXY, 2007, p. 398)
Já os direitos à organização e ao procedimento vêm sendo compreendidos a partir da fórmula que lhes atribui o objetivo de realizar e assegurar os direitos fundamentais por meio, justamente, de uma organização e de um procedimento voltados para referida finalidade. Tal fórmula, porém, não faz a distinção entre o direito à organização e o direito ao procedimento. (ALEXY, 2007, p. 418-419)
Mostra-se fácil reconhecer a razão pela qual referida fórmula vem sendo utilizada de maneira pouco técnica. O espectro do que é designado por ela é muito amplo e se estende desde o direito a uma tutela jurídica efetiva, que poderia ser chamado de "direito aos procedimentos", até aquele direito a "medidas estatais de tipo organizativo", que se refere aos critérios de composição dos órgãos colegiados. (ALEXY, 2007, p. 419)
A reunião de coisas tão diferentes sob um mesmo conceito somente se justifica em razão da existência de uma afinidade entre elas. Esta afinidade é, justamente, a ideia de procedimento. (ALEXY, 2007, p. 419)
Os procedimentos são sistemas de regras e/ou princípios voltados para a obtenção de um resultado. Se este resultado é obtido por meio do respeito a tais regras e/ou princípios, então, do ponto de vista procedimental, isto representa algo positivo; se não se obtém desta maneira, então, do ponto de vista procedimental, tem lugar algo defeituoso ou negativo. Este conceito amplo compreende tudo o que pode ser enfeixado na seguinte fórmula: "realização e garantia dos direitos fundamentais por meio da organização e do procedimento". (ALEXY, 2007, p. 419)
Dentro da ideia que anima o presente trabalho, voltamos nossa atenção para os referidos direitos prestacionais em sentido estrito ou direitos fundamentais sociais.
Os fundamentais sociais são direitos a ações positivas, sendo que estas representam uma "mudança causal de situações ou processos na realidade, enquanto a omissão significa uma não-mudança de situações ou processos na realidade, embora fosse possível a mudança". (LEIVAS, 2006, p. 87)
Para que possam ser materialmente eficazes, os direitos sociais demandam a intervenção ativa e continuada dos Poderes Públicos, sendo que, ao contrário da maioria dos direitos individuais tradicionais, cuja proteção exige do Estado que jamais permita sua violação, os direitos sociais requerem uma enorme diversidade de políticas públicas que devem ter por objetivo a sua concretização. (FARIA, 1994, p. 54)
Sobretudo após a Primeira Guerra Mundial, constatou-se que para o adequado exercício dos direitos civis e políticos mostrava-se necessário que aos indivíduos fossem asseguradas condições mínimas de vida e bem-estar. Chegou-se à conclusão de que os direitos fundamentais de primeira e segunda gerações formam um conjunto uno e indissociável, constatando-se que a liberdade individual afigura-se como mera ilusão caso não seja acompanhada de um mínimo de igualdade social, sendo que esta, caso seja estabelecida com sacrifício dos direitos civis e políticos, acaba acarretando privilégios econômicos e sociais. (COMPARATO, 2007, p. 337)
A doutrina reconhece a característica da complementaridade entre os direitos fundamentais de primeira e segunda dimensões, sendo que estes últimos buscam assegurar as condições para o pleno exercício dos primeiros, eliminando ou atenuando os impedimentos ao pleno uso das capacidades humanas. Por tal motivo, os direitos sociais, enquanto direitos de crédito, podem ser encarados como direitos que tornam reais direitos formais, procurando "garantir a todos o acesso aos meios de vida e de trabalho num sentido amplo, impedindo, desta maneira, a invasão do todo em relação ao indivíduo, que também resulta da escassez dos meios de vida e de trabalho". (LAFFER, 2006, p. 127-128)
Os direitos sociais caracterizam-se, portanto, como direitos marcados pela busca da igualdade entre os indivíduos.
Nesse sentido, ao mesmo passo em que o princípio da igualdade é aquele que alavanca o entendimento de que os direitos sociais mostram-se necessários a fim de que a liberdade do indivíduo, reconhecida no ordenamento jurídico no âmbito formal, possa se concretizar do ponto de vista fático, o princípio da solidariedade revela-se como aquele capaz de harmonizar as várias dimensões dos direitos fundamentais, fazendo com que possam ser reconhecidos e garantidos concomitantemente. 5
O princípio da igualdade, ou da equidade numa acepção que se pretende mais moderna e acertada, mesmo sendo reconhecido formalmente nos textos constitucionais que corporificam os contratos sociais dos países que integram o dito "mundo moderno civilizado", não traz aos indivíduos, na prática, a garantia de que a igualdade entre todos será efetivamente assegurada.
Como se sabe, os seres humanos são profundamente diversos. Além das diferenças relativas às nossas características externas (nas riquezas que herdamos ou no ambiente social e natural em que vivemos), somos diferentes também no que diz respeito a nossas características pessoais (idade, sexo, propensão à doença, aptidões físicas e mentais). Desta forma, a avaliação das demandas de igualdade tem que se ajustar à existência de uma diversidade humana generalizada, sendo que a poderosa retórica da igualdade entre os homens tende a desviar a atenção dessas diferenças. Ainda que tal retórica seja considerada como parte essencial do igualitarismo, o efeito decorrente da desconsideração das variações interpessoais pode ser, na realidade, profundamente não igualitário, escondendo o fato de que a igual consideração de todos pode demandar um tratamento bastante desigual em favor dos que estão em desvantagem. Neste sentido, temos que as exigências voltadas para a consecução de uma igualdade substantiva mostram-se especialmente rigorosas e complexas quando existe uma boa dose anterior de desigualdade a ser enfrentada. (SEN, 2001, p. 29-30)
A questão central da teoria política, em um Estado que se supõe governado pela concepção liberal de igualdade, é aquela que busca descobrir quais desigualdades em termos de bens, oportunidades e liberdades são permitidas e por quais motivos. (DWORKIN, 2002, p. 420)
Fica evidente, desta forma, que a concretização da igualdade entre os integrantes de um grupo social exige que os diversos indivíduos sejam tratados de forma desigual na medida em que possuem diferentes necessidades. Entretanto, a tentativa de convencimento de que esta abordagem do princípio da igualdade é a mais adequada não se revela tarefa simples.
O que se percebe, na realidade, é que "o homem sonha com um mundo unificado, com sociedades pacíficas onde reinem a concórdia e a felicidade. Entretanto, sua natureza parece se opor a isso, seu individualismo cego põe em risco não apenas a convivência humana, mas a própria vida no planeta Terra". (ROSSO, 2007, on line)
Somente o reconhecimento e o efetivo respeito ao princípio da solidariedade será capaz de assegurar que a igualdade entre os indivíduos afigure-se como objetivo capaz de ser concretizado, valendo destacar que, "perdida a noção de responsabilidade com o próximo, o próprio Direito torna-se ineficaz, parecendo inútil o trabalho de aperfeiçoamento do sistema jurídico quando se é olvidada sua base valorativa". (ROSSO, 2008, on line)
A ideia central que levou à incorporação dos sociais ao rol dos direitos fundamentais tem seu alicerce na necessidade de que a todos sejam garantidas condições mínimas de bem-estar, assegurando-se a igualdade de oportunidades, o que está intrinsecamente ligado ao princípio da solidariedade. (PORT, 2005, p. 09)
Assegurar a igualdade de oportunidades a todos: eis o objetivo a ser perseguido pelo Estado que pretenda cumprir de forma adequada o que dele se espera.