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Origens, conceito e características dos direitos sociais.

Uma análise das consequências do déficit na implementação dos direitos fundamentais de segunda dimensão

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06/04/2010 às 00:00
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3. Consequências do déficit na implementação dos direitos sociais: exclusão, violência e criminalidade

Evidenciada a profunda necessidade de serem adotados mecanismos de concretização dos direitos fundamentais de segunda dimensão, mostra-se oportuna a abordagem de um dos temas que mais motivam o debate em todas as esferas do organismo social mundo afora, qual seja, o recrudescimento da violência e da criminalidade e a sua relação com a ausência ou baixa efetividade das políticas sociais.

Em princípio, mostra-se necessário destacar que, durante o século XX, o projeto modernista buscou a incorporação crescente da população à plena cidadania, sendo certo que todo e qualquer contrato social marcado por tal intenção deve se basear na noção de uma cidadania não apenas formal, mas substancial. (YOUNG, 2002, p. 19)

"Estado de Direito" e "cidadania" caracterizam-se como expressões correntes no âmbito do vocabulário político atual, sendo que se mostram "ligadas geralmente às idéias de democracia, de Governo limitado pelo Direito e de participação do povo nas decisões políticas". (DALLARI, 2003, p. 194)

A cidadania é uma condição complexa e, assim, deve ser considerada como um antecedente lógico da democracia, caracterizando-se como a aptidão-direito do homem a ter direitos, derivada de sua própria condição humana. O fato de não se poder separar cidadania de condição humana não lhe imprime um caráter de naturalidade, sendo, portanto, inafastável o entendimento de que a cidadania caracteriza-se como uma construção histórica. Não obstante tal entendimento, chega-se, hoje, a uma aporia, qual seja, a de que negar a condição de cidadania a alguém equivale a negar-lhe a própria humanidade. Assim, percebe-se, em certo sentido, uma retomada da concepção aristotélica de homem, este compreendido como animal político e, portanto, incapaz de viver sem conexões com a cidade, devendo ser salientada a circunstância de que o homem só adquire a referida condição humana quando lhe é reconhecido um direito fundamental de existência, que é justamente o direito a ter direitos. (ALVES, 2008, p. 279-280)

Nesses termos, a cidadania, em um de seus aspectos, traz em si a ideia do direito fundamental à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, entre outras garantias que o Estado deve assegurar.

O reconhecimento da cidadania sempre foi considerado uma das principais conquistas que se verificaram ao longo da história da humanidade, especialmente em razão da influência do iluminismo francês, de caráter eminentemente racionalista, segundo o qual a cidadania baseia-se nos princípios da igualdade e da fraternidade. Em nossos dias, a ideia de cidadania pode ser compreendida, entre outras acepções, como o poder jurídico do indivíduo voltado para a fruição de serviços públicos ligados aos direitos fundamentais sociais (saúde, educação, moradia, segurança, etc.). (APPIO, 2005, p. 69)

Assim, não há como se deixar de reconhecer que a falta de concretização dos direitos sociais acarreta o que podemos denominar de "déficit de cidadania", lançando o indivíduo nas esferas da pobreza e da miséria, sendo que, "século após outro, décadas e mais décadas e o problema da exclusão social no Brasil continua presente, a despeito de sua gravidade e das conseqüências para grande parcela da população". (POCHMANN et al, 2004, p. 09)

Por certo, a pobreza e a miséria não são as únicas causas dos alarmantes índices de violência e criminalidade constatados não só no Brasil como também ao redor do Planeta; porém, enquanto geradoras de desigualdade social, contribuem de forma decisiva para o crescimento de tais índices. (PAULA, 2007, p. 3.164)

Os cientistas sociais indicam, entre outras causas, que a atividade criminosa está relacionada a fatores como urbanização, migração, pobreza, industrialização e analfabetismo, sendo que a profunda desigualdade que permeia a sociedade brasileira certamente serve de pano de fundo à violência cotidiana e ao crime. "A associação de pobreza e crime é sempre a primeira que vem à mente das pessoas quando se fala de violência. Além disso, todos os dados indicam que o crime violento está distribuído desigualmente e afeta especialmente os pobres". (CALDEIRA, 2000, p. 126. e 134)

No plano dos conceitos, a pobreza pode ser definida como a falta do necessário à vida, ao passo que a miséria é a pobreza extrema, a indigência ou penúria.

Tanto a pobreza quanto o seu estado mais agudo, a miséria, são reconhecidas como fatores sociais de violência e criminalidade, sendo certo que os delitos derivam principalmente da desigualdade econômica, valendo destacar que, para uma vertente do pensamento socialista, o crime representa uma reação contra a injustiça social. (GAROFALO, 1997, p. 103)

Essa constatação nos encaminha para o entendimento de que o sistema penal, sobretudo no âmbito do cárcere, agrega, em sua maioria, pessoas que não possuem o mínimo necessário para uma vida digna, uma vez que não lhes são assegurados os direitos fundamentais sociais. Neste sentido, temos que:

[...] os assaltantes, em sua quase totalidade, são indivíduos rudes, semi-analfabetos e pobres, quando não miseráveis. Sem formação moral adequada, eles são parias da sociedade, nutrindo indisfarçável raiva e aversão, quando não ódio, por todos aqueles que possuem bens de certo modo ostensivos, especialmente automóveis de luxo e mansões, símbolos inquestionáveis de um "status" econômico superior.

Esse sentimento de revolta por viver na pobreza não deixa de ser um dos fatores que induz o indivíduo ao crime (contra o patrimônio, especialmente), adquirindo, não raro, um sentido de violência delinqüencial muito grande. De fato, assaltantes adultos ou jovens, agindo isoladamente ou em quadrilhas, não se apiedam das vítimas, matando-as, às vezes, pelo simples esboço de um gesto qualquer de pavor ou de instintiva e desarmada defesa.

Esse ódio ou aversão contra os possuidores de bens age como verdadeiro fermento, fazendo crescer o bolo da insatisfação, do inconformismo e da revolta das classes mais pobres da sociedade, que se tiverem a temperar o bolo algum hipertensor da violência e agressividade humanas, infalivelmente as levarão ao cometimento de alentado número de atos anti-sociais, desde a destruição de uma simples cabine telefônica até à perpetração dos crimes mais bárbaros, dando números maiores às altas taxas de criminalidade, que parecem incluir-se na categoria das deseconomias de aglomeração, como um particular custo pago pelo habitante das grandes cidades pelas vantagens da urbanização.

Nesses casos, a repressão policial tem valor limitado, pois combatendo uma parte maior ou menor dos efeitos, não tem o condão de eliminar as causas.

E as causas todas emanam, principalmente, da má distribuição de riquezas e do conluio do Poder Público com o poder econômico, permitindo que este caminhe paralelamente com ele, como seu sub-gerente na condução dos destinos de um país. (FERNANDES et al, 2002, p. 389)

Resta claro, dessa forma, que a pobreza e a miséria são causas de um dos problemas mais sérios que atingem toda a humanidade nos dias atuais, qual seja, o aumento vertiginoso dos índices de criminalidade, sendo que nem mesmo o mais sofisticado e contundente aparato de repressão estatal vem conseguindo alcançar resultados relevantes no combate à violência que brota das desigualdades sociais.

Feita essa constatação, é preciso dizer que sob o império da economia de mercado e do fenômeno da globalização, a sociedade vem passando por transformações profundas a respeito das formas pelas quais o Estado promove intervenções em seu âmbito. 6 No atual contexto, as relações, os processos e as estruturas econômicas, políticas, demográficas, geográficas, históricas, culturais e sociais, desenvolvidas internacionalmente, impõem-se sobre as relações, processos e estruturas que se desenvolvem em escala nacional. (IANNI, 2006, p. 237)

Nos países desenvolvidos, o "Estado providência" vem cedendo espaço para uma forma de atuação neoliberal. As consequências desta mudança são sentidas de maneira marcante no aumento do número de delitos, fato que vem implicando em uma nova forma de atuação do Estado no campo da justiça criminal, acarretando um aumento considerável do tamanho, bem como da virulência, do aparato inerente ao sistema penal. Percebe-se, ainda, que em tais países o recrudescimento das formas de punição dos criminosos caracteriza-se como o método adotado para a busca da pacificação social, ao mesmo passo em que mecanismos inerentes ao welfare State são abandonados, tornando as camadas sociais menos privilegiadas do ponto de vista econômico a "clientela preferencial" dos sistemas judiciais.

Já nos países em desenvolvimento ou países de modernidade tardia, antes da consolidação do "Estado do bem-estar social" está se verificando uma mudança na forma de atuação dos Poderes constituídos, sendo que estes, mesmo que de forma míope, vêm adotando uma estratégia de cunho neoliberal, circunstância que acarreta a consolidação das profundas desigualdades sociais entre os cidadãos e acentua a seletividade no campo de incidência dos mecanismos do sistema penal, atingindo principalmente os pobres e miseráveis. 7

É preciso reconhecer que a produção de "refugo humano", ou, em outras palavras, de "seres humanos refugados", dos "excessivos" e "redundantes", enfim, dos que não puderam ou não quiseram ser reconhecidos ou obter permissão para ficar e fazer parte de determinada sociedade, caracteriza-se como um produto inevitável da modernização, e um acompanhante inseparável da modernidade. (BAUMAN, 2005, p. 12)

A desigualdade econômica e as consequências dela decorrentes, mormente a pobreza e a miséria, são consideradas como características das sociedades modernas, "apesar de estas terem vindo proclamar que todos os homens (mesmo os trabalhadores) são livres e iguais perante a lei". (NUNES, 2003, p. 30)

De se observar, também, que durante grande parte da história moderna, muitas partes do Planeta, sobretudo as "atrasadas" e "subdesenvolvidas", permaneceram total ou parcialmente inatingidas pelas pressões modernizadoras, escapando, assim, de seu efeito "superpopulacional". Essas partes "pré-modernas" ou "subdesenvolvidas" eram vistas e tratadas como terras capazes de absorverem os excessos populacionais dos "países desenvolvidos" e, assim, eram encaradas como destinos naturais para a exportação de "pessoas redundantes", caracterizando-se como aterros sanitários óbvios e prontos a serem utilizados para o despejo do refugo humano produzido pelo processo de modernização. A remoção desse refugo caracterizou-se como a mais específica característica da colonização e das conquistas imperialistas, ambas possíveis, e mesmo inevitáveis, em decorrência do poder diferencial continuamente reproduzido pela abissal desigualdade de "desenvolvimento" (chamada, eufemisticamente, de "atraso cultural"), resultante, por sua vez, do confinamento do modo de vida moderno a uma parte "privilegiada" do Planeta. Essa desigualdade permitiu aos países modernos buscar – e encontrar – soluções globais para problemas de superpopulação produzidos localmente. (BAUMAN, 2005, p. 12-13)

Tal situação pôde permanecer enquanto a modernidade, isto é, a modernização perpétua, compulsiva, obsessiva e viciosa, permanecia um privilégio. A partir do momento em que a modernidade tornou-se a condição universal da humanidade, vieram à tona os efeitos de seu domínio planetário. Observou-se, a partir daí, que a modernização progrediu de modo avassalador, atingindo as partes mais remotas do Planeta, sendo que quase toda produção e consumo humanos tornaram-se mediados pelo dinheiro e pelo mercado, motivo pelo qual a mercantilização, a comercialização e a monetarização dos modos de subsistência dos indivíduos alcançaram os recantos mais longínquos. Em virtude de tais circunstâncias, não mais se dispõe de soluções globais para excessos locais, observando-se, na realidade, exatamente o contrário, isto é, todas as localidades (incluindo, de modo mais notável, aquelas com elevado grau de modernização) têm de suportar as consequências do triunfo mundial da modernidade, vendo-se na obrigação de procurar, ao que parece sem sucesso, soluções locais para problemas produzidos globalmente. Em síntese, poderia se dizer que a nova plenitude do Planeta significa, essencialmente, uma crise aguda da indústria de remoção do refugo humano pois, enquanto sua produção prossegue inquebrantável, atingindo novos ápices, o Planeta, de forma cada vez mais rápida, necessita de novos locais de despejo e de ferramentas para reciclagem do lixo. (BAUMAN, 2005, p. 13)

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Após a implosão do socialismo como modelo puro de governo, a prevalência do sistema capitalista e, mais recentemente, a adoção do modelo estatal neoliberal, 8 intensificaram as desigualdades entre os diversos estratos da pirâmide social, quer nos países desenvolvidos, em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, acarretando uma cada vez mais acentuada concentração de riquezas, fazendo com que uma legião de pobres e miseráveis sejam privados dos direitos fundamentais à educação, saúde, trabalho e segurança e, por este motivo, recebam continuamente estímulos para a prática criminosa. Nestes termos, é possível afirmar que o processo de transição da modernidade para a modernidade recente pode ser encarado como um movimento que se dá a partir de uma sociedade inclusiva no sentido da consolidação de uma sociedade excludente, ou seja, desde uma sociedade cuja tônica é a assimilação e a incorporação até uma outra que, com características opostas, separa e exclui. (YOUNG, 2002, p. 23)

De forma lenta e contínua, esse novo modelo social, marcado pela exclusão, vai esculpindo novos valores e substituindo antigas crenças, concepções de mundo e moral, acarretando mudanças que se verificam em diversos campos, como o econômico, social, familiar, político e, inclusive, no relacionamento humano. É certo que ainda se mostra prematuro apontar, de forma conclusiva, quais são os novos valores sociais emergentes, mas é possível observar como algumas alterações, já visíveis, alteram e abalam a modernidade, provocando um panorama assustador. (SALIBA, 2008, p. 172)

A análise da mudança do modelo estatal em cotejo com o fenômeno do aumento da criminalidade explica, em muitos de seus aspectos, a constatação de que há alguns anos a Europa vem sofrendo a escalada de um desses pânicos morais capazes, por sua amplitude e virulência, de mudar profundamente os rumos das políticas estatais, redesenhando a fisionomia das sociedades por ele atingidas, tendo por objeto a delinquência dos jovens, a violência urbana, os múltiplos distúrbios e as incivilidades, cujo centro de irradiação seriam os "bairros sensíveis". (WACQUANT, 2001, p. 17)

Especificamente sobre a França, constata-se que o Estado iniciou um processo marcado pelo abandono de muitas políticas no campo social, resultando daí uma soma extraordinária de sofrimentos de todos os tipos, afetando não apenas as pessoas que vivem na pobreza e na miséria. Com o novo perfil do Estado francês, temos que, na origem dos problemas surgidos nos subúrbios das grandes cidades, há uma política neoliberal de habitação que, posta em prática na década de 1970, acarretou uma autêntica segregação social, colocando, de um lado, o subproletariado, composto, em grande parte, por imigrantes, que permaneceu nos grandes conjuntos coletivos, e, de outro lado, os trabalhadores permanentes dotados de um salário estável e a pequena burguesia, que passaram a residir em pequenas casas individuais compradas a crédito, fato que lhes trouxeram enormes dificuldades. Inegável, portanto, que o corte social sob foco foi determinado por uma medida política. (BORDIEU, 1998, p. 45)

É importante destacar que, atualmente, a Europa vem recebendo a influência decisiva dos Estados Unidos no que tange à forma de organização do Estado, deixando o modelo social ("Estado providência") e fortalecendo uma tendência neoliberal, postura que acarreta forte redução dos investimentos voltados para a implementação dos direitos fundamentais sociais, bem como a erradicação de sindicatos com a consequente modificação das relações trabalhistas e a extinção de benefícios. 9

Vale observar, neste ponto, que nos Estados Unidos o que atualmente se verifica é um desdobramento do Estado, ou seja: de um lado, observa-se um Estado que mantém as garantias sociais, mas apenas para os privilegiados, isto é, para os que tenham cacife econômico capaz de dar garantias à atuação estatal; de outro, o que se percebe é um Estado repressor, policialesco, voltado para o povo. Neste sentido, dois exemplos mostram-se emblemáticos: no Estado da Califórnia, um dos mais ricos e conservadores dos Estados Unidos, o orçamento das prisões é superior, desde 1994, ao orçamento de todas as universidades reunidas; já os negros do gueto de Chicago só conhecem, do Estado, o policial, o juiz, o carcereiro e o parole officer, que é o oficial encarregado de aplicar as penas, diante de quem eles devem se apresentar regularmente, sob risco de voltarem à prisão. Como se percebe, a atuação do Estado está se reduzindo, cada vez mais, à sua função policial e punitiva. 10 (BORDIEU, 1998, p. 45-46)

Entretanto, ao contrário do que se esperava, tal postura estatal vem ensejando um sensível aumento da criminalidade tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, deixando claro, então, que a penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um "mais Estado" policial e penitenciário o "menos Estado" econômico e social, sendo tal estratégia a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, sejam desenvolvidos ou não. (WACQUANT, 2001, p. 07-08)

Ainda sobre a política de segurança neoliberal, temos que:

[...] ela reafirma a onipotência do Leviatã no domínio restrito da manutenção da ordem pública – simbolizada pela luta contra a delinqüência de rua – no momento em que este afirma-se e verifica-se incapaz de conter a decomposição do trabalho assalariado e de refrear a hipermobilidade do capital, as quais, capturando-a como tenazes, desestabilizam a sociedade inteira. E isso não é uma simples coincidência: é justamente porque as elites do Estado, tendo se convertido à ideologia do mercado-total vinda dos Estados Unidos, diminuem suas prerrogativas na frente econômica e social que é preciso aumentar e reforçar suas missões em matéria de "segurança", subitamente relegada à mera dimensão criminal. No entanto, e sobretudo, a penalidade neoliberal ainda é mais sedutora e mais funesta quando aplicada em países ao mesmo tempo atingidos por fortes desigualdades de condições e de oportunidades de vida e desprovidos de tradição democrática e de instituições capazes de amortecer os choques causados pela mutação do trabalho e do indivíduo no limiar do novo século. Isso é dizer que a alternativa entre o tratamento social da miséria e de seus correlatos – ancorado numa visão de longo prazo guiada pelos valores de justiça social e de solidariedade – e seu tratamento penal – que visa as parcelas mais refratárias do subproletariado e se concentra no curto prazo dos ciclos eleitorais e dos pânicos orquestrados por uma máquina midiática fora de controle, diante da qual a Europa se vê atualmente na esteira dos Estados Unidos, coloca-se em termos particularmente cruciais nos países recentemente industrializados da América do Sul [...].(WACQUANT, 2001, p. 07-08)

Especificamente sobre o Brasil, constatamos um ambiente de desesperança e pânico coletivo, sendo que a histeria em torno da necessidade de segurança e as reações irracionais e reacionárias em face da questão da violência urbana comprometem até mesmo um projeto democrático que se pretenda duradouro, uma vez que preconizam desde a adoção da pena de morte para delinquentes de todo tipo, passando por operações militares violentas e indiscriminadas em favelas e núcleos de pobreza da população civil, até a utilização banal de providências extraordinárias de estabilização da ordem pública, como o estado de sítio e o estado de defesa (arts. 136. e 137 da Constituição Federal), sabidamente acompanhadas da consequente supressão de direitos e garantias fundamentais. Este fenômeno, que em maior ou menor escala tem hoje feição mundial, demonstra a expansão do movimento law & order, assentando-se: a) na deterioração generalizada do tecido social; b) na violência urbana e na ineficiência do Estado no sentido de enfrentá-la; c) na expansão mundial do terrorismo, do crime organizado, do narcotráfico e das operações de lavagem de dinheiro obtido por meios ilícitos (money laundery). Diante de tal quadro, mostra-se impossível ignorar que a escalada da violência nos centros urbanos brasileiros, especialmente a violência gerada pelas facções de narcotraficantes, que explode nas favelas e se irradia para todos os pontos das cidades, tem atingido proporções extremas e insuportáveis. (CASTRO, 2005, p. 263-265)

Assim, mostra-se necessário que aos indivíduos seja garantida a possibilidade de superarem a pobreza e a miséria 11 sendo que, para tanto, devem ser promovidos mecanismos de concretização dos direitos fundamentais, caracterizando-se esta como uma das principais estratégias no combate à violência e à criminalidade, uma vez que, afastado do estado de penúria, o indivíduo deixará de encontrar tantos estímulos que o levam à prática delitiva.

Não há como se negar que o papel do Estado é intervir de modo a realizar, passo a passo, a justiça social. "Os pilares gêmeos da modernidade são o Estado de Direito e o ‘Estado do bem-estar social’ tal como representado na teoria legal neoclássica e nas noções positivistas de planejamento. O Estado protege e o Estado liberta". (YOUNG, 2002, p. 19-20)

É preciso, de uma vez por todas, compreender que "os direitos humanos não são mais simplesmente solenes declarações de intenção, mas, muito antes, uma parte obrigatória da ordem dos direitos e do Estado. Eles perderam o caráter de simples princípios de legitimidade e se tornaram princípios de legalidade". (HÖFFE, 2006, p. 416)

Mesmo dentro de uma concepção liberal de Estado, mostra-se necessário compreender que o liberalismo realmente democrático já não pode ser aquele da Revolução Francesa, devendo ser permeado pelos elementos humanistas que vieram ao encontro do ideal da liberdade. (BONAVIDES, 1993, p. 49)

Em um País como o nosso, repleto de injustiças, os direitos sociais apresentam-se como uma contribuição essencial do Estado, sobretudo em favor daquela parcela da população que se mostra carente dos recursos básicos para o acesso a uma condição existencial minimamente aceitável, possibilitando-lhe alcançar o livre desenvolvimento físico e espiritual. (ZIMMERMANN, 2006, p. 333-334)

Não podemos ver perdurar um Estado que mantém relações ambíguas com a sociedade: autoritário e violento com a grande maioria da população e, ao mesmo passo, dócil e transigente com os interesses da elite. Sem que a sociedade brasileira seja capaz de provocar uma autêntica ruptura que tenha os direitos fundamentais como paradigma ético e a Constituição como único caminho, "a exceção continuará sendo a regra para largos setores da população e a democracia continuará sofrendo grandes dificuldades em se consolidar". (VIEIRA, 1995, p. 195)

Devemos ressaltar que os conceitos de cidadania, democracia e direitos fundamentais estão intimamente ligados, sendo que um remete ao outro e seus conteúdos interpenetram-se. A análise da realidade brasileira, sobretudo pelo viés daqueles que se encontram na pobreza ou, pior do que isso, na mais completa indigência, deixa claro que as inovações trazidas pela Constituição, cujo signo maior é a verdadeira democracia, aquela que implica total respeito aos direitos fundamentais, estão ainda muito longe de serem alcançadas. O cidadão brasileiro, na realidade, usufrui de uma cidadania aparente, uma cidadania de papel, sendo que a temática da cidadania encontra seu limite quando nos deparamos com o problema da efetividade das normas constitucionais e com a inépcia dos Poderes Públicos. A concepção da nova cidadania está articulada a partir dos direitos fundamentais, sendo que cada um deles tem sua especificidade, mas constituem um todo integrado, em que cada um está implicado com os demais e a sua totalidade é que dá suporte para a "democratização da democracia". (COSTA, 2007, p. 187)

Os Poderes constituídos e a sociedade civil organizada devem enfrentar o tema da concretização dos direitos sociais pois, somente assim, a pobreza e a miséria, enquanto causas da violência e da criminalidade, serão adequadamente equacionadas, em benefício de todos os indivíduos, independentemente do estrato social em que estejam inseridos.

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Sobre o autor
Leonardo Augusto Gonçalves

Graduado e Pós-Graduado (Mestrado em Ciência Jurídica) pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (Jacarezinho-PR), instituição onde também atua como Professor Voluntário, participando da orientação e co-orientação de monografias produzidas pelos alunos da Graduação (Trabalhos de Conclusão de Curso). Promotor de Justiça no Estado de São Paulo desde 2000, sendo títular do cargo da Promotoria de Maracaí (entrância inicial) desde 2003. Tem experiência acadêmica e profissional na área da tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, com ênfase nos direitos fundamentais sociais e no controle jurisdicional das políticas públicas. Dedica-se à pesquisa na linha da Função Política do Direito, abrangendo temas relacionados ao Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Financeiro e Sociologia do Direito. Autor de artigos apresentados em Congressos de âmbito nacional, com publicações nos respectivos anais, bem como de artigos publicados em revistas e periódicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Leonardo Augusto. Origens, conceito e características dos direitos sociais.: Uma análise das consequências do déficit na implementação dos direitos fundamentais de segunda dimensão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2470, 6 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14640. Acesso em: 26 nov. 2024.

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