As taxas de juros são grandes causadoras de polêmicas. No início dos anos 90 o Judiciário viu-se em meio a uma enxurrada de ações revisionais de contratos questionando especialmente as taxas de juros em contratos de empréstimos/financiamentos que tornavam as obrigações impossíveis de se adimplir vez que duplicavam ou até triplicavam o valor dos mesmos.
Aqui faço breves esclarecimentos sobre alguns conceitos antes de adentrar a matéria legal. Contudo, não sou economista e este ensaio não tem a pretensão de explicar minuciosamente as práticas das instituições financeiras ou os cálculos que aplicam em seus contratos.
1.O que são juros?
Juros têm uma definição simples: trata-se da remuneração, o preço pelo uso do capital. Entretanto, esse conceito parece-me ligeiramente falho, posto que os juros também se prestam a indenizar o proprietário do capital emprestado em caso de atraso no pagamento, ou como forma de punir aqueles que não cumprem pontualmente suas obrigações, ainda que essas não advenham de empréstimos, como por exemplo, o pagamento de um boleto de mensalidade após o vencimento.
Assim, parece mais correto entender os juros como remuneração pelo uso de capital emprestado, bem como forma de indenizar o credor e punir o devedor pelo atraso no pagamento das avenças.
2.O que são juros sobre juros?
Muito se fala nessa prática que, em juridiquês, recebe a denominação de anatocismo. Trata-se da prática dos juros compostos.
Exemplo: Quando do empréstimo de um valor ‘x’, o credor, a título de remuneração do capital determina que um valor ‘y’ de juros incida sobre o montante. Aqui trata-se dos juros remuneratórios e o devedor sabe que, a partir dessa incidência, ele deve um valor ‘z’, pois ‘z’ é igual ao montante ‘x’ acrescido dos juros ‘y’.
Contudo, caso haja atraso no pagamento das prestações, esse valor ‘z’ sofrerá nova incidência de outros juros, que incidirão sobre o montante anterior que já continha seus próprios juros. Quanto maior o inadimplemento, maior a dívida, posto que a incidência dos novos juros aumenta o saldo devedor, sobre o qual incidirá novo percentual de juros no próximo período, e assim sucessivamente, criando o chamado efeito bola de neve.
3.Legislação:
O Decreto 22.626 de 7 de abril de 1933, também conhecido como Lei da Usura, proíbe que se fixe taxa de juros acima do dobro da taxa legal nos contratos, determinando que sejam pactuadas em escrituras públicas ou particulares e que, caso não haja estipulação seu valor será de 6% (seis por cento) ao ano, ou seja, 0,5% ao mês, até o limite de 12% ao ano (dobro).
O Artigo 4º da citada lei é expresso ao determinar: "é proibido contar juros dos juros", e o artigo 10 estabelece a nulidade dos contratos que infrinjam tais dispositivos legais nela contidos.
4.As instituições bancárias respeitam essa lei?
Não.
A atividade bancária trata da coleta, intermediação e/ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros (clientes), conceito esse que vem exposto no artigo 17 da lei 4.595/64. Para que seja uma atividade bancária é necessário que a instituição tenha autorização governamental emitida pelo Banco Central do Brasil.
Assim, o contrato bancário envolve, necessariamente, um banco como uma das partes. Normalmente a parte mais favorecida na relação.
Quando o banco é o credor, trata-se de uma operação ativa, que possui contornos próprios, especialmente no que tange a taxa de juros, pois contra ele não vigora o Decreto 22.626/33 anteriormente mencionado, bem como não se aplica a limitação de taxas prevista nos artigos 406 e 591 do Código Civil que falam sobre juros nos mútuos (empréstimos) bancários.
O responsável por disciplinar a questão das taxas de juros das instituições bancárias é o Conselho Monetário Nacional, nos termos da Lei 4.595/64 – Lei da Reforma Bancária, artigo 4º, inciso IX, que o faz por cálculos e análises próprias, o que afastou completamente a incidência da lei de Usura tais instituições.
5.Regulamentação dos juros:
Até o advento da Emenda Constitucional nº 40/2003, o Judiciário foi responsável por solucionar inúmeras controvérsias sobre juros, calcadas no artigo 192, § 3º da Constituição Federal, que limitava a taxa de juros a 12% ao ano, sendo as cobranças acima desse limite enquadradas na lei de Usura.
Entretanto o artigo 192 da Constituição Federal era norma de eficácia limitada e dependia de Lei Complementar, não podendo seu parágrafo terceiro ser interpretado e aplicado isoladamente.
O citado artigo foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4-7 do Distrito Federal, julgada pelo Supremo Tribunal Federal - STF, que decidiu que a limitação dos juros a 12% ao ano não era uma matéria autoaplicável. Por ter sido a decisão emanada em Ação Direta de Inconstitucionalidade, seus efeitos são vinculantes, de forma que os demais órgãos do Judiciário acataram a decisão do Pretório Excelso.
Contudo, à época, foi editada a súmula nº 648 do STF que enunciava:
A NORMA DO § 3º DO ART. 192 DA CONSTITUIÇÃO, REVOGADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 40/2003, QUE LIMITAVA A TAXA DE JUROS REAIS A 12% AO ANO, TINHA SUA APLICABILIDADE CONDICIONADA À EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR.
Note-se que tal súmula foi aprovada em 24.09.2003 e era meramente persuasiva, ou seja, não possuía o efeito vinculante concedido a alguns verbetes após a reforma do Judiciário a partir da Emenda constitucional nº 45/2004.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 40/2003, o artigo 192 da Constituição Federal teve sua redação completamente alterada, de forma que a disposição sobre a limitação da taxa de juros a 12% ao ano foi excluída do ordenamento jurídico pátrio.
Atualmente as instituições bancárias fixam suas taxas de juros com base na competitividade do mercado, bem como com base nas resoluções do Banco Central.
6.A Súmula Vinculante nº 7.
A Súmula Vinculante criada pela Emenda Constitucional nº 45/04 e regulamentada pela lei 11.417/06 é um instituto que até a presente data me causa estranheza, ainda mais quando o Supremo Tribunal Federal – STF as edita descumprindo absolutamente quase todos os critérios que a Constituição e a Lei determinam como sendo a justificativa para sua edição.
Com a Súmula Vinculante 7, a situação não se altera. O referido enunciado repete exatamente o texto da súmula 648 supra mencionada.
Nos termos da redação do artigo 103-A da Constituição a Súmula Vinculante poderá ser editada ante a existência de:
a)Reiteradas decisões sobre matéria constitucional: quanto a questão das ‘reiteradas decisões’ nada há que se discutir. De fato o Judiciário foi abarrotado com ações revisionais; contudo, em relação ao trecho ‘sobre matéria constitucional’, relembremos de desde 2003 a questão da taxa de juros não mais faz parte da Carta Magna. Buscou-se atribuir um efeito vinculante à Súmula 648 tendo por base decisões tomadas antes mesmo da criação da Súmula Vinculante.
b)Tendo por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas: Não há que se falar em validade, interpretação e eficácia de uma norma que foi excluída da Constituição em 2003.
c)Haja controvérsia atual entre órgãos judiciários que acarrete insegurança jurídica e multiplicação de processos sobre assunto idênticos: Inexiste controvérsia atual de uma norma extinta há mais de 6 (seis) anos, bem como não vislumbro qualquer insegurança jurídica que se possa acarretar, considerando que o dispositivo ensejador de discussão foi abolido. Em razão do argumentado parece-me impossível a multiplicação de processos que versem sobre uma taxa limite de 12%, sendo que não há qualquer dispositivo que embase uma ação.
Ainda que se alegue que a Súmula Vinculante nº 7 fora editada para fins de julgamento dos casos remanescentes do período em que o dispositivo 192 da Constituição ainda vigorava, valho-me do pensamento do Ministro Marco Aurélio de que, se ações sobre esse assunto ainda existem, elas são apenas residuais. Houve, sim, uma banalização do instituto da Súmula Vinculante.
Não devemos olvidar a desnecessidade de edição da Súmula Vinculante nº 7, posto que além da revogação do dispositivo pela Emenda Constitucional 40, o artigo 192 já havia sido objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade cuja decisão é dotada de efeito vinculante.
7.Os contratos celebrados pelo consumidor:
São contratos bilaterais posto que demonstram manifestação de vontade de ambas as partes, ou seja, daquele que fornece um serviço/produto e daquele que o adquire. Entretanto são contratos na modalidade de adesão, ou seja, todas as cláusulas são elaboradas pela parte fornecedora do crédito, e o consumidor não tem a possibilidade de debater o conteúdo das cláusulas ou apresentar modificações. Ao consumidor, a única decisão que cabe é a escolha do valor do crédito que deseja.
Não há que se falar em igualdade das partes nessa modalidade de contrato, e pode-se falar ainda em restrição da autonomia da vontade. Isso porque ante a elaboração prévia do contrato pela outra parte e a imposição das cláusulas tal e qual foram criadas fica o consumidor impossibilitado de discuti-las.
Entretanto não se fala em coação posto que o consumidor tem a faculdade de não contratar. Com relação aos financiamentos/empréstimos bancários, atualmente o consumidor tem a faculdade de escolher esta ou aquela instituição que lhe ofereça melhores condições de crédito e forma de pagamento, com maior número de prestações e menor taxa de juros.
O Banco Central disponibiliza uma lista de instituições bancárias e as taxas de juros que aplicam, de forma que fica ainda mais fácil para o consumidor buscar a que melhor atende aos seus interesses. Outro ponto a favor do consumidor é competitividade do mercado financeiro, de forma que se uma instituição ‘A’ fornece taxas menores o número de pessoas que com ela contrata aumenta. Isso faz com que outras instituições busquem baixar sua taxa de juros para atrair clientes.
Contudo, ainda assim o consumidor fica a mercê das práticas bancárias que se guiam por resoluções do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional, e que estabelecem as próprias taxas de juros no maior patamar possível.
Embora tenha dito que o consumidor tem a faculdade de não contratar, por muitas vezes isso não é possível, pois este depende do crédito para realizar investimentos pessoais indispensáveis.
Embora o consumidor não possa se valer da Lei de Usura para questionar os juros pactuados caso o contrato se demonstre lesivo, pode utilizar um instrumento tão bom quanto, senão melhor, para defender seus direitos: O Código de Defesa do Consumidor.
Já é pacífico que a Lei 8.078/90 se aplica às instituições financeiras que foram equiparadas a fornecedores cujo produto é o crédito. Assim enuncia a Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça, editada em 2004:
O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR É APLICÁVEL ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.
Pelo Código Civil, a revisão dos contratos somente é permitida quando fatos imprevisíveis alteram o equilíbrio contratual, contudo, o Código de Defesa do Consumidor admite a revisão a partir do momento em que o consumidor passa a arcar com ônus excessivo, ainda que fosse um fato previsível (artigo 6º, inciso V), sempre que a taxa praticada pela instituição é superior à média praticada no mercado.
8.Conclusão
Embora muito se fale contra as taxas de juros praticadas no mercado, em razão da ausência de uma legislação reguladora ou limitadora dos porcentuais as instituições financeiras são livres para fixar suas taxas conforme lhes seja mais conveniente e possibilite maior competitividade no mercado.
Ao consumidor resta pesquisar entre as instituições e contratar com aquela que melhor atenda os seus interesses, posto que inicialmente deve–se seguir o princípio do pacta sunt servanda, ou seja, os pactos devem ser adimplidos na forma em que foram celebrados.
Entretanto o consumidor pode valer-se do protecionismo do Código de Defesa do Consumidor contra as práticas abusivas que o coloquem em evidente desvantagem em relação ao poder das instituições financeiras, para buscar a revisão do contrato. Porém a principal dificuldade das ações revisionais é comprovar que a taxa de juros é abusiva quando, em realidade, trata-se de uma prática livre.
Érika Taucci Magalhães é bacharel em Direito pela Universidade de Santo Amaro – UNISA. Advogada Cível e da área de Família e Sucessões militante na cidade de São Paulo, especialista em Direito Administrativo e atualmente conclui Pós Graduação em Direito Constitucional pela Escola Paulista de Direito – EPD.
Referências Bibliográficas:
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TAVARES, André Ramos. Nova Lei da Súmula Vinculante. 3ª edição. São Paulo: Método. 2009. p. 144-145.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 16ª edição. São Paulo: Atlas. 2005. p.445-470.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Vol. 2: Parte Geral das Obrigações. 30ª edição. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 257-260.
. Direito Civil – Vol. 3: Dos Contratos e das Declarações Unilaterais de Vontade. 29ª edição. São Paulo: Saraiva. 2004. p. 44-46, 134.