4. Os desafios da preservação ambiental frente à globalização
É notório o fato de que a globalização é irremediável. As decorrências de seus processos trouxeram consequências nas mais diversas áreas, mas principalmente mudaram a postura da comunidade mundial diante da produção e, em consequência, da preservação ambiental.
Sobre esse assunto, Bauman (1999, p. 7) afirma que: "Para todos, porém, ‘globalização’ é o destino irremediável do mundo, um processo irreversível; é também um processo que nos afeta a todos na mesma medida e da mesma maneira".
O mundo tem produzido cada vez mais e de forma predatória, sem o devido respeito à natureza. Por outro lado, a globalização trouxe como uma de suas consequências funestas a dificuldade cada vez maior de se atribuir culpa a quem comete um crime ambiental.
Essa falta de uma localização restrita de certos acontecimentos pode ter consequências bastante terríveis. Conforme Faria (2002, p. 62), com essa economia globalizada,
os diferentes danos morais e materiais causados pelos riscos daquela dificilmente podem ser formalmente atribuídos a alguém em particular, o que impõe às instituições jurídicas tradicionais, com jurisdição territorialmente circunscrita, uma nova forma de ter que lidar com essas dificuldades.
Bauman (1999), de igual forma, salienta que, com a globalização, há uma dificuldade cada vez maior em se conseguir definir os responsáveis pelas transgressões quando elas decorrem de investimentos que, na maioria das vezes, não se sabe ao certo de que parte do mundo vieram. Em suas palavras (BAUMAN, 1999, p. 16):
A mobilidade adquirida por "pessoas que investem" – aquelas com capital, com o dinheiro necessário para investir – significa uma nova desconexão do poder face a obrigações, com efeito uma desconexão sem precedentes na sua radical incondicionalidade: obrigações com os empregados, mas também com os jovens e fracos, com as gerações futuras e com a auto-reprodução das condições gerais de vida; em suma, liberdade face ao dever de contribuir para a vida cotidiana e a perpetuação da comunidade.
Bauman (1999, p. 19) inclusive fala que "[...] pode-se cada vez com mais confiança falar atualmente do ‘fim da geografia’. As distâncias já não importam, ao passo que a idéia de uma fronteira geográfica é cada vez mais difícil de sustentar no ‘mundo real’ ".
E em se tratando da questão ambiental é que esses desafios trazidos pela globalização parecem mais evidentes. Os crimes ambientais estão cada vez mais latentes e os países pouco ou nada fazem para coibi-los. Por vezes, é cobrada apenas uma multa que, de certa forma, chega a ser uma autorização para que os países possam poluir.
Nesse sentido, o capitalismo, sistema econômico imposto pela globalização, se mostra como um dos grandes vilões dessa exploração predatória da natureza em prol do aumento da produção. Conforme Hawken (1999, p. 2):
A revolução industrial que deu origem ao capitalismo moderno expandiu extraordinariamente as possibilidades de desenvolvimento material da humanidade. E continua expandindo-se até hoje, se bem que a um custo elevadíssimo. A partir de meados do século XVIII, destruiu-se mais a natureza que em toda a história anterior".
Hawken (1999, p. 2) traz o conceito de capitalismo natural, que compreenderia "todos os conhecidos recursos usados pela humanidade: a água, os minérios, o petróleo, as árvores, os peixes, o solo, o ar etc". Além disso, também abrangeria "sistemas vivos, os quais incluem os pastos, as savanas, os mangues, os estuários, os oceanos, os recifes de coral, as áreas ribeirinhas, as tundras e as florestas tropicais". (HAWKEN, p. 2)
O capitalismo natural seria a alternativa ecologicamente correta do capitalismo como estamos vivenciando. Pois sem o capital natural, o capitalismo não existiria, pois este sobrevive da exploração daquele.
O que se verifica atualmente é que, quanto mais são utilizados os sistemas vivos de forma irrestrita, mais os limites do dito progresso são determinados pelo capital natural, e não mais pela capacidade de produção das grandes empresas. Nesse sentido, Hawken (1999, p. 3) observa muito bem:
Hoje em dia, não é o número de pesqueiros que restringe o nosso progresso contínuo, e sim a diminuição do número de peixes; não é a força das bombas hidráulicas, e sim a escassez de mananciais; não é o número de motosserras, mas o desaparecimento das florestas.
Outro autor que manifesta opinião acerca da crise ecológica que vem se acentuando é Foladori (2001). Conforme seus estudos:
A partir da década de 60 do século XX, o ser humano constatou estar atravessando uma crise ambiental. E mais, nas últimas duas décadas reconheceu uma mudança significativa no nível em que essa crise se manifesta. De problemas em escala local ou regional (poluição do ar das cidades, rios contaminados, detritos sólidos amontoados etc.), passou-se a problemas em escala planetária (aquecimento global, redução da camada de ozônio, perda da biodiversidade, entre outros). É claro que essa crise ambiental foi um resultado não buscado pelo ser humano, ainda que, em alguns casos ou em alguma medida, seja responsabilidade de sua atuação econômica. (FOLADORI, 2001, p. 15)
Foladori (2001, p. 16) observa que "toda a corrente da economia ecológica manifesta que existe uma contradição entre um mundo finito em materiais e uma sociedade consumista e de crescimento ilimitado". Diz ainda (FOLADORI, 2001, p. 16) que "outros estudiosos apontam o sistema capitalista como o responsável pela atual crise ambiental".
Hawken (1999, p. 4) é enfático ao afirmar que "o capitalismo, tal qual vem sendo praticado, é uma aberração lucrativa e insustentável do desenvolvimento humano". Ainda, o mesmo autor (HAWKEN, 1999, p. 5) é enfático ao afirmar que o capitalismo "descuida de atribuir qualquer valor ao mais importante capital que emprega: os recursos naturais e os sistemas vivos, assim como aos sistemas sociais e culturais que são a base do capital humano".
Assim é que, o capitalismo, da forma como vem sendo utilizado em escala planetária, acabou por acentuar a atual crise ambiental. Nesse sentido, primeiramente deve-se compreender os pensamentos que constituem a base da economia vigente, para a seguir podermos compreender, de igual forma, o atual estágio de desenvolvimento e propor uma nova modalidade mais condizente com os princípios de preservação ambiental.
Por isso, para propor um novo modelo econômico que se adapte a um mundo de recursos naturais finitos, os estudiosos devem se livrar do pensamento capitalista. Pois, conforme Hawken, (1999, p. 7):
Os últimos dois séculos de crescimento maciço em prosperidade e capital industrial fizeram-se acompanhar de um prodigioso corpo de teorias econômicas que os analisavam, todas baseadas na falácia segundo a qual o capital natural e o humano tinham pouco valor em comparação com o produto final.
Em consonância com o disposto acima está o pensamento de Sachs (1993). Em suas palavras (SACHS, 1993, p. 22):
Dado o caráter finito da Espaçonave Terra e a fragilidade da biosfera, exposta à emissão dos gases estufa, o crescimento quantitativo ilimitado da produção material não pode, é óbvio, se sustentar eternamente. Se quisermos deter a exaustão irreversível do "capital natureza", tanto como fonte de matérias-primas quanto como depósito para os resíduos, o fluxo de energia e de materiais deve ser contido.
Voltando aos estudos de Hawken, este (1999, p. 18) observa que a globalização pode ter consequências ainda piores, levando a conflitos por causa da finitude dos recursos. Em suas palavras:
À medida que avançam a globalização e a balcanização e à medida que continua declinando a disponibilidade per capita de água, terra arável e peixe (como vem acontecendo desde 1980), o mundo enfrenta o perigo de se dilacerar em conflitos regionais instigados, pelo menos em parte, por esse déficit ou desequilíbrio de recursos e pelas polarizações de renda a ele associados.
Segundo Capra (1996, p. 23), os problemas de nossa época não podem ser vistos de forma isolada, mas sim de forma sistêmica, por inteiro. Desse modo, é necessária uma profunda mudança de percepção e de pensamento para garantir a nossa sobrevivência. O grande desafio do nosso tempo é criar comunidades sustentáveis, isto é, ambientes sociais e culturais onde podemos satisfazer as nossas necessidades e aspirações sem diminuir as chances das gerações futuras.
O mesmo autor (CAPRA, 1996, p. 25) afirma que o paradigma que dominou nossa cultura por várias centenas de anos, paradigma este que considera o corpo humano como uma máquina, a sociedade como uma luta competitiva pela existência, a crença no progresso material ilimitado e a crença em que uma sociedade na qual a mulher é classificada em posição inferior à do homem, passou por uma revisão radical.
A questão principal trazida por Capra (1996) é que a sociedade, os fenômenos estão interligados, como se fossem verdadeiras teias. Tudo se relaciona, nenhum acontecimento pode ser visto como algo isolado, pois tudo o que ocorre no mundo está inter-relacionado, e isso faz com que cada organismo seja dependente dos demais.
E no mundo globalizado é exatamente isso que se verifica. Os fenômenos que ocorrem em um ponto isolado do mundo refletem em todo o restante, principalmente no que diz respeito a questões ambientais.
Outro autor que critica severamente o atual sistema de globalização capitalista é Zaoual (2003). Na apresentação de seu livro, Globalização e diversidade cultural, já somos colocados diante da opinião do autor, que elabora uma crítica radical ao modelo de desenvolvimento capitalista imposto ao conjunto dos países ditos em desenvolvimento, ou países do Sul (África, Ásia e América Latina), em nome da globalização, cujos resultados têm sido desastrosos em toda a parte. Rompendo com a delimitação estritamente econômica do problema, o autor mostra que se trata de consequências da ocidentalização do mundo, determinada pelos países do Norte aos países do Sul, com desrespeito à diversidade de suas culturas, civilizações ou religiões. (ZAOUAL, 2003, p. 7)
A esse respeito, Foladori (2001, p. 45) acredita que a crise ambiental que se apresenta atualmente decorre da própria existência humana, traduzindo-se da seguinte forma:
[...] a análise da crise ambiental contemporânea não pode derivar do instrumental da ecologia, apesar de esta pretender se converter numa supraciência que englobe todas as formas de vida. A análise da crise ambiental contemporânea deve partir das próprias contradições no interior da sociedade humana, contradições que não são biológicas, mas sociais, que não se baseiam na evolução genética, mas na história econômica, que não têm raízes nas contradições ecológicas em geral, mas naquelas que se estabelecem entre classes e setores sociais em particular.
Outra importante colaboração, sobre esse tema, vem de Sachs (1993, p. 19). Diz ele que:
Para escapar do circulo vicioso da pobreza e da destruição ambiental e realizar a transição para o desenvolvimento sustentável é preciso promover, por um período bastante longo, o crescimento econômico, pelo menos no Sul e no Leste. "Em vez de escolher entre diminuir a pobreza e reverter o declínio ambiental, os líderes mundiais agora se deparam com a impossibilidade de se alcançar um desses objetivos sem que o outro seja logrado".
É possível perceber que, para as grandes potenciais mundiais, existe uma tendência em aceitar o crescimento das desigualdades, aumentando o grande abismo existente entre o Norte e o Sul, alicerçado no mercado financeiro mundial que, por sua vez, tem sua base no capitalismo sem controle financiado pelas empresas transnacionais. Nesse sentido, a tendência é em criar-se um círculo vicioso em torno da pobreza e da degradação e exploração ambientais.
No entanto, Sachs (1993, p. 21) observa que:
De Founex a Estocolmo e ao Relatório Brundtland tem-se a necessidade de maior crescimento econômico com formas, conteúdos e usos sociais completamente transformados, atendendo às necessidades das pessoas buscando uma distribuição mais justa da renda, a conservação dos recursos e enfatizando técnicas limpas de produção.
A esse respeito, importante salientar alguns princípios elencados na Declaração do Rio de Janeiro sobre meio ambiente e desenvolvimento (1992), conhecida como ECO-92, ou RIO-92, e que tratam da importância do desenvolvimento com sustentabilidade, contrariando a tendência mundial para o aumento da produção e em consequência da poluição:
PRINCÍPIO 1 – Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.
PRINCÍPIO 3 – O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas eqüitativamente as necessidades de gerações presentes e futuras.
PRINCÍPIO 4 – Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento, e não pode ser considerada isoladamente deste.
PRINCÍPIO 8 – Para atingir o desenvolvimento sustentável e mais alta qualidade de vida para todos, os Estados devem reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e consumo e promover políticas demográficas adequadas. (SILVA, G., s.d., p. 168-170)
Estes são apenas quatro dos princípios trazidos. A partir dessa leitura, podemos perceber a existência de uma intenção no sentido de promover o desenvolvimento sustentável. No entanto, pouco se viu na prática essa intenção. Mesmo com a elaboração de instrumentos como a Agenda XXI, que segundo Viola (1996, p. 35), "foi um grande esforço de negociação internacional para a produção de um consenso normativo e um programa de certa operacionalidade para a humanidade com relação ao desenvolvimento sustentável", e mesmo que depois da RIO-92 alguns países tenham elaborado Agendas XXI nacionais, mecanismos como este não conduziram os países a uma política de efetivar um desenvolvimento sustentável.
Viola (1996, p. 35) afirma que, apesar dos impactos positivos da Agenda,
A diminuição da importância da questão ambiental nas opiniões públicas nacionais e o bloqueio na construção de governabilidade global, no pós-RIO, fizeram com que o documento não ganhasse toda a importância necessária para desempenhar o papel mobilizatório internacional visualizado por seus idealizadores (particularmente Maurice Strong).
Assim, percebe-se que a globalização e o sistema econômico imposto por ela, o capitalismo, modificaram sobremaneira as políticas ambientais, para que estas se adaptassem àquelas e não o contrário. O que demonstra que além das conferências internacionais e dos mecanismos internacionais de controle da política ambiental estão as intenções políticas dos Estados e grandes empresas multinacionais/transnacionais, voltadas apenas para o aumento da produção e consumo e não para a preservação ambiental e a conservação da vida no planeta.
Considerações finais
Pelo exposto, é possível perceber que o tema do desenvolvimento sustentável e da preservação ambiental diante da globalização é bastante complexo e pode render discussões calorosas. No entanto, objetivo em questão foi apenas levar o tema à discussão e demonstrar sua importância.
A Constituição Federal de 1988 trouxe a preocupação ambiental em seu texto, no entanto, na prática pouco é feito para concretizar o que ela diz. Existem vários crimes ambientais não só no Brasil, mas no mundo todo e pouco se vê a respeito da punição dos culpados.
Nesse sentido, os encontros internacionais como o que ocorreu no Rio de Janeiro em 1992, RIO-92, levantaram os problemas ambientais para o mundo, mas, passada a "febre" ambiental, o mundo se acomoda e volta para seu ciclo de explorações e degradações.
A globalização e seu modelo econômico, o capitalismo, parecem ser os responsáveis pelo atual nível de produção mundial, o que consequentemente acabou por desencadear a atual crise ambiental. A exploração da natureza chegou a um nível tal que ou se procura outro modelo de desenvolvimento, ou a humanidade se afunda com seus próprios passos.
Assim, um desenvolvimento com sustentabilidade deve ser buscado urgentemente para que se possa garantir um meio ambiente saudável para as futuras gerações. Sem ter isso em mente, o ser humano pode acabar como qualquer outro animal em extinção.
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