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A responsabilidade penal da pessoa jurídica no cenário nacional e internacional

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Agenda 18/04/2010 às 00:00

6 Os princípios constitucionais penais e suas relações com a responsabilidade penal das pessoas jurídicas

Como já exposto brevemente no início deste trabalho, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas fere frontalmente alguns princípios penais constitucionais.

Dentre eles, o primeiro a ser analisado será o princípio da culpabilidade, segundo o qual não há crime sem culpa, ou, de acordo com a fórmula latina, nullum crimen sine culpa.

Ocorre, contudo, que a pessoa jurídica, diferentemente da pessoa física, não tem capacidade de culpabilidade, uma vez que esta é desprovida de consciência e vontade.

Com base no conceito de culpabilidade, como juízo de reprovação, são necessários a presença de alguns requisitos que compõem o próprio conceito para que determinado sujeito seja considerado culpável, a saber, imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Ocorre, porém, que o primeiro requisito a ser exigido pelo próprio conceito de culpabilidade, não pode ser alcançado em relação às pessoa jurídicas, visto que a imputabilidade é uma condição inerente à pessoa física.

Neste sentido, estabelece Juarez Cirino dos Santos que:

A pessoa jurídica não tem capacidade penal, porque os requisitos de maturidade e de sanidade mental são inaplicáveis à vontade pragmática das reuniões, deliberações e votos da pessoa jurídica – e não podem ser supridos pelo registro na Junta Comercial, ou pela validade do contrato social. (SANTOS, 2008, p.448).

Outrossim, como preencher o requisito da "potencial consciência da ilicitude" em relação à pessoa jurídica, se suas atividades são desenvolvidas por seus sócios, diretores ou prepostos? Tal característica, de se "saber o que faz", só pode existir no campo psíquico individual de pessoas físicas, já que a pessoa jurídica, por si só, não possui sequer consciência.

Por fim, o terceiro elemento da culpabilidade, ou seja, a exigibilidade de obediência ao direito poderia, em tese, ser exigido da pessoa jurídica na prática de seus atos. Todavia, para que haja a exigência de obediência ao direito, necessário é que o agente seja imputável, além de estar configurada a potencial consciência da ilicitude, o que, como já visto, não é possível. Assim, ausentes os dois primeiros elementos (imputabilidade e potencial consciência da ilicitude), será impossível a caracterização do terceiro elemento (exigibilidade de conduta diversa, ou conforme ao direito), que configura a possibilidade concreta do autor de poder adotar sua decisão de acordo com o conhecimento do injusto.

Embora demonstradas todas as incongruências relativas à possibilidade de culpabilidade das pessoas jurídicas, vale aqui ressaltar que existem autores, como TIEDEMANN, que propõem um modelo de culpabilidade para as pessoas jurídicas, estabelecendo que:

Tal culpabilidad de la agrupación no es idêntica a la culpabilidad cumulativa constituída pó la adición de las culpas personales (admitidas p. ej. en el derecho de dos Estados Unidos). Tampoco está basada, o no solamente, em la imputacíon de la culpabilidad de outro. Reconocer em derecho penal tal culpabilidad (social) de la empresa solo significa reconocer, de una parte, las consecuencias de su realidad social y, de otra parte, las obrigaciones correspondentes a sus derechos. [07]

Por sua vez, o princípio da pessoalidade ou personalidade da pena, pelo qual se deve entender que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado", também deve ser aqui analisado.

O problema que surge nesse sentido é o de que, quando da responsabilização penal da pessoa jurídica, sujeitos atingidos pela decisão seria não a pessoa jurídica em si, mas as pessoas naturais que a compõem.

Como relembra Luiz Luisi,

Tem se alegado que as penas aplicáveis a pessoa jurídica atingem as pessoas naturais que a integram. Uma pena de multa por exemplo repercute no patrimônio das pessoas naturais que integram a pessoa jurídica, Mesmo nos Estados Unidos, segundo informa Malamud Goti, a doutrina, tem advertido sobre a necessidade de restringir o âmbito da punibilidade da pessoa jurídica, pois para evitar que a punição recaia sobre pessoas alheias a infração cometida. E refere o caso dos acionistas das sociedades anônimas. (LUISI. 2003, p.160).

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Desse modo, demonstrada também está a impossibilidade de conjugação entre o princípio da personalidade da pena e a responsabilidade das pessoas jurídicas.

Por fim, temos ainda, uma lesão direta ao princípio da punibilidade, definido por Juarez Cirino dos Santos, como sendo uma síntese dos fins racionais atribuídos à pena.

A pessoa jurídica é um ser incapaz de sentimento, de consciência, de vontade, de emoções, razão pela qual, todas as finalidades atribuídas à pena não são com ela compatíveis.

Desse modo coloca o autor que:

Primeiro, a reprovação de culpabilidade expressa na pena retributiva de crime não pode incidir sobre a vontade pragmática da pessoa jurídica, porque a psique impessoal e incorpórea da pessoa jurídica é incapaz de arrependimento, estado afetivo exclusivo do ser humano.

Segundo, a prevenção geral negativa de desestímulo à criminalidade pela intimidação do criminoso não pode atuar sobre a empresa pela razão elementar de que a vontade coletiva transpsíquica ou interpessoal da pessoa jurídica não pode ser intimidada; por outro lado, a prevenção geral positiva de reforço dos valores comunitários não pode existir independente da prevenção geral negativa – e, portanto, é igualmente inócua.

Terceiro, a prevenção especial negativa de neutralizar o condenado por privação da liberdade pessoal é impensável na pessoa jurídica, porque a empresa não pode ser encarcerada; por outro lado, a prevenção especial positiva de ressocializar o condenado pela execução da pena é programa pedagógico jamais realizado na pessoa física e, simplesmente, impossível de ser realizado na pessoa jurídica. (SANTOS, 2008, p.454).

Assim sendo, e de acordo com todos os argumentos trabalhados, percebe-se a impossibilidade de conciliação, no nosso ordenamento jurídico, da responsabilização das pessoas jurídicas, face à afronta direta deste instituto a vários princípios constitucionais.


7 CONCLUSÃO

Embora possa parecer necessária a intervenção do Direito Penal para responsabilizar diretamente as pessoa jurídicas, tendo vários países já adotado expressamente tal possibilidade, não vemos como possível sua introjeção no sistema jurídico-penal brasileiro. Para que isso pudesse ocorrer, necessário seria uma modificação do sistema hoje adotado, já que este se constrói com base na idéia de uma responsabilização de pessoas físicas, capazes, portanto, de conduta e de culpabilidade.

Não queremos dizer com isso, porém, que não deva ser aplicado nenhum tipo de sanção às pessoas jurídicas. O que se pretende demonstrar é que não há possibilidade de se atribuir uma sanção estritamente penal para tais entes. Isso porque, além de não ser possível, por exemplo, que estes se submetam a uma pena de prisão, tendo em vista sua própria estrutura, não é possível conjugar sua natureza com os elementos hoje exigidos pela própria estrutura analítica do delito, nem sequer, adequar tal responsabilidade aos princípios sob os quais devem se basear não só o sistema jurídico-penal, mas todo o ordenamento jurídico. Nesse sentido, não devemos, portanto, entender que a Constituição de 1988 tenha estabelecido expressamente, como alguns defendem.

Assim sendo, e diante de todos os argumentos expostos, percebe-se que embora exista um movimento no sentido de tentar responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas como meio de intervenção e diminuição de certas formas de criminalidade, estas necessidades trazidas por movimentos de política criminal acabam criando certos entraves que não estão de acordo com a própria dogmática penal, seja porque não se adequam aos requisitos necessários para a caracterização de um delito, que como já demonstrado, possui um caráter genérico que precisa existir para que se possa atribuir a alguém a responsabilidade por certo fato, que é a conduta, seja porque tal responsabilização não está de acordo com princípios constitucionais penais que devem obrigatoriamente ser observados.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DOTTI, René Ariel. A Incapacidade Criminal da Pessoa Jurídica. Cadernos de Ciências Criminais nº.11, São Paulo: Revista dos Tribunais. P. 185-207.

LUISI, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. 2.ed. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2003.

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TIEDEMANN, Klaus. Responsabilidad penal de las personas juridicas. Disponível em . Acesso em: 14/03/2010.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. Volume I. 7.ed. rev e atual. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008.


Notas

  1. TIEDEMANN, Klaus. Responsabilidad penal de las personas juridicas. Disponível em http://www.unifr.ch/ddp1/derechopenal/anuario/an_1996_07.pdf Acesso em: 14/03/2010.
  2. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. 3.ed. Curitiba: ICPC, Lumen Júris, 2008, p.431.
  3. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. Volume I. 7.ed. rev e atual. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.355-356.
  4. TIEDEMANN, Klaus. Responsabilidad penal de las personas juridicas. Disponível em http://www.unifr.ch/ddp1/derechopenal/anuario/an_1996_07.pdf Acesso em: 14/03/2010.
  5. TIEDEMANN, Klaus. Responsabilidad penal de las personas juridicas. Disponível em http://www.unifr.ch/ddp1/derechopenal/anuario/an_1996_07.pdf Acesso em: 14/03/2010.
  6. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. 3.ed. Curitiba: ICPC, Lumen Júris, 2008, p.436.
  7. TIEDEMANN, Klaus. Responsabilidad penal de las personas juridicas. Disponível em http://www.unifr.ch/ddp1/derechopenal/anuario/an_1996_07.pdf Acesso em: 14/03/2010.
Sobre a autora
Francine Machado de Paula

Pós-graduanda em Ciências Penais pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Francine Machado. A responsabilidade penal da pessoa jurídica no cenário nacional e internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2482, 18 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14706. Acesso em: 22 dez. 2024.

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