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Prejulgamento e parcialidade do juiz.

Breves notas com enfoque na Justiça do Trabalho

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Agenda 27/04/2010 às 00:00

6. O que é prejulgamento?

Embora a alegação de prejulgamento da causa seja corriqueira, numa, quase sempre, desesperada tentativa de afastamento do magistrado do processo através do meio técnico denominado de exceção de suspeição por parcialidade, cabe esclarecer que não há no ordenamento jurídico nacional previsão explícita que o vede ou o qualifique como causa de suspeição do juiz.

Não é sensato, além de deselegante, fonte de frustração e desconfiança da parte a quem desfavorece sua decisão, o juiz antecipar (prejulgar) provimento de mérito. E para se perceber o quão isso é condenável prescinde-se de norma jurídica que consagre este entendimento.

Não obstante, não é a mesma coisa que prejulgar quando, no estágio da tentativa de conciliação, em que maior liberdade é dada às partes, aos seus procuradores e ao próprio magistrado condutor da audiência, como único modo de tornar fluído o diálogo entre os participantes da audiência, ou mesmo quando se analisa se determinada prova deve ou não ser produzida, o juiz manifestar seu posicionamento quanto a aspectos técnicos da lei ou mesmo quanto à interpretação de determinada norma de direito, ou ainda, seu convencimento já formado pelo exame de situações idênticas tratadas em processos anteriores, entre outras partes, em que já tenha proferido decisão sobre os temas objeto de divergência.

Isso, claro, sempre em abstrato, com a ressalva de que aquele caso em particular, ainda pendente de instrução e julgamento, pode apresentar aspectos que justifiquem que decisão diversa das anteriores seja proferida, ou mesmo a circunstância de que seu convencimento (do juiz) é passível de modificação pela força e pela qualidade dos argumentos oferecidos pelas partes, através dos seus procuradores judiciais, o que será objeto de análise por ocasião do julgamento final, caso não haja conciliação.

Mas, afinal de contas, o que se deve entender por prejulgamento da causa?

De início, é de se ressaltar que não é acertado afirmar que toda manifestação judicial em torno do que se discute nos autos do processo possa ser considerada prejulgamento da causa.

Caso se pense de outro modo, fatalmente o juiz será transformado em um ser quase inanimado, talvez meramente um expectador privilegiado, seja em audiência, seja nos despachos e outras decisões no processo. Sim, já que não se desconhece que às vezes é necessária uma tomada de posição sobre determinadas questões, por iniciativa das partes ou por dever de ofício quando se cuida de matéria de ordem pública.

Um sujeito que assim se comportasse, sem voz, surdo e cego, contribuiria para tornar impossíveis o diálogo ou o debate com as partes sobre o objeto litigioso, o que, em regra, tem como interlocutores não estas, mas seus procuradores. A saudável comunicação entre os sujeitos do processo, tendo por premissa a dialética que lhe é ínsita, seria prejudicada e o resultado seria desastroso para todos os participantes da relação processual.

A comunicação verbal ou por escrito há que existir, sendo essencial, sem a qual não há como dar prosseguimento à marcha processual ou incentivar as partes à conciliação e à busca de soluções para os mais variados problemas surgidos na história do processo.

O que não é aconselhável é a antecipação quanto à decisão a ser tomada no que se refere às questões de fundo, ao mérito da pretensão, antecipando-se a sentença para revelar a improcedência sobre este ou aquele pedido, e mesmo aqui, tal não deve ocorrer quando a formação de um convencimento definitivo sobre a veracidade dos fatos alegados pelas partes depende de instrução probatória.


7. Alguns exemplos que não induzem interesse do juiz no julgamento em favor de um dos litigantes

Inúmeras ilustrações poderiam ser extraídas do casuísmo da prática forense para demonstrar a impropriedade da opinião de que em circunstância alguma poderia haver antecipação da provável decisão em sentença final. Citam-se alguns para que seja possível uma visão mais concreta do que se sustentou neste ensaio, com base na rotina das lides trabalhistas.

Um deles se refere aos fatos incontroversos, como o pagamento intempestivo de verbas rescisórias. Nesta hipótese, na audiência, depois de ler a contestação do réu e verificar que o fato alegado na inicial é admitido, de forma expressa ou tácita, não há suspeição alguma se o juiz afirmar, durante a tentativa de conciliação, que a multa pretendida com base nesta alegação é pedido que certamente será acolhido.

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Outro exemplo: o juiz analisa os cartões-ponto, verifica que os mesmos registram horas extras e não há alegação patronal de regime compensatório, e cotejando-os com os recibos trazidos aos autos, conclui que estes não apontam o pagamento do labor suplementar. Não há suspeição alguma do juiz ao afirmar às partes que, com base nos documentos trazidos aos autos com a contestação, o pedido de pagamento de horas extras, ainda que não totalmente, será acolhido.

O mesmo se diga quando o réu admite que não depositou o FGTS do reclamante; que despediu o autor, encerrou sua atividade e em face de dificuldades financeiras não lhe pagou as verbas rescisórias; Quando o réu admite que não entregou os formulários do seguro-desemprego, entre outras inúmeras situações que a experiência do dia-a-dia nas Varas do Trabalho demonstra.

Da parte do autor, quando alega na inicial que foi imotivadamente dispensado, porém, em seu depoimento pessoal, admite que pediu demissão por que arrumou novo emprego. O juiz pode, nesta situação, por evidente, até para estimular a conciliação, afirmar que diante da confissão do autor os pedidos de indenização do aviso prévio e depósito da multa de 40% do FGTS certamente serão rejeitados na sentença que vier a ser proferida.

Mais dois exemplos: quando o juiz manifesta, antes da sentença, qual seu posicionamento sobre a base de cálculo do adicional de insalubridade (salário mínimo, salário normativo ou salário contratual), ou no que concerne a validade ou não de cláusula de convenção ou acordo coletivo de trabalho que restringe a obrigação de pagamento das horas in itinere. Nos dois casos, em face de já ter decidido, por sentença, controvérsia idêntica em centenas de outros processos.

Ainda, quando há divergência sobre a melhor interpretação de uma norma jurídica e o juiz, em virtude de julgamentos anteriores, entre outras partes, já manifestou seu entendimento sobre a questão.

Qual seria o interesse do juiz – material ou moral – no julgamento "em favor" de uma das partes? Por que o juiz seria "suspeito" nesses casos? Onde residiria a suposta parcialidade que vicia a prestação jurisdicional e causa prejuízos aos litigantes?

A antecipação de um julgamento de mérito baseado em matérias de direito sobre as quais já se tem uma posição, anteriormente manifestada em outros processos, através de sentenças já proferidas e publicadas, ou sobre matérias de fato daquele processo ainda pendente de julgamento, mas que se funda em fatos incontroversos, confessados ou admitidos, por certo não configuram suspeição do juiz.

Entende-se que o rol dos incs. I a V e parágrafo único, do art. 135, do CPC, é sim, taxativo, eis que se cuida de restrição a atuação do juiz natural, representando uma diminuição em sua esfera jurisdicional.

Muitos outros exemplos poderiam ser fornecidos. Por isso, mostra-se ingênua e descabida a tese vez ou outra sustentada por alguns que o juiz, este ser que entendem deva ser impassível, de pedra, que antecipa/adianta seu posicionamento sobre questões, pontos ou matérias de direito e de fato, em debate no processo, antes da oportunidade da sentença, é suspeito por demonstrar interesse no julgamento "em favor" de um dos litigantes e, consequentemente, "em prejuízo" do outro.


8. O juiz julga em todo itinerário do processo, ainda que não demonstre nos autos

Como se fosse uma máquina programada para raciocinar sobre o mérito da pretensão (o chamado objeto litigioso) apenas na oportunidade da sentença, jamais antes desse momento, seria ilusório e falta total de conhecimento crer que o juiz tem o poder, o qual controla e exerce, talvez respeitando somente sua vontade ou uma exigência legal ou ética, de não antecipar juízos de valor durante o desenvolvimento da relação processual.

A todo instante, em maior ou menor grau, mesmo que implicitamente, e não deliberadamente, muitas vezes até mesmo sem ter percepção disso, os magistrados adiantam juízos de valor sobre as causas sob sua responsabilidade.

É natural àquele que tem a missão de julgar raciocinar o tempo todo e revelar posicionamentos sobre questões que, a rigor, serão tratadas na sentença, simplesmente porque deriva de ação mental não sujeita a controle do ser humano.

Portanto, nem toda antecipação de fundamentos e emissão de juízos de valor sobre aspectos relevantes da lide, muitas vezes diretamente vinculados ao mérito do processo, devem ser concebidos como prejulgamento da causa. Não, pelo menos, no sentido que aqueles que defendem a parcialidade do juiz tentam atribuir a este fato, de tornar ilegítima e tendenciosa a sentença final. Quanta ingenuidade!

A experiência de muitos anos traz sabedoria e melhor compreensão sobre alguns fatos relacionados com a norma processual posta em movimento durante o desenrolar da marcha processual, não sendo raro manifestação judicial, no calor do debate, ainda que sutilmente, a respeito de aspectos pertinentes ao mérito de uma ou outra matéria em discussão no processo, e, porém, na oportunidade do julgamento o  posicionamento adotado mostra-se oposto ao inicialmente concebido.

Outras vezes, baseando-se em experiência anterior em casos idênticos ou muito semelhantes, ou mesmo em virtude de resultados oriundos de estudos, há pronunciamento mais explícito sobre possível decisão em processos envolvendo matérias de direito ou interpretação predominante nos tribunais sobre alguns fatos repetidos (p. ex.: demandas dirigidas contra uma mesma empresa, ré em centenas ou milhares de demandas, com base nas mesmas alegações) e, depois de concluída a instrução probatória, na presença de elementos até então ainda não conhecidos do julgador, o convencimento inicial não prospera; de forma alguma, nestas ocasiões, é correto sustentar que houve algum prejuízo ao autor ou ao réu, ou que o magistrado tinha algum interesse pessoal, material ou moral, na solução da controvérsia.

Mostrar às partes e aos seus procuradores os pontos controvertidos e os que não são, os fatos que foram confessados ou admitidos como verdadeiros no processo e a possibilidade de êxito sobre este ou aquele pedido, notadamente quando os objetivos são legítimos, como, por exemplo, para incentivar o debate sobre a conciliação, com o escopo de alcançá-la, por certo que não torna o juiz interessado no julgamento "em favor" de um dos sujeitos da relação processual.

Com maior razão, antecipar um julgamento baseando-se em situações já definidas no processo, sem qualquer possibilidade de alteração até a sentença, não torna o juiz suspeito para a causa.

Somente não consegue perceber este fenômeno como normal, que fica muita léguas distantes do que se deve entender por interesse do juiz no julgamento, aquele que não compreende, ou compreende, mas não aceita, que o juiz, ao longo do desenvolvimento da relação processual, conforme os debates avançam e as provas vão sendo produzidas, automaticamente, porque, entre outros motivos, sua mente é treinada nesse sentido, além do seu conhecimento e da sua experiência, vai formando convencimento sobre a controvérsia instalada nos autos, e que, frequentemente, seu convencimento inicial se modifica, até que se forma em definitivo na oportunidade em que elabora sua sentença. Nessa trajetória, não raro, o convencimento do juiz pode se modificar várias vezes.

Não se vislumbra prejuízo algum à prestação jurisdicional e aos jurisdicionados, nesse contexto, a antecipação de uma decisão que certamente será tomada por ocasião do julgamento.

O prejulgamento que se desaconselha fica reservado unicamente para os fatos ainda controvertidos (inéditos, não ventilados em outros processos), cujas provas, ainda não produzidas, podem beneficiar o autor ou o réu e, que, assim, ainda não autorizam a formação de um convencimento e a emissão de juízo de valor sobre o objeto litigioso da lide. Do mesmo modo, se o juiz manifesta preferência pela tese de um dos litigantes, em menoscabo à da outra parte, sem a necessária leitura e análise das alegações desta, sem sopesar sua decisão de acordo com as circunstâncias específicas oferecidas pelo caso particular sub judice.

Nestas hipóteses, salvo melhor juízo, assiste razão àqueles que sustentam a suspeição do juiz por interesse pessoal (material e/ou moral), ainda que apenas presumido, no julgamento da causa "em favor" de um dos litigantes.

Isso ocorre porque se adianta decisão baseando-se em afirmações atinentes a fatos ainda não submetidos à instrução probatória e, portanto, ainda não definidos no processo, e porque revela tendência nesta ou naquela direção, em favor de um dos litigantes e em demérito do outro, sejam quais forem as motivações (filosóficas, religiosas, políticas etc.), que são inadmissíveis naquele que tem a missão de distribuir justiça, fundamentando suas decisões não em convicções pessoais, mas sim, como resultado de uma interpretação dos fatos e da norma em consonância com as regras de hermenêutica jurídica, oferecidas pela doutrina, até mesmo em respeito ao ordenamento jurídico e ao Estado Democrático de Direito, como pilares de uma sociedade civilizada, que pauta as relações que se desenvolvem em seu seio conforme o Direito, tal qual assegurado pela Constituição de 1988.

Todavia, repisando o acima exposto, se a revelação do entendimento do juiz sobre a pretensão do autor ou parte dela, pelo acolhimento ou rejeição, se funda em situações já resolvidas de forma definitiva no processo, ou seja, inalteráveis até o momento da sentença de mérito, ou ainda, quando se trata de matéria de direito sobre a qual já se pronunciou em processos anteriores, não se percebe onde reside o interesse pessoal do magistrado "em favor" de um dos litigantes.

Aqui, antecipar qual será sua decisão na sentença não acarreta nenhum efeito espúrio, antidemocrático e nocivo a quaisquer dos litigantes. O prejulgamento aqui, se é que assim pode ser qualificado, não se lastreia em nenhuma situação ilegítima, incompatível com as regras do processo e com o direito dos jurisdicionados ao julgamento da causa por magistrado independente e imparcial.


9. Conclusões

Diante das idéias lançadas para reflexão e debate neste ensaio, na visão do autor, é possível extrair pelo menos algumas conclusões mais importantes sobre o tema exposto:

a)A imparcialidade dos magistrados é garantia de uma prestação jurisdicional isenta de interesses pessoais, refletindo o resultado de uma interpretação honesta – de boa-fé - dos fatos e da norma e sua aplicabilidade ao caso concreto, ou seja, direito de todos os participantes de um processo jurisdicional, para que prevaleçam o Direito e seus escopos na solução dos conflitos de interesses e na missão de pacificação social atribuída ao Judiciário em sua atividade de conciliar e julgar;

b)Não existe no ordenamento jurídico, de forma explícita, qualquer previsão de caracterização de parcialidade em virtude de prejulgamento;

c)Revelar, antes do julgamento, posicionamento já adotado em outras sentenças acerca de matérias controvertidas nos tribunais, notadamente sobre as chamadas "matérias de direito", assim como, a respeito de algumas questões de fato repetitivas sobre as quais já se pronunciou em outras demandas, não caracteriza prejulgamento nem parcialidade do juiz, menos ainda interesse pessoal em beneficiar um dos litigantes e prejudicar o outro;

d)Nos processos contenciosos, mormente naqueles em que se pretende provimento condenatório, as sentenças, de algum modo, declaram um dos litigantes vencedor e o outro vencido, podendo coexistir ambos os status (vencedor e vencido simultaneamente) quando se tratam de vários pedidos e o acolhimento foi parcial;

e) Nas medidas urgentes que justificam as tutelas diferenciadas, a exemplo das antecipações dos efeitos do provimento jurisdicional final, não é examinado somente o preenchimento dos requisitos legais à sua concessão, pois os fatos submetidos à apreciação do juiz ligam-se quase que invariavelmente ao mérito da demanda, razão pela qual, o exame judicial transborda, muitas vezes, dos aspectos meramente processuais, atingindo questões que se prendem à própria relação jurídica de direito material;

f)Nas antecipações de tutela, considerando-se que a decisão, seja para concedê-las, seja para rejeitá-las, adentra, com base no material probatório disponível naquela oportunidade, ao mérito do que se discute nos autos do processo, não caracterizam prejulgamento, menos ainda parcialidade do juiz em favor de um dos litigantes e em prejuízo do outro, devendo ser considerado que ao final do procedimento a sentença definitiva poderá ser em sentido inverso ao que se decidiu em caráter precário e temporário;

g)Impedir ao juiz, para que não se possa alegar prejulgamento e parcialidade, de dialogar e debater com os litigantes, geralmente através dos seus procuradores, sobres as alegações, os fatos, as provas e os riscos da demanda, adiantando posicionamentos do juízo e dos tribunais sobre matérias controvertidas (repetidas e julgadas em demandas anteriores), inviabilizaria a conciliação e as medidas de urgência, negando a dialética como atributo ínsito ao processo jurisdicional, podendo tornar o processo extremamente demorado pela possibilidade de produção de provas inúteis e colocaria em risco os fins nobres da jurisdição, entre eles a pacificação social e a solução adequada e tempestiva dos conflitos de interesses.

Sobre o autor
Mauro Vasni Paroski

Juiz titular da 7a. Vara do Trabalho de Londrina - PR. Especialista e Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - PR. Doutorando em Direitos Sociais na Universidad de Castilla-La Mancha - ESPANHA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAROSKI, Mauro Vasni. Prejulgamento e parcialidade do juiz.: Breves notas com enfoque na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2491, 27 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14756. Acesso em: 23 nov. 2024.

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