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Revisitando a coisa julgada

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Agenda 18/05/2010 às 00:00

CAPÍTULO 02

Neste Capítulo, serão estudados a supremacia da Constituição Federal, o controle das normas em face da lei maior e as consequências desse controle.

SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.

A Constituição pode ser considerada em duas perspectivas diferentes, quais sejam: a material e a formal. Materialmente, é o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, distribuição da competência, exercício da autoridade, forma de governo e direitos fundamentais. Formalmente, são as normas constitucionais revestidas de força jurídica superior à de qualquer outra norma.

Falar em controle de constitucionalidade é falar em constituição rígida. Com efeito, onde não há rigidez, não há controle. LAVIÉ (34) entende que rígida é a Lei Fundamental na qual se prevê o controle de constitucional.

É exatamente aí que se caracteriza o princípio da supremacia; é a relação de superioridade e subordinação em que se encontram as normas em um dado ordenamento jurídico.

O fenômeno foi percebido, primeiramente, em 1803, nos Estados Unidos da América, no famoso caso Marbury x Madison, onde a Suprema Corte decidiu que, quando há o contraste entre normas de diversa força normativa, a norma constitucional prevalece sobre a norma ordinária.

No Brasil, dois sistemas de controle são adotados: o difuso e o concentrado. Pelo sistema difuso, qualquer magistrado ao apreciar um caso em concreto pode negar aplicação a uma norma por entendê-la inconstitucional. Ele se impõe toda vez que a decisão da causa o reclame, não podendo o juiz julgá-la com base em lei que tenha por inconstitucional, senão declará-la em prejudicial para ir ao objeto do pedido.

No sistema concentrado, cuja competência é privativa do STF, não há qualquer direito subjetivo em discussão. Trata-se de ação objetiva com o fim único de declarar se a norma está, ou não, conforme a Constituição.

A própria CF prevê ações específicas no controle concentrado, a ação direta de inconstitucionalidade, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a ação declaratória de constitucionalidade e a ação de descumprimento de preceito fundamental.

As ações direta e declaratória têm similitude substancial. A primeira destina-se à aferição positiva de constitucionalidade, e a segunda, a uma pretensão negativa. A procedência de uma revela pronunciamento judicial idêntico à improcedência de outra. Ambas as decisões terão efeitos vinculantes em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública, operando, em geral, efeitos ex tunc. Em havendo violação, cabível a reclamação.

A reclamação não tem uma natureza jurídica pacífica, ação, recurso ou sucedâneo recursal, remédio incomum, incidente processual, medida de direito constitucional ou medida processual de caráter excepcional, constitui instrumento para concretizar a preservação de competência e a garantia da autoridade das decisões do STF (CF, art. 102, I, "l") e do STJ (CF., art. 105, I, "f").

No início, entendia-se que somente os legitimados para a propositura da ação direta ou declaratória tinham legitimidade para ingressar com a reclamação. Os tempos mudaram e, hoje, houve ampliação. Qualquer pessoa – particular ou não – que venha a ser afetado, em sua esfera jurídica, por decisões de outros magistrados ou Tribunais que se revelem contrários ao entendimento fixado em caráter vinculante pelo STF, tem plena legitimidade ativa.

CELSO DE MELLO (35) alega que "sob pena de se comprometerem tão elevadas funções que a Constituição lhe conferiu (ao STF), não pode ter seus julgados desobedecidos (por meios diretos ou oblíquos), ou vulnerada a sua competência. Trata-se.... de medida de direito constitucional processual, porquanto tem como causa finalis assegurar os poderes e prerrogativas que ao Supremo Tribunal Federal foram dados pela Constituição da República."

O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal, quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pelo non facere ou non praestare também deve ser repelida, pois a inércia do Estado qualifica-se como um dos processos informais de mudança da Constituição.

Entretanto, já está pacificado junto ao STF que, em sendo julgada procedente ação de inconstitucionalidade por omissão, somente é viável cientificar o legislador inadimplente, para que esse adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional, não cabendo ao Supremo expedir provimentos normativos, substituindo-se ao Poder Legislativo.

CANOTILHO (36) alerta que:... tanto se viola a lei fundamental quando as acções estaduais não estão em conformidade com as normas e princípios, como quando os preceitos constitucionais não são actuados, dinamizados ou concretizados pelos órgãos que constitucionalmente estão vinculados a fornecerem-lhe operatividade prática. A Constituição impõe-se normativamente, não só quando há uma acção inconstitucional (fazer o que ela proíbe) mas também quando existe uma omissão inconstitucional (não fazer o que ela impõe que seja feito).

Aspecto interessante diz respeito à legitimidade ativa para a propositura da ADI. A questão foi discutida em agravo regimental no STF quando determinado partido político, com representação no Congresso, ajuizou a ação e, no curso da mesma, seu único deputado mudou de partido, perdendo o mesmo a representação. A ADI deveria ser extinta ou não? Considerou o Supremo que a perda superveniente da representação parlamentar não desqualifica o partido político como legitimado ativo. Em seu voto, PERTENCE (37) definiu: a legitimidade ad causam... há de ser verificada no momento da propositura da demanda.Proposta a demanda, há uma questão constitucional a ser decidida por uma jurisdição política, a jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal.

O Ministro César Peluzo, na mesma sessão, defendeu, inclusive, que não percebia a necessidade de permanência do autor, porque a Lei n° 9.868 não prevê uma segunda intervenção do autor no processo.

A ação de descumprimento de preceito fundamental, por sua vez, tem por objeto ato do poder público federal, estadual, municipal ou distrital, normativo ou não, sendo também cabível a medida judicial quando for relevante o fundamento da controvérsia sobre lei ou ato normativo, incluídos os anteriores à Constituição.

O grande limitador dessa ação é o que entender por preceito fundamental. CORRÊA (38) julga que cabe exclusiva e soberanamente ao STF conceituar o que é descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição, porque, promulgado o texto constitucional, é ele o único, soberano e definitivo intérprete.

MARCO AURÉLIO (39) manifesta a dificuldade do tema ao assentar o caráter subsidiário da ADPF, vale dizer, só será cabível a ADPF quando não houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade, nos seguintes termos:... não me perguntem em que caso caberá essa ação disciplinada na Lei n° 9.882. A resposta é muito difícil, porque para todo e qualquer direito contemplado pela ordem jurídica, tem-se sempre uma ação objetivando torná-la eficaz.

É cabível a utilização da ADPF para o controle abstrato de determinados atos jurisdicionais inconstitucionais? Poderia a ação ser utilizada com força rescisória? TALAMINI (40) considera viável a hipótese, desde respeitado o caráter subsidiário da ADPF, ou seja, somente quando não for mais possível a interposição de recursos. Como exemplo cita, hipoteticamente, uma decisão judicial proferida em ação coletiva que assegura, nos transportes municipais, um lugar reservado para negros e pardos, e outro para brancos. O ato judicial seria violador do princípio da isonomia e da legalidade. Conclui que: "não parece possível exonerar o pronunciamento judicial do controle direto, nos estritos limites da argüição de descumprimento de preceito fundamental"

O penúltimo ponto a ser abordado neste tópico refere-se aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade e, modernamente, a possibilidade de modelação dos mesmos. A matéria está regulamentada no art. 27 da Lei n° 9.868/99.

Não seria justo e razoável, depois de anos a fio de imperatividade normativa, que a declaração de inconstitucionalidade de uma lei pudesse nulificar todos os efeitos dela decorrentes,o que, se é facilmente possível no campo normativo, é impossível no campo das relações sociais concretas. É possível que a supressão retroativa da lei do universo jurídico cause mais danos que a sua manutenção provisória.

Mas há limites à atuação do STF. Em primeiro lugar, é a necessidade de quorum qualificado de dois terços. Outro limite, e esse interessa mais de perto, é a não aplicação retroativa da decisão de inconstitucionalidade para violar a coisa julgada. O ajustamento deve ser efetuado em processo próprio.

Exemplo de modulação ocorreu no julgamento da ADI 3.022, do Rio Grande do Sul (41). Uma lei estadual determinou que a Defensoria Pública atuasse em defesa de agentes políticos, independente da necessidade. O STF julgou a norma inconstitucional, mas determinou que os efeitos da decisão só teriam inicio em data posterior, pois vários processos estavam em curso e a defensoria atuando. Conceder efeitos ex tunc causaria prejuízos a um grande número de servidores públicos.

Frise-se, nas palavras de TALAMINI (42), que a decisão do STF em ADI em a qual é aplicado o art. 27,ou seja, onde foi restringida a eficácia retroativa de seu pronunciamento, não pode ser utilizada para os fins do parágrafo único do art. 741 do Código de Processo Civil, cujo litígio ocorreu num período excluído dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

Hipótese diversa ocorre quando uma sentença deixa de aplicar uma norma por entendê-la inconstitucional – controle difuso – e posteriormente o STF vem a considerá-la constitucional. No caso, não houve violação da Constituição Federal. A sentença é ilegal, mas não inconstitucional.

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Ainda quanto ao controle difuso, muito se questiona a respeito dos efeitos erga omnes e inter partes. A tese que prevalece determina que a decisão do STF tem eficácia inter partes. Somente após comunicação ao Senado e a expedição de Resolução, que é discricionária, passará o ato judicial a ter abrangência erga omnes.

GILMAR MENDES (43) possui e defende opinião diversa. Após passear sobre as origens históricas do dispositivo constitucional, conclui que: "...se o Supremo Tribunal Federal pode, em ação direta de inconstitucionalidade suspender, liminarmente, a eficácia de uma lei, até mesmo de uma Emenda Constitucional, por que haveria a declaração de inconstitucionalidade, proferida no controle incidental, de valer tão somente para as partes?"

A ampliação do sistema concentrado, com aumento significativo dos legitimados, e o grande número de decisões com eficácia geral, tornou incoerente a necessidade de Resolução do Senado para que se obtenha a eficácia erga omnes no controle concentrado.

Em verdade, a posição do GILMAR MENDES hoje tomou vulto e já encontra eco na doutrina e no próprio STF. O ato de Senado seria, então, única e exclusivamente para fins de publicidade, levando a decisão do STF ao conhecimento, ainda que, por ficção, a todos os cidadãos.

A questão não é meramente acadêmica. Adotando-se uma ou outra tese, poderá ou não ter aplicação o parágrafo único do artigo 741 do CPC. Se o STF declarar a inconstitucionalidade incidentalmente, os embargos fundados em tal regra seriam cabíveis quando houvesse a suspensão da execução da lei pelo Senado ou, no entender de GILMAR MENDES, seriam cabíveis desde que pública a decisão do STF, independendo de qualquer ato do legislativo.

Ganha força a última posição. Desde o julgamento do habeas corpus n° 82.959-7, pelo STF, do qual foi relator o Ministro MARCO AURÉLIO, foi reconhecida a inconstitucionalidade do § 1°, do art. 2°, da Lei 8.072/90, ou seja, incidentalmente, num caso concreto, o STF admitiu a progressão no regime de cumprimento de pena, ao condenado por crime hediondo. Essa decisão gerou efeitos erga omnes, tendo a moderna doutrina denominado esse fenômeno jurídico de abstrativização do controle difuso de constitucionalidade.

A conclusão que se chega é a seguinte: apesar da inexistência de norma explícita, o julgamento de inconstitucionalidade de um texto legal, pelo STF, na prática, mesmo quando se dá num caso concreto, na medida em que a lei foi discutida em tese (controle difuso abstrato), acaba produzindo efeito contra todos e possui eficácia vinculante (sobretudo frente ao Poder Judiciário).

Finalmente, questiona-se o porquê da decisão de inconstitucionalidade do STF não ter o condão de imediatamente desconstituir a sentença que aplicou a lei inconstitucional? O fenômeno do arrastamento não seria aplicável?

MORAIS (44) assevera que, no direito português, a questão é posta sob o ponto de vista da admissibilidade da declaração de inconstitucionalidade consequente de norma não impugnada. Tem-se, em tal caso, inconstitucionalidade consequente, "opera em cascata, através da propagação de desvalor de uma norma principal para que normas dela dependentes."

A relação de dependência, diz CANOTILHO (45), existente entre esse ato e o diploma legislativo em que se assenta certamente gerará o fenômeno da inconstitucionalidade consequencial ou por arrastamento justificado pela conexão ou interdependência de certos preceitos com os especificamente impugnados.

O preceito principal arrasta, em sua queda, o seu dependente ou acessório. Dessa forma, fica clara a impossibilidade de se aplicar o arrastamento para atingir decisões judiciais transitadas em julgado. Uma sentença não é dependente ou acessório de uma norma específica e, mais ainda, goza das garantias da coisa julgada, já tendo sido submetida ao crivo do judiciário


CAPÍTULO 03

Neste capítulo, serão estudados os meios não recursais de impugnação das decisões judiciais, após o trânsito em julgado.

OS EMBARGOS DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CPC.

Determina o parágrafo único do art. 741:

Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005)

II – inexigibilidade do título;

Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. (Redação pela Lei nº 11.232, de 2005)

O primeiro aspecto a ser analisado é o conceito e extensão que se deve dar ao termo "inexigível". THEODORO JR.(46) entende que a exigibilidade "refere-se ao vencimento da dívida. Obrigação exigível é, portanto, a que está vencida, seja porque se alcançou o termo, seja porque se verificou a condição a cuja ocorrência a eficácia do negócio jurídico estava subordinada. É após o vencimento que o credor pode exigir o cumprimento da obrigação; e não sendo atendido, terá havido inadimplemento do devedor, que é o pressuposto prático ou substancial da execução."

ARAKEN (47), por sua vez, vincula a exigibilidade do título "ao implemento do termo ou condição, outorga atualidade ao crédito. Termo é fato natural, verificado no próprio título e, por esta razão, carece de qualquer prova, em princípio, tirante a do chamado termo incerto. Ao contrário, a condição, porque evento futuro e incerto, exigirá prova na petição inicial da ação executória."

Em sentido contrário, pode-se afirmar que inexigível é a obrigação não vencida. Mas será esta a maneira correta de se interpretar a inexigibilidade constante do parágrafo único do art. 741? A decisão do Supremo Tribunal Federal teria unicamente o condão de tornar o título judicial não vencido?

ESPÍNOLA (48), ao escrever sobre os efeitos da interpretação, esclarece que a mesma pode ser declarativa, extensiva, restritiva, ab-rogante, modificativa e corretiva.

Quanto à primeira, assevera que quando o trabalho interpretativo não produzir uma ampliação, restrição, parcial ou total, modificação ou correção de fórmula, teremos um efeito declarativo.

A extensiva leva a aplicação da lei a casos não expressamente incluídos na sua fórmula, mas virtualmente compreendidos no seu espírito. COVIELLO (49), citado por Espínola, afirma que: se a interpretação deve ter por fim investigar o sentido da lei e essa investigação leva a reconhecer que uma palavra é inapta para exprimi-lo, torna-se conseqüência necessária atribuir a essa palavra o significado correspondente ao espírito da lei, mesmo sendo mais extenso que o natural.

Na interpretação restritiva, a lógica é rigorosamente a mesma. O estudioso, verificando na norma um efeito restritivo, nada dela retira, apenas lhe restabelece o verdadeiro conteúdo, repelindo os casos não compreendidos em seu espírito.

A ab-rogante só deve ser aplicada quando inviável qualquer outra, pois com ela uma norma passa a ter conteúdo nenhum, por incompatibilidade absoluta com outra regra. Espínola salienta que o intérprete deve ter um cuidado todo especial, sendo necessário, antes de opinar pela inconciabilidade definitiva, verificar se não há possibilidade de harmonizá-la. Assim como é justo limitar o significado do texto quando, só em parte, contraria a vontade da lei, força é excluí-lo inteiramente,quando repugne o todo.

A penúltima é a interpretação modificativa. O mundo muda, a sociedade muda, as regras sociais mudam. Assim, nada mais natural que a norma sofrer mudança em sua interpretação, para que possa ficar adequada à realidade vigente. A interpretação evolutiva representará essa alteração no conteúdo primitivo da lei, a fim de cumprir a sua finalidade prática social.

Interpretar de modo corretivo, por fim, ENNECCERUS (50), ainda no texto de Espínola, assevera que: se a vontade da lei e a sua expressão, em certo aspecto, são qualitativamente diversas,cabe também uma interpretação modificativa, que naturalmente só pode melhorar a expressão nesse aspecto concreto. Com efeito, desde que haja alguma impropriedade de um ou mais vocábulos empregados é de impor-se a correção.

Ora, não há como admitir que uma decisão do Supremo Tribunal Federal que deverá prevalecer sobre o ato judicial que adquiriu a qualidade de coisa julgada terá somente como consequência tornar o título não vencido. Deve ser aplicada a interpretação extensiva. Com a procedência dos embargos, em se considerando que o título tem como suporte único a norma declarada inconstitucional pelo STF, a decisão exequenda é desfeita, pela dos embargos. Inexigível, portanto, deve ter acepção ampla.

Em razão dos efeitos erga omnes e ex tunc que marcam as decisões definitivas proferidas pelo STF em matéria de controle de constitucionalidade, devem esses efeitos alcançar não só as ações a serem julgadas, mas igualmente aquelas já decididas e transitadas em julgado.

Com o reconhecimento superveniente de que a lei que fundamentou a decisão está marcada pela inconstitucionalidade e, portanto, contamina o ato judicial que nela está amparado, impossível é defender-se sua permanência em nome da segurança jurídica que, no caso, não deverá preocupar-se com interesse de uma das partes, mas sim com a segurança ou interesse público maior, isto é, a Guarda da Constituição.

A irrecorribilidade da sentença não apaga a inconstitucionalidade.Dúvida não pode mais subsistir que a sentença inconstitucional não se convalida, sendo nula e, portanto, o seu reconhecimento independe de ação rescisória, e pode verificar-se a qualquer tempo e em qualquer processo, inclusive na ação incidental de embargos à execução.

A quebra do absolutismo da coisa julgada tem sido obra da jurisprudência que vem, paulatinamente, construída não sobre o fato de a lei aplicada ter sido posteriormente objeto de declaração de inconstitucionalidade, mas de a sentença conter ofensa a preceitos e princípios fundamentais consagrados na Constituição.

A intangibilidade da coisa julgada é um corolário do princípio da segurança jurídica, mas a segurança não é o único princípio, nem é o maior, dentro do sistema constitucional do Estado de Direito.

A questão, a toda evidência, não é pacífica entre os doutrinadores.GRECO (51), numa visão "política", é frontalmente contrário ao texto do parágrafo único do artigo 741 do CPC. Diz GRECO: O Estado demonstra grande interesse na fragilização da coisa julgada, não só para eternizar a rolagem de sua moratória, mas também porque a falência do aparelho burocrático estatal e as deficiências da sua defesa judicial têm contribuído para a consolidação e execução de decisões judiciais absurdas.

Partindo da ideia que a coisa julgada consagrada na Constituição Federal não é somente uma regra de irretroatividade, mas importante garantia fundamental, conclui que do controle de constitucionalidade das leis não pode decorrer violação à garantia fundamental.

Citando HELENA DE ARAÚJO LOPES XAVIER, considera que a invalidade da lei, declarada genericamente, opera de imediato, anulando todos os efeitos dos atos praticados no passado,com exceção da coisa julgada e do ato jurídico perfeito.

Pelo que, entende inconstitucional o dispositivo em tela.

A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL ajuizou uma ação direta, n° 2.418-3, em face da Medida Provisória 2.102-27, que acrescentou o parágrafo único ao art. 741. Para a OAB, houve violação do inciso XXXVI, do art. 5° da Constituição Federal, pois a novel inexigibilidade configura, esta na petição inicial, em verdade, simulada criação de nova hipótese de rescindibilidade da sentença transitada em julgado. O preceito investe contra a segurança de que se revestem as decisões judiciais finais. O STF ainda não decidiu o pleito.

Frise-se que a norma não abrange a situação de autorizar a propositura dos embargos quando a decisão do STF se dá incidenter tantum e não houve ato do Senado Federal suspendendo a vigência da lei impugnada, salvo para os adeptos da teoria do Ministro GILMAR MENDES, entendendo que a Resolução do Senado tem finalidade meramente de publicidade e o Acórdão do STF, por si só, já tem eficácia erga omnes e ex tunc, mesmo incidental.

Também não é abrangida a situação do magistrado que deixa de aplicar a lei por considerá-la inconstitucional e, posteriormente, o STF vem a declará-la constitucional. Aqui, a análise é de legalidade e não de constitucionalidade

ZAVASCKI (52), escrevendo sobre a eficácia rescisória desses embargos, menciona que se trata de um mecanismo processual para impugnação de certas sentenças inconstitucionais.

Assevera que não é toda e qualquer inconstitucionalidade que propicia o oferecimento dos embargos e, mais ainda, que esse vício específico tem como nota característica a de ter sido reconhecido em precedente do STF.

Apesar disso, numa interpretação extensiva, considera que, em casos graves, é possível o ajuizamento dos embargos com base no parágrafo único do art. 741, "mesmo que a hipótese extrapole dos limites nele estabelecidos. É que para essas situações excepcionais, não há procedimento previsto em lei, devendo ser adotado por imposição do princípio do procedimento."

Três são as limitações à força rescisória: i) a aplicação de lei inconstitucional, ii) a aplicação da lei à situação considerada inconstitucional, iii) a aplicação da lei com um sentido (= interpretação) tido por inconstitucional.

Não importa, e isso é importante, em qual oportunidade em que o precedente do STF foi editado, se antes ou depois do trânsito em julgado da sentença exequenda.

Entretanto, por norma de direito intertemporal, as sentenças transitadas em julgado antes da entrada em vigor da nova redação do parágrafo único do art. 741 não estão sujeitas aos novos embargos, ainda que tenham aplicado norma considerada inconstitucional pelo STF.

Conclui ZAVASCKI que os embargos não são cabíveis quando: i) a sentença deixou de aplicar norma constitucional, ii) aplicou preceito constitucional que o STF considerou sem autoaplicabilidade, iii) deixou de aplicar preceito constitucional que o STF considerou auto aplicável e iiii) aplicou preceito normativo que o STF considerou revogado ou não recepcionado, deixando de aplicar ao caso a norma revogadora.

Finalmente, infere, o que não é pacífico, que a procedência dos embargos não desconstituirá o título executivo, nem reabrirá o processo extinto.

A questão é delicada. Imagine-se a hipótese da decisão proferida sem coleta de provas, porque considerou o magistrado desnecessárias em razão de uma lei que, de modo claro e inequívoco, dava razão ao pedido do autor. Posteriormente, o STF julga essa lei inconstitucional e,em embargos, o título é desconstituído. O autor foi prejudicado e tem direito a produzir as provas então não colhidas. A instrução deve ser reaberta e nova sentença proferida.Parece-me justo.

LUCON (53) inicia seu trabalho condenando a expressão coisa julgada inconstitucional. Para ele, a inconstitucionalidade pode estar na sentença ou em qualquer outro ato de poder,nunca na coisa julgada. Afirma, ainda, que não se relativiza a coisa julgada, visto que ela já é relativa.

Com relação ao parágrafo único do art. 741, diz que o legislador não foi feliz em sua redação, pois a desconstituição do título por vício de inconstitucionalidade é questão de direito material, estranha às condições da ação executiva. Entretanto, admite a utilização da exceção de pré- executividade, ação cognitiva autônoma e embargos à execução.

Como na forma do art. 27 da Lei da ADI, o STF ao declarar uma lei inconstitucional pode fazê-lo com eficácia ex tunc (o mais natural), ex nunc ou ainda em momento ulterior a ser fixado; por óbvio, somente são cabíveis os embargos quando a decisão do Supremo já seja eficaz.

Um ponto curioso não é abordado por Lucon. Suponha que haja a decisão declaratória do STF com eficácia para um momento futuro, por ex., aguardando publicação no Diário de Justiça. Seria justo submeter o vencido à execução do julgado neste instante, quando dentro de um futuro próximo poderia ele ajuizar os embargos? Depreendo que os embargos não são cabíveis antes de ter eficácia o julgado do STF, mas uma vez que já cumprida a decisão exequenda e tendo eficácia o pronunciamento do STF, o então devedor (não é mais devedor, porque já satisfez a sua obrigação) poderá ajuizar ação autônoma por enriquecimento sem causa.

Diferentemente de ZAVASCKI e da posição externada, considera Lucon viável a cumulação nos próprios embargos de pedido de novo julgamento da causa. Assim, o magistrado não só "rescindiria" a decisão embargada, mas lavraria outra, substituindo-a, tal como ocorre na ação rescisória.

MACHADO (54), diante da redação do parágrafo único do art. 741, menciona que: toda a sentença condenatória a partir do regramento examinado tem sua eficácia e qualidade de imutabilidade de sua eficácia condicionada à não declaração de inconstitucionalidade ou incompatibilidade constitucional no seu fundamento. Numa visão jurisprudencial, o STJ vem considerando que: i) a norma em exame tem natureza processual e, portanto, de aplicação imediata, inclusive aos feitos pendentes (55) e ii) ela não pode retroagir para autorizar uma nova forma de ataque à coisa julgada que inexistia antes do trânsito em julgado do título judicial (56).

Questiona-se: em face de uma decisão liminar do STF em sede de controle concentrado, seriam cabíveis os embargos? Para o STF, a decisão que concede medida cautelar é investida da mesma eficácia contra todos e efeito vinculante, características da decisão de mérito.

CELSO DE MELLO (57), ao relatar a Reclamação n° 1.770-2, desta maneira se expressou: Os provimentos de natureza cautelar acham-se instrumentalmente destinados a conferir efetividade ao julgamento final resultante do processo principal, assegurando, desse modo, ex ante, pela eficácia à tutela jurisdicional do Estado, inclusive no que concerne às decisões que, fundadas no poder cautelar geral – inerente a qualquer órgão do Poder Judiciário – emergem do processo de controle normativo abstrato,instaurado mediante ajuizamento da pertinente ação declaratória de constitucionalidade. O desrespeito à eficácia vinculante, derivada de decisão emanada do plenário da suprema corte autoriza o uso da reclamação. A circunstância do julgamento em causa haver sido pronunciado em sede meramente cautelar não impede que se lhe atribua – tal como expressamente reconhecido pelo Plenário – a eficácia vinculante a que se refere o art. 102, § 2° da Constituição Federal.

Logo, via de regra, a decisão cautelar em ADI não possibilita o ajuizamento dos embargos do parágrafo único do art. 741, salvo se à mesma foram atribuídos efeitos ex tunc, pelo Plenário do STF. Quanto ao efeito vinculante, seguramente, seja ex tunc ou ex nunc, o efeito sempre é vinculante. Cabível, ainda, um outro esclarecimento: mesmo em sendo os efeitos ex nunc, se a decisão exequenda for posterior à liminar do STF, os embargos são viáveis.

Não se pode encerrar o assunto, sem estudar a viabilidade ou não da propositura de ação incidental de embargos tendo por fundamento a decisão do STF em recurso extraordinário interposto em face de acórdão lavrado em representação de inconstitucionalidade de lei estadual ou municipal.

Em face de lei estadual é cabível, quando violadora da Constituição Federal, ação direta de inconstitucionalidade; quando a violação for à Constituição Estadual o remédio processual correto é a representação de inconstitucionalidade (alguns Estados -membros usam o termo ação direta de inconstitucionalidade; registre-se que não há qualquer afronta à CF a utilização da ADI pela CE). Quando o preceito da Carta Estadual for igual ao da Carta Federal, nada impedirá o ajuizamento de ADI e da RI, sendo certo que a RI ficará suspensa até a decisão final do STF.

No campo legislativo municipal, não há que se falar em controle direto, abstrato, do STF em face da Constituição Federal. O único caminho é a RI quando a norma municipal viola a C.E. De conseguinte, o controle de lei municipal, tendo como parâmetro a Carta Federal, só é viável incidentalmente, através do recurso extraordinário.

Há certeza de que da decisão tomada em sede de RI cabe, preenchidos os requisitos de admissibilidade, recurso extraordinário para o STF. O acórdão lavrado pelo Supremo, no caso, tem eficácia erga omnes, por se tratar de controle concentrado, eficácia essa que se estende a todo o território nacional. A razão é lógica. O ato judicial emanado pelo Tribunal local tem essa eficácia erga omnes. Dessa forma, o julgamento do STF substituirá o do Tribunal de Justiça e manterá a mesma eficácia original.

PERTENCE (58) ratifica o entendimento: Já assentou o Tribunal que suas decisões de mérito, em recurso extraordinário interposto de acórdão proferido em representação estadual de inconstitucionalidade tem a mesma eficácia geral da que fosse tomada na origem.

Com isso, conclui-se que a decisão do STF julgando inconstitucional norma estadual ou municipal em recurso extraordinário, interposto nos autos de RI, dado o caráter erga omnes da mesma, acredito, constitui fundamento suficiente para a propositura dos embargos. No caso, desnecessária, por evidente, a comunicação ao Senado Federal.

A IMPUGNAÇÃO DO ART. 475- L DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

Determina o art. 475- L do CPC:

Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre: (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

II – inexigibilidade do título; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

§ 1º Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

Após estudar o conteúdo do parágrafo único do art. 741 do CPC, muito pouco existe a acrescentar quanto ao § 1° do art. 475-L, visto que seu texto é rigorosamente o mesmo.

CARREIRA ALVIM (59) salienta que as hipóteses previstas são praticamente iguais às do art. 741,que passou a disciplinar a execução contra a Fazenda Pública.

Mais ainda, afirma que o dispositivo é de duvidosa constitucionalidade, em face do disposto no inciso XXXVI, do art. 5° da Constituição Federal, embora reconheça que o STJ vem-lhe dando aplicação.

Numa postura equivocada, o Desembargador considera que o dispositivo não alcança o controle difuso, mas somente o controle abstrato. Como se viu na apreciação do parágrafo único do art. 741, essa não é a melhor posição.

AÇÃO RESCISÓRIA.

A ação rescisória também é um meio de impugnação de decisões judiciais transitadas em julgado, ou seja, por ela também se obtém a desconstituição da coisa julgada. Não se irá, evidentemente, analisar em profundidade o tema, até porque há tratados sobre o assunto. Somente uma, ou outra questão mais curiosa, será focalizada.

O primeiro aspecto a ser pensado, refletido, é relativo ao direito intertemporal. Em havendo lei nova regulando a rescisória, qual o marco temporal para a mesma ser aplicada? Essa questão foi debatida quando da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 1973, que criou novas hipóteses de rescindibilidade.

PONTES DE MIRANDA (60) se expressava: assim, se no dia em que transitou em julgado a sentença não era rescindível, não há pensar-se em lex nova que a faça rescindível. Se era rescindível, pelos pressupostos a, b ou a, b ou c não se pode acrescentar novo pressuposto, que seja f. Nem pode ser eliminado qualquer deles.

BARBOSA MOREIRA (61) desse posicionamento também não se afasta. Afirma que as hipóteses de rescisão são aquelas existentes na data do trânsito em julgado da sentença; é nessa data que nasce a pretensão à rescisão, in verbis: as decisões trânsitas em julgado, ainda no domínio do estatuto de 1939 e que à luz dele eram irrescindíveis, permanecem irrescindíveis.

Portanto, a lei vigente à época do trânsito em julgado da sentença regula as hipóteses de cabimento da rescisória. Dessa forma, não afronta a coisa julgada pedido rescisório de sentença que transitou em julgado depois da entrada em vigor do CPC de 1973, tendo como suporte hipótese não prevista no CPC de 1939, ainda que a sentença tenha sido proferida sob seu império.

A rescisória, como se vê, é ação pela qual se pede a declaração de nulidade da sentença. Nulidade, aqui, não tem o mesmo significado da nulidade dos atos jurídicos em geral, pois ato nulo é aquele que não produz, nem nunca produzirá efeitos. Uma sentença, mesmo nula, após o trânsito em julgado produz efeitos, enquanto não rescindida ou por decisão final ou por tutela antecipada.

A rescisória, portanto, apresenta três etapas: i) examina-se a admissibilidade da ação; ii) aprecia-se o mérito da causa e iii) realiza-se novo julgamento da matéria que fora objeto da sentença rescindida. Nesse último caso, o novo julgamento não ocorrerá nas hipóteses de ofensa à coisa julgada, na de juiz peitado e de juiz impedido ou absolutamente incompetente.

QUERELA NULITTATIS.

Sem que haja um pedido, formulado diante de um juiz em face de um réu, não há, sob o ângulo jurídico, propriamente um processo. A inexistência do processo e, especificamente, a inexistência da sentença podem ser alegadas a qualquer tempo.

Não se pode falar em ação rescisória, pois sentença inexistente não fica acobertada pela coisa julgada.

Apesar de inexistente, a sentença pode ter aparência de um ato suscetível de ser tido como existente, daí o interesse jurídico em suprimi-la do mundo do direito.

MOREIRA ALVES(62), desde 1983, defende a permanência no direito brasileiro da antiga querela nulittatis, "o que implica em dizer que a nulidade da sentença pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para a propositura da ação rescisória.".

ARAGÃO (63) dá um exemplo típico do autor que, de forma fraudulenta, evita a citação do réu, fazendo-a de forma nula ou sequer fazendo-a. Com a revelia, tem seu pedido julgado procedente. Escoado o prazo recursal, cauteloso, o autor ainda aguarda dois anos, findando o prazo decadencial da rescisória. Já agora, seguro, inicia a execução do julgado. O réu, diante de tamanha nulidade, pode opor embargos para declarar a nulidade de todo o processo. Esses embargos têm natureza de querela nulittatis.

LIEBMAN, mencionado por ZVEITER (64), alega que todo e qualquer processo é adequado para constatar e declarar que um julgado meramente aparente é na realidade inexistente e de nenhum efeito. A nulidade pode ser alegada em defesa contra quem pretende tirar da sentença um efeito qualquer; assim como pode ser pleiteada em processo principal meramente declaratório.

A querela nulittatis foi concebida com o escopo de atacar a imutabilidade da sentença convertida em res judicata, sob o fundamento de achar-se contaminada com o vício que a inquinasse de nulidade, visando a um iudicium rescindens. Esse, uma vez obtido, deixava o querelante na situação de poder colher uma nova decisão sobre o mérito da causa.

Sobre o autor
Andre Luiz Cid Maia

Advogado e Procurador do Estado do Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA, Andre Luiz Cid. Revisitando a coisa julgada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2512, 18 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14876. Acesso em: 5 nov. 2024.

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