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A nulidade do lançamento de débito confessado.

LDC do INSS derivado de fiscalização

Agenda 01/02/2001 às 00:00

I - INTRODUÇÃO

Muitas empresas são constantemente fiscalizadas por auditores fiscais da previdência social, em alguns casos, o procedimento de fiscalização resulta a lavratura do chamado "Lançamento de Débito Confessado – LDC", no qual são exigidas contribuições arrecadadas pelo INSS e aplicadas as penalidades previstas na legislação.

Pelo seu texto e Ordens de Serviços, este LDC representa uma confissão de dívida pelo contribuinte sendo-lhe, por isto, vedada a apresentação de defesa (impugnação) com o objetivo de contestar administrativamente a exigência.

Ocorre que, esta vedação afronta o seu direito de apresentar defesa contra todo lançamento tributário, resultando a nulidade do ato administrativo consubstanciado no LDC, como restará demonstrado.


II.1 – O LDC É LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO EXISTENTE ANTES DA NOTIFICAÇÃO DO CONTRIBUINTE

O LDC representa um lançamento tributário, pois quando originado em procedimento administrativo de fiscalização, a constituição do crédito tributário é realizada nos exatos termos do artigo 142 do Código Tributário Nacional – CTN, principalmente pela atitude praticada pela autoridade fiscal de apurar a ocorrência do fato gerador, o montante devido do tributo, o nome do sujeito passivo e de aplicar as penalidades cabíveis, tudo formalizado em documento fiscal próprio.

Em momento imediatamente anterior a notificação do contribuinte, ou seja, da data da assinatura do LDC, o documento formalizado já está a termo conforme vontade da autoridade. Isto, evidentemente, demonstra a existência de um efetivo lançamento tributário anterior a notificação do contribuinte, repita-se, nos exatos termos do artigo 142 do CTN.

Para que o crédito tributário não seja constituído no LDC, mas em ato atribuído ao contribuinte - poderá acarretar confissão de dívida-, a apuração dos valores e demais elementos da dívida deverá ser realizada apenas pela empresa. Tal situação acontece nas declarações entregues as autoridades fiscais, nas quais estão descritas informações sobre os seus créditos/débitos tributários.

Se assim não o for, estar-se-á fazendo tábula rasa dos efeitos do citado artigo 142 do CTN, que dá o caráter de lançamento tributário ao ato administrativo derivado de procedimento, no qual foram apurados os elementos necessários para a constituição – nascimento – do crédito tributário em documento fiscal lavrado pela autoridade competente.

Ressalta-se ainda que, a existência de lançamento tributário, em momento imediatamente anterior a notificação do contribuinte, é um fato confirmado pelo texto do artigo 145, caput do CTN, pois é condição sine qua non para que um lançamento seja regularmente notificado ao sujeito passivo que antes disto exista, porque não se notifica o inexistente.

II.2 - O LDC NÃO É CONFISSÃO DE DÍVIDA

O LDC não é uma confissão de dívida por ser um lançamento tributário, ao qual já teve o condão de constituir o crédito tributário, mesmo antes da notificação do contribuinte.

Não poderá existir simultaneamente um lançamento tributário e uma confissão de dívida, pois se esta ocorresse no momento da notificação do contribuinte, o lançamento efetuado seria imprestável, vez que a própria confissão já constituiria o crédito tributário, como demonstra o seguinte precedente do TRF da 4ª R:

"AGRAVO REGIMENTAL. CERTIDÃO NEGATIVA. PEDIDO DE COMPENSAÇÃO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA.

O pedido de compensação não suspende a exigibilidade do crédito tributário, já efetuado por força da confissão de dívida, ou seja, esta por si só, independe de lançamento formal, constitui crédito tributário. Não tendo havido nenhuma garantia, correta a recusa do fornecimento de certidão negativa" (2ª T do TRF 4ª R. AG nº 98.04.01020999. Rel. Juiz Tadaaqui Hirose. p.m. j. 07.05.98 - DJ de 07.08.98) (g.n.) (cf. pesquisa no site do CJF na internet - endereço: http://www.cjf.gov.br - palavras chaves: confissão - tributário).

De fato, quando o crédito tributário já tiver sido constituído no lançamento tributário, a confissão de dívida não poderá ocorrer, porque não terá o poder de constituir – dar nascimento – a algo que já existia num momento anterior. Neste caso, principalmente por não ter o efeito de constituir (dar nascimento) ao crédito tributário, a atitude do contribuinte não poderá ser compreendida como uma confissão, mas, apenas, uma ciência ao lançamento tributário praticado pelas autoridades fiscais num momento imediatamente anterior.

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Como se não bastasse, a unanimidade dos Desembargadores Federais da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região ratificam a tese de que não existe confissão de dívida originada de procedimento fiscalizatório, conforme a seguinte transcrição:

"PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. MULTA MORATÓRIA. CONFISSÃO DE DÍVIDA.

1. INEXISTÊNCIA DE CONFISSÃO DE DÍVIDA, SENDO ESTA ORIGINADA DE PROCEDIMENTO FISCALIZATÓRIO.

....." (1ª T do TRF 3ª R. RE nº 97.03.078156. Rel. Des. Federal Roberto Haddad. v.u. j. 23.06.98 - DJ de 01.09.98) (g.n.) (cf. pesquisa no site do CJF na internet - endereço: http://www.cjf.gov.br - palavras chaves: confissão - tributário).

II.3 - QUANDO EXISTIR LANÇAMENTO NASCE O DIREITO A IMPUGNAÇÃO - ARTIGO 145 DO CTN - NULIDADE

Na situação exposta alhures, o LDC representa lançamento tributário e como pelas suas disposição é vedada a apresentação de defesa administrativa pelo contribuinte, não há como se negar a sua nulidade por afronta ao artigo 145, inciso I do Código Tributário Nacional.

Este dispositivo garante o direito de os contribuintes contestarem o lançamento tributário efetuado pela administração, sem qualquer ressalva, demonstrando que qualquer vedação a este direito não poderá prosperar.

Depreende-se do artigo 145 que, se o lançamento poderá ser alterado em virtude de impugnação do sujeito passivo, é porque foi conferido ao contribuinte o direito subjetivo de impugná-lo em todos os casos, principalmente, repita-se, pela inexistência de ressalvas.

Este efeito decorre, também, de representar o lançamento tributário um "ato administrativo impugnável", em vista de ter sido atribuída a administração a tarefa de aplicar a legislação ao caso concreto devendo, por isto, existir o controle da legalidade de sua atitude perante os órgãos fiscais de julgamento, os quais competem a análise da validade do ato administrativo. Sobre isto, segue lição do jurista Alberto Xavier:

"Os atos impugnáveis em processo administrativo tributário são atos tributários primários que aplicam a lei tributária material ao caso concreto" (DO LANÇAMENTO TEORIA GERAL DO ATO DO PROCEDIMENTO E DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1998. pág. 287).

II.4 - O DECRETO Nº 3.048/99 - EFICÁCIA DO ARTIGO 243-DIREITO A DEFESA ADMINISTRATIVA

Da mesma forma, o LDC é nulo por não observar as determinações contidas no Regulamento da Previdência Social aprovado pelo Decreto nº 3.048/99.

O seu artigo 243 dispõe que:

"Art. 243. Constatada a falta de recolhimento de qualquer contribuição ou outra importância devida nos termos deste Regulamento, a fiscalização lavrará, de imediato, notificação fiscal de lançamento com discriminação clara e precisa dos fatos geradores, das contribuições devidas e dos períodos a que se referem, de acordo com as normas estabelecidas pelos órgãos competentes.

.......

§2º. Recebida a notificação, a empresa, o empregador doméstico ou o segurado terão o prazo de quinze dias para efetuar o pagamento ou apresentar defesa".

Ora, se foi constata a falta de recolhimento (procedimento administrativo de fiscalização) conforme comprovam os TIAD e TIAF; a fiscalização lavrou notificação fiscal de lançamento representada no LDC, com a discriminação clara e precisa dos fatos geradores, das contribuições devidas e dos períodos a que se referem, nos termos do artigo 142 do CTN; e o contribuinte recebeu a notificação formalizada anteriormente mediante a sua ciência.

Conclui-se que o contribuinte, mesmo na hipótese do LDC, tem o prazo de quinze dias para pagar ou apresentar defesa.

Diferentemente pelo artigo 244 do Decreto nº 3.048/99 é determinado que:

"Art. 244. As contribuições e demais importâncias devidas à seguridade social e não notificadas até seu vencimento, incluídas ou não em notificação fiscal de lançamento, após verificadas e confessadas, poderão ser objeto de acordo, para pagamento parcelado em moeda corrente, em até sessenta meses sucessivos, observado o número de até quatro parcelas mensais para cada competência a serem incluídas no parcelamento".

Este dispositivo, que veda a apresentação de defesa pelo contribuinte, teria eficácia se o contribuinte tivesse verificado (apurado por si próprio) e confessado a sua dívida e, ainda, tivesse sido emitida notificação fiscal de lançamento pela fiscalização após esta confissão.

Nestas duas acepções, se ocorrer a situação exposta neste trabalho, conclui-se que os contribuintes terão o direito de apresentar defesa administrativa contra a exigência fiscal constituída no LDC.

Demais disso, o Decreto nº 3.048/99 confirma a tese de que não podem existir simultaneamente uma Notificação de Lançamento - como são as LDCs - e uma confissão de dívida, prevalecendo a que foi realizada num momento imediatamente anterior, pois pelo seu 245 o crédito tributário ou é constituído em uma coisa ou outra, nos seguintes termos:

"Art. 245. O crédito da seguridade social é constituído por meio de notificação fiscal de lançamento, auto-de-infração, confissão ou documento declaratório de valores devidos apresentado pelo contribuinte ou outro instrumento previsto em legislação própria".

II.5 – DEFESA CONTRA LANÇAMENTO - DIREITO CONSTITUCIONAL

Como se não bastasse, o LDC é nulo pois desobserva o direito de os contribuintes impugnarem o lançamento tributário conforme garante o artigo 5º, incisos XXXIV, LIV e LV da Constituição Federal de 1988.

Isto porque, o LDC representa a imputabilidade ao contribuinte da cobrança de tributos e aplicação de penalidades, numa situação passível de ser analisada pelos órgãos administrativos de julgamento para se determinar de maneira definitiva na esfera administrativa a validade do lançamento tributário efetuado. Sobre o direito a impugnação administrativa segue o entendimento da ilustre Desembargadora Federal do TRF da 3ª Região, Dra. Diva Malerbi:

"1) A Constituição Federal de 1988 assegura ao contribuinte o processo administrativo fiscal como instrumento de acertamento da relação tributária?

Duas garantias constitucionais cercam o desempenho da atividade tributária: a impugnabilidade dos atos nela praticados, judicial ou administrativamente. Por isso pode-se afirmar, conclusivamente, que a Constituição Federal veda à administração tributária exigir tributo ou aplicar penalidade por infração à legislação tributária, sem que assegure ao contribuinte o instrumento processual, vale dizer, o processo administrativo tributário (CF, 5º, XXXV, LIV e LV)" (PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO. In: Processo Administrativo Tributário. Pesquisas Tributárias nova série nº 5. São Paulo: RT, 1999. pág. 123).

II.6 – DECISÃO JUDICIAL ESPECÍFICA

O entendimento defendido no presente artigo, já foi analisado pelo Poder Judiciário de maneira favorável ao contribuinte, conforme a seguinte transcrição:

"Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar para suspender a exigibilidade dos débitos fiscais representados em 4 (quatro) Lançamentos de Débitos Confessados (LDC) lavrados pelo INSS após a realização de ação fiscal na empresa impetrante.

...

A "relevância do fundamento" está inegavelmente presente, nesta análise perfunctória que ora cabe, na medida em que são bastantes consistentes os argumentos jurídicos alinhavados na inicial. É de se ponderar que, se as LDCs efetivamente decorrem de ação fiscal realizada nas dependências da impetrante – como sugerem fortemente os documentos colacionados com a inicial -, então os débitos nelas inscritos não podem ser tidos como resultantes de confissão. Consequentemente, seria de rigor a abertura de prazo à impetrante para sua impugnação, como decorre da própria sistemática relativa aos lançamentos de débitos tributários, prevista no Código Tributário Nacional" (cf. Despacho do Juiz Federal da 5ª Vara de Ribeirão Preto da Seção Judiciária de São Paulo, Dr. Nelson de Freitas Porfírio Júnior, nos autos do Mandado de Segurança nº 1999.61.02.015919-2 – d. 22.12.1999 – DJ de 17.01.2000).


III - A CONCLUSÃO

Pelo exposto, salvo melhor juízo, entendemos que o Lançamento de Débito Confessado – LDC quando constituir créditos tributários apurados em processo de fiscalização é nulo, por não permitir a apresentação de defesa pelo contribuinte com o objetivo de contestar administrativamente a exigência fiscal.

Sobre o autor
Fernando Dantas Casillo Gonçalves

advogado em São Paulo, especialista em Direito Tributário pela PUC/SP, MBA em Direito da Economia e da Empresa pela FGV, especialista em Direito Empresarial Internacional pelo CEU/SP, professor no Curso de Gestão Estratégica de Impostos na Trevisan/SP e do Curso de Direito Tributário Aplicado na IOB-Thompson/SP, membro-fundador do Instituto de Pesquisas Tributárias (IPT) e do Conselho Consultivo da Associação Paulista de Estudos Tributários (APET), membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), membro do Conselho Editorial das Revistas IOB de Direito Administrativo e de Direito Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Fernando Dantas Casillo. A nulidade do lançamento de débito confessado.: LDC do INSS derivado de fiscalização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1490. Acesso em: 22 dez. 2024.

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