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Pobreza e direitos humanos.

O papel da Defensoria Pública na luta para a erradicação da pobreza

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Agenda 01/06/2010 às 00:00

Notas

  1. No caso dos integrantes das classes trabalhadoras urbanas, inseridas no sistema econômico mediante vínculo empregatício formal, embora tenham sido contemplados com significativo leque de direitos sociais, em especial os de cunho trabalhista e previdenciário, vários autores (apenas para exemplificar, citamos dois autores: CARVALHO, 2004 e SANTOS, 1979) apontam para a ocorrência de situação peculiar no contexto latino americano, em que – diferentemente do que se deu em outros países, notadamente nas sociedades industriais do hemisfério norte, como relatado no célebre estudo do sociólogo T. H. MARSHALL (1967) – a expansão desses direitos trabalhistas e sociais nem sempre se situou no desdobramento de um ciclo de implantação integral dos direitos civis e políticos, sobretudo em razão da predominância de regimes populistas/clientelistas (e à vezes autoritários), como foi o caso, por exemplo, dos governos de Getúlio Vargas no Brasil e de Perón na Argentina. Para um aprofundamento nessa temática, recomenda-se o texto escrito por Elizabeth JELIN (2006), sob o título "Cidadania Revisitada: Solidariedade, Responsabilidade e Direitos", publicado no livro "Construindo a Democracia: Direitos Humanos, Cidadania e Sociedade na América Latina".
  2. Como referência bibliográfica para uma breve sistematização acerca dos vários sentidos da palavra pobreza e sua relevância para o direito, recomenda-se o livro "Les Pauvres et le Droit", de autoria da Prof. Sophie DION-LOYE (1997), integrante da coleção "Que sais-je?" publicada pela PUF-Presses universitaires de France. Numa perspectiva mais técnica, cabe consultar os documentos publicados pelo PNUD, especialmente a edição de Dezembro de 2006 da Revista "Poverty in Focus", dedicada ao tema "What is Poverty? Concepts and Measures" disponível em: http://www.undp-povertycentre.org/pub/IPCPovertyInFocus9.pdf. Para uma reflexão específica sobre a confiabilidade das estimativas de pobreza na América Latina, ver o artigo "As estimativas de pobreza na América Latina são Confiáveis?", disponível em http://www.undp-povertycentre.org/pub/port/IPCOnePager52.pdf.
  3. A respeito dessa noção de "definitividade" da resolução de conflitos, num estudo patrocinado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos, publicado no ano 2000, sob o título "Acceso a la Justicia e Equidad", José THOMPSON enumera os seguintes elementos que idealmente devem ser fazer presentes para que efetivamente se configure a resolução de conflitos com caráter de "definitividade": "a oportunidade, para ter a capacidade de resposta suficientemente ágil para que a solução seja temporalmente apropriada; a certeza, para que sua relação com as pretensões encontradas sejam clara, direta e definitiva; a idoneidade, para poder cabalmente assumir e dirimir o conflito na sua forma e conteúdo; a acatabilidade, isto é, que seja suscetível de aceitação pelas partes, independentemente de se conformarem ou não com as disposições da decisão; e a executabilidade, se as pretensões são quantificáveis efetiva ou eventualmente.
  4. A obra clássica de referência sobre o tema é a série de publicações denominada "Access to Justice", no âmbito do denominado "Projeto Florença", em cinco volumes, coordenados pelo italiano Mauro CAPPELLETTI. No Brasil, foi publicado um fragmento dessa coleção, que consiste exatamente no texto de introdução aos trabalhos integrantes desses cinco volumes. Trata-se da obra intitulada "Acesso à Justiça", de autoria de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, publicada em Porto Alegre por Sergio Antonio Fabris Editor. A respeito especificamente do Acesso à Justiça para os pobres, o trabalho pioneiro e que se tornou referência mundial consiste no livro "Toward Equal Justice: A comparative study of legal aid in modern societies", publicado originariamente em 1975, que teve como autores o próprio Mauro Cappelletti, juntamente com James Gordley e Earl Johnson Jr.
  5. No ano de 2007 a Organização dos Estados Americanos, através da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, publicou um documento de grande relevância para o tema, cujo título é "El acceso a la justicia como garantia de los derechos econômicos, sociales y culturales – estúdio de los estándares fijados por ele sistema interamericano de derechos humanos". Tal publicação está disponível para download na internet no seguinte endereço eletrônico: http://www.cidh.org/pdf%20files/ACCESO%20A%20LA%20JUSTICIA%20DESC.pdf .
  6. Para um estudo panorâmico acerca do processo de afirmação e positivação dos direitos humanos, na ordem internacional, recomenda-se o verbete "Direitos Humanos", constante do consagrado Dicionário de Política organizado pelos professores italianos Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino (no Brasil, foi publicada uma versão em português, pela Editora da Universidade de Brasília).
  7. Isso é importante que seja destacado pois em muitos dos países latino-americanos as Defensorias têm atuação restrita às questões criminais (alcançando, às vezes, questões "quase-criminais" como seria o caso da defesa de crianças e adolescentes infratores). Parece-nos que essa é uma visão distorcida do papel do Estado na garantia do acesso à justiça. Mesmo entre os próprios defensores públicos costuma haver uma ênfase desproporcionada na atenção à problemática criminal, olvidando-se as violações de direitos patrimoniais, contratuais, trabalhistas, administrativos, previdenciários, familiares, sucessórios e, sobretudo, os direitos sociais (educação e saúde) coletivos, que atingem amplas parcelas de pessoas no estado de pobreza (casos que, quantitativamente são muito mais elevados do que os que sofrem violações de seus direitos no âmbito penal).
  8. Essa classificação teria sido utilizada pela primeira vez pelo jurista tcheco Karal Vasak, naturalizado francês, numa conferência pronunciada em 1979 no Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estrasburgo, na França. Apesar de seu inegável caráter didático, diversos autores passaram a seguir essa classificação que observa um critério de natureza histórico-cronológica em que normalmente foram introduzidos nos ordenamentos positivos das principais sociedades ocidentais. Todavia, muitos pensadores apresentam críticas à ideia de "gerações" de direitos, preferindo utilizar, em seu lugar, a expressão "dimensões" dos direitos fundamentais.
  9. Para expressar, de modo irônico, essa acessibilidade – apenas teórica! – dos tribunais a todas as pessoas, ricos e pobres, há um conhecido provérbio inglês: "The Courts are open to all – like the Ritz Hotel". A frase "Curia Pauperibus clausa est" (o tribunal está fechado para os pobres), de Ovídio, expressa a mesma ideia, dita de forma mais direta.
  10. Os Estados-Unidos somente no ano de 1964 reconheceram, por decisão da Suprema Corte, que todo cidadão processado criminalmente deve ter direito de receber assistência jurídica gratuita custeada pelo poder público, com nomeação de um defensor público, nos casos em que não disponha de condições econômicas para arcar com a contratação de um advogado. Todavia, a cultura jurídico-política norte-americana, marcada pelo liberalismo e pelo pragmatismo, resiste até o presente em reconhecer que a igualdade jurídica dos cidadãos estabelecida na Constituição de 1787 impõe aos poderes públicos a obrigação de prover a assistência de um advogado também para a defesa em Juízo dos interesses de natureza não criminal (civil, família, administrativo, etc) daquelas pessoas que não dispõe de recursos para arcar com as despesas de contratação de um profissional. Em artigo publicado no ano de 2004, o jurista norte-americano Earl Johnson Jr. (um dos companheiros de Mauro Cappelletti na edição das obras sobre o Acesso à Justiça, do Projeto Florença, mencionado na nota nº 4, supra, relata essa incrível resistência dos tribunais norte-americanos de reconhecer a assistência jurídica gratuita em causas cíveis como direito constitucional fundamental das pessoas pobres. O título do artigo é "Access to Justice: Will Gideon´s Trumpet Sound a New Melody? The Globalization of Constitutional Values and Its Implications for a Right to Equal Justice in Civil Cases" In: "Seattle Journal for Social Justice", Fall, 2003/Winter, 2004. Para uma visão mais completa do modelo norte-americano de assistência jurídica gratuita aos pobres, pode-se consultar o livro de nossa autoria: ALVES, Cleber Francisco (2006). Justiça para todos1 A Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil. Rio de Janeiro, Lumen Juris.
  11. Nos dias 4, 5 e 6 de março de 2008 reuniram-se, em Brasília, os dirigentes dos mais importantes órgãos do Poder Judiciário dos países latino-americanos e ibéricos, com a participação também de representações da Defensoria Pública, do Ministério Público e da Advocacia, integrantes da "XIV Cimeira Judicial Ibero-americana". Nesse encontro, os participantes deliberaram pela aprovação das chamadas "Regras de Brasília sobre o Acesso a Justiça das Pessoas em Condição de Vulnerabilidade", cujo texto esta disponível no seguinte endereço eletrônico: http://www.cumbrejudicial.org/eversuite/GetDoc?DBName=dPortal&UniqueKeyValue=2383&ShowPath=false.
  12. Essa afirmação não exclui, naturalmente, a possibilidade de que sejam utilizados os mecanismos de acesso à justiça para assegurar a efetividade dos chamados direitos de segunda geração, de ordem econômica, social e cultural e de dimensão meta-individual.
  13. É consenso na doutrina que os Direitos Civis e Políticos constantes do Pacto Internacional, aprovado pela Assembleia da ONU em 1966, tem caráter auto-aplicável devendo ser assegurados de imediato pelos Estados para todos os cidadãos. Já com relação aos direitos econômicos, sociais e culturais, pelo princípio da progressividade, estabelecido no Art. 2º, § 1º, do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, sua realização pode ser implementada de modo diferido, tendo em vista as limitações de recursos econômico-financeiros disponíveis, atendidas prioridades a serem definidas na agenda política nacional.
  14. A inspiração, no campo teórico, para inclusão dos serviços de assistência jurídica para os pobres dentre as ações do programa governamental denominado "War on Poverty" teria resultado de um artigo escrito pelos irmãos Edgar e John CAHN, publicado no "Yale Law Journal" em 1964, sob o título: "The War on Poverty – A civilian perspective". Esse trabalho teve influência decisiva na configuração do modelo norte-americano de Assistência Jurídica Gratuita aos pobres em questões cíveis. Para um estudo pormenorizado, da trajetória histórica do sistema norte-americano, recomenda-se o livro "Justice and Reform", escrito por Earl Johnson Jr. publicado originariamente em 1974, com uma segunda edição em 1978. Igualmente, pode-se consultar o endereço eletrônico: http://www.clasp.org/publications/legal_aid_history_2007.pdf para download do documento "Securing Equal Justice for All – A brief history of civil legal assistance in the United States" de autoria de Alan W. HOUSEMAN e Linda E. PERLE. Em língua portuguesa, pode-se consultar o livro de nossa autoria, mencionado na nota 10, supra.
  15. Como disse Carlos FILGUERA (1997), na América Latina a superação da pobreza passa pelo desenvolvimento dos direitos cidadãos, destacando ainda que "la filantropía no concede derechos, sino que es simplemente um beneficio para aquellos grupos a quienes va dirigida. Tampoco constituyen derechos legales las políticas asistencialistas que se orientan a corregir las condiciones que sufren los sectores llamados vulnerables, sin eliminar las causas estructurales de su vulnerabilidad y por lo tanto, las barreras que limitan el desarollo de sus derechos ciudadanos". (Cf. FILGUEIRA, Carlos. "Bienestar, ciudadanía y vulnerabilidad em Latinoamérica". In: PEREZ BALTODANO, Andrés (ed.). "Globalización, ciudadania y política social em América Latina: tensiones y contradicciones". Caracas, Editorial Nueva Sociedad., 1997, p. 145.)
  16. Eis o que disse o Dr. Ricardo Lorenzetti: "Naturalmente, que el movimiento de acceso puede tener um exceso. Yo voy a mencionar dos problemas que me parecen interesantes. El primero es vinculado a la excesiva judicialización. Porque cuando nosotros abrimos las puertas para que todo el mundo acceda, lo que suele pasar es que los otros poderes del Estado tardan bastante tiempo em tomar conciencia de esto. Y entonces, tenemos los jueces y juzgados saturados de expedientes; se demoran las causas y tenemos que comenzar a hablar de derecho fundamental a um tiempo razonable en el proceso. Y el acceso se vuelve una parodia. Porque, ¿de qué sirve garantizar el acceso a la Justicia que demora cuatro, cinco, diez años? Entoces, este es um tema importantísimo".
  17. Ver: PEREIRA, Antonio Celso Alves. "El acceso a la justicia y los Derechos Humanos en El Brasil". In: "Revista IIDH", Nº 20, San José de Costa Rica, IIDH, Julio-Diciembre de 1994, p. 23.
Sobre o autor
Cleber Francisco Alves

Defensor Público no Estado do Rio de Janeiro, Professor Universitário, Doutor em Direito pela PUC-RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Cleber Francisco. Pobreza e direitos humanos.: O papel da Defensoria Pública na luta para a erradicação da pobreza. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2526, 1 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14957. Acesso em: 22 nov. 2024.

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