No caso dos integrantes das classes trabalhadoras urbanas, inseridas
no sistema econômico mediante vínculo empregatício formal, embora tenham sido
contemplados com significativo leque de direitos sociais, em especial os de
cunho trabalhista e previdenciário, vários autores (apenas para exemplificar,
citamos dois autores: CARVALHO, 2004 e SANTOS, 1979) apontam para a ocorrência
de situação peculiar no contexto latino americano, em que – diferentemente
do que se deu em outros países, notadamente nas sociedades industriais do
hemisfério norte, como relatado no célebre estudo do sociólogo T. H. MARSHALL
(1967) – a expansão desses direitos trabalhistas e sociais nem sempre se
situou no desdobramento de um ciclo de implantação integral dos direitos civis
e políticos, sobretudo em razão da predominância de regimes populistas/clientelistas
(e à vezes autoritários), como foi o caso, por exemplo, dos governos de
Getúlio Vargas no Brasil e de Perón na Argentina. Para um aprofundamento nessa
temática, recomenda-se o texto escrito por Elizabeth JELIN (2006), sob o
título "Cidadania Revisitada: Solidariedade, Responsabilidade e
Direitos", publicado no livro "Construindo a Democracia: Direitos
Humanos, Cidadania e Sociedade na América Latina".
Como referência bibliográfica para uma breve sistematização acerca
dos vários sentidos da palavra pobreza e sua relevância para o direito,
recomenda-se o livro "Les Pauvres et le Droit", de autoria da
Prof. Sophie DION-LOYE (1997), integrante da coleção "Que sais-je?"
publicada pela PUF-Presses universitaires de France. Numa perspectiva mais
técnica, cabe consultar os documentos publicados pelo PNUD, especialmente a
edição de Dezembro de 2006 da Revista "Poverty in Focus",
dedicada ao tema "What is Poverty? Concepts and Measures"
disponível em: http://www.undp-povertycentre.org/pub/IPCPovertyInFocus9.pdf.
Para uma reflexão específica sobre a confiabilidade das estimativas de pobreza
na América Latina, ver o artigo "As estimativas de pobreza na América
Latina são Confiáveis?", disponível em http://www.undp-povertycentre.org/pub/port/IPCOnePager52.pdf.
A respeito dessa noção de "definitividade" da resolução
de conflitos, num estudo patrocinado pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento e pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos, publicado
no ano 2000, sob o título "Acceso a la Justicia e Equidad",
José THOMPSON enumera os seguintes elementos que idealmente devem ser fazer
presentes para que efetivamente se configure a resolução de conflitos com
caráter de "definitividade": "a oportunidade, para ter a
capacidade de resposta suficientemente ágil para que a solução seja
temporalmente apropriada; a certeza, para que sua relação com as pretensões
encontradas sejam clara, direta e definitiva; a idoneidade, para poder
cabalmente assumir e dirimir o conflito na sua forma e conteúdo; a
acatabilidade, isto é, que seja suscetível de aceitação pelas partes,
independentemente de se conformarem ou não com as disposições da decisão; e
a executabilidade, se as pretensões são quantificáveis efetiva ou
eventualmente.
A obra clássica de referência sobre o tema é a série de
publicações denominada "Access to Justice", no âmbito do denominado
"Projeto Florença", em cinco volumes, coordenados pelo italiano Mauro
CAPPELLETTI. No Brasil, foi publicado um fragmento dessa coleção, que consiste
exatamente no texto de introdução aos trabalhos integrantes desses cinco
volumes. Trata-se da obra intitulada "Acesso à Justiça", de autoria
de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, publicada em Porto Alegre por Sergio
Antonio Fabris Editor. A respeito especificamente do Acesso à Justiça para os
pobres, o trabalho pioneiro e que se tornou referência mundial consiste no
livro "Toward Equal Justice: A comparative study of legal aid in modern
societies", publicado originariamente em 1975, que teve como autores o
próprio Mauro Cappelletti, juntamente com James Gordley e Earl Johnson Jr.
No ano de 2007 a Organização dos Estados Americanos, através da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, publicou um documento de grande
relevância para o tema, cujo título é "El acceso a la justicia como
garantia de los derechos econômicos, sociales y culturales – estúdio de los
estándares fijados por ele sistema interamericano de derechos humanos".
Tal publicação está disponível para download na internet no
seguinte endereço eletrônico: http://www.cidh.org/pdf%20files/ACCESO%20A%20LA%20JUSTICIA%20DESC.pdf
.
Para um estudo panorâmico acerca do processo de afirmação e
positivação dos direitos humanos, na ordem internacional, recomenda-se o
verbete "Direitos Humanos", constante do consagrado Dicionário de
Política organizado pelos professores italianos Norberto Bobbio, Nicola
Matteucci e Gianfranco Pasquino (no Brasil, foi publicada uma versão em
português, pela Editora da Universidade de Brasília).
Isso é importante que seja destacado pois em muitos dos países
latino-americanos as Defensorias têm atuação restrita às questões criminais
(alcançando, às vezes, questões "quase-criminais" como seria o caso
da defesa de crianças e adolescentes infratores). Parece-nos que essa é uma
visão distorcida do papel do Estado na garantia do acesso à justiça. Mesmo
entre os próprios defensores públicos costuma haver uma ênfase
desproporcionada na atenção à problemática criminal, olvidando-se as
violações de direitos patrimoniais, contratuais, trabalhistas,
administrativos, previdenciários, familiares, sucessórios e, sobretudo, os
direitos sociais (educação e saúde) coletivos, que atingem amplas parcelas de
pessoas no estado de pobreza (casos que, quantitativamente são muito mais
elevados do que os que sofrem violações de seus direitos no âmbito penal).
Essa classificação teria sido utilizada pela primeira vez pelo
jurista tcheco Karal Vasak, naturalizado francês, numa conferência pronunciada
em 1979 no Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estrasburgo, na
França. Apesar de seu inegável caráter didático, diversos autores passaram a
seguir essa classificação que observa um critério de natureza
histórico-cronológica em que normalmente foram introduzidos nos ordenamentos
positivos das principais sociedades ocidentais. Todavia, muitos pensadores
apresentam críticas à ideia de "gerações" de direitos, preferindo
utilizar, em seu lugar, a expressão "dimensões" dos direitos
fundamentais.
Para expressar, de modo irônico, essa acessibilidade – apenas
teórica! – dos tribunais a todas as pessoas, ricos e pobres, há um conhecido
provérbio inglês: "The Courts are open to all – like the Ritz Hotel".
A frase "Curia Pauperibus clausa est" (o tribunal está fechado
para os pobres), de Ovídio, expressa a mesma ideia, dita de forma mais direta.
Os Estados-Unidos somente no ano de 1964 reconheceram, por decisão da
Suprema Corte, que todo cidadão processado criminalmente deve ter direito de
receber assistência jurídica gratuita custeada pelo poder público, com
nomeação de um defensor público, nos casos em que não disponha de
condições econômicas para arcar com a contratação de um advogado. Todavia,
a cultura jurídico-política norte-americana, marcada pelo liberalismo e pelo
pragmatismo, resiste até o presente em reconhecer que a igualdade jurídica dos
cidadãos estabelecida na Constituição de 1787 impõe aos poderes públicos a
obrigação de prover a assistência de um advogado também para a defesa em
Juízo dos interesses de natureza não criminal (civil, família,
administrativo, etc) daquelas pessoas que não dispõe de recursos para arcar
com as despesas de contratação de um profissional. Em artigo publicado no ano
de 2004, o jurista norte-americano Earl Johnson Jr. (um dos companheiros de
Mauro Cappelletti na edição das obras sobre o Acesso à Justiça, do Projeto
Florença, mencionado na nota nº 4, supra, relata essa incrível resistência
dos tribunais norte-americanos de reconhecer a assistência jurídica gratuita
em causas cíveis como direito constitucional fundamental das pessoas pobres. O
título do artigo é "Access to Justice: Will Gideon´s Trumpet Sound a
New Melody? The Globalization of Constitutional Values and Its Implications for
a Right to Equal Justice in Civil Cases" In: "Seattle Journal for
Social Justice", Fall, 2003/Winter, 2004. Para
uma visão mais completa do modelo norte-americano de assistência jurídica
gratuita aos pobres, pode-se consultar o livro de nossa autoria: ALVES, Cleber
Francisco (2006). Justiça para todos1 A Assistência Jurídica Gratuita nos
Estados Unidos, na França e no Brasil. Rio de Janeiro, Lumen Juris.
Nos dias 4, 5 e 6 de março de 2008 reuniram-se, em Brasília, os
dirigentes dos mais importantes órgãos do Poder Judiciário dos países
latino-americanos e ibéricos, com a participação também de representações
da Defensoria Pública, do Ministério Público e da Advocacia, integrantes da
"XIV Cimeira Judicial Ibero-americana". Nesse encontro, os
participantes deliberaram pela aprovação das chamadas "Regras de
Brasília sobre o Acesso a Justiça das Pessoas em Condição de
Vulnerabilidade", cujo texto esta disponível no seguinte endereço
eletrônico: http://www.cumbrejudicial.org/eversuite/GetDoc?DBName=dPortal&UniqueKeyValue=2383&ShowPath=false.
Essa afirmação não exclui, naturalmente, a possibilidade de que
sejam utilizados os mecanismos de acesso à justiça para assegurar a
efetividade dos chamados direitos de segunda geração, de ordem econômica,
social e cultural e de dimensão meta-individual.
É consenso na doutrina que os Direitos Civis e Políticos constantes
do Pacto Internacional, aprovado pela Assembleia da ONU em 1966, tem caráter
auto-aplicável devendo ser assegurados de imediato pelos Estados para todos os
cidadãos. Já com relação aos direitos econômicos, sociais e culturais, pelo
princípio da progressividade, estabelecido no Art. 2º, § 1º, do Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, sua realização
pode ser implementada de modo diferido, tendo em vista as limitações de
recursos econômico-financeiros disponíveis, atendidas prioridades a serem
definidas na agenda política nacional.
A inspiração, no campo teórico, para inclusão dos serviços de
assistência jurídica para os pobres dentre as ações do programa
governamental denominado "War on Poverty" teria resultado de um artigo
escrito pelos irmãos Edgar e John CAHN, publicado no "Yale Law Journal"
em 1964, sob o título: "The War on Poverty – A civilian perspective".
Esse trabalho teve influência decisiva na configuração do modelo
norte-americano de Assistência Jurídica Gratuita aos pobres em questões
cíveis. Para um estudo pormenorizado, da trajetória histórica do sistema
norte-americano, recomenda-se o livro "Justice and Reform",
escrito por Earl Johnson Jr. publicado originariamente em 1974, com uma segunda
edição em 1978. Igualmente, pode-se consultar o endereço eletrônico: http://www.clasp.org/publications/legal_aid_history_2007.pdf
para download do documento "Securing Equal Justice for All – A
brief history of civil legal assistance in the United States" de
autoria de Alan W. HOUSEMAN e Linda E. PERLE. Em língua portuguesa, pode-se
consultar o livro de nossa autoria, mencionado na nota 10, supra.
Como disse Carlos FILGUERA (1997), na América Latina a superação da
pobreza passa pelo desenvolvimento dos direitos cidadãos, destacando ainda que
"la filantropía no concede derechos, sino que es simplemente um beneficio
para aquellos grupos a quienes va dirigida. Tampoco constituyen derechos legales
las políticas asistencialistas que se orientan a corregir las condiciones que
sufren los sectores llamados vulnerables, sin eliminar las causas estructurales
de su vulnerabilidad y por lo tanto, las barreras que limitan el desarollo de
sus derechos ciudadanos". (Cf. FILGUEIRA, Carlos. "Bienestar,
ciudadanía y vulnerabilidad em Latinoamérica". In: PEREZ BALTODANO,
Andrés (ed.). "Globalización, ciudadania y política social em
América Latina: tensiones y contradicciones". Caracas, Editorial Nueva
Sociedad., 1997, p. 145.)
Eis o que disse o Dr. Ricardo Lorenzetti: "Naturalmente, que
el movimiento de acceso puede tener um exceso. Yo voy a mencionar dos problemas
que me parecen interesantes. El primero es vinculado a la excesiva
judicialización. Porque cuando nosotros abrimos las puertas para que todo el
mundo acceda, lo que suele pasar es que los otros poderes del Estado tardan
bastante tiempo em tomar conciencia de esto. Y entonces, tenemos los jueces y
juzgados saturados de expedientes; se demoran las causas y tenemos que comenzar
a hablar de derecho fundamental a um tiempo razonable en el proceso. Y el acceso
se vuelve una parodia. Porque, ¿de qué sirve garantizar el acceso a la
Justicia que demora cuatro, cinco, diez años? Entoces, este es um tema
importantísimo".
Ver: PEREIRA, Antonio Celso Alves. "El acceso a la justicia y
los Derechos Humanos en El Brasil". In: "Revista IIDH",
Nº 20, San José de Costa Rica, IIDH, Julio-Diciembre de 1994, p. 23.
Defensor Público no Estado do Rio de Janeiro, Professor Universitário, Doutor em Direito pela PUC-RJ
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
ALVES, Cleber Francisco. Pobreza e direitos humanos.: O papel da Defensoria Pública na luta para a erradicação da pobreza. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2526, 1 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14957. Acesso em: 23 dez. 2024.