Considerações finais
Ao final do nosso estudo, somos obrigados a reconhecer que não foram poucas as dificuldades de estudar sobre o referido tema.
A começar pelo próprio conceito de organização criminosa, que ainda é bastante controvertido entre doutrinadores, mesmo quando tal fenômeno há décadas se mostra tão presente na sociedade, atravessando fronteiras e delinquindo ilimitadamente por meio de seus agentes.
Sabemos quão temerária seria uma conceituação legal, devido às possibilidades ampliativas e restritivas que sofreria o possível dispositivo legal. Se de um lado uma lei jamais seria capaz de prever todas as possíveis condutas que caracterizariam uma organização criminosa, por outro, o excesso de tipificação de condutas representaria uma excesso incriminador por parte do nosso legislador, resultando, assim, ineficaz qualquer tentativa nesse sentido.
Por outro lado, o próprio princípio da legalidade, norte do Direito Penal brasileiro, limitaria a subsunção dos fatos, posto que, qualquer outra conduta não prevista no conceito legal restaria atípica.
Assim, embora tenhamos adotado como ponto de partida o conceito de organização criminosa estabelecido pelas Nações Unidas, entendemos que sua configuração deve ser analisada na ótica do caso concreto, levando em consideração elementos temporais, geográficos e subjetivos.
Não obstante a dificuldade em estabelecer precisamente o que vem a ser uma organização criminosa, nosso legislador buscou maneiras de combater a delinquência organizada. Contudo, esse inequívoco açodamento em buscar meios repressores, resultou em previsões legais sem qualquer regramento e muitas vezes inócuas, como ocorreu com o instituto de infiltração de agentes em organizações criminosas.
O mencionado instituto, previsto na Lei 9.034/95, com redação dada pela Lei 10.217/01, com o objetivo de infiltrar um agente estatal em uma organização criminosa para obter dados e provas de crimes, foi alvo de críticas pela omissão legislativa em prever tal medida, sem, contudo, preocupar-se em regulamentar a sua execução.
Vimos que pontos referentes à legitimidade para requerer a infiltração, o tipo de agente que pode ser infiltrado, os limites da ação do AI e, principalmente, como ficaria a situação do AI pós-infiltração são lacunas que precisam ser preenchidas com um texto legal para não deixar cair em desuso um importante meio de combate à delinquência moderna. Em vários países como Alemanha, Itália e Estados Unidos, diferentemente do Brasil, tal instituto logrou sucesso, uma vez que houve uma maior preocupação dos legisladores de tais países em tratar do tema de forma minuciosa, dando total respaldo aos agentes envolvidos na infiltração e aumentando, assim, o sucesso na execução da diligência.
No Brasil, entretanto, ficou a cargo dos doutrinadores a responsabilidade de buscar em outros institutos do ordenamento pátrio soluções que pudessem ser adaptadas e possibilitassem a infiltração de agentes em organizações criminosas.
A Lei 9.296/96 por vezes é utilizada para, analogicamente, suprir algumas lacunas da Lei 10.217/01. Porém, ainda assim, há uma necessidade de uma legislação específica para a infiltração de agentes, pois nenhuma outra lei prevê a situação do AI durante e depois da infiltração.
Buscamos respostas sobre quais as excludentes que recaem sobre a atuação do AI, bem como quais os limites impostos a sua atuação. Em razão da omissão legislativa específica, fomos obrigados a analisar a situação à luz de princípios implícitos em nosso ordenamento, a exemplo, o Princípio da Proporcionalidade, utilizado para sopesar direitos e garantias que se encontram igualmente protegidos pelo ordenamento.
Assim, não apenas a autorização para infiltrar um agente numa organização criminosa, mas também todas as condutas do agente devem ser pautadas de acordo com o mencionado princípio, tendo em vista que apenas aquelas condutas imprescindíveis e pertinentes devem ser executadas no decorrer da missão e nada justifica, portanto, o excesso ou abuso por parte do AI.
Nesse sentido, ao longo do trabalho, deixamos claro que um treinamento específico deve fazer parte da operação de infiltração, posto que é na pessoa do AI que deve constar toda a destreza de como sobressair-se das situações críticas que o caso prático certamente exigirá.
Além do Princípio da Proporcionalidade, vimos que há a possibilidade de excluir a responsabilidade penal do AI à luz das excludentes existentes no Direito Penal Brasileiro, como as excludentes de ilicitude e culpabilidade. Assim, nas regras gerais de Direito Penal, há opções seguras e constitucionalmente legitimadas de assegurar a irresponsabilidade penal do AI.
Ademais, a infiltração de agentes também há de ser analisada de acordo com todo o ordenamento jurídico, conforme a Teoria da Tipicidade Conglobante de Zaffaroni. Para esta teoria, a antinormatividade, vista como a possibilidade de uma lei ordenar um comportamento concomitantemente à proibição de outra lei, deve ser considerada no sentido de que não pode haver no mesmo ordenamento uma lei que ordene e outra que proíba a mesma conduta, devendo analisar a conduta do AI levando em consideração o ordenamento jurídico em sua globalidade.
Ao fim do nosso estudo, acreditamos que, no Brasil, não obstante a omissão legislativa, a infiltração policial é possível, se feita pautada nos princípios constitucionais, penais e processuais penais. Claro que nada se compara à segurança de uma lei específica sobre infiltração policial, mas a revogação do mencionado instituto por falta de regulamentação não se mostra como a melhor alternativa, visto que perderíamos um importante e eficaz meio de colher provas que levassem a diminuir as ações de grupos criminosos organizados, como ocorre em vários outros países que adotam tal meio de investigação.
Eis, portanto, o grande desafio: buscar uma regulamentação apropriada e pertinente sobre esse meio extraordinário de investigação, de modo que ao Estado seja permitido exercer o ius puniendi, ao tempo em que deverão ser assegurados os direitos e garantias dos sujeitos investigados e investigadores.
Referências
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Notas
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- MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. 3. ed. São Paulo: Atlas., 2009. p. 13.
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- KNIJNIK, Danilo. Apud SILVA, Pedro Francisco da. Validade e Eficácia dos Meios Operacionais para Prevenção e Repressão de Ações Praticadas por Organizações Criminosas no Brasil. 2007. 115 f. Dissertação (Mestrado em Direito Internacional). Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007.
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