O debate jurídico da matéria faz-se em torno da interpretação que deve ser dada ao art. 155 da Lei Geral de Telecomunicações (LGT) e do art. 12 do Regulamento Geral de Interconexão. Observe-se:
Art. 155. Para desenvolver a competição, as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo deverão, nos casos e condições fixados pela Agência, disponibilizar suas redes a outras prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo. (LGT)
Art. 12. As prestadoras de Serviços de Telecomunicações de interesse coletivo são obrigadas a tornar suas redes disponíveis para Interconexão quando solicitado por qualquer outra prestadora de Serviço de Telecomunicações de interesse coletivo. (Regulamento Geral de Interconexão - anexo à Resolução n.º 410, de 11 de julho de 2005 da ANATEL) (grifos nossos).
Vê-se que, nos termos da resolução e da LGT, cabe à prestadora disponibilizar a sua rede para fins da realização da interconexão. Uma interpretação restritiva e isolada de tais normas leva a conclusão de que as prestadoras seriam obrigadas a disponibilizar diretamente as suas próprias redes para a interconexão.
A interconexão é a "ligação de Redes de Telecomunicações funcionalmente compatíveis, de modo que os Usuários de serviços de uma das redes possam comunicar-se com Usuários de serviços de outra ou acessar serviços nela disponíveis", nos exatos termos do inciso V do art. 3º do Regulamento Geral de Interconexão e do parágrafo único do art. 146 da LGT. Ou seja, há interconexão quando uma prestadora de serviços de telecomunicações torna disponível a sua rede para que esta se comunique com outra prestadora destes serviços. Esta ligação pode se dar diretamente entre as redes, quando é chamada de interconexão direta, ou a "passagem" dos dados pode ser realizada por uma terceira empresa, quando haverá a interconexão indireta.
Observem-se os seguintes artigos da LGT:
Art. 145. A implantação e o funcionamento de redes de telecomunicações destinadas a dar suporte à prestação de serviços de interesse coletivo, no regime público ou privado, observarão o disposto neste Título.
Parágrafo único. As redes de telecomunicações destinadas à prestação de serviço em regime privado poderão ser dispensadas do disposto no caput, no todo ou em parte, na forma da regulamentação expedida pela Agência.
Art. 146. As redes serão organizadas como vias integradas de livre circulação, nos termos seguintes:
I - é obrigatória a interconexão entre as redes, na forma da regulamentação;
II - deverá ser assegurada a operação integrada das redes, em âmbito nacional e internacional;
III - o direito de propriedade sobre as redes é condicionado pelo dever de cumprimento de sua função social.
Parágrafo único. Interconexão é a ligação entre redes de telecomunicações funcionalmente compatíveis, de modo que os usuários de serviços de uma das redes possam comunicar-se com usuários de serviços de outra ou acessar serviços nela disponíveis. (...)
Art. 152. O provimento da interconexão será realizado em termos não discriminatórios, sob condições técnicas adequadas, garantindo preços isonômicos e justos, atendendo ao estritamente necessário à prestação do serviço.
Art. 153. As condições para a interconexão de redes serão objeto de livre negociação entre os interessados, mediante acordo, observado o disposto nesta Lei e nos termos da regulamentação.
§ 1° O acordo será formalizado por contrato, cuja eficácia dependerá de homologação pela Agência, arquivando-se uma de suas vias na Biblioteca para consulta por qualquer interessado.
§ 2° Não havendo acordo entre os interessados, a Agência, por provocação de um deles, arbitrará as condições para a interconexão. (grifos nossos).
De plano, vê-se que a interconexão é obrigatória, devendo esta ser assegurada, nos termos do artigo 146. Deste modo, não seria possível que uma prestadora negasse um pedido de interconexão com base no argumento de que este não seria a estratégia usada pela empresa ou até de que não haveria recursos disponíveis para o atendimento do pedido.
Neste momento, deve-se propor um questionamento: há legitimidade no pedido de uma empresa para realizar a interconexão direta, mesmo diante da existência de um contrato de interconexão indireta em vigor? Sim! O artigo 152 da LGT determina que a interconexão deve se dar sob condições técnicas adequadas, ou seja, deve ser tecnicamente viável e ainda atender aos requisitos de qualidade estabelecidos no regulamento. Neste sentido, observe-se o art. 17 do Regulamento Geral de Interconexão:
Art. 17. A Interconexão deve assegurar atendimento a padrões de qualidade de serviço, os quais devem ser explicitados no contrato de interconexão.
§ 1º. Os padrões de qualidade de serviço adotados na Interconexão de redes de prestadoras de Serviços de Telecomunicações devem permitir o cumprimento das metas de qualidade estabelecidas na regulamentação.
§ 2º. Observado o estabelecido no parágrafo primeiro, as prestadoras não são obrigadas a oferecer grau de qualidade de serviço superior ao empregado em suas próprias operações ou estabelecido em outros contratos de interconexão. (Regulamento Geral de Interconexão - anexo à Resolução n.º 410, de 11 de julho de 2005).
De fato, é possível que a interconexão indireta possa ocasionar problemas (falta de qualidade nas chamadas, não completamento das mesmas etc.), razão pela qual o pedido pode mostrar-se legítimo. De outro lado, é fundamental que fique demonstrada a veracidade das alegações quanto à má qualidade de serviço prestado. Neste sentido, deve-se observar que dentre os princípios do processo tem-se o do ônus da prova, consubstanciado no Regimento Interno da Anatel, artigo 74, in verbis:
Art. 74. Cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado. (grifos nossos).
Em analogia meramente ilustrativa, podem-se observar os termos do artigo 333 do Código de Processo Civil:
Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. (grifos nossos).
Uma vez não demonstrados os fatos alegados, estes não podem ser considerados para a decisão. Nessa linha de pensamento, é obrigação da interessada fazer prova de suas alegações, pois é cediço que alegar sem provar é o mesmo que não alegar.
O artigo 152 acima citado deixa claro que a interconexão deve atender ao estritamente necessário à prestação do serviço, ou seja, sendo tecnicamente viável a interconexão indireta e, desde que esta não infrinja a qualquer determinação regulamentar ou legal, não há qualquer sentido em que se exija que a interconexão se dê diretamente entre as prestadoras. Neste sentido, observe-se o art. 13 do Regulamento Geral de Interconexão:
Art. 13. A Interconexão deve ser feita em pontos tecnicamente viáveis da rede da prestadora que recebe o pedido de Interconexão, observadas as condições estritamente necessárias à prestação do serviço.
Parágrafo único. As prestadoras podem estabelecer, por meios próprios ou por meios fornecidos por terceiros, enlaces para os entroncamentos entre elementos de sua rede. (Regulamento Geral de Interconexão - anexo à Resolução n.º 410, de 11 de julho de 2005).
Vê-se que não há qualquer óbice à interconexão indireta. De fato, interpretação diversa iria contra a própria finalidade da interconexão, que é a de integrar as redes de diferentes prestadoras, evitando um custo excessivo e possibilitando que todos os usuários possam se comunicar, independentemente da rede a que esteja diretamente vinculado.
De fato, o fundamento básico da interconexão é o princípio da função social da propriedade, que pretende fazer com que o domínio sobre as redes de telecomunicações não se dê de forma abusiva. Neste sentido é o teor do próprio inciso III do art. 146 da LGT, assim como o posicionamento da Jurisprudência, como no recente julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRELIMINAR DE PERDA DE OBJETO QUE SE AFASTA. PRETENDIDA REDUÇÃO DO VALOR DE USO DE REDE MÓVEL (VU-M). (...) 2. O art. 152 da Lei 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações - LGT) elegeu, como critério para remuneração do serviço de interconexão (operação que permite sejam efetuadas ligações entre usuários de operadoras de telefonia diferentes), um valor isonômico e justo que atenda ao estritamente necessário para remunerar a prestação do serviço. (...) 3. Enfocando o tema sob a ótica da ordem econômica, instituída no ordenamento constitucional, é de se ter presente que ela tem em vista a observância de alguns princípios entre os quais devem ser destacados os concernentes à função social da propriedade privada, à livre concorrência, à livre iniciativa, inclusive à busca do pleno emprego. (...) (TRF1, Processo: AG 200701000528200: AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO – 200701000528200; Relator(a): DESEMBARGADOR FEDERAL FAGUNDES DE DEUS; Órgão julgador: QUINTA TURMA; Fonte: e-DJF1 DATA:17/04/2009 PAGINA:461) (grifos nossos).
Cabe ressaltar ainda nem o volume de tráfego possui o condão de definir a forma direta ou indireta da interconexão; deste modo, sendo possível e tecnicamente viável a implementação da interconexão indireta, não há qualquer óbice neste sentido, independentemente do volume de tráfego envolvido.
É interessante indagar o que aconteceria se uma prestadora de pequeno porte requisitasse interconexão a outra prestadora em localidade onde não existisse uma terceira empresa de grande porte capaz de ofertar a solução de trânsito através de sua rede (interconexão indireta)? A prestadora solicitante estaria fadada a ter o seu pedido negado devido ao reduzido volume de tráfego? Deve-se entender que não. Na verdade, o próprio regulamento apresenta a solução, nos termos do art. 16, in verbis:
Art. 16. A prestadora que recebe o pedido de Interconexão deve oferecer alternativa compatível, quando houver indisponibilidade de meios ou facilidades no Ponto de Interconexão pleiteado.
§ 1°. A utilização de Ponto de Interconexão ou Ponto de Presença para Interconexão, alternativo ao originalmente pleiteado, deve ser objeto de acordo entre as partes.
§ 2°. Os custos adicionais, decorrentes da realização da Interconexão em ponto alternativo ao originalmente pleiteado, devem ser atribuídos à prestadora que recebe o pedido de Interconexão.
§ 3°. Não havendo acordo, o assunto deve ser objeto de arbitragem pela Anatel. (grifos nossos).
Vê-se que deve ser ofertada uma alternativa compatível, sendo objeto de livre acordo entre as partes, ressaltando-se, porém, que os custos adicionais devem ser suportados pela prestadora que recebe o pedido de interconexão.
Por fim, é importante que se destaque a possibilidade da utilização do instrumento da Reclamação para que seja levada ao conhecimento da Agência Nacional de Telecomunicações qualquer violação de direito ligado às matérias de sua competência. Neste sentido, observe-se o art. 95 e seguintes do Regimento Interno da ANATEL (regras referentes ao procedimento da Reclamação Administrativa):
Art. 95. Qualquer pessoa que tiver seu direito violado ou tiver conhecimento de violação da ordem jurídica, envolvendo matéria de competência da Agência, poderá reclamar ou denunciar o fato à Agência. (...)
Art. 96. A denúncia conterá a identificação do denunciante, devendo indicar o fato em questão e suas circunstâncias e, tanto quanto possível, seus responsáveis e beneficiários. (...)
§ 2o Apresentada a denúncia, será instruído o procedimento administrativo para averiguação, devendo o denunciado ser notificado a apresentar a sua defesa no prazo de cinco dias úteis.
§ 3o Não havendo indícios ou comprovação dos fatos denunciados, os autos serão arquivados e o denunciante informado dessa decisão. (...)
Art. 97. Será instaurado o devido PADO, conforme o disposto na Seção X, Capítulo VI, Título IV, se houver demonstração de indícios ou comprovação dos fatos denunciados.
Parágrafo único. O denunciante não é parte no procedimento, sendo, no entanto, cientificado de seu resultado, que será comunicado também ao Ouvidor.
Art. 98. Incidirá em infração disciplinar por comportamento irregular, de natureza grave, a autoridade que não der andamento imediato, rápido e eficiente ao procedimento regulado neste Capítulo. (grifos nossos).
O que se deve ter em mente ao analisar as Reclamações Administrativas é a sua natureza investigativa não exauriente. De fato, o nível de cognição no âmbito das Reclamações ou Denúncias é sumário, isto é, a lei não exige da administração o aprofundamento da matéria, determinando, somente, a constatação de indícios de irregularidade (art. 97 do Regimento Interno da ANATEL).
Conforme o doutrinador Alexandre Freitas Câmara "(...) dá-se o nome de cognição à atividade do julgador de analisar alegações e provas com o fim de emitir juízos de valor acerca das mesmas" (FREITAS CÂMARA, Alexandre. O objeto da cognição no processo civil, in Livro de Estudos Jurídicos, n° 11, Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1995, p. 207). Quanto à profundidade da cognição, que é ponto fundamental da presente análise, pode-se apresentar a seguinte classificação: exauriente (completa) e sumária (incompleta). Quando esta se apresenta de forma exauriente, ao julgador só é lícito emitir sua decisão baseado num juízo de certeza. Já na cognição sumária, que não pode ser confundida com a sumariedade formal do procedimento, tem-se uma decisão de que deve ser prolatada com base em um juízo de probabilidade.
Em observância ao teor do art. 97 do Regimento Interno da Agência, verifica-se que não cabe à Administração, nas Reclamações Administrativas, buscar um juízo de certeza, pelo contrário, havendo indícios das irregularidades cabe a instauração do competente Procedimento para Averiguação de Descumprimento de Obrigação. De outro lado, diante da inexistência de qualquer irregularidade, o caminho natural da reclamação é o arquivamento, nos termos do §3º do art. 96 do Regimento Interno da Anatel.
Cabe ressaltar, porém, que reconhecer a cognição sumária no âmbito da Reclamação Administrativa não significa negar o seu papel na solução de conflitos. De fato, embora os caminhos naturais da Reclamação sejam: (i) abertura de Procedimento de Apuração de Descumprimento de Obrigação (PADO), na hipótese do art. 97 do Regimento Interno da Anatel, ou seja, nos casos de demonstração dos indícios ou de comprovação dos fatos denunciados; (ii) arquivamento, na hipótese do parágrafo terceiro do artigo 96 da Anatel, ou seja, não havendo indícios ou comprovação dos fatos denunciados; durante o processamento do feito a efetiva solução do conflito pode e deve se dar, deixando para o PADO a tarefa de apurar o descumprimento da obrigação e aplicar a sanção se for o caso.
Neste sentido, a Agência pode se valer do seu poder regulatório e impor determinações com o objetivo de fazer cessar as eventuais irregularidades, inclusive e excepcionalmente, sem a manifestação da parte. In verbis:
Art. 72. Nenhuma sanção administrativa será aplicada, a pessoa física ou jurídica, sem que lhe seja assegurada ampla defesa, em procedimento administrativo instaurado para apurar eventual infração a leis, regulamentos, normas, contratos, atos e termos de autorização.
Parágrafo único. No curso do procedimento ou, em caso de risco iminente, antes dele, a Agência poderá, motivadamente, adotar medidas cautelares estritamente indispensáveis para evitar a lesão, sem a prévia manifestação do interessado. (grifos nossos).
Por todo exposto, conclui-se que:
A interconexão é a "ligação de Redes de Telecomunicações funcionalmente compatíveis, de modo que os Usuários de serviços de uma das redes possam comunicar-se com Usuários de serviços de outra ou acessar serviços nela disponíveis" (parágrafo único do art. 146 da LGT) e poderá se dar de forma direta ou indireta desde suficientes à assegurar atendimento a padrões de qualidade de serviço;
A interconexão representa, em última análise, a aplicação do princípio da função social da propriedade;
A Reclamação é o instrumento jurídico disponível à qualquer pessoa que tiver seu direito violado ou tiver conhecimento de violação da ordem jurídica que pode ser utilizado para que seja levada ao conhecimento da Agência Nacional de Telecomunicações qualquer violação de direito ligado às matérias de sua competência.