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A incompetência absoluta da Justiça Estadual para processar e julgar as ações de amparo social

Agenda 01/02/2001 às 00:00

Há, ainda, uma grande tendência de se pensar no benefício da prestação continuada como benefício previdenciário, o que é um equívoco, porquanto, com a revogação do art. 139 da Lei 8.213/91, o benefício previdenciário da renda mensal vitalícia foi extinto e, somente após a entrada em vigor da Lei 8.742/93 (Lei de Organização da Assistência Social), é que o art. 203, inciso V, da Constituição Federal foi regulamentado, permitindo-se a concessão ao idoso e ao portador de deficiência de auxílio da Assistência Social (Seção IV, do Capítulo II, Título VIII, da Carta Magna), ajuda esta que não se confunde com um benefício previdenciário, porquanto está fora do sistema da Previdência Social, não sendo a pessoa que o requer um segurado (aquele que contribui ou contribuiu para a Previdência).

Assim sendo, a Justiça Estadual é absolutamente incompetente para o processamento e julgamento das ações nas quais se pleiteia a prestação continuada da Assistência Social, haja vista que a Constituição Federal, em seu art. 109, § 3o, previu somente uma exceção à regra da competência da Justiça Federal para processar e julgar os feitos em que uma autarquia federal seja parte: figurar como partes no processo uma instituição de previdência social e um segurado.

Senão vejamos.


A Constituição Federal, em seu art. 109, estabelece a competência dos juízes federais, estabelecendo, no inciso I, que as causas em que a União e suas entidades autárquicas forem partes deverão ser julgadas pelos juízes federais.

Esta é a regra.

Todavia, exceção há prevista em seu § 3o, que assim dispõe:

"Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e

segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça federal" (grifo inexistente no original).

E, tratando-se de regra que prevê hipótese de caráter excepcional, deve, conforme aplicação pacífica das regras de hermenêutica jurídica, ser interpretada restritivamente.

Deste modo, não há como se atribuir à pessoa que pleiteia em Juízo a concessão de amparo social a qualidade de segurado, conforme prevê o texto constitucional.

Isso porque, aquele que pleiteia o benefício de prestação continuada (atual denominação dada pela Lei de Assistência Social) não é segurado e, nos termos do art. 20, da Lei n. 8.742/93), nem precisa ser, porquanto se trata, conforme magistério de Sergio Pinto Martins (in "Direito da Seguridade Social - Custeio da Seguridade Social, Benefícios, Acidente do Trabalho, Assistência Social e Saúde", 12a ed., pág. 474), de "prestação de assistência social", e não da seguridade social, cujos benefícios são previstos na Lei n. 8.213/91.

O art. 40 da Lei 8.742/93, reforça esta distinção entre o "segurado", no âmbito da Seguridade Social, e aquele que requer o benefício da prestação continuada, no âmbito da Assistência Social, in verbis:

"Com a implantação dos benefícios previstos nos arts. 20 e 22 desta Lei, extinguem-se a renda mensal vitalícia, o auxílio-natalidade e o auxílio-funeral existentes no âmbito da Previdência Social, conforme o disposto na Lei 8.213, de 24 de julho de 1991

§ 1o A transferência dos beneficiários do sistema previdenciário para a assistência social deve ser estabelecida de forma que o atendimento à população não sofra solução de continuidade" (grifo inexistente no original).

Por outro lado, segurado é a pessoa que se encontra no rol previsto nos artigos 11 a 15, da Seção I, do Capítulo I, do Título III, da Lei 8.213/91, bem como no art. 12 da Lei 8.212/91.

E como as supracitadas leis prevêem as hipóteses em que a pessoa pode ser considerada como segurado, não é cabível ao interprete ampliar o sentido do termo segurado utilizado pelo § 3o, do art. 109, da Constituição Federal, porquanto a interpretação a se aplicar ao caso é a restritiva, bem como a legal.

Incabível, outrossim, o uso da analogia, porquanto o art. 4o da Lei de Introdução ao Código Civil, só permite sua utilização quando há omissão da lei, o que não é o caso.

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A verdade é que, com o devido respeito a entendimento contrário, a pessoa que requer o benefício previsto no art. 20 da Lei n. 8.742/93 (Lei da Assistência Social), não se equipara, juridicamente, ao segurado da Previdência Social, a não ser ao fato de ter que pleitear o referido benefício junto ao I.N.S.S.

Contudo, nem todas as relações jurídicas em que o I.N.S.S. participa dão-se com seus "segurados", à evidência, porquanto inúmeras podem ser as situações em que o I.N.S.S. pode ser autor ou réu numa ação judicial e, como já mencionado, somente quando numa destas ações existir de um lado o I.N.S.S. (seja como autor ou como réu) e do outro um "segurado", é que a Justiça Estadual terá competência para apreciar o feito, sob pena de nulidade absoluta a ser reconhecida de ofício a qualquer momento, inclusive quando da apreciação de recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça.

Para melhor embasar a fundamentação ora apresentada, válida a transcrição de julgado do Superior Tribunal de Justiça, proferido em data recente:

"2. O art. 109, § 3o, da Constituição Federal, preceitua que

‘ Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça federal’.

3.

In casu, são partes da ação uma instituição de previdência social (INSS) e uma pessoa jurídica de direito privado, não fazendo esta parte do rol enumerado no art. 12, da Lei no 8.212/91, que define as pessoas abrangidas pela expressão ‘segurados’, sendo, portanto, competente a Justiça Federal" (Conflito de Competência n. 27977/SC, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, j. 24.08.2000).

Destarte, por não ser cabível interpretação extensiva ao art. 109, § 3o, da Constituição Federal, haja vista que, repita-se, prevê exceção à regra geral da competência da Justiça Federal para processar e julgar feitos em que é parte autarquia federal, como o I.N.S.S., a Justiça Estadual é absolutamente incompetente para apreciação das ações que visam a concessão do Amparo Social.

Por derradeiro, se fosse intenção do legislador, ao criar a Lei de Assistência Social (Lei n. 8.742/93), que os conflitos de interesse dela advindos fossem julgados pela Justiça Estadual, quando, no foro do domicílio da pessoa que pleiteasse tal benefício, não houver sede de vara da Justiça Federal, teria assim determinado, conforme lhe faculta a Carta Magna, em seu art. 109, § 3o, parte final. Se o legislador assim não previu, não pode o Poder Judiciário decidir pela competência da Justiça Estadual para julgar as causas oriundas da Lei n. 8.742/93, sob pena de criar outra exceção para a qual a Constituição Federal exige iniciativa de lei.

Por outro lado, estabelece o art. 12, da Lei 8.742/93, que:

"Art. 12. Compete à União:

I- responder pela concessão e manutenção dos benefícios de prestação continuada definidos no art. 203 da Constituição Federal".

Assim sendo, deve figurar obrigatoriamente no polo passivo da demanda a União, haja vista que há interesse deste ente envolvido em caso de procedência do pedido, porquanto dispõe o art. 28, caput, da Lei 8.742/93, que:

"Art. 28. O financiamento dos benefícios, serviços, programas e projetos estabelecidos nesta Lei far-se-á com os recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, das demais contribuições sociais previstas no art. 195 da Constituição Federal, além daqueles que compõem o Fundo Nacional de Assistência Social - FNAS".

Dispõe, ainda, o art. 29, parágrafo único, da mesma Lei, que:

"Art. 29. Parágrafo único. Os recursos de responsabilidade da União destinados ao financiamento dos benefícios de prestação continuada, previstos no art. 20, poderão ser repassados pelo Ministério da Previdência e Assistência Social diretamente ao INSS, órgão responsável pela sua execução e manutenção".

E, à evidência, são recursos da União que responderão pelo benefício de prestação continuada, e não do INSS, porquanto o supratranscrito dispositivo menciona que o Ministério da Previdência e Assistência Social repassará os recursos ao INSS, sendo que, se para o pagamento do benefício da prestação continuada fossem utilizados os recursos da previdência social, como ocorre nos casos dos benefícios previdenciários, a Constituição Federal já determinava, como de fato determina, a desnecessidade desta transferência, haja vista que em seu art. 165, § 5o, inciso III, preceitua a confecção de orçamento próprio da seguridade social, distinto daquele da União.

Por outro lado, alguns julgados têm sustentado, com fundamento no art. 32 do Dec. 1.744/95, que o I.N.S.S é a única parte legítima para figurar no polo passivo da ação que visa a obtenção da prestação continuada.

Entrementes, com o devido respeito, não se questiona que o I.N.S.S. seja parte legítima para figurar no polo passivo desta ação, porém, não deve fazê-lo sem a presença de seu litisconsorte necessário que é a União, a qual compete, nos termos do caput, do mesmo art. 32 do Dec. 1.744/95, através do Ministério da Previdência e Assistência Social, realizar a coordenação geral, o acompanhamento e avaliação da prestação do benefício previsto no art. 20 da Lei 8.742/93.

Como a União poderá realizar a coordenação geral, o acompanhamento e avaliação da prestação do benefício de amparo social se não participar de uma das fases principais do processo, que é a fase de concessão do benefício ?

É sabido que o litisconsórcio necessário pode ser reconhecido de ofício pelo juiz, nos termos do parágrafo único do art. 47 do Código de Processo Civil. Destarte, com a inclusão da União no polo passivo da demanda, a Justiça Estadual torna-se incompetente para julgar o feito, haja vista que não se trata aqui da exceção prevista no § 3o, do art. 109, da Constituição Federal, bem como no art. 15, III, da Lei 5.10/66, pois a presença da União no feito extrapola a competência prevista nos supramencionados dispositivos, uma vez que não é instituição previdenciária, observando-se, outrossim, que tal benefício não é tratado pela legislação previdenciária, como já mencionado.

Este entendimento é pacífico no Tribunal Regional Federal da 4a Região, conforme a SÚMULA 61, in verbis:

"A União e o INSS são litisconsortes passivos necessários nas ações em que seja postulado benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei no 8.742/93, não sendo caso de delegação de jurisdição federal".

Para concluir, restou claro que dois são os motivos principais para se reconhecer a incompetência absoluta da Justiça Estadual para processar e julgar os feitos em que se requer a concessão do Amparo Social: 1 - tais ações não se incluem na exceção prevista no art. 109, § 3o, da Constituição Federal, haja vista que a pessoa que a requer não pode ser juridicamente definido como segurado; 2 - o litisconsórcio passivo necessário entre a União e o I.N.S.S.

Decidir de forma contrária, ao invés de ajudar, pode prejudicar os direitos do inválido e do idoso porquanto concedido o benefício pelo Justiça Estadual de 1o grau, tal decisão poderá ser anulada de ofício a qualquer momento seja no 2o grau, ou na instância especial ou extraordinária (Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal, respectivamente).

Sobre o autor
Paulo André Bueno de Camargo

juiz de direito substituto em Ourinhos (SP), associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMARGO, Paulo André Bueno. A incompetência absoluta da Justiça Estadual para processar e julgar as ações de amparo social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1501. Acesso em: 22 dez. 2024.

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