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A Advocacia-Geral da União e a extinção das ações de pequeno valor.

Comentários sobre a Súmula nº 452 do Superior Tribunal de Justiça

Agenda 14/06/2010 às 00:00

A tripartição dos poderes, idealizada por Montesquieu, é um desafio diário. De fato, a garantia da existência de poderes independentes e harmônicos entre si não é tarefa fácil e somente com o real funcionamento do chamado "Sistema de Freios e Contrapesos" (checks and balances) tal realidade se equilibra e se apresenta viável.

Nesse diapasão, no dia 07 de junho de 2010, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 452, por meio da qual determinou que: "A extinção das ações de pequeno valor é faculdade da Administração Federal, vedada a atuação judicial de ofício".

Uma das funções das mais altas cortes do Poder Judiciário é a de pacificar o entendimento sobre os diversos temas em debate, impedindo posicionamentos absolutamente discrepantes e o enfraquecimento da segurança jurídica. É por meio das súmulas, especialmente das vinculantes, que tal pacificação se dá de maneira mais eficiente. De fato, a súmula é a solidificação ou a materialização de um entendimento jurídico, respaldado pelo conjunto reiterado de decisões judiciais em um determinado sentido.

O presente artigo teve início com alguns comentários sobre o sistema de freios e contrapesos para destacar a vedação trazida pela Súmula 452 em sua parte final, qual seja: o julgador não poderá, de ofício, adentrar no âmbito de discricionariedade que o legislador concedeu expressamente à Administração Pública.

A Lei nº 9.469 de 10 de julho de 1997, em sua redação original previa o seguinte:

Art. 1º O Advogado-Geral da União e os dirigentes máximos das autarquias, das fundações e das empresas públicas federais poderão autorizar a realização de acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio, nas causas de valor até R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), a não-propositura de ações e a não-interposicão de recursos, assim como requerimento de extinção das ações em curso ou de desistência dos respectivos recursos judiciais, para cobrança de créditos, atualizados, de valor igual ou inferior a R$1.000,00 (mil reais), em que interessadas essas entidades na qualidade de autoras, rés, assistentes ou opoentes, nas condições aqui estabelecidas (grifos nossos).

A atual redação deu ainda maior discricionariedade ao Advogado-Geral da União, determinando o seguinte:

Art. 1º-A.  O Advogado-Geral da União poderá dispensar a inscrição de crédito, autorizar o não ajuizamento de ações e a não-interposição de recursos, assim como o requerimento de extinção das ações em curso ou de desistência dos respectivos recursos judiciais, para cobrança de créditos da União e das autarquias e fundações públicas federais, observados os critérios de custos de administração e cobrança. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) (...) (grifos nossos).

Quanto à nova redação, devem ser feitos alguns comentários. Inicialmente, percebe-se o reconhecimento da efetiva unidade da Advocacia-Geral da União que representa, também, por meio da Procuradoria-Geral Federal, as autarquias e fundações públicas federais. Dessa forma, uma vez representadas pelo Advogado-Geral da União, as autarquias e fundações públicas federais não mais precisam se manifestar sobre o tema aqui em estudo, que recebe tratamento uniforme do Advogado-Geral da União.

Em segundo lugar, observa-se que não há mais um valor fixo como base para atuação (Ex. R$ 1.000,00 – mil reais), mas tão somente a determinação para que sejam observados os critérios de custos de administração e cobrança.

Ora, sabe-se que os custos envolvidos no funcionamento da máquina pública e, em especial, do Judiciário são elevados. Diante de tal realidade, é facilmente perceptível que a cobrança de uma multa de R$ 50,00 (cinquenta reais) no Poder Judiciário será certamente mais custosa do que o próprio objeto pretendido. Nesse sentido, vê-se que quando da fixação do valor mínimo para o ajuizamento de uma ação ou apresentação de recursos, deve-se ter em mente a relação custo-benefício de tais providências, evitando-se o ajuizamento ou a continuidade de processos inúteis e contra producentes. Nesse sentido, observa-se o trecho da ementa do julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

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(...) 2 - Mister ressaltar que o exercício da jurisdição deve sempre levar em conta a utilidade do provimento judicial em relação ao custo social de sua preparação. A doutrina dominante tem entendido que a utilidade prática do provimento é requisito para configurar o interesse processual.

3 - Dessa forma, não se pode admitir que o aparelhamento judiciário seja utilizado para cobrança de valor irrisório, quando se divisa que ainda que a cobrança surta resultado, o dispêndio realizado em muito supera o valor que será aportado ao Erário (TRF – 1ª Região; AC nº 96.01.450092/GO, DJ de 16/09/04) (grifos nossos).

Justamente com base nesse entendimento, o Procurador-Geral Federal (por meio de competência delegada do Advogado-Geral da União – Portaria AGU nº 990, de 16 de julho de 2009) editou a Portaria nº 915, de 16 de setembro de 2009 que em seu artigo 3º assim dispõe:

Art. 3º Na cobrança de créditos das autarquias e das fundações públicas federais, ficam os Procuradores Federais dispensados de efetuar a inscrição em dívida ativa, do ajuizamento de ações e da interposição de recursos, bem como da solicitação de autorização para requerimento de extinção da ação ou de desistência dos respectivos recursos judiciais, quando o valor atualizado do crédito for inferior ou igual a R$ 1.000,00 (mil reais), ressalvados os casos relativos a créditos originados de multas aplicadas em decorrência do exercício do poder de polícia, hipótese na qual o limite referido fica reduzido para R$ 500,00 (quinhentos reais) (grifos nossos).

Vê-se que foram criadas duas balizas diferenciadas: a) genérica, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais); b) específica para os casos de créditos originados de multas aplicadas em decorrência do exercício do poder de polícia, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais).

De fato, pode haver uma série de críticas em relação a tais valores, com base, inclusive, no próprio custo do processo judicial que seria, muitas vezes, mais elevado do que os estabelecidos pela Portaria. Tal crítica é ainda mais substancial quando se consideram os custos indiretos do processo, representados pela elevação do já grandioso número de processos em trâmite perante o Poder Judiciário.

De outro lado, o tema deve ser observado, também, sob a perspectiva do caráter educativo da cobrança. Com base nessa perspectiva é que foram criadas as duas balizas acima referidas. Ora, entendeu-se que nos casos de multas aplicadas em decorrência do exercício do poder de polícia, o grau de reprobabilidade seria mais elevado do que nos casos em que a dívida tivesse outra natureza, como a tributária, por exemplo, razão pela qual, esta deveria ser cobrada ainda que o seu valor fosse inferior a R$ 1.000,00 (mil reais).

O que está em jogo é o conflito entre o custo do processo (financeiro, temporal, etc.) e a sua verdadeira utilidade pedagógica. Diante do conflito, estabeleceu-se que os valores de R$ 500,00 e R$ 1.000,00 reais seriam razoáveis, ao menos, momentaneamente. Utiliza-se a expressão "momentaneamente" para que fique claro que a Procuradoria-Geral Federal está atenta para a realidade e em constante busca para equilibrar os interesses em conflito. Prova disso é a defesa da utilização de mecanismos "alternativos" (ao Poder Judiciário) para a cobrança de seus créditos, como por exemplo, o protesto das certidões de dívida ativa [01], a criação de instrumentos e procedimentos eficazes de cobrança administrativa, os parcelamentos, etc.

Feitos esses comentários, deve-se passar à análise da expressão "poderão"/"poderá" que está presente tanto na redação anterior (art. 1º) quanto na redação atual (art. 1ª-A) da Lei nº 9.469/97. De pronto, conclui-se que a ideia de "poder" está ligada à faculdade, capacidade, domínio, etc., ou seja, afasta-se a obrigatoriedade de adoção de uma determinada conduta. No mesmo sentido, a Portaria nº 915, de 16 de setembro de 2009, utiliza a expressão "dispensados", deixando clara a ideia de "não obrigatoriedade" ou "faculdade" do Procurador Federal quanto à extinção da ação ou de desistência dos respectivos recursos judiciais.

A Súmula 452 do Superior Tribunal de Justiça tem por base, exatamente, o entendimento aqui defendido, qual seja, a previsão contida no artigo 1º da Lei nº 9.469/97 "é uma faculdade, e não uma imposição" ao Advogado Público.

Nesse sentido, cite-se um dos precedentes que embasaram a elaboração da súmula aqui tratada:

DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR INFERIOR AO LIMITE PREVISTO NA LEI 9.469/97. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. FACULDADE DO ENTE CREDOR. AGRAVO IMPROVIDO.

A previsão contida no art. 1º da Lei 9.469/97, que possibilita ao Advogado-Geral da União e aos dirigentes máximos da Administração Indireta desistirem ou não de proporem execução de crédito de valor inferior a R$ 1.000,00, é uma faculdade, e não uma imposição, que a entidade credora dispõe para, a seu critério, desistir de seus créditos, quando inferiores a tal limite. Precedentes do STJ.

Agravo regimental improvido. (STJ, Processo: AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.156.347 - RJ (2009/0026347-2); Relator: RELATOR: MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA; Data do Julgamento: 04/12/2009; Data da Publicação: 01/02/2010) (grifos nossos).

Com a pacificação do entendimento restou resguardada a competência do Advogado-Geral da União quanto à extinção das ações de pequeno valor, vedando-se a atuação de ofício do Poder Judiciário.


Notas

1 Sobre o tema, sugere-se a leitura do artigo: "Protesto de certidões de dívida ativa". (SANTANA, Rafael Gomes de. Protesto de certidões de dívida ativa. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2534, 9 jun. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/14990>. Acesso em: 09 jun. 2010.)

Sobre o autor
Rafael Gomes de Santana

Pós-Graduado em Direito Processual Civil, Direito Constitucional e Direito Administrativo. Ex-Coordenador de Defesa do Patrimônio Público e Recuperação de Créditos da Procuradoria Regional Federal da 1ª Região. Ex-Chefe de Divisão da Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal. Subprocurador-chefe da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Bacharel em Direito pela UFPE. Procurador Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Rafael Gomes. A Advocacia-Geral da União e a extinção das ações de pequeno valor.: Comentários sobre a Súmula nº 452 do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2539, 14 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15026. Acesso em: 22 dez. 2024.

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