SUMÁRIO:1. Introdução; 2. O conceito dos regimes internacionais; 3. Os fundamentos para a concessão de patentes; 4. O nascimento do regime internacional sobre propriedade intelectual; 5. O esboço do novo regime: a mudança de postura norte-americana; 6. A consolidação do novo regime: o Acordo TRIPS; 7. Observações finais; 8. Referências bigliográficas.
1. Introdução
O tema da propriedade intelectual é cada vez mais apontado como matéria central para o desenvolvimento econômico dos países. A produção de tecnologia está diretamente associada à produtividade da economia do país e, portanto, à renda e ao bem-estar de sua população. Os estímulos concedidos à criação tecnológica devem ser objeto de análise, a fim de que reflitam os interesses da sociedade.
Entre as normas associadas à criação de tecnologia, as regras sobre patentes têm caráter central. A normatização hoje existente sobre propriedade intelectual é relativamente recente. Até poucas décadas atrás, não se impunham padrões tão rigorosos de proteção às invenções.
De fato, ao longo da história, verificou-se que os países retardatários costumam apropriar-se das tecnologias dos países desenvolvidos, a fim de acelerar seu crescimento econômico e emparelhar-se com os mais avançados. Inicialmente, as nações atrasadas copiavam as invenções dos países que estavam à sua frente em tecnologia e, depois de certo amadurecimento, passavam a produzir elas próprias as novas tecnologias. Vários países fizeram uso desse mecanismo, viabilizando grandes saltos de produtividade em suas economias. Isso ocorreu, entre outros, com os Estados Unidos, a Alemanha, a Suíça, o Japão e a Coréia do Sul.
A partir dos anos 1980, porém, o uso do expediente da imitação das tecnologias das outras nações foi drasticamente limitado. De um regime internacional de relativa flexibilidade na área de patentes passou-se a um rigoroso regime de observância praticamente obrigatória para todos os paises. Da branda Convenção da União de Paris, do século XIX, passou-se ao austero Acordo TRIPS, de 1994.
É da evolução do regime internacional da propriedade intelectual que se pretende tratar neste artigo. Inicialmente, abordamos o conceito de regimes internacionais. Em seguida, apontamos como evoluiu o regime no campo da propriedade intelectual. Traçamos o momento inicial de formação do regime, passando pelo processo de modificação a partir dos anos 1980, por iniciativa dos Estados Unidos, e chegando ao novo regime instituído pelo Acordo TRIPS, em meados dos anos 1990. Procuramos vincular a discussão sobre a mudança do regime com os interesses econômicos brasileiros na matéria.
2. O conceito dos regimes internacionais
O regime internacional é caracterizado pelo conjunto, implícito ou explícito, de princípios, normas, regras e processos decisórios em torno dos quais convergem as expectativas dos atores em determinado assunto, conforme clássica definição de Stephen KRASNER (1982).
Como aponta KRASNER, ao longo dos anos 1950 e 1960, o estudo das relações internacionais estava centrado nas questões militares, classificadas como high politics (alta política). A partir da década de 1970, porém, diversos fatores contribuíram para a análise de outros aspectos das relações internacionais: a redução da tensão entre os Estados Unidos e a União Soviética, o fim da Guerra do Vietnã, o crescente papel do comércio internacional, os reclamos dos países subdesenvolvidos por uma nova ordem internacional, a formação do cartel dos países produtores de petróleo (OPEP) e o aumento subseqüente do preço do produto e também a crise econômica que se abateu sobre as principais economias (a estagflação dos anos 1970). Essa nova situação exigia novas explicações, uma vez que a tradicional análise dos realistas a respeito do jogo de soma zero já não auxiliava tanto a compreensão do mundo e as previsões futuras.
Foi nesse contexto que os estudos centrados em outros aspectos das relações internacionais (low politics, ou baixa política) passaram a ser valorizados. Economia, diplomacia, meio-ambiente, vários novos temas entraram na agenda. Para a compreensão desse fenômeno, o estudo dos regimes internacionais também ingressou na pauta.
Como esclarece KRASNER, regimes internacionais não são o mesmo que acordos internacionais. Acordos são, freqüentemente, meros arranjos temporários, ao passo que regimes tendem a facilitar acordos e se caracterizam pelo longo prazo. Nesse ponto, cabe examinar o que pode ser caracterizado como mudança de regime. Retomando o conceito de regime apresentado por KRASNER, as mudanças de regimes se caracterizam pelas mudanças de princípios e de normas, e não de regras e de processos decisórios. A modificação desses dois últimos representa alteração dentro do regime, e não mudança do regime.
Para melhor compreender esse argumento, é preciso ter em mente os conceitos envolvidos. Princípios significam crenças sobre fato, causalidades e integridade. Normas são padrões de comportamento definidos em termos de direitos e obrigações. Regras são específicas prescrições ou proscrições de ação. Processos decisórios são as práticas prevalecentes para tomar e para executar decisões coletivas.
No tema de propriedade intelectual, pode-se dizer que houve, nas décadas recentes, uma mudança nos princípios e nas normas que regem o assunto. Como se verá adiante, de um regime caracterizado quase que apenas pelo princípio do tratamento nacional [01], passou-se a um regime baseado no respeito rigoroso da propriedade intelectual para o desenvolvimento de todos os países, estabelecendo-se padrões de comportamento rígidos por meio da fixação de direitos e obrigações claros, regras para implantar o novo sistema e novas formas de arbitrar os litígios.
KRASNER indica que as causas mais comuns para a formação de regimes seriam o interesse egoístico dos atores, o poder político, normas e princípios, hábitos e costumes e conhecimento.
No caso do novo regime internacional de propriedade intelectual, forjado a partir dos anos 1980 e consolidado no Acordo TRIPS, de 1994, pode-se dizer que o regime se formou em razão do poder político. De fato, o poder político influencia a formação de regimes a serviço do bem comum ou para fortalecer a posição de alguns atores. No caso do Acordo TRIPS, pela forma como ocorreram as negociações para a fixação dessas novas diretrizes, pode-se dizer que o novo regime veio à tona para fortalecer a posição dos países que estavam na ponta tecnológica, notadamente os Estados Unidos e as nações européias. A distribuição assimétrica do poder levou os países desenvolvidos a pressionar as nações em desenvolvimento no sentido de acatar regras rígidas de proteção às patentes, melhorando a posição das nações mais prósperas na arena internacional.
Independentemente do juízo acerca da conveniência da adoção de regras rigorosas de patentes para os países em desenvolvimento, o fato é que um novo regime de propriedade intelectual se estabeleceu nas últimas décadas do século XX. Com efeito, foi observada substancial alteração no regime da propriedade intelectual a partir de meados da década de 1980, culminando com a aprovação, em 1994, do Acordo Internacional TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights).
3. Os fundamentos para a concessão de patentes
Até a aprovação do Acordo TRIPS, o regime internacional se baseava fundamentalmente na regra de que, caso garantida a propriedade intelectual aos nacionais do país, seria obrigatório assegurá-la aos dos demais países integrantes da Convenção de Paris, de 1883 (princípio do tratamento nacional).
Como resume Breno HERMANN (2004), a concessão de monopólios de exploração das invenções a seus criadores se baseia na idéia de que o inventor deve ser recompensado pela invenção útil à sociedade. Apesar de alguns autores criticarem a proteção das patentes, apontando o risco de restrição à competição e de custos maiores ao consumidor final, há alguns fortes argumentos em favor de sua instituição:
a) o sistema de patentes seria o principal estímulo à criação de novas tecnologias, já que supriria a falta de estímulos ao investimento em pesquisa;
b) o sistema de patentes constituiria uma garantia de proteção a investidores nos países que reconhecem tais direitos imateriais, já que o desenvolvedor do produto não teria como competir com uma empresa que, sem gastos em pesquisa, simplesmente copiasse o novo produto e o comercializasse a preços inferiores;
c) o sistema de patentes facilita a transferência de tecnologia, uma vez que impõe a ampla divulgação dos resultados das pesquisas e cria condições para a negociação de licenças.
Boa parte da literatura, porém, reconhece que não existe um nível ótimo de proteção à propriedade intelectual para todos os países e para todos os setores econômicos. A depender da área e do grau de desenvolvimento, a proteção ou a imitação pode provocar resultados mais positivos.
4. O nascimento do regime internacional sobre propriedade intelectual
Embora a literatura faça referência a direitos de propriedade intelectual em séculos anteriores – mesmo o Brasil já previa a patente em Alvará de 28 de abril de 1809, editado por Dom João VI, tornando o país um dos quatro primeiros países no mundo a ter legislação sobre o tema (BARBOSA, 2003) –, os dois primeiros instrumentos de abrangência internacional sobre esse assunto datam do fim do século XIX: para a propriedade industrial foi elaborada a Convenção de Paris, em 1883; para os direitos autorais [02] foi produzida a Convenção de Berna, em 1886. Trataremos neste trabalho apenas da primeira delas, especialmente a parte relacionada às patentes de invenção.
A Convenção de Paris, de 1883, permitia aos Estados-Membros excluir discricionariamente determinados setores do direito de proteção. A regra de ouro fixada pela norma era que, uma vez garantida a proteção a um nacional do país, o mesmo tipo de proteção deveria ser assegurado aos cidadãos dos países integrantes do acordo internacional (princípio do tratamento nacional). BARBOSA assim explica o propósito da Convenção:
"A Convenção não tenta uniformizar as leis nacionais, objetivo do recente acordo TRIPS, nem condiciona o tratamento nacional à reciprocidade. Pelo contrário, prevê ampla liberdade legislativa para cada país, exigindo apenas paridade: o tratamento dado ao nacional beneficiará também o estrangeiro. Também, quanto às patentes, prescreve a independência de cada privilégio em relação aos outros, concedidos pelo mesmo invento em outras partes." (BARBOSA, 2003, p. 183)
A Convenção também prevê outras regras, entre as quais a prioridade unionista (prazo de um ano para requerer em outro país o pedido já formulado no país do inventor) e a territorialidade da patente (o privilégio somente se aplica nos limites do Estado em que está registrado o invento). Dentro do espírito de cooperação recíproca, a União de Paris não previa um aparelho repressor para os países que descumprissem as regras, ainda que fosse possível, em tese, remeter o caso à Corte Internacional de Justiça. A Convenção possui uma estrutura relativamente flexível, autoriza a adesão com ressalvas e é aberta à saída e à entrada de novos membros – o Japão, por exemplo, integrou a União, retirou-se e, em seguida, retornou à Convenção.
Vale observar que, quando de sua formação, apenas dez países assinaram a Convenção de Paris, entre os quais o Brasil. Na época, a Inglaterra liderava a produção econômica mundial, despontando como o principal produtor de manufaturas e principal detentor de tecnologias industriais. Estados Unidos e Alemanha iniciavam sua arrancada industrial e já começavam a desenvolver suas próprias tecnologias, além de copiar as estrangeiras. Os Estados Unidos viraram membros da Convenção ainda nos fins da década de 1880, ao passo que a Alemanha só se juntou à União em 1903, segundo dados da Organização Mundial da Propriedade Intelectual.
A história tem sido pródiga em exemplos de nações que, em estágios iniciais de desenvolvimento tecnológico, recusam-se a impor regimes rígidos de proteção de patentes. Ha-Joon CHANG (2004) aponta diversos casos em que isso ocorreu. Os Estados Unidos, por exemplo, recusaram-se a integrar a Convenção de Berna, sob o argumento de que precisavam assegurar seu desenvolvimento por meio do acesso facilitado aos trabalhos adiantados de outras nações. Japão e Suíça só passaram a dispor de legislação mais rigorosa sobre a matéria em 1976 e 1978, respectivamente (KIM, 2005).
Como aponta Ana Maria Mülser PARADA (2005), o início do século XX testemunhou uma disputa que praticamente se repetiria no final do século, ainda que com outros atores. Em 1904, depois de negociações infrutíferas sobre patentes no setor químico, a Alemanha ameaçou sancionar comercialmente a Suíça, caso o país não estabelecesse patentes para processos químicos no prazo de três anos. A Suíça acabou por modificar sua legislação em 1907, pondo fim ao contencioso entre essas nações.
Por décadas, o regime internacional da propriedade intelectual permaneceu sem alterações substanciais. Foram assinados os Acordos de Bruxelas (1900), de Washington (1911), Haia (1925), Londres (1934), Lisboa (1958) e Estocolmo (1967), mas seus resultados eram de modificações apenas acessórias no texto original da Convenção de Paris. Também em 1967, em Estocolomo, foi criada a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), que passou a ser responsável pelos tratados sobre a matéria até então editados, substituindo o antigo Bureaux Internationaux Réunis pour la Protection de la Propriété Intellectuelle – BIRPI, instituição incumbida das Convenções de Paris e de Berna.
A partir da década de 1960, os países em desenvolvimento passaram a pleitear modificações no Acordo Internacional, a fim de permitir o crescimento econômico das nações industrialmente atrasadas e assegurar a repartição adequada dos recursos provenientes das novas tecnologias. O debate se estendeu até o início da década de 1980, quando uma mudança repentina na posição negociadora norte-americana alterou completamente o quadro internacional.
5. O esboço do novo regime: a mudança de postura norte-americana
De fato, contrariando o rumo dos debates então em curso com vistas a auxiliar os países em desenvolvimento, houve uma reviravolta nas negociações internacionais. A partir do governo de Ronald Reagan (1981-1989), os Estados Unidos recusaram qualquer flexibilização nas normas então vigentes e, ao revés, passaram a cobrar duras regras de respeito à propriedade intelectual. Puseram fim às negociações então em andamento na esfera da OMPI, na qual os países em desenvolvimento dispunham de mais força, e impuseram o tema na agenda do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) – organismo que antecedeu a OMC (Organização Mundial do Comércio) – por ocasião dos debates de liberalização comercial da Rodada Uruguai, sobre a qual dispunham de maior influência.
Não bastasse a inclusão do assunto no âmbito do GATT, os Estados Unidos passaram a aplicar unilateralmente sanções comerciais aos países que não atendessem a seus interesses, por meio da chamada Seção 301 da Lei de Comércio estadunidense. Essa legislação permite que os Estados Unidos imponham "sanções contra países que mantenham leis, políticas ou práticas que violem ou não reconheçam direitos ou benefícios norte-americanos em acordos comerciais ou que sejam considerados injustificáveis, desarrazoados ou discriminatórios e afetem ou restrinjam o comércio norte-americano" [03].
Como desconsiderar, afinal, as ameaças de retaliação da principal economia do planeta, cujo PIB, isoladamente, representava cerca de 25% da economia mundial? Apesar de a legislação norte-americana produzir, em princípio, efeitos apenas domesticamente, o fato é que suas ameaças e efetivas sanções passaram a compor o quadro do regime internacional de propriedade intelectual.
As cobranças por respeito a normas não-convencionadas de propriedade intelectual alterou o regime internacional. Utilizando a conceituação de KRASNER, não foram apenas regras acessórias que foram modificadas, mas os próprios princípios em que se assentava o anterior regime começaram a ser esfacelados. Não bastava assegurar o tratamento nacional, passou a ser necessário garantir patentes em todos os ramos econômicos e segundo padrões rigorosos de aplicação.
A partir de então, ainda que sem tratado internacional que impusesse formalmente tais obrigações, vários países foram gradativamente sendo compelidos a seguir a legislação norte-americana. Como aponta GRUNDMAN, citado por BARBOSA (2003), "nos últimos vinte e cinco anos, os Estados Unidos tiveram três grandes itens de exportação: a música rock, os jeans e as leis norte-americanas."
Com efeito, a partir do governo Reagan, os Estados Unidos desfecharam uma ofensiva unilateral, impondo sanções de várias naturezas aos países que não se conformassem com parâmetros tidos por eles como aceitáveis. Essa mudança de postura é atribuída, em parte, à posição unilateralista que o governo republicano adotou em diversas áreas, mas é atribuída também à perda substancial da liderança tecnológica dos Estados Unidos em diversos setores. Isso ocorreu em larga medida devido à utilização eficiente do regime internacional anterior pelo Japão e por outros países do leste asiático, como a Coréia do Sul. Esses países empregaram intensamente a imitação e o uso adaptativo, para, em seguida, desenvolverem tecnologias próprias (BARBOSA, 2003).
Em depoimento transcrito no livro Guerra de Patentes (TACHINARDI, 1993), o então embaixador brasileiro Paulo Nogueira Batista, que chefiou a delegação brasileira da Rodada Uruguai entre 1983 e 1987, relata do seguinte modo a mudança de postura dos Estados Unidos no governo Reagan:
"A irritação norte-americana com qualquer resistência a suas propostas provém também do fato de que os EUA, de modo geral, ainda não se acham preparados para aceitar o relativo declínio de sua influência em questões econômicas internacionais. A manifestação dessa irritação tornou-se prática ostentiva a partir do governo Reagan, quando se inaugurou, com o William Brock, o chamado estilo Rambo de relacionamento comercial internacional [...].
A palavra de ordem em Washington a seus representantes comerciais em Genebra era uma espécie de diplomacia de big stick só que com ameaças formuladas em voz alta, ao invés de sussurradas, como sugeria com mais sutileza Teddy Roosevelt, no início do século. [...] O fundamento dessa postura é a insistência no direito dos EUA de continuar, como no pós-guerra, a fixar por decisão unilateral, através de sua legislação nacional, os padrões a serem observados pelo resto do mundo. Embora inspiradores do GATT, os EUA nunca se sentiram, aliás, como de resto em relação ao FMI, na obrigação de respeitar as respectivas normas, quando sua aplicação não lhes conviesse.
Não há cabimento, nesse clima, para a realização nos EUA de esforços de ajuste de sua economia para competir com os novos concorrentes, desenvolvidos ou em desenvolvimento, dentro do quadro das regras e práticas internacionais em vigor. Parece-lhes mais fácil pressionar para que os demais se ajustem às leis e conveniências norte-americanas, ainda que tais pressões não se coadunem com as teorias de livre comércio em que insistem aparentemente, sobretudo como artigo de exportação." (Depoimento de Paulo Nogueira Batista, em TACHINARDI, 1993, p. 241-242)
O fato é que, ao longo dos anos 1960 e 1970, os países vinham discutindo mudanças na Convenção de Paris, a fim de aumentar os mecanismos que facilitassem o avanço tecnológico dos países em desenvolvimento. Momento crucial desses debates – e ponto de inflexão evidente – ocorreu em 1981, em conferência diplomática em Genebra. O debate se centrava na modificação do regime que impunha o tratamento nacional ao estrangeiro para um regime que estabelecesse uma "desigualdade igualitária" em favor dos países em desenvolvimento.
Como relata BARBOSA (op. cit.), no curso dessa conferência internacional, os países em desenvolvimento estavam favoráveis à modificação do tratado, os europeus eram moderadamente favoráveis, e os Estados Unidos, isolados, queriam pôr fim à convenção. O debate inicial no evento era se a mudança da Convenção de Paris exigiria voto da maioria ou unanimidade dos membros. Por 113 votos a 1, optou-se pela maioria. O único voto contrário foi o norte-americano. Nesse momento, o representante do governo dos EUA se levantou e protestou, conforme relato de BARBOSA:
"O representante americano ergue-se e diz: ‘Está tudo muito bom, está tudo muito bem, vocês estão falando em interesses dos países em desenvolvimento, em transferência de tecnologia, em equidade econômica, mas o que me interessa é o interesse das minhas empresas. Aqui não estamos falando de cooperação entre pessoas, estamos falando de interesse entre empresas. E assim é que essa conferência não vai continuar’. E assim, pelo delicado voto de um contra 113, a conferência nunca continuou.
O que nasceu em seguida foram as discussões da nova rodada do GATT, em particular, retirando as discussões de propriedade intelectual do campo da Organização Mundial da Propriedade Industrial e excluindo a discussão que tínhamos tido sobre a nossa desigualdade igualitária. Além de discutir todos os temas tradicionais do GATT na nova rodada, introduziu-se, entre esses temas, o de propriedade intelectual." (BARBOSA, 2003, p. 162)
Essa nova postura da principal economia do planeta impôs, de fato, um novo regime internacional, caracterizado pela necessidade de fixar parâmetros mínimos de respeito às patentes, ainda que eles não estivessem expressamente ajustados em um tratado. O fato é que os princípios que sustentavam o antigo regime de propriedade intelectual foram substituídos por novos.
No caso da Coréia do Sul, por exemplo, país altamente
dependente à época do mercado estadunidense, houve substancial modificação
em sua legislação já nos anos 1980. Em síntese, pode-se apontar que, de 31
de dezembro de 1986, uma nova legislação (Lei nº 3.891) foi
editada sob pressão norte-americana, provocando grande impacto em todos os
ramos industriais do país, causando prejuízos especialmente às indústrias
farmacêutica e química. Apesar de, em parte, a lei não ter sido aplicada com
todo o rigor, o número de ações judiciais para sancionar aqueles que a
descumpriam quintuplicou entre os anos de 1989 e 1993, passando de 2.254 a
10.423 processos, o que sugere a ampliação de seu enforcement (KIM,
2005).
O Brasil, de certa forma um país com capacidade de negociação superior à sul-coreana e legitimado por ser um dos integrantes da primeira Convenção internacional sobre a matéria, a de Paris, resistiu mais. Amargou, porém, fortes ameaças de retaliação norte-americana, especialmente por conta da proteção ao mercado de informática e por conta da indústria de fármacos, como relata Maria Helena TACHINARDI, em A Guerra das Patentes (1993). Só em 1996 o Brasil adotou uma nova legislação de patentes, mais adaptada às pretensões estadunidenses.