3 A SEGURANÇA JURÍDICA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL
Ao lado da ideia da razoável duração do processo, é necessário ao prestar a tutela jurisdicional garantir o devido processo legal, obtido historicamente, por meio de várias conquistas sociais.
O princípio do acesso à ordem jurídica, ao lado do princípio do devido processo legal, formam no entender de J. J. Florentino Mendonça [21]:
fundamento básico de todo o sistema processual de efetivação das normas e de proteção dos direitos constitucional e infraconstitucionalmente prescritos. Ambos emergem como garantias substanciais da realização do Estado Democrático de Direito ao assegurarem para todos, indistintamente, a possibilidade de perseguir pela via judiciária, desenvolvida por autoridade estatal competente, com base no princípio do contraditório, através de instrumentos legais, dialéticos, igualitários e eficazes, a observância dos seus direitos.
O Processo Civil é instrumento capaz de garantir a todos o acesso à justiça, portanto de realização do regime democrático de direito e dos direitos e garantias fundamentais, razão pela qual reclama o comprometimento do processualista com esses preceitos fundamentais, conforme preceitua Nelson Nery Júnior [22].
É nessa visão que se verifica a necessidade de desburocratização dos procedimentos para alcançar a essencialidade nos serviços prestados e vencer o que jurista Mauro Cappelletti [23] chama de "obstáculo processual" ao acesso à Justiça.
Para Luís Roberto Barroso [24], no seu desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial, passou a segurança jurídica a designar um conjunto abrangente de ideias e conteúdos, que incluem:
1.a existência de instituições estatais dotadas de poder e garantias, assim como sujeitas ao princípio da legalidade;
2.a confiança nos atos do Poder Público, que deverão reger-se pela boa-fé e pela razoabilidade;
3.a estabilidade das relações jurídicas, manifestada na durabilidade das normas, na anterioridade das leis em relação aos fatos sobre os quais incidem e na conservação de direitos em face da lei nova;
4.a previsibilidade dos comportamentos, tanto os que devem ser seguidos como os que devem ser suportados;
5.a igualdade na lei e perante a lei, inclusive com soluções isonômicas para situações idênticas ou próximas.
Assim, a segurança jurídica é promovida por um conjunto de conceitos, princípios e regras decorrentes do Estado Democrático de Direito, especialmente por meio do devido processo legal, do qual são patamares a ampla defesa e o contraditório.
A expressão devido processo legal é a tradução do instituto de origem inglesa due process of law e está expressamente prevista na Constituição Federal de 1988:
Art. 5º, LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
O devido processo legal apresenta dois aspectos, o substancial, atuando no âmbito do direito material, e o processual, consubstanciado na tutela dos direitos por meio do processo judicial ou administrativo, tendo seu conceito se alargado no tempo em defesa dos direitos fundamentais do cidadão.
Nelson Nery Júnior [25] assevera que a doutrina brasileira emprega a expressão "devido processo legal" no sentido unicamente processual, atrelada ao cumprimento dos princípios constitucionais processuais, o que nada mais é do que a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mai amplo possível.
Na esteira do processo civil há derivação de diversos princípios tendo como norte o devido processo legal, a exemplo da igualdade entre as partes, o direito de ação, o direito de defesa e o contraditório. Entretanto é importante não perder de vista o limite dessa incidência, a teor do que afirma Nelson Nery Júnior [26]
A amplitude da cláusula devido processo legal tornaria desnecessária qualquer outra dogmatização principiológica relativamente ao processo civil. Nada obstante, é importante fixarem-se os critérios de incidência do princípio em suas variegadas manifestações, notadamente no que respeita aos limites dessa incidência, de sorte a não tornar os direitos e garantias fundamentais como direitos absolutos, oponíveis a tudo e a todos, pois tal irrestringibilidade não de coaduna com o estado de direito nem atente ao interesse público. (grifo nosso)
Conforme preceitua Ovídio Baptista [27] as eventuais soluções preconizadas pelo legislador, quando tratem de questões processuais, nada mais são do que técnicas imaginadas para instrumentalizar, com a justiça possível e a custos toleráveis, a pacificação civilizada dos conflitos sociais. (grifo nosso)
Não por outro motivo que o referido doutrinador teme o uso indiscriminado do princípio da ampla defesa para servir de arma ao conservadorismo brasileiro [28]
Temo que a consagração do princípio da "ampla defesa", agora desfrutando da dignidade de estatuto constitucional, seja uma nova arma no inesgotável arsenal do conservadorismo brasileiro, cuja retórica, como dizia Pontes de Miranda, com sua aguda percepção para os fenômenos políticos e sociais, especializou-se, no mais alto grau, em alterar constantemente nossas leis e todo o sistema normativo, sem, no entanto nada transformar efetivamente, de modo que o "diálogo" que o poder estabelecido mantém com a nação, através das leis, se faça tão convincente quanto inócuo; e assim evitem-se as reformas estruturais de que nosso país tanto precisa.
O importante dessas afirmações é estabelecer que o processo como instrumento não tem a função precípua de uniformização, porque para o direito o que de fato interessa, no momento em que se tem que decidir os conflitos levados ao Judiciário, não são as identidades genéricas que igualam os homens, mas exatamente o contrário. A relevância, nessa perspectiva, são as diferenças óbvias entre os seres humanos.
4 CONCLUSÕES
A ideia de efetividade do processo está ligada à agilização da entrega do bem da vida pretendido pelo cidadão, e para que isso ocorra é necessário encontrar soluções práticas, desapegando-se de formalismos e, ao final, propicia o efetivo acesso à justiça.
O processo judicial deve garantir a todos o acesso à justiça e, é nessa visão, que se verifica a necessidade de desburocratização dos procedimentos na busca da essencialidade nos serviços prestados, para vencer o que jurista Mauro Cappelletti [29] chama de "obstáculo processual" ao acesso à Justiça.
O processo é o instrumento da jurisdição e é através dele que o juiz pode e deve propiciar a ampla participação das partes, sempre com respeito ao princípio do contraditório e preservando a imparcialidade.
O princípio da razoável duração do processo é o norte do novo Código de Processo Civil à luz da Constituição Federal de 1988. Ressalta-se que a questão do tempo no processo está atrelada à própria ideia de justiça, uma vez que o excesso de tempo na prestação jurisdicional traduz-se em verdadeira sonegação de justiça.
Entretanto é de máxima importância ressaltar que as discussões no novo Código de Processo Civil até o momento não são suficientes, até porque o local da produção legislativa na atual democracia representativa adotada no Brasil é o Congresso Nacional.
Nessa esteira, afirma-se que as propostas já divulgadas que fazem parte do anteprojeto entregue ao Senado Federal foram trazidas neste trabalho com o intuito de abrir o debate na sociedade para que as melhores opções sejam feitas e para que assim se fortaleça o exercício da cidadania.
5 BIBILIOGRAFIA CONSULTADA
ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Tratado de direito processual civil, v.1, 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.
BARROSO, Luís Roberto (coord.). A nova interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
________Temas de direito constitucional. Tomo III. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Efetividade do Processo e Técnica Processual. São Paulo: Malheiros, 2006.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 13 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
BRASIL. NEGRÃO, Theotônio e GOUVÊA, José Roberto F. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 39. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
BRASIL. Lei de Recursos Repetitivos - Lei 11672/08 | Lei Nº 11.672, de 8 de maio de 2008.
BRASIL. Revista da Escola Nacional de Magistratura, v. 2, n. 5 , abr. 2008. Quatro perguntas e
quatro respostas sobre o amicus curiae. BUENO, Cássio Scarpinella.
__________HTTP://www.conjur.com.br/2010-mai-02/entrevista-bruno-dantas-integrantes-comissão-cpc. Acesso em 03.05.2010.
BUENO, CÁSSIO SCARPINELLA. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2007.
CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
___________Instituições de direito processual civil. 4. ed. Vol. I. São Paulo: Malheiros, 2004.
___________Instituições de direito processual civil. 4. ed. Vol. II. São Paulo: Malheiros, 2004.
MARINONI, Luiz Guilherme. A legitimidade da atuação do juiz a partir do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/8846. Acesso em: 12 fev. 2008.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. A Cidadania e o Poder, In: As Garantias do Cidadão na Justiça, Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.,). São Paulo: Saraiva, 1993.
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman, v. 21.)
OLIVEIRA, Fábio de. Por uma teoria dos princípios. O princípio constitucional da razoabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
OLIVEIRA, Pedro Miranda de Constituição, Processo e o Princípio do Due Process Of Law. p. 1096. Texto extraído do Direito Civil e Processo, Estudos em Homenagem ao Professor Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos tribunais, 2008.
NICOLITTI, André Luiz. A duração razoável do processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O Direito Constitucional à Jurisdição, In: As Garantias do Cidadão na Justiça, Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.,). São Paulo: Saraiva, 1993.
ROCHA, César Asfor. A luta pela efetividade da jurisdição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
SILVA, Ovídio A. Baptista da. A "plenitude de Defesa" no Processo Civil, In: As Garantias do Cidadão na Justiça, Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.,). São Paulo: Saraiva, 1993, p. 160.
SILVA, Ovídio A. Batista da. Curso de processo civil. Vol. I, 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). As Garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva, 1993.
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
Notas
- ZAVASKI, Teori Albino. Antecipação de tutela. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 5-6.
- CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
- NICOLITTI, André Luiz. A duração razoável do processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 38.
- ROCHA, César Asfor. A luta pela efetividade da jurisdição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 85.
- BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Efetividade do Processo e Técnica Processual. São Paulo: Malheiros, 2006, p.45.
- BARROSO, Luís Roberto (coord.). A nova interpretação constitucional, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 329-331.
- ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O Direito Constitucional à Jurisdição, In: As Garantias do Cidadão na Justiça, Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.,) 1993, p. 32 e 35.
- ROCHA, César Asfor. A luta pela efetividade da jurisdição, p. 99.
- OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Constituição, Processo e o Princípio do due process of law. p. 1096. Texto extraído do Direito Civil e Processo, Estudos em Homenagem ao Professor Arruda Alvim, 2008.
- ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Tratado de Direito Processual, v. 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 83.
- BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil, 2007, p.101.
- DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo, 2003, p. 254.
- CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 9.
- SILVA, Ovídio A. Batista da. Curso de processo civil, Vol. I, 7 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 189.
- SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 593.
- _________HTTP://www.conjur.com.br/2010-mai-02/entrevista-bruno-dantas-integrantes-comissão-cpc. Acesso em 03.05.2010.
- BRASIL. NEGRÃO, Theotônio e GOUVÊA, José Roberto F. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, São Paulo: Saraiva, 2007.
- Palestra realizada no dia 5 de maio de 2010 às 20h30 pelo Juiz do TJDFT Jansen Fialho de Almeida, intitulada "O Novo Código de Processo Civil" na sede da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Distrito Federal (OAB-DF). Documento não publicado.
- A questão da exigência de advogado para todas as causas dos juizados especiais foi exposta como opção da Comissão do Novo CPC pelo Juiz Jansen Fialho de Almeida em 5.5.10 na referida palestra ocorrida na OAB/DF.
- BRASIL. Lei de Recursos Repetitivos - Lei 11672/08 | Lei Nº 11.672, de 8 de maio de 2008. Acresce o art. 543-C à Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, estabelecendo o procedimento para o julgamento de recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.
- MENDONÇA, J.J. Forentino Santos, Deluse Amaral Rolim Florentino. Instrumentos para a efetivação do acesso à justiça. Recife: Bagaço, 2005, p. 161.
- NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.47.
- CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 9.
- BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional, Tomo III, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p 133.
- NERY JUNIOR, Nelson. Op. cit., p.70.
- Ibiidem, p. 71.
- SILVA, Ovídio A. Baptista da. A "plenitude de Defesa" no Processo Civil, In: As Garantias do Cidadão na Justiça, Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.,) São Paulo: Saraiva, 1993, p. 160.
- Ibiidem, p. 163.
- CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op. cit. , p. 9.