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Comentários sobre a obra do jurista Paulo Bonavides.

"Do país constitucional ao país neocolonial: a derrubada da constituição e a recolonização pelo golpe de estado institucional"

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Agenda 26/06/2010 às 00:00

PLEBISCITO E MINICONSTITUINTE

O Plebiscito como colégio constituinte é, por conseguinte, rigorosamente inconstitucional.

Plebiscitos constitucionais só existem aqueles contemplados nos art. 14 e 18 da Lei Maior, os quais dão execução ao parágrafo único do artigo 1º da Constituição, enquanto expressão da democracia semi-representativa ali estampada. Tão pouco viola o pacto fundamental criar plebiscito para referendar emendas constitucionais estatuídas nos termos do art. 60 da Constituição. Todavia, introduzir na Lei Suprema, plebiscito para convocar o poder constituinte originário solapa os alicerces da Carta Magna e conduz o país ao regime de exceção.

A proposta que ora tramita no Congresso Nacional dissolve materialmente o poder constituinte de segundo grau, único dotado de legitimidade jurídica para atuar nos limites da Constituição.

Se as elites brasileiras não estivessem tão ausentes e tão alheias aos deveres da cidadania e aos imperativos da verdade constitucional, tanto silencio e omissão não recairiam sobre o atentado que se vai perpetrar contra a Constituição, indubitavelmente o mais grave de toda a nossa historia constitucional.


ORAÇÃO DA MEDALHA TEIXEIRA DE FREITAS

Os regimes de força, quando se sentem incomodados, determinam o fechamento ou recesso de seus parlamentos de fachada; já os sistemas constitucionais aparentes fazem seus Executivos se desatarem do compromisso com a Lei Magna e, convertendo a exceção em regra, instauram, como no caso do Brasil, a ditadura das medidas provisórias expedidas com extrema freqüência, sem observância do requisito constitucional de urgência. Tornando assim, a inconstitucionalidade mais feia e ostensiva, vale-se o governo, para perpetuar-lhe a eficácia, do instrumento não menos condenável da reedição, que nem as piores ditaduras da republica chegaram a conhecer; seus decretos-leis eram mais honestos, mais sinceros, não dissimulavam o arbítrio.

Os mais obstinados e desaforados violadores da Constituição não são apenas os titulares do Poder Executivo que, na esfera do Governo Central, expedem medidas provisórias ilegais, senão, também, os autores de propostas de plebiscitos, mini-constituintes e assembléias revisoras.

Busca o Poder Executivo consolidar sua "ditadura constitucional" sob véu de legalidade aparente. Em razão disso, e com tal objeto, se processam manobras de flexibilização do texto constitucional em que o Governo, por sua maioria congressual, tanto se empenha, contando, ate mesmo, com a cumplicidade de um líder parlamentar de Oposição.

Se o poder Legislativo falha no exercício do controle preventivo de constitucionalidade, o Jurídico não é menos suscetível de repressão pela maneira como às vezes, se omite no desempenho de sua missão protetora da Constituição.

Por não enfrentar, porem, a magnitude política, jurídica e social imanente à pluralidade dimensional dos direitos fundamentais, a magistratura prefere, sempre, em matéria constitucional, os métodos interpretativos clássicos, que ai são de rara ou nenhuma serventia toda vez que o Direito cruza seu caminho com a Política, na guarda da Constituição e do Regime.

É ao juiz que cabe tolher a expansão de arbítrio e as invasões de inconstitucionalidade a que se arrima um poder autoritário, autocrático, ilimitado; um poder que é a antinação, a anticonstituição, a antidemocracia.

A inconstitucionalidade material é, de conseguinte, aquela que os tribunais menos consideram e menos examinam quando chamamos a cumprir seu dever constitucional de proteção dos Poderes e dos direitos fundamentais.

Vista pelo ângulo de seu desenvolvimento, a Medida Provisória tem sido um crime contra a Constituição porquanto fere e anula dois princípios da ordem constitucional que não podem ser quebrantados: o da legalidade e o da legitimidade.

Constituição e democracia só se fazem autenticamente exeqüíveis se for expressão de liberdade e eficácia da vontade popular, se concretizam os direitos da dimensão objetiva – aqueles que na aparição sucessiva de sua titularidade pertencem à classe, à Nação , ao gênero humano.

Preservar a Carta Magna, interpretá-la, cumpri-la, é obrigação que se deve radicar, também, no sentimento constitucional da sociedade. A Constituição é a cidadela da cidadania. É algo que completa, opulenta e afiança a cultura do consenso.


A OAB E A PROTEÇÃO DOS VALORES DEMOCRÁTICOS: UMA REFLEXÃO SOBRE A DEFESA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA ORDEM JURÍDICA

Cumpre a este Painel fazer um largo e ponderável exame acerca do múnus da Ordem dos Advogados do Brasil como entidade defensora das instituições democráticas e representativas, que vicejam à sombra da Constituição de 1988.

Em verdade a Ordem, pela sua tradição, pelo seu exemplo, por sua voz na imprensa e nos tribunais, abraçada sempre as nobilitantes causas do povo, da nação e da sociedade como um todo, e designadamente das classes sociais oprimidas, cujos direitos não raro soem ficar desamparados e vilipendiados, se converteu num dos órgãos que mais confiança inspiram no País e mais respeito merecem da opinião publica.

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Em Rui Barbosa se condena a trajetória de um homem que teve os seus passos guiados, sempre, na direção da justiça e, por isso, padeceu ódios e perseguições; e, todavia nunca recuou, nunca arrefeceu, numa abrandou diante de poderosos, inchados de arrogância e empatia.

Não há de ser outra, senão esta, no repto contemporâneo da crise constituinte, a função da OAB: proteger os valores democráticos, formar a consciência constitucional da sociedade, amparar os direitos fundamentais. Disponibilizar a Ordem seria, de conseguinte, atentar contra o estatuto, o fundamento, a carta magna da entidade, numa retirada desprimorosa, em antagonismo com a história, o passado e a tradição da Casa, que levou ao impeachment governo menos lesivo e menos impopular que este das privatizações desnacionalizadoras.

Tem a OAB o dever de apontar os erros que induzem o meio termo de oscilações em que a Oposição se tem colocado, a saber, variando do comportamento omissivo à debilidade em denunciar os excessos perpetrados contra a ordem jurídica pela ditadura disfarçada que se instalou no poder.

Afigura-se-nos haver, por conseguinte, em gestação uma grave crise de legitimidade das Oposições.

Cabe, portanto a OAB aparelhar-se para essa cruzada, arrostando o furor e a arrogância do inimigo globalizador e neoliberal, que intenta confiscar as bases soberanas da autoridade popular arruinando nossas finanças e entregar-nos, escravos, à sanha internacional de especuladores sem escrúpulos, sem alma e sem pátria.


A GLOBALIZAÇÃO DO NEOLIBERALISMO

Quando a situação interna, a queda da inflação tem sido celebrada como a mais expressiva vitoria do atual governo. O plano real trouxe o candidato das direitas na crise de uma onda de sufrágios que o colocou no poder. Mas essa vitoria sobre a inflação é ainda questionável. Não há certeza nem garantia de que ela, a inflação, tenha sido efetivamente erradicada.

Com sua doutrina de poder, o neoliberalismo organizou e sistematizou em cada País a traição aos interesses nacionais.

A ditadura de 64 encarcerou, torturou e assassinou nos calabouços da repressão muitos de seus opositores; o neoliberalismo, todavia, sem derramar o sangue dos patriotas, parece se achar inclinado a perpetrar atos igualmente reprováveis na esfera da economia, da ética da tributação e do serviço público.

A globalização é ainda um jogo sem regras; uma partida disputada sem arbitragem, onde só os gigantes, os grandes quadros da economia mundial, auferem as maiores vantagens e padecem os menores sacrifícios.

O Neoliberalismo escamoteará sempre a noção e o pensamento da globalização democrática, tanto que seus teoristas se sobrexcedem em confiança e louvaminhas à globalização econômica, deslembrados, porém, de falar da globalização política, certamente porque desejam preservar as suas formas políticas e sociais de hegemonia e ter, de sua mão, todos os freios e comandos do poder; temerosos, sem duvida, de que a globalização política venha a abrir uma fenda profunda no terreno da proposta conservadora.

Por um cálculo estratégico de conveniência, o neoliberalismo não se ocupa da globalização política; deixa o tema submerso no esquecimento e omissão.

Existe também uma outra globalização política . Esta, sim, é emancipatória e, tendo Carter libertário, tem legitimidade. É de assinalar, mais uma vez, que o futuro, resolvendo a crise, nascerá da globalização política; mas unicamente se esta caminhar pela trilha da democracia, distanciada do espaço teórico e metafísico onde a função democrática constitui mero valor abstrato, sem fio de contato com a realidade concreta e sem arrimo na práxis cotidiana da cidadania. Com efeito, a cidadania há de ser compreendida, invariavelmente, no cenário da globalização política como sujeito ativo e soberano da vontade governativa em todos os graus.

Não há como enfrear a inumanidade da globalização econômica no que toca aos povos do subdesenvolvimento senão deflagrando e acelerando a globalização política baseada sobre o conceito da democracia-direito.

Por todas essas reflexões aqui feitas, afigura-se-nos que nunca a forma de governo do neoliberalismo se mostrou mais antidemocrática do que no exemplo brasileiro de seu estilo de conduzir os destinos de uma Nação.

O Federalismo das regiões já está em oito artigos da Constituição, sendo suficiente concretizar o texto do Estatuto Fundamental para fazê-lo, de imediato, realidade em nossas instituições. Basta apenas, empregar juridicamente o verbo concretizar no sentido constitucional que lhe empresta Teoria Estruturante do Direito.

Rui Barbosa foi homem de dois séculos. O século XIX pertenceu pelo papel que desenhou na crise das instituições imperiais.

Ao século de XX, que é o nosso século, pelas ligações de um federalismo, em presidencialismo e um republicanismo na crise das instituições imperiais.

O advento da República e da Federação, sem a colaboração desse nome, teria sido um traumatismo muito maior em nossa historia e em nossa sociedade, regando talvez no sangue, na dor, no luto e nas comoções da guerra civil.

O magistério daquele civismo, em verdade, buscava transformar servos em súditos em homens livres e cidadãos, tornado-os conscientes de que só a cédula nas urnas liberta o povo, legitima o poder e faz a democracia.

De Rui Barbosa, pode-se dizer, com mais razão, que foi o maior advogado de todos os tempos e de todas as nações. Com efeito, não há exagero em tal asserção, se a conferirmos com as circunstancias da época e do ordenamento em que ele atuou.

A luz descortinadora de seu gênio alcançou também a altitude teórica e abstrata dos direitos da segunda geração, os direitos sociais, cuja introdução no país ele pressentiu e antecipou em formulações admiráveis dos últimos trabalhos que produziu.

Enfim, Rui Barbosa foi o Direito, a Justiça, a Liberdade, e foi por igual a Nação, a Independência e a Cidadania. Sem os princípios morais e sem a fé desse luminar da nacionalidade jamais seremos um povo livre.


ORAÇÃO DA MEDALHA RUI BARBOSA

"A verdade impetrante desse habeas corpus é a Nação", disse Rui Barbosa, o patrono dos advogados brasileiros, num ato de coragem e protesto em face dos sobressaltos que acabrunhavam o país diante dos atos de força consumados pela ditadura militar de Floriano contra as vitimas de Cucuí e Laje. Sua palavra significava não haverem ressequido as fibras cívicas de nosso povo.

A desobediência dissolve, assim, com a formação de blocos regionais no seio da representação nacional, a autoridade dos partidos, minados, pois, a força política dos governantes que, por inércia e omissão, não fazem a reforma federativa. A geografia regionalizou este país de dimensões continentais e, enquanto geografia política, nos preconiza a trilha de um federalismo regional, pelo qual nos batemos com sensibilidade patriótica, com denodo e convicção profunda, há mais de trinta anos.

Nem é preciso reformar a Constituição para introduzi-lo; esse federalismo não afeta as autonomias federativas estabelecidas, e, se tivéssemos que emendar a Carta Magna, não tropeçaríamos sobre os obstáculos do parágrafo 4º do art. 60 da Lei Maior.


O PODER JUDICIÁRIO E O PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 1º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL

Reza o parágrafo único do art. 1º da Constituição do Brasil: "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes, eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição.

O desdobramento institucional que o Brasil tem vivido desde a promulgação da Constituição de 1988, nos autoriza a concluir que ainda não foi possível associar, em termos definitivos, e na medida desejada, a democracia representativa – a única efetivamente realizada – á democracia direta, consoante manda, de maneira inequívoca e categórica, o texto constitucional.

Do ponto de vista formal, tal se deve unicamente ao descumprimento, pelo legislador subsidiário, da mencionada reserva da lei, contida no art. 14.

O mecanismo mais importante, porém, a saber, o plebiscito e o referendum aguardam a lei respectiva, que, pela reserva do art. 14, se infere competir ao Congresso Nacional.

O problema jurídico, suscitado por aquele reserva de lei, é o seguinte: poderá o legislador federal asilar-se indefinidamente no silencia e na omissão para, escudando em procedimento desse gênero, faltar à sua obrigação constitucional de fazer a lei regulatória daqueles instrumentos e privar, assim, o povo do exercício de sua vontade, naquela região que se nos afigura a mais impregnada de legitimidade, ou seja, a democracia direta?

Ainda na hipótese de a omissão bloquear o princípio de soberania popular e, ao mesmo passo impedir a integração concretizante do parágrafo único do art. 1º combinado com o art. 14, nas esferas do município ou do Estado – membro, colidindo assim com o principio federativo, ter-se-ia, que admitir, nessa linha de raciocínio jurídico, haver o constituinte outorgado ao legislador ordinário o poder, sem limites e sem freio, de omitir-se e paralisar por essa abstenção na feitura da norma, a implantação constitucional da democracia direta nos três níveis da federação.

Paralisadas ou embargadas por um silêncio legislativo as duas mais importantes técnicas plebiscitárias – o referendum e o plebiscito oxidam-se no texto da Constituição.

O procedimento omissivo consubstancia, desse modo, por ofensa frontal ao parágrafo único do artigo 1º da Constituição, a sobredita inconstitucionalidade material, palpável a analise de todo interprete, empenhado em salvaguardar a eficácia normativa da Lei Maior.

Se o Poder Judiciário seguir, pois, essa segunda via hermenêutica, caminhará a nosso ver, na direção certa e desempenhará, em favor da democracia, o inabdicável múnus de guarda da Constituição e defensor supremo de sua legitimidade eficaz.

Mas ocorre que esse Poder, tanto quanto ao Legislativo e Executivo, se acham em crise, e os fatores que a determinam em grande parte se furtam a sua jurisdição.

Quanto mais largo o hiato entre a Constituição e a realidade, o Estado e a sociedade, a norma e a sua eficácia, os governantes e os governados, a lei e a justiça, a legalidade e a legitimidade, a constitucionalidade formal e constitucionalidade material, mais exposto e vulnerável à crise constituinte fica o arcabouço do ordenamento estatal, por cujas juntas e articulações estalam todas as estruturas do poder e da organização social.

Em reforma do Judiciário seria de bom alvitre, para uma proteção mais eficaz aos direitos e garantias fundamentais e à organização dos Poderes, a criação de uma corte constitucional conforme consta de proposta já aprovada e formalizada pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Enfim, tornando ao ponto de partida dessas reflexões, a saber, o Poder Judiciário em face do parágrafo único do art. 1º, podemos asseverar outra vez que há na Constituição do Brasil, um sistema bidimensional de democracia: a representativa e direta. Mais só a primeira, pela índole elitista e conservadora da classe política compõe a dinâmica do governo, ao passo que a outra, embora instituída também em base principal permanece adormecida.

Sobre o autor
Reno Sampaio Mesquita Martins

Procurador da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Reno Sampaio Mesquita. Comentários sobre a obra do jurista Paulo Bonavides.: "Do país constitucional ao país neocolonial: a derrubada da constituição e a recolonização pelo golpe de estado institucional". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2551, 26 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15098. Acesso em: 22 dez. 2024.

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