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Estado desorganizado versus ordem e segurança públicas

Agenda 01/12/2000 às 00:00

Como fora dito alhures, o Estado desorganizado reflete a inexistência de estratégias e/ou políticas de segurança pública, stricto sensu, e, lato sensu, de defesa nacional. Aliás, ao nosso entender, o mister Segurança Pública, aspecto in genere da Ordem Pública, em sentido amplo, não deveria ser vista, analisada e tratada no campo político dos governos, posto que, para Honoré Balzac(1), "os governos passam, as sociedades morrem e a polícia é eterna", haja vista que esta sempre existiu, existe e sempre existirá, para a proteção e segurança daquelas (sociedade e governos).

Ora, se "os governos passam", então o mister Segurança Pública, aspecto ínsito e inerente à própria Ordem Pública - "... mais fácil de ser sentida do que definida (...) - ausência de desordem, de atos de violência contra as pessoas..."(2) - estado antidelitual, para Lazzarini; ausência de contravenções, infrações e delitos, bem por isso deveria ser tratado pelo sistema criminal(Poder Judiciário/Justiça), que tem a competência da prestação da tutela jurisdicional, de jurisdicere (de dizer o direito) quando da lide, contenda e/ou da reparação, repressão e punição aos delitos ou mesmo no restabelecimento do bem ou do direito lesionado, vez que a polícia é subsistema desse sistema de justiça criminal, do sistema de segurança pública, do sistema de Defesa Nacional e do Sistema de Governo.

A despeito de ser um subsistema multipolente ou polivalente, a polícia se presta mais ao Sistema de Segurança Pública, em sentido estrito, e ao sistema da Ordem Pública, lato sensu, e está mais interligada, na prática, ao Sistema de Justiça Criminal, porquanto exercer o seu poder de polícia, mediante atividades de polícia ostensiva, quer preventiva, quer repressivamente - imediata e incontinentimente à ação delitual. É, pois, o braço armado, fardado e forte da justitia e ambas se complementam, pois que agem fundadas na legalidade, moralidade, probidade e publicidade, com vistas ao interesse coletivo (público) da sociedade, pena de desvio de finalidade.

Demais disso, o termo polícia - politeia, polis (urbe, cidade, metrópole) + cia (guarda, proteção, segurança) - denota proteção e segurança aos cidadãos e da sociedade, do povo, dos que habitam as urbes, e, sendo seus integrantes membros dimanados dessa mesma sociedade, portanto, cidadão fardado com um plus, o tributo sangüíneo"- sacrifício da própria vida no cumprimento do dever -, bem por isso suas ações deverão estar sempre voltadas para o povo, com o povo e pelo povo na prestação dos seus serviços de Polícia Cidadã: preservação da ordem e da segurança pública; pena de descaracterização e desvio de finalidade. Polícia e não milícia, visto esta ser grupo armado e fardado à disposição do poder de mando (governo), enquanto instituição a serviço exclusivo deste, apenas.

Hoje, a polícia militar há que ser vista como administradora, respeitadora, fiscalizadora e aplicadora das leis, além de protagonizar e propagar os direitos da pessoa humana (polícia cidadã), como o é nos países do chamado primeiro mundo.

De mais a mais, explicando melhor: Segurança Pública deve ser entendida como um estado permanente de ordem (ausência de desordem), portanto, um estado sensitivo coletivo de segurança, uma sensação de segurança social manifesta e perene, vez que os Governos são temporários, i.e., os chefes do Executivo Federal, Estadual e Municipal são periódicos e mutáveis a cada pleito eleitoral.

E, mais ainda, justo por ser o Poder Judiciário não eletivo, permanentemente vitalício, inamovível e com jurisdição em todo território nacional, além de imparcial e suprapartes, face ao princípio da isonomia, "todos são iguais perante a lei."(Art. 5º, caput da CF/88), principalmente por ter a competência precípua da "guarda da constituição", a qual todos devem ter uma relação de não-contradição aos seus preceitos, mas sim de subsunção a esses preceitos normativos, face à máxima: "Patere legem quam fecisti - Suporta a lei que fizestes -", haja vista que todo poder emana do povo e em seu nome será exercido, porquanto o Poder Constituinte Originário assim institucionalizou o Estado Democrático de Direito e estabeleceu os direitos e garantias fundamentais de todos os homens e cidadãos (Art. 5º caput e Segs. da CF/88), bem como inovou ao dedicar um capítulo à temática da Segurança Pública no Título V da Defesa no Estado e das Instituições Democráticas.

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ORDEM E SEGURANÇA PÚBLICAS & DEFESA NACIONAL

Discorrer, pois, sobre tais temas, mormente quanto à Estratégia e/ou Política de Segurança Pública, é mister compulsar a acurada doutrina dominante, porquanto até mesmo o doutrinador mais cauteloso e estudioso minudente da temática não consegue discorrer sobre segurança pública dissociada da ordem pública, posto ser praticamente impossível falar sobre uma sem se referir à outra, haja vista o estreito inter-relacionamento existente entre ambas, pois que "são valores etéreos, de difícil aferição..."(3). Vale dizer, imensurável, inatingível, indistintamente inseparáveis face ao tênue, tíbio e imperceptível liame que as separam, e por serem ambas abstratas.

Dentre esses abnegados estudiosos, destaque-se o renomado publicista Álvaro Lazzarini, que assevera: "igualmente a festejados administrativistas pátrios e europeus, entendo que a segurança pública é um aspecto da ordem pública, concordo até que seja um dos seus elementos, formando a tríade ao lado da tranqüilidade pública e salubridade pública, como partes essenciais de algo composto."(4)- aqui dever-se-ia acrescentar também a "incolumidade das pessoas e do patrimônio" (Art. 144. caput, parte final, da CF/88).

Entrementes, para o eminente Diogo de Figueiredo Moreira Neto(5), "Segurança Pública é o conjunto de processos políticos e jurídicos destinados a garantir a ordem pública na convivência de homens em sociedade" - g.n., entendendo que a relação entre ordem pública e segurança pública não é do todo para a parte, porém "efeito para causa". Contudo, Lazzarini, melhor analisando o conceito supra, assim se expressa: "A divergência não é tão profunda quanto parece, pois o todo é mesmo sempre efeito de suas partes, e a ausência de uma delas já o descaracteriza. Assim não há conflito ao afirmar-se que a ordem pública tem na segurança pública um dos seus elementos e uma de suas causas, mas não a única"(6)- grifos do autor in op. cit.

Para Lazzarini, o autor citado ao afirmar que "a segurança pública é um conjunto de processos" superdimensiona e aproxima o conceito doutrinário, é a série ordenada de atos sucessivos, entremeando-o com o conceito de defesa pública: "conjunto de atitudes, medidas e ações adotadas para garantir o cumprimento das leis e de modo a evitar, impedir ou eliminar a prática de atos que perturbem a ordem pública"(7)(segurança pública) deveria ater-se ao competente campo do Poder Judiciário - Sistema de Justiça Criminal, aliado e com o apoio irrestrito do Ministério Público, face exercer a fiscalização e garantia das leis e, inclusive, competir-lhe o controle externo dos policiais e de sua atividade (Art. 129, VII. CF/88).

"A ordem pública - ainda para Lazzarini - é sempre efeito de uma realidade nacional que brota da convivência harmônica resultante do consenso entre a maioria dos homens comuns variando no tempo e no espaço em função da própria história. O arcabouço jurídico que o Estado proporciona à sociedade é simples tradutor dessa ordem(...)- gn; e ainda afirma: "Com certeza a solução do problema está na sensibilidade dos políticos em aferir corretamente os anseios do povo e atendê-los na formulação e implementação de políticas públicas."

Máxima venia, ainda que houvesse sensibilidade ou preocupação dos políticos com o mister, no nosso entender, a solução está no arcabouço jurídico...simples tradutor dessa ordem pública ... no seu aspecto da segurança, onde está inserida a criminalidade, "sendo bastante seguir-se o "ciclo de polícia e o de persecução criminal completo, aliados aos juizados de instrução criminal, tão bem definidos e delineados pelo citado autor.

Noutras palavras, os "braços fortes" da justiça integrar-se-ão interativamente ao corpo desta, tendo no arcabouço jurídico a "cabeça", a linha mestra a ser seguida, sendo desnecessária políticas públicas dependentes da "sensibilidade" dos políticos, que têm a sensibilidade sim, mas apenas de se perpetuarem no poder - fim de todo partido político, segundo Max Weber .

Logo, pouca ou nenhuma "sensibilidade" dispensarão na solução ou minimização desses problemas, menos ainda na aferição correta dos anseios do povo, que, hoje, clama por segurança, impelidos pela mídia, e responsabiliza a PM pela insegurança pública porque passamos.


ASPECTOS LEGAIS

Portanto, grassa erro crasso culpar a polícia militar por essa expansão da violência, como dito, esta tem suas raízes na fome, na impunidade, no tráfico de armas e drogas, que minam as defesas do Estado - o Estado de Defesa da Nação: fazendo proliferar a criminalidade em verdadeiras ações organizadas, cujas precisam ser combatidas. É fato!

Nesse seguimento, a continuar incólume o tráfico de drogas e de armas, este extinguirá a ordem pública e minará, por conseguinte, a Defesa Nacional, posto que suas ações são extremamente organizadas e globalizadas, assim, poderão fincar suas bases em todo território brasileiro.

Por isso mesmo, esses fatores exógenos devem ser combatidos efetivamente pelas Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) em combinação conjunta com a Polícia Federal e respetivas policias militares. As primeiras responsáveis que são pela Defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes (Executivo, Legislativo e Judiciário), da Lei e da Ordem (pública, evidentemente), consoante estabelece o Art. 142, parte final, da CF/88; enquanto esta destina-se ao combate e apurações das infrações legais decorrentes de tráfico de drogas e de armas, consoante Art. 144, § 1º da CF/88 e as PM pela preservação da ordem pública.

Ademais, a defesa da Pátria, que é defesa nacional e não defesa interna, como queiram alguns, não se presta apenas às ações beligerantes ou invasões armadas ao nosso território, há de ser entendida, antes de tudo, no seu aspecto preventivo - o de preservação dessa defesa nacional (ordem pública), porquanto se o narcotráfico e de armas estabelecerem suas bases em território brasileiro, desde de logo, minado estará o estado de defesa nacional.

Bem por isso, é imprescindível estrategicamente ter a visão de futuro visando antecipar-se e preceder às ações dessas organizações mafiosas internacionais que, paulatina e subrepticiamente, estão a invadir nossa Nação. Tem-se, pois, também nesse fator exógeno a causa do recrusdecimento da violência, como, por exemplo, o narcotráfico ( "crack", a cocaína, etc.), roubo de veículos e cargas, e o tráfico de armas, - fica o alerta, portanto.

Atribui-se, pois, às Forças Armadas e Polícia Federal por deterem a competência de controle, fiscalização, patrulhamento e a guarda de nossas fronteiras terrestre, marítima e aérea. Essas forças deveriam estar distribuídas, articuladas e desdobradas estratégica e basicamente ao longo da extensão da imensa fronteira e do vasto limite territorial do País e região amazônica, posto que o Brasil é fronteiriço com 10 países latinos e, dentre eles, Bolívia e Colômbia - fontes permanentes do tráfico de drogas -, e não nas regiões sudeste e centro-oeste, e D.F., vez que as ações dessas organizações mafiosas internacionais (cartéis de Cali e Meddelin, máfias sicciliana, coreana, chinesa, etc.) se manifestam através das fronteiras, portos e aeroportos.

Ademais, não é despiciendo trazer a lume que "a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos é exercida para a preservação da ordem pública."...(Art. 144 caput, CF/88).

Demais disso, vejamos nesse sentido o escólio de Pedro de Oliveira Figueiredo(8)- chefe de Divisão de Assuntos políticos do Escólio Superior de Guerra - "Assim, a criminalidade comum, notadamente a macro-criminalidade organizada, pode ferir a esfera da segurança interna stricto sensu - e ser objeto de ações de defesa interna (= Defesa da Pátria = Defesa Nacional) se e, quando, ainda que não queiram diretamente, ponham esse risco tais objetivos"(sic) - parêntesis nosso e grifo do autor. Deve-se entender defesa nacional, e não defesa interna, consoante ensinamento do Cel PM R/R Nelson Freire Terra, instrutor da disciplina sistemas de Segurança Pública, no CSP/II-96, CAES -, e continua aquele autor: "Ninguém mais pode duvidar de que, por exemplo, a atuação dos narcotraficantes na Colômbia, tenha de há muito tempo ultrapassado os limites da segurança pública e constitua questão de segurança nacional, interna." (sic) g.n., tanto lá quanto cá.

A CF/88 trata do título V - da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas do Art. 136 usque 144, "atribui poder ao Presidente da República, após ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional (não mais defesa interna ), de decretar estado de defesa nacional para preservar... a ordem pública..."(Art. 136 - caput). Se, contudo, houver ineficácia das medidas tomadas durante o estado de defesa, poder-se-á instituir o Estado de Sítio, que será solicitado pelo Presidente da República, após oitiva dos referidos conselhos, ao Congresso Nacional autorização para tal. (art. 137, CF/88).

É, pois, no Capítulo III do título sub examine que a Carta Política de 88 trata da Segurança Pública, "capítulo específico, que se abre com um conceito e sua caracterização como ‘dever do Estado, direito e responsabilidade de todos’ (art. 144), nomeando-se, em seguida, os órgãos através dos quais o Estado deve cumprir seu dever: três polícias federais (polícia rodoviária, polícia ferroviária e a polícia federal propriamente dita) e as polícias estaduais, subdivididas em dois ramos: civil e militar às vezes em três, com acréscimo dos corpos de bombeiros militares."(9) grifos do autor.

E para a "preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio" a CF/88 estabelece o exercício de ações policiais, ostensivas ou não: preventivo dissuasórias, repressivo-operativas e repressivo-investigatórias, também chamada de polícia judiciária - segundo escólio do autor suso citado.

Entrementes, para melhor desempenho e efetividade de atuação dos órgãos responsáveis pela Segurança Pública, é mister regulamentar o § 7º do sobredito art. 144. "Por princípio de lógica, a regulamentação... deve preceder a feitura das leis orgânicas das Polícias em geral, fixando parâmetros úteis à compatibilização entre essas leis, impedindo normas superpostas ou conflitantes e ainda padronizando a terminologia."(10), para redução dos atritos e ampliação da harmonia desses mesmos órgãos elencados no Art. 144. da CF/88.

Fora disto, há de se convir, de nada adianta mudar a nomenclatura de determinados órgãos e/ou mesmo a cor de seus uniformes ou até mesmo as atribuições desses mesmos órgãos e menos ainda buscar na unificação e/ou integração das duas polícias a panacéia de solução do mister, mormente porque nesses moldes uma parte dela tentará fazer o que uma já faz(prevenção) e outra a fazer o que uma não faz(repressão mediata), porquanto a segurança e a ordem públicas irão prescindir sempre dessa definição e mais ainda de uma harmônica ação integrada desses vários órgãos, devendo ser auxiliados pelas guardas municipais existentes, obviamente naqueles municípios com mais de 500 mil habitantes - aliás, nesse sentindo, os nosso constituinte estadual de 1989, com sabedoria premonitória, atribuiu à PM a supervisão das atividades operacionais das guardas municipais e vedou-lhes o uso de armas, salvo específica autorização do secretário de segurança e desde que em exclusivo objeto de serviço(Art. 247, §§1.º e2.º, CE/89) - ou, então, desmilitarizar(entenda-se: desvincular do status quo de força auxiliar e reserva do Exército)e municipalizar as PM e BM nesses municípios com mais de 500 mil habitantes, inclusive já há Proposta de Emenda Constitucional nesse sentido tramitando no Congresso Nacional, vez que as guardas civis municipais carecem do poder de polícia e da polícia.

De lembrar que o controle, a fiscalização e o policiamento de trânsito já estão municipalizados em muitos estados-membros de nosso Pais, à semelhança do que ocorre aqui em Alagoas(Maceió, Arapiraca, Delmiro Gouveia), onde a PM carece de convênio com esses municípios para nele atuar, pena de ilegalidade e/o abusos e excessos de seu poder de polícia.


NOTAS

1. Balzac, Honoré de - apud. Lazzarini, A . Estudos de direito administrativo. Ed. RT. São Paulo, 1996, p. 7

2. Salvat et Blaise Knap - apud Lazzarini, A. Estudos de direito administrativo. RT, São Paulo. 1996, p.p. 52/53.

3. Lazzarini, A. A segurança pública e aperfeiçoamento da polícia no Brasil, in revista a Força Policial, nº.05. Jan./mar. São Paulo. 1995. p. 7

4. Id. ibidem op. cit. p.6

5. Neto, Diogo Figueiredo de Moreira. apud Lazzarini, op. cit. p. 6.

6. Idem.

7. idem

8. Figueiredo, Pedro de Oliveira. Subsídios para a formulação de uma política nacional de segurança pública, in revista A Força Policial, nº.05. Jan./Mar. - São Paulo. 1995. p. 77/84.

9. Id. ibidem Op. Cit. p. 80

10. Lazzarini, A. op. cit. p. 68.

Sobre o autor
Joilson Gouveia

Bacharel em Direito pela UFAL & Coronel e Transferido para Reserva Remunerada da PMAL.Participou de cursos de Direitos Humanos ministrados pelo Center of Human Rights da ONU e pelo Americas Watch, comendador da Ordem do Mérito Municipalista pela Câmara Municipal de São Paulo. Autor, editor e moderador do Blog D'Artagnan Juris

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Joilson. Estado desorganizado versus ordem e segurança públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 48, 1 dez. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1578. Acesso em: 22 nov. 2024.

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