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Polícia, violência e sociedade

Agenda 01/07/1999 às 00:00

A violência ao lado do desemprego é a principal preocupação da população, que a cada dia se sente prisioneira, refém em suas próprias residências, uma vez que as ruas tornaram-se um lugar inseguro, onde andar de carro ou sozinho, significa uma possibilidade de ser assaltado ou até mesmo morto, por pessoas que não respeitam as leis previamente existentes.

Quando um integrante de uma família de pessoas conhecidas junto a imprensa sofre qualquer ato ilícito, o discurso de lei e ordem passa a ser a bandeira da salvação, da modificação do sistema de segurança pública, capaz de levar a tranqüilidade a todos que integram a sociedade brasileira.

Os mais humildes sofrem arbitrariedades, violências, todos os dias, e na maioria das vezes são esquecidos, uma vez que as sevícias que suportam não rendem notícias, ibope ou qualquer outro benefício.

Acusa-se a Polícia como sendo a responsável pelo aumento da criminalidade, por falta de uma melhor política de defesa da sociedade, uma vez que a criminalidade deve ser combatida com a força, para se evitar que as pessoas inocentes sejam mortas pelos chamados marginais.


Mas, será que a Polícia é realmente culpada pelo aumento da criminalidade? Não haveria outros fatores que concorrem ou contribuem diretamente para a realidade que é noticiada todos os dias nos telejornais?

Segundo o art. 144 da Constituição Federal, a segurança pública é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, o que significa que cada um de nós possui a sua parcela de responsabilidade na busca na preservação da integridade física e patrimonial dos bens de cada um que integra a sociedade.

A Polícia não é a responsável pelo aumento da criminalidade, existem outros elementos que contribuem diretamente para a violência, como o desemprego, a falta de oportunidades a nível educacional, de saúde, e outras questões que envolvem política governamental.

A maioria dos críticos das atividades desenvolvidas pelos órgãos policiais, com a devida venia, nem mesmo conhecem o que é uma organização policial, não visitaram um quartel ou uma delegacia, na busca das atividades desenvolvidas por esses órgãos ou acompanharam uma diligência desenvolvida para a preservação da ordem pública.

Na maioria das vezes, os órgãos policiais não possuem os recursos necessários para combaterem a criminalidade, devido a falta de políticas sérias voltadas para área de segurança pública. A segurança da nossa população somente adquire interesse em momentos de eleição, quando então surgem várias propostas voltadas para melhoria das condições de vida dos eleitores.

A realidade das ruas é diversa do discurso, da precisão das ciências matemáticas. O agente policial combate criminosos com armamentos que eram utilizados nas décadas de 60-70, quando a população do Estado de São Paulo, e mesmo do Brasil, era diversa da população atual.

Enquanto os marginais se utilizam de armas semi-automáticas, granadas, rifles, fuzis AR-15, metralhadoras, armamentos de uso reservado das Forças Armadas, adquiridos ilicitamente no mercado negro, os policiais são chamados a enfrentarem esta realidade com revólver calibre 38, viaturas precárias, delegacias sem estrutura, computadores ultrapassados, salários incompatíveis com a realidade, mas com a obrigação de preservarem a ordem pública e a integridade física e patrimonial dos cidadãos mesmo com o sacrifício de suas próprias vidas, sob pena de omissão, e responderem a processo administrativo e penal.

Não se pretende fazer um discurso de defesa dos órgãos policiais, uma vez que estes como qualquer outra Instituição possuem seus erros e suas mazelas, mas que são mínimos, quando comparados com a qualidade do serviço prestado a população em decorrência das dificuldades materiais que possuem.

Tornou-se comum mencionar a cidade de Nova Iorque, New Iork Police Departament - NYPD, como modelo de Polícia a ser seguido em decorrência do programa denominado Tolerância Zero, e que teria levado a resultados positivos no combate à criminalidade. Mas, uma mera comparação da estrutura material da Polícia daquela cidade com a Polícia do Estado de São Paulo, deixa evidenciado que a 1.a possui muito mais recursos que a segunda para realizar as atividades que lhe são atribuídas.

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Na cidade de Nova Yorque, com uma população de aproximadamente 8 milhões de habitantes, existem 1.593 viaturas, para um efetivo de 46.039 homens, sendo que o Estado de São Paulo, com uma população de aproximadamente 36, 5 milhões, possui 1.379 viaturas para um efetivo de 88.308 homens. A Polícia de Nova Yorque possui 328 furgões de 12 lugares, enquanto que a Polícia de São Paulo não possui nenhum. Esses dados, que são de 1995, são suficientes para demonstrarem a diferença entre as duas Instituições voltadas para a função de segurança pública. (in COSTA, Carlos Alberto. Segurança Pública. Revista Força Policial n.o 13, jan/fev/mar/97, p. 20-21).

A Polícia como qualquer outra Instituição recruta seus integrantes da própria sociedade, que no passar dos anos tem enfrentado um queda de qualidade tanto no aspecto educacional como no aspecto moral. Essa realidade, conforme divulgado na revista Veja, já é vivenciada nas Forças Armadas, onde a maioria dos oficiais ao contrário dos anos 40-50, provém das camadas baixa e média da população. Os filhos da classe média e alta não mais têm buscado essas Instituições devido as limitações salariais as quais ficam sujeitos os militares, situação semelhante a existente nos órgãos policiais.

É bem verdade que estes fatos não justificam erros, ou a má qualidade do serviço prestado, mas seria uma falta de bom senso, ou mesmo uma hipocrisia, pensar que uma Polícia desprovida de recursos humanos e materiais seria capaz de resolver todos os problemas relacionados à criminalidade, e que são enfrentados pela população, e na maioria das vezes são estruturais.

Não podemos esquecer ainda que a Polícia combate os efeitos externos, ou seja, não enfrenta as causas que levam às pessoas a marginalidade, ao desrespeito da Lei. A cada dia a população carcerária aumenta, e o governo não consegue acompanhar a demanda, uma vez que esta cresce em progressão geométrica. As rebeliões estão se tornando comum, uma vez que em todos os lugares, Delegacias, Cadeias Públicas, Presídios, ou qualquer outro estabelecimento penal, o número de vagas é inferior a demanda.

Esse fato demonstra que a Polícia Militar e a Polícia Judiciária estão cumprindo com suas funções constitucionais, mas o mesmo Estado que determina o cumprimento da lei, ou seja, que manda prender o infrator, não tem lugar onde colocá-lo, criando desta forma verdadeiros de depósitos de seres humanos, onde a violência, as doenças, e outras conseqüências são uma realidade.

O sistema possui uma lógica, que deve ser observada e respeitada para se evitar o caos, a anomia da Leis, que pode conduzir a desagregação do Estado, a um estado de exceção, onde a auto-tutela afasta o Estado democrático de direito.

A ilegalidade não deve ser suportada, pois viver em um Estado democrático de direito significa cumprir à lei e respeitar às autoridades constituídas. Mas, o uso exclusivo da força por meio dos órgãos policiais não será suficiente para conter o aumento da criminalidade.


É necessária a adoção de políticas sérias no campo do desenvolvimento econômico, da geração de empregos, saúde, educação, habitação e segurança pública, para se evitar o aumento da criminalidade.

O Estado democrático de direito pressupõe que as pessoas não irão morrer na porta dos hospitais sem atendimento, que crianças não ficarão sujeitas à sorte para terem acesso a uma incubadora, ou que pessoas tenham que depender da caridade de seus semelhantes para que possam se alimentar e viver com um pouco de dignidade.

A sociedade por força do artigo 144 da Constituição Federal também é responsável pela segurança pública, e por todas as mazelas que são suportadas pelos demais integrantes da coletividade.

Para existir o consumo é preciso existir renda, emprego, possibilidade de ascensão as oportunidades em decorrência do esforço e da dedicação de cada um, para se evitar o descumprimento da Lei.

O infrator deve ser punido, uma vez que o direito existe para ser observado e respeitado, sob pena do uso da força quando não existe obediência à lei e à ordem. Mas, sem recursos, os órgãos policiais enfrentam dificuldades para cumprirem a missão prevista e disciplinada na Constituição Federal.

O país passa por modificações, transformações, conceitos que até então eram absolutos estão sendo abandonados, exemplo dessa realidade são as privatizações das Estatais. O caminho a ser trilhado já é conhecido, mas é necessário dedicação na busca de uma sociedade melhor, que seja livre, justa, e soberana, onde a força da Lei possa se sobrepor a qualquer abuso ou arbitrariedade, e onde as pessoas tenham dignidade, princípios que são fundamentos da República Federativa do Brasil.

Sobre o autor
Paulo Tadeu Rodrigues Rosa

PAULO TADEU RODRIGUES ROSA é Juiz de Direito. Mestre em Direito pela UNESP, Campus de Franca, e Especialista em Direito Administrativo e Administração Pública Municipal pela UNIP. Autor do Livro Código Penal Militar Comentado Artigo por Artigo. 4ª ed. Editora Líder, Belo Horizonte, 2014.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Polícia, violência e sociedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1599. Acesso em: 23 dez. 2024.

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