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Por uma visão crítica do Direito:

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Agenda 01/09/2000 às 00:00

3. Hermenêutica Jurídica

Os diversos modelos da ciência jurídica observados, conforme a proposição da qual partem e o modelo teórico, podem ser classificados em analítico, como o de Kelsen centrado na norma; pragmático, como as teorias de Viweg e Tércio Sampaio centradas na decisão; hermenêutico, buscando a interpretação ou a vontade do legislador como na teoria de Carlos Maximiliano e o dialético, buscando a transformação social e exposto de forma brilhante por Roberto Lyra Filho. O modelo hermenêutico de interpretação de Maximiliano, analisando os estudos desde a escolástica, doutrina dogmática e intransigente, até o sistema histórico-evolutivo, busca estudar a "sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito"3. Já segundo Gadamer, a hermenêutica seria uma metalingüagem buscando a interpretação lingüística ou o processo construtivo do real, na qual o intérprete se vê envolvido com o processo de elaboração e aplicação da norma, saindo do "mundo do ser" para o "mundo do existir", participando da criação do direito e opondo-se, desta forma, ao positivismo ou normativismo autoritário, admitindo uma interpretação construtiva, responsável vinculada ao conteúdo ético.

Podemos dividir a hermenêutica jurídica em: a) hermenêutica tradicional, que idealiza ser indiferente aos valores buscando o sentido da verba legis por intermédio de métodos e técnicas de interpretação da lei com a aplicação casuística das normas; b) hermenêutica jurídica crítica, compreendendo que a interpretação da lei diferencia-se da interpretação do direito; é um processo de interpretação somado à criação no qual o intérprete aplicador é responsável também pela criação do direito abrangendo as fontes, a interpretação, a integração e a aplicação do Direito.

As fontes do direito, que servirão de subsídio ao hermenêuta classificam-se basicamente em: a) formais Estatais, como a lei, por excelência, e a jurisprudência (para a corrente tradicionalista, fontes primárias) ; b) fontes não Estatais, como os costumes e a doutrina (para a corrente tradicionalista, fontes secundárias) e c) fontes materiais, que são os fatos sociais, os valores e as lutas sociais. As lutas sociais muitas vezes influenciam ou intervém significativamente na criação das normas jurídicas, o que exemplificamos com as Declarações Universais dos Direitos do Homem e do Cidadão, resultado da luta das imposições burguesas contra a aristocracia.

A interpretação, sob o ponto de vista do sujeito, classifica-se em: a) doutrinal, quando o legislador faz a lei e o doutrinador a aplica; b) jurisprudencial, quando o legislador faz a lei e o jurista a aplica; c) administrativa ou d) autêntica, com o trabalho criativo e crítico do intérprete que participa da renovação da norma. Quanto aos resultados, pode ser declarativa (extensiva ou restritiva); modificativa ou abrogante. Quanto aos métodos, será gramatical ( o que predominava na Exegese, com a busca do sentido etimológico, verba legis); ou lógico (analítico, sistemático ou jurídico).

Estes métodos de interpretação da lei se classificarão em: a) método lógico analítico, atendendo à voluntas legislatoris, expressa mormente por meio de exposições de motivos, discussões parlamentares e anteprojetos de lei; b) método lógico sistemático, buscando os conteúdos substanciais da lei, concordando os conteúdos normativos dentro do sistema de normas e c) método lógico jurídico, na busca da mens legis, subdividindo-se em ratio legis, se os motivos justificaram a aparição da lei, vis legis, visando a eficácia e a aparição da lei e ocasio legis, na consulta aos antecedentes históricos da lei.

Nem sempre é suficiente para o aplicador interpretar a norma, sendo necessário em determinados casos que seja feita a sua colmatação em virtude da existência ou não de lacunas. Na aplicação e integração do direito, devido à generalidade e abstração das normas, é necessário que se faça a subsunção do fato concreto de modo que coincida com a previsão legal. São verificadas as seguintes espécies de lacunas: a) autênticas, quando não há normação; b) técnicas, quando o legislador utiliza-se de locuções abertas; c) axiológicas ou de valor e d) de conflito ou antinomias, reais ou aparentes.

O problema das lacunas se resolve por intermédio dos mecanismos de colmatação nas seguintes espécies: a) por analogia, visando identificar pontos em comum entre duas situações diferentes, operando por comparação e nas espécies legis, quando uma situação normatizada se estende a outra não normatizada ou juris, quando há situação nova não amparada por lei e recorre-se à mesma decisão dada em outro caso diferente e com os mesmos princípios éticos; b) conforme os costumes, estes secundum, praeter ou contra legem; c) conforme os princípios gerais do Direito, ou seja, as máximas que, por seu caráter universal, transcendem qualquer ordenamento jurídico; d) por equidade, visando o fechamento das lacunas de valores segundo a Régua de Lesbus para se faça justiça no caso concreto. Aqui, observamos que o seu uso no Código de Processo Civil requer a previsão em lei, o que é um resquício da Exegese no nosso Direito; e) conforme o artigo 5.º da Lei de Introdução ao Código Civil, requer-se que o aplicador, no caso de lacunas ou não, atenda às exigências do bem comum (instituição por João XXIII) e aos fins sociais a que a norma se dirige, estes considerados os interesses gerais e os públicos, de toda a coletividade, e os interesses sociais ou dos trabalhadores representando a maioria da sociedade.

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A argumentação da qual se serve o hermenêuta para a formação de seu convencimento deve partir de verdades prováveis ou aceitáveis, com conteúdo ético e um intérprete responsável, para aproximar-se o mais possível da verdade.


4. Relação Jurídica

Os elementos da relação jurídica atual diferenciam-se do tradicional vínculo entre duas ou mais pessoas, basicamente relações de direito privado relativas à família, à propriedade e ao contrato, relações interindividuais que giravam em torno da concepção privatística individualista. Já no século XIX, encontramos na concepção liberal de Savigny, chefe da Escola Histórica do Direito, procurando conciliar o consciente individual ao histórico, a codificação do espírito popular como fonte do Direito. O autor mantinha uma concepção liberal no estudo das fontes do direito negando a possibilidade de se deduzir o direito por um processo exclusivo do raciocínio, divorciado da realidade dos fatos e, ainda, atribuía precedência ao costume sobre a lei. Hoje temos de aceitar a existência de novos vínculos, novos sujeitos e novos direitos a serem pensados sob nova perspectiva, sob pena de se produzirem resultados distorcidos da realidade dos fatos. A concepção individualista ou privatista do direito não mais se adapta às várias relações jurídicas entre sujeitos coletivos como os sindicatos, associações, organizações não-governamentais e outros. Os conflitos intercoletivos ou de massa e os direitos coletivos que surgem atualmente, derivados principalmente das novas categorias de direitos como os direitos humanos, direitos coletivos, direitos sociais, direitos difusos, direitos individuais homogêneos ou direitos transindividuais e outros que estão por vir, criam a nova relação jurídica com peculiaridades diferenciadas daquelas relações interindividuais, necessitando-se que haja uma superação do modelo privatístico/individualista.

Constatamos, ainda, que existem diversas constatações dos direitos humanos, seja na corrente jusnaturalista, metafísica e a-histórica, com os direitos fundamentais naturais, seja na corrente juspositivista com os direitos fundamentais positivados, seja na corrente dialética proclamando pela luta social, cada vez mais, a efetivação dos novos direitos e o reconhecimento dos novos sujeitos. O jusnaturalismo ora se opõe ao positivismo, defendendo a existência de direitos não positivados ora caminha paralelamente a ele, defendendo a eficácia de direitos inerentes ao ser humano positivados e sem aplicabilidade.


5. Teoria do Direito Subjetivo

Nas teorias clássicas do Direito Subjetivo destacamos a teoria do interesse de Ihering, considerando o interesse juridicamente protegido e teoria da vontade de Windscheid, considerando o poder da vontade reconhecido em lei. Jellinek cria a teoria mista, considerando o interesse que se manifesta por meio da vontade e reconhecido em lei. Estas correntes são tipicamente burguesas, individualistas e egoísticas. Opõem-se a estes os teóricos que negam a existência do direito subjetivo como Deguit, realista, que entende ser o direito subjetivo uma noção inútil de construções metafísicas ou abstratas e Kelsen que entende ser o direito subjetivo, na verdade, a relação dos sujeitos com a norma, analisando a relação entre o direito do credor e a norma e, de modo reflexo, a relação entre a obrigação do devedor com a mesma norma.

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O que observamos aqui é, novamente, a necessidade de se reconhecer os direitos subjetivos públicos transindividuais que se manifestam por meio dos sindicatos, associações, organizações não governamentais e outros diversos movimentos sociais que participam dos novos conflitos de massas ou intercoletivos sendo, portanto, relevantes para toda a coletividade.


6. Teoria dos Direitos Humanos

No século XX o direito natural que possuía origem metafísica ou racionalista adquire nova roupagem e podemos distinguir três gerações de direitos humanos visando sempre afirmar novo regime e como bandeiras ideológicas, as quais delimitamos como: a) primeira geração, os direitos civis e políticos, com o valor liberdade, na luta da burguesia para a instauração dos Direitos do Homem, exemplificados pelos direitos de ir e vir, de pensamento, de locomoção, de reunião, voto, filiação partidária, crença e os demais; b) segunda geração, os direitos econômicos, sociais e culturais, com o valor igualdade, resultado das conquistas necessárias para a implementação dos valores de primeira geração e c) terceira geração, com o valor solidariedade, visando a implementação dos direitos dos povos ou direitos coletivos, que surgiu no período do pós-guerra do século XX e exemplificamos pelos direitos ao meio ambiente sadio, à paz, à independência, ao patrimônio genético intocável, ao desenvolvimento, autonomia e cultura dos povos, à informação e outros que surgem. Para Michel Miaile o direito natural identifica-se com o direito natural de combate, o que explica, nas palavras de Marx Weber como sendo

"a forma específica da legitimidade de uma ordem criada por via revolucionária. A invocação de direito natural foi sempre a forma através da qual as classe se revoltaram contra a ordem estabelecida, conferiram legitimidade à sua reivindicação de criar direito, na medida em que se não apoiassem em revelações e normas positivas religiosas" 4.

É importante observarmos que os direitos difusos caracterizam-se por: possuírem sujeitos indetermináveis e ligados por uma relação jurídica fática comum, possuem objeto indivisível, intensa conflituosidade e elevado grau de organização, diferenciando-se dos direitos coletivos, estes possuindo sujeitos determináveis ou determinados, objeto indivisível, relação jurídica base e graus de conflituosidade e de organização médios. Já os direitos sociais, como dissemos, direitos humanos de segunda geração, reúnem as características dos direitos difusos e dos coletivos e são típicos da classe trabalhadora. Com a globalização, observamos que os direitos humanos adquirem nova conotação, ao mesmo tempo que vemos o enfraquecimento dos sindicatos de trabalhadores com a flexibilização do contrato de trabalho.


7. Teoria da Justiça

A justiça foi encarada, de início, como valor absoluto, representando a virtude, o valor bom, correto e tolerante. A teoria da justiça também possui uma concepção subjetiva, significando uma relação para fora ou objetiva, para o mundo intersubjetivo. A concepção dos latinos sobre o que é justo é representada pela máxima "dar a cada um o que é seu" e, para os gregos, seria "dar a cada um o que lhe é devido". Na concepção de Aristóteles, um pouco mais, seria "dar a cada um o que lhe é devido segundo uma igualdade". Na visão positivista da justiça, o justo é sinônimo de ordem, porém, já em Aristóteles encontrávamos uma visão dialética da justiça, para o qual a justiça era sinônimo de igualdade, compreendendo os elementos: alteritas, debitum e aequalitas o que, para a concepção liberal do Direito representa uma igualdade formal, mas para a teoria crítico-dialética significa uma igualdade substancial, real ou histórica. Esta última teoria tem por objetivo a construção histórica da igualdade por meio da redução da desigualdade e é dialética no sentido de buscar esta redução com a construção permanente da igualdade, levando às últimas consequências a radicalização das semelhanças.

Esta tarefa de redução das desigualdades e construção de um mundo justo não é de fácil realização prática, ainda mais com o problema do acesso à justiça que existe atualmente em nosso país onde o acesso é restrito àqueles que possuam condições para contratar advogado ou assessoria jurídica preventiva e, o que é mais importante, possuam instrução e educação suficiente para terem consciência de quais sejam os seus direitos e quando estão sofrendo ameaça de violação ou a própria violação. Assim mesmo estes se deparam com um Judiciário tumultuado pelo acúmulo de processos por vara e muitas vezes ´corrompido´, tanto por estar obrigado a fornecer decisões rápidas e prontas (julgamentos por computador), sem poderem se ater aos detalhes e às particularidades de cada caso, quanto pela ocorrência efetiva de juizes e auxiliares da justiça que se deixam levar por pressões políticas ou dos grandes grupos detentores do capital e até mesmo corrompidos por interesses pessoais ou financeiros.


Conclusão

A realização da justiça social depende, sobretudo, da eficácia dos direitos amparados pela Constituição Federal e pela legislação, dela decorrente, no âmbito social. O Direito não se realiza por si só. Depende de sua aplicação aos fatos sociais, econômicos, políticos e culturais, o que podemos confirmar observando que, ao mudarmos de meio, de sociedade, de século ou de cultura notamos a existência de idéias de direito próprias daqueles contextos e aceitas de forma expressa ou, pelo menos, tacitamente admitidas por aquela sociedade. Os cientistas do direito buscaram descobrir ao longo dos tempos a verdadeira teoria da justiça e alguns, dentre eles Hans Kelsen, empenharam-se em purificar o Direito de todas as influências externas na busca de uma Ciência Pura do Direito. Este estudo direcionado da ciência jurídica, abstraído dos outros fatores, leva a uma noção dos conceitos e das teorias não questionador de suas causas mediatas e pode levar o cientista a uma conclusão incorreta, muito embora a delimitação do campo de atuação dos cientistas jurídicos seja de grande valia utilitarista, mas não comporta os questionamentos sobre a aplicação prática e busca de resultados efetivos no campo de atuação. Não reconhece, tão pouco, a influência direta dos outros fatores na transformação do direito e o feedbadk deste com os outros fatores.

Analisamos a evolução dos direitos fundamentais nas últimas gerações baseados nos valores liberdade, passando para os valores econômicos, sociais e culturais, até o valor solidariedade que visa amparar interesses relativos a toda a comunidade. Além da necessidade de se partir para uma análise mais ampla destas implicações, sem neutralidades absolutas, o estudioso da teoria da justiça precisa estar convicto de sua função transformadora e recriadora do Direito, fazendo uma eterna comunicação dialética, um ir e vir de comportamentos levando a soluções cada vez mais justas.

O caminho para a justiça é ainda mais longo se compreendermos a necessidade de construirmos um mundo com pessoas livres e racionais, admitindo uma condição de igualdade ampla, irrestrita, ´libertando´ os oprimidos dos dominadores que, uma vez conscientes, irão se sentir oprimidos por dominar, por sua completa ignorância do valor liberdade. Esta liberdade abrange não só a plena eficácia dos direitos fundamentais, assegurados judicialmente, mas também a concepção do bem, do justo, do moral e do mínimo ético. Necessário portanto que o estudioso do Direito possua esta visão crítica e abrangente, não se limitando ao estudo normativista puro e socorrendo-se dos subsídios sociais, políticos, econômicos e culturais, estudados no tempo e no espaço de forma ilimitada, assumindo a função recriadora do Direito na sociedade.


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NOTAS

1 REALE, Giovanni. ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do romantismo até os nossos dias São Paulo: Edições Paulinas, 1991, p. 990.

2 MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. A ciência do direito: conceito, objeto, método. Rio de Janeiro: Forense, 1982.

3 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 18.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

4 in Introdução Crítica ao Direito. Lisboa: Editora Estampa, 1994, p. 274.

Sobre a autora
Lais Vieira Cardoso

Analista judiciária do TRT da 15ª Região, professora universitária do Centro Universitário Moura Lacerda, Mestre em Direito das Obrigações Público e Privado pela UNESP de Franca e especialista em Direito Tributário pela PUC Campinas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Lais Vieira. Por uma visão crítica do Direito:: análise da evolução da Ciência do Direito e dos direitos de nova geração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -1034, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16. Acesso em: 21 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho baseado nas aulas de mestrado em Direito do primeiro semestre de 2000 da UNESP Campus de Franca, na matéria Teoria Geral do Direito ministrada pelo Prof. Dr. Antônio Alberto Machado,

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