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Violência urbana: responsabilidade policial?

Agenda 01/04/1999 às 00:00

Ao iniciarmos este bate-papo sobre violência, não poderia furtar-me em citar a obra do professor francês Albert Camus, intitulada "A Peste", datada de 1947. Vê-se nesta obra a descrição de um vilarejo, o qual é assolado por uma epidemia de determinada doença incurável para aquela época. Descreve em pormenores o pânico causado pelas mortes ocorridas, desde crianças até os mais velhos daquela localidade. Porém, aos poucos os moradores foram tornando-se imunes ao pânico, isto é, não mais se impressionavam com a quantidade enorme de óbitos.

Virou uma rotina de desgraça... tornou-se normal... ninguém mais se importava ou buscava soluções, como se todos estivessem anestesiados, não mais se incomodando com tantas mortes.

Em uma comparação grosseira é assim que vejo a violência em nosso país – arrasadora, mas que não nos comove mais. Achamos isso quase uma normalidade de fatos do dia a dia . São jornais e noticiários nos reapresentando a violência em todos os turnos do dia. Sim, a nossa velha conhecida violência. Este último carnaval (1999) só nos ratificou este pensamento.

Na cidade de São Paulo num único fim-de-semana contabilizaram-se 61 homicídios. "Até que não foi tanto neste final de semana", diz seu Pedro, morador antigo da capital paulista.

Todos estamos anestesiados frente a violência. Isso é um fato!


Violência Urbana – Caso de polícia?

Como se estuda a violência urbana e sua solução?

Não adentrarei ao mérito da questão familiar, ou seja, a responsabilidade da família na formação do caráter, nem tampouco na importância da escola junto a criança. Limitar-me-ei ao estudo sob o prisma de um técnico de segurança pública e não a de um sociólogo, ofício este que não possuo.

De início quebremos os pensamento e entendimento aritmético sobre o assunto. Digo isto porque em uma análise da violência urbana, a grande maioria dos "entendidos" limitam-se ao estudo matemático da questão, sem levar em consideração outras variáveis tão ou mais importantes.

Estas pessoas enxergam a solução da violência urbana no maior ou menor número de policiais na rua. Mas, pergunto: Será que o infrator mudará de comportamento intrínseco quando avistar um policial? Permitam-me responder: NÃO! Ora, ele simplesmente modifica o local, o horário, a vítima, mas o seu intento ainda não mudou.... percebem? Ele continua sendo um criminoso querendo delinqüir.

E cá entre nós – não há como deixar um policial em frente a cada residência, primeiro porque é humanamente impossível e segundo porque muitas das vezes o delinqüente pratica o ato delituoso independentemente da presença de segurança (pública ou privada).

Carlos Alberto de Camargo, coronel da PMSP, assevera com muita propriedade em seu discurso e diz que quanto mais a polícia trabalha, quanto mais prende criminosos, quanto mais apreende drogas, quanto mais desmascara quadrilhas, quanto mais mostra serviço – mais demonstra à sociedade que o problema da violência urbana não depende só dela, e antes de tudo, deve ser atacado nas suas causas. Ensina ainda que a atuação da polícia compara-se àquele que enxuga o chão com a torneira aberta.

Não foi por acaso que o norte-americano William Bratton Jack Maple executou na cidade de New York um plano de cunho sócio-econômico no escopo de diminuir a violência presente nesta metrópole. Repito não tratou-se de um estratagema policial, mas sim de um programa social. Por fim William obteve pleno êxito, reduzindo drasticamente os índices de criminalidade, isto é, a violência decresceu em larga escala.

Plano policial ? Não – Programa social !


Violência Urbana – Quanto custa?

De ver-se a lei da física que prescreve que a toda ação corresponde uma reação. Assim, não poderia ser diferente no aspecto sociológico, mormente, quando nos referimos a violência urbana em latu sensu.

Neste último ano o Banco Interamericano de Desenvolvimento publicou um estudo informando que a violência custa ao Brasil a cifra de R$ 84 bilhões, o que eqüivale a 10% do PIB aproximadamente. Esse custo é determinado por meio do valor perdido em capital humano, isto é, pessoas assassinadas, mutiladas, debilitados que não puderam produzir em seus respectivos empregos devido à violência sofrida. Ainda computou-se os gastos despendidos na repressão pública ou privada. Estima-se, v.g., que somente no Estado de São Paulo exista uma polícia privada ( refiro-me as empresas de segurança) com efetivo de mais de 100.000 homens, superando inclusive o efetivo da força policial estatal (Polícia Militar do Estado de São Paulo)... isso tudo, friso novamente, custa dinheiro.

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Conclui-se neste estudo que inflação, falta de poupança e dólares não são óbices principais do desenvolvimento econômico de uma região. Um dos grandes obstáculos é a VIOLÊNCIA.

Para enriquecer os dados apresentados, cito Marcos Cintra, doutor em economia pela Universidade de Harvard (EUA), o qual informa que as 500 maiores empresas de segurança patrimonial gastam por ano quase US$ 3 bilhões. Bancos despendem R$ 1 bilhão por ano contra os possíveis assaltantes. E ainda, as empresas de transporte de carga não encontram mais cobertura de seguros contra roubo e perdem aproximadamente R$ 250 milhões nos mais de 3 mil roubos de suas cargas.

Se tivermos o capricho de compararmos tais numerários com o investimento junto `a área de educação e segurança, todos nós ficaríamos decepcionados.

Não pretendo aqui vender a imagem de que violência representa somente números, até porque diria o romancista inglês Arthur Koestler "as estatísticas não sangram..." Longe disso! Sinto-me apenas do dever de contabilizar o fato e demonstrar que a violência é um retrocesso, uma chaga, um desafio a ser vencido – e urgente.


Últimas Palavras

Há, portanto , a urgente necessidade de se adotarem políticas governamentais mais eficientes, principalmente na área social e educacional, de modo a propiciar um verdadeiro diagnóstico dos problemas encontrados relacionados a criminalidade e violência. A experiência alheia comprova : Polícia não se faz com policiamento... é algo muito mais complexo.

Não se pode olvidar, como já se adotaram em alguns países do mundo, do Canadá à conflituosa Irlanda do Norte, passando pelos EUA e Grã-Bretanha , o "civilian oversight" , isto é, o controle da polícia pelos cidadãos, tal qual já vem ocorrendo em alguns de nossos Estados do território nacional, através das ouvidorias de polícias. Isto significa que a polícia também precisa ser diagnosticada em seus erros e corrigida.

Por último cito Paulo Sérgio Pinheiro, coordenador do núcleo de estudos de violência da USP, o qual ensina que criminalidade não se baixa no cano do revólver, mas na política de recursos humanos e avaliação de desemprego adequada, infra-estrutura adequada, policiais bem formados e bem pagos , para assim, trabalhar as informações e definir metas e estratégias de atuações eficientes.

É isso!

Sobre o autor
Rodrigo Kurth Quadro

tenente da Polícia Militar de Santa Catarina, em Rio do Sul (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUADRO, Rodrigo Kurth. Violência urbana: responsabilidade policial?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 30, 1 abr. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1600. Acesso em: 23 dez. 2024.

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