Excelentíssimo Senhor
Procurador-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul:
Representação por inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.826, de 14 de dezembro de 2.000.
As Promotorias de Justiça do Meio Ambiente, do Consumidor e da Habitação e Urbanismo desta Comarca de Campo Grande, órgãos de execução do Ministério Público Estadual, vêm à presença de Vossa Excelência, com supedâneo no que prescrevem os artigos 102, I, "a", 125, § 2º, 127, caput, e 129, incisos II e IV, da Constituição Federal; artigos 114, II, "e", 123, inciso III, 126, caput, e 132, incisos II e IV, da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul; artigos 25, inciso VI, e 27, inciso I e IV, da Lei 8.625, de 12.02.93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); artigos 1º e 5º da Lei 7.347/85; e na Lei 8.078/90; fazer a presente REPRESENTAÇÃO visando a tutela da ordem jurídica e dos interesses sociais e difusos, nos seguintes termos:
I. Da invasão da competência legislativa da União e do Estado - inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.826/00:
Em relação a urbanismo (aí incluído o parcelamento do solo urbano), a competência legislativa dos municípios é supletiva à competência da União e dos Estados, de modo que as leis municipais não podem contrariar nem a lei federal nem a estadual nesta matéria, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade formal. A essa conclusão se chega pela leitura dos dispostos nos artigos 24, I e 30, II e VIII, da Constituição Federal e 17, II e VII da Constituição Estadual, cabendo salientar que o disposto nos incisos VIII da CF e VII da CE dos referidos artigos 30 e 17, que devem ser implementados conforme previsão contida no artigo 182 da Carta Magna, dizem respeito à competência administrativa do Município e não à competência legislativa.
Embora, em face do que dispõe os artigos 30, I, da CF e 17 I da CE, que dão competência ao Município para legislar sobre assuntos de interesse local, pareça que também em questão de Urbanismo sua competência seja ilimitada, assim não o é, em razão do que dispõe o já mencionado artigo 24, I, da Lei Maior e 30 II da Carta Estadual.
Eis, para conferência e análise, o teor dos referidos artigos:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e URBANÍSTICO;
(....).
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
(....);
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, sub-utilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais".
Consta, por sua vez, da Constituição Estadual:
"Art. 17. Compete aos Municípios:
(....);
II - suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
(...)
VII - promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano".
Pela leitura do artigo 17, em conjunto com os artigos 4º, 22 e 28(1), todos da Lei Federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano, chega-se a conclusão de que os bens de uso comum do povo (áreas verdes(2) e áreas institucionais: espaços destinados aos equipamentos urbanos(3) e equipamentos comunitários(4) e espaços livres, vias de comunicação, parques, jardins, praças(5), áreas de lazer ou recreio e de sistema de circulação de veículos, pedestres e semoventes, áreas destinadas a edifícios públicos) existentes em um loteamento urbano não podem ser objeto de desafetação e, portanto, não são suscetíveis de alienação ou de cessão de direito de uso ou cessão de direito real.
A proteção às áreas reservadas nos loteamentos para uso comum do povo é tradição no ordenamento jurídico pátrio. "Assim foi ao tempo do Decreto-lei 58/37, que tornava inalienáveis as vias de comunicação e os espaços livres constantes do memorial e planta, quando da inscrição do loteamento (art. 3º). Seu sucessor o Decreto-lei 271/67, no art. 4º, dispôs que as vias, as praças e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, com a inscrição do loteamento passavam a integrar o domínio público do município"(6).
Para demonstrar o acerto desta afirmação, traz-se à colação decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça a respeito de caso semelhante, "in verbis":
"O Excelentíssimo Senhor Ministro Adhemar Maciel (Relator):
Senhor Presidente, o recurso não merece prosperar.
Começo por analisar a pretensa violação do art. 17 da lei n. 6.766/79.
(....).
Os planos de urbanização e os planos habitacionais devem ater-se às diretrizes das normas de direito federal e estadual. Ademais, ao revogar seus atos, não pode a Administração assentar a decisão em conceitos vagos e imprecisos como "interesse público". Esse termo nada esclarece, nada motiva, nada acrescenta, pois, como é sabido, a finalidade imediata do ato administrativo deve ser sempre o interesse público.
Estatui o referido dispositivo legal:
´Art. 17. Os espaços livres de uso comum, vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de caducidade de licença ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas as exigências do art. 23 desta lei´.
Insurge-se recorrente contra a interpretação que considerou tal dispositivo aplicável também ao Município. Não se resta duvida que a norma se dirige prioritariamente ao incorporador. A questão de fundo está, no entanto, em saber-se se a finalidade da estatuição legal não revela alguns princípios que devem ser aplicados à Administração. Para tanto, creio que o problema se desdobra em duas questões: qual o espírito da norma em apreço, e a questão da autonomia da administração municipal para alterar a destinação do bem público, depois que fica incorporado ao patrimônio do Município.
O art. 17 não pode ser compreendido isoladamente. Ao contrario, impõe-se uma interpretação sistemática com os arts. 4º, 22 e 28 do mesmo diploma.
O Legislador determinou no art. 22 da lei n. 6.766;79 que:
´Art. 22 desde a data de registro do loteamento, passam a integrar domínio do município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto do memorial descritivo.´
Essa estatuição pretendeu, sem dúvida, vedar o poder de disponibilidade do imcorporador sobre essas áreas. Coloca-as, portanto, sobre a tutela da Administração municipal de forma a garantir que não terão destinação diversa. Este parece ser o espirito da lei. De outra forma, estaria a norma legalizando uma desapropriação indireta ou, pior, permitindo o confisco por parte do poder público. Por outro lado, visa, também, aumentar também o patrimônio comunitário, pois esta é a utilidade e função social dos bens públicos de uso comum do povo, a de servirem os interesses da comunidade.
Essa tese é reforçada por analise teleológica do art. 17 com o art. 4º mesmo diploma legal.
´Art. 4º Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:
I - As áreas destinadas a sistema de circulação, a implantação de equipamentos urbanos e comunitário, bem como espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista para a gleba, ressalvando o disposto no § 1º deste artigo.
II - Omissis
III - Omissis
IV - As vias de loteamento deverão articular-se com as vias adjacentes oficiais, existentes ou projetadas, e harmonizar-se com a topografia local.
§ 1º A percentagem de áreas públicas previstas no inciso I deste artigo não poderá ser inferior a 35% (trinta e cinco por cento) da gleba, salvo nos loteamentos destinados a uso industrial cujo lotes maiores do que 15.000m2 (quinze mil metros quadrados), caso em que a percentagem poderá ser reduzida.
§ 2º Consideram-se comunitários equipamentos públicos de educação, cultura , saúde, lazer e similares.´
Esse dispositivo destaca os pressupostos mínimos do loteamento relativamente às áreas de uso comum, cuja fiscalização depende da municipalidade.
Exige, portanto, que o loteador destaque áreas mínimas, tendo em vista a comodidade da população, saúde e a segurança da comunidade. Portanto, embora a norma se dirija ao loteador, parece-me, mais uma vez, que a idéia que lhe é subjacente é a de proteger os interesses administrativos, outorgando ao poder público essa tutela.
Existe, em relação a esses bens, uma espécie de separação jurídica entre o sujeito de direito da propriedade, o Município, e o seu objeto, a comunidade. Assim, embora a norma jurídica em apreço se dirija ao loteador, retirando-lhe de forma expressa o poder de disponibilização sobre praças, ruas e áreas de uso comum, a razão de ser da norma, isto é, o seu espírito, cria limitações à atuação do Município, pois, a Administração que fiscaliza não pode violar a norma.
Como salientei, o objetivo da norma jurídica é vedar ao incorporador a alteração das áreas destinadas à comunidade. Portanto, não faz sentido, exceto, em casos especialíssimos, possibilitar à administração a fazê-lo. No caso concreto as áreas foram postas sob a tutela da administração municipal, não com o propósito de confisco, mas como forma de salvaguardar o interesse dos administrados, em face de possíveis interesses especulativos dos incorporadores. Ademais, a importância do patrimônio público deve ser aferida em razão da importância da sua destinação. Assim, os bens de uso comum do povo possuem função ut universi. Constituem um patrimônio social comunitário, um acervo colocado à disposição de todos. Nesse sentido, a desafetação desse patrimônio prejudicaria toda uma comunidade de pessoas, indeterminadas e indefinidas, diminuindo a qualidade de vida do grupo. Dessarte, existe uma espécie de hierarquia de bens públicos, consolidada não em face do seu valor monetário, mas segundo a relação destes bens com a comunidade. Por isso, não me parece razoável que a própria Administração diminua sensivelmente o patrimônio social da comunidade. Prática, alias, vedada por lei, pois o artigo 4º impõe áreas mínimas para os espaços de uso comum. Incorre em falácia pensar que a Administração onipotentemente possa fazer, sobre a capa da discricionariedade, atos vedados ao particular, se a própria lei impõe a tutela desses interesses.
Não houve, no meu entender, violação do art.17 da lei 6.766/79.
Não conheço do recurso, também, sob a assertiva de violação do art. 1º, I, da Lei n.7.847/85. No recurso especial, a recorrente não impugnou o cabimento da ação civil pública como meio idôneo para atacar o ato administrativo municipal, questão de direito, mas a própria decisão de mérito. Ademais, o meritum causae envolve a apreciação de matéria probatória. Na verdade, ao decidir que a desafetação das áreas verdes e praças provoca o desequilíbrio na qualidade de vida dos moradores, o acórdão alicerçou as suas razões de decidir tendo em conta as provas acostadas nos autos. Ora, na apreciação do recurso especial, a matéria fática é oferecida pelas instâncias ordinárias . incide, in casu , a Súmula n. 07/STJ.
Com estas considerações, não conheço o recurso.
É como voto.(7)" (Recurso Especial nº 28.058 (92.025543)- São Paulo)
O direito da comunidade de não ter áreas de loteamento desafetadas é tão importante e as lesões daí oriundas são tão sérias e graves e os desmandos são tão freqüentes que o legislativo paulista, para colocar um basta em tão absurda lesão ao direito da população urbana, principalmente da mais carente e vulnerável, fez constar na atual Constituição Estadual, mais precisamente em seu artigo 180, inciso VII, que "as áreas definidas em projeto de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão, em qualquer hipótese, ter a sua destinação, fim e objetivos originariamente estabelecidos alterados".
Estudo desenvolvido pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo do Estado de São Paulo e levado a público por meio do Artigo intitulado "BENS PÚBLICOS DE LOTEAMENTOS E SUA PROTEÇÃO LEGAL" (doc. em anexo e já citado acima), da lavra do eminente Promotor de Justiça do Ministério Público paulista José Carlos de Freitas, confirma, com grande percuciência, o que até aqui foi dito, tornando-se imprescindível a transcrição da parte que ora interessa:
NATUREZA JURÍDICA E FINALIDADE DOS BENS DE USO COMUM DO POVO ORIGINADOS DE LOTEAMENTOS
20. As áreas definidas em projeto de loteamento, que se transformam em bens de uso comum do povo quando surgem com a inscrição ou registro de um parcelamento do solo no ofício predial (art. 3º, Decreto-lei 58/37; art. 4º, Decreto-lei 271/67; art. 22, Lei 6.766/79), são inalienáveis e imprescritíveis por natureza (arts. 66, I, e 67 do Código Civil; art. 183, § 3º, Constituição Federal).
21. Para a doutrina de CARVALHO SANTOS ("Código Civil Brasileiro Interpretado", vol. II, 11ª edição, pág. 103), PONTES DE MIRANDA ("Tratado de Direito Privado", Parte Geral, vol. II, ed. Borsoi, 1990), PAULO AFFONSO LEME MACHADO ("Direito Ambiental Brasileiro", Malheiros Editores, 4ª edição, pág. 254) e HELY LOPES MEIRELLES ("Direito Administrativo Brasileiro", 20ª edição, Malheiros Editores, págs. 428/9), os bens de uso comum do povo pertencem ao domínio eminente do Estado (lato sensu), que submete todas as coisas de seu território à sua vontade, como uma das manifestações de Soberania interna, mas seu titular é o povo. Não constitui um direito de propriedade ou domínio patrimonial de que o Estado possa dispor, segundo as normas de direito civil. O Estado é gestor desses bens e, assim, tem o dever de sua vigilância, tutela e fiscalização para o uso público. Afirma-se que "o domínio eminente é um poder sujeito ao direito; não é um poder arbitrário" (HELY LOPES MEIRELLES - obr. cit., pág. 429).
22. Sua fruição é coletiva, "os usuários são anônimos, indeterminados, e os bens utilizados o são por todos os membros da coletividade - uti universi - razão pela qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou a privilégios na utilização do bem: o direito de cada indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou no suportar os ônus dele resultantes" (HELY L. MEIRELLES, ob. cit.,pág. 435).
23. Numa acepção de Direito Urbanístico, existem bens afetados a cumprir específicas funções sociais na cidade (habitação, trabalho, circulação e recreação), caracterizando-se como espaços não edificáveis de domínio público:
"Encontramos, assim, espaços não edificáveis em áreas de domínio privado, como imposição urbanística, e espaços não edificáveis de domínio público como elementos componentes da estrutura urbana, como são as vias de circulação, os quais se caracterizam como áreas ´non aedificandi´, vias de comunicação e espaços livres, áreas verdes, áreas de lazer e recreação" (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Direito Urbanístico Brasileiro" - Malheiros Editores, 2ª ed., pág. 242).
24. Assim, as vias urbanas visam à circulação de veículos, pedestres e semoventes. As praças, jardins, parques e áreas verdes destinam-se à ornamentação urbana (fim paisagístico e estético), têm função higiênica, de defesa e recuperação do meio ambiente, atendem à circulação, à recreação e ao lazer.
Pode-se dizer que as chamadas áreas institucionais (em que se incluem os espaços livres: JTJ-LEX 154/269), são afetadas para comportar equipamentos comunitários de educação, cultura, saúde, lazer e similares.
25. HELY LOPES MEIRELLES identifica os espaços livres e áreas verdes nos loteamentos como limitações do traçado urbano voltadas à salubridade da cidade ("Direito de Construir", Malheiros Editores, 6ª edição, 1994, pág. 102). PAULO AFFONSO LEME MACHADO acentua nas praças seu caráter sanitário, como elemento de direito urbanístico e instrumento de proteção à saúde ("Direito Ambiental Brasileiro", Malheiros Editores, 4ª edição, pág. 252) e JOSÉ AFONSO DA SILVA lembra que elas se prestam a exercitar o direito de reunião (art. 5º, XVI, CF), para fins religiosos, cívicos, políticos e recreativos ("Direito Urbanístico Brasileiro" - Malheiros Editores, 2ª ed, pág.181).
26. Enfim, são bens predispostos ao interesse coletivo e que desfrutam de especial proteção para que sua finalidade urbanística não seja desvirtuada por ação do Estado ou de terceiros (v.g. esbulho), pois qualificam-se pela:
a) inalienabilidade peculiar (art. 3º, Decreto-lei 58/37: vias de comunicação e espaços livres de loteamentos/arruamentos);
b) indisponibilidade e inalterabilidade de seu fim pelo parcelador (art. 17, Lei 6.766/79: espaços livres, vias e praças, áreas institucionais) ou pelo Poder Público (art. 180, VII, Constituição do Estado de São Paulo: áreas verdes e institucionais);
27. Bem por isso, já se reconheceu a impossibilidade de desafetação desses bens (Ap. Cível 205.577-1 - Presidente Venceslau - 3ª Câm. Civil TJSP, Rel. Des. Alfredo Migliore, j. 07/06/94, v.u. in JTJ/LEX 161/130; Aç. Dir. Inconst. 17.067-0 - São José dos Campos - Sessão Plenária do TJSP, Rel. Des. Bueno Magano, j. 26/05/93, v.u. in JTJ/LEX 150/270; Aç. Dir. Inconst. 16.500-0 - Quatá - Sessão Plenária do TJSP, Rel. Des. Renan Lotufo, j. 24/11/93, m.v. in JTJ/LEX 154/266), ainda que seja para fins de educação, como a construção de escola pública municipal (JTJ-LEX 152/273), posto que são inalienáveis a qualquer título (RT 318/285).
28. Recentemente, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO acentuou a impossibilidade de concessão de direito real de uso sobre áreas verdes e institucionais de loteamento, com base no princípio básico e protetivo do art. 180, VII da Constituição Estadual (Apelação nº 192.179-1/7 - Birigui - 1ª Câm. Civil, Rel. Des. Alexandre Germano, j. 03/08/93, v.u.; Apelação 201.894-1/8 - Birigui - 6ª Câm. Civil, Rel. Des. Melo Colombi, j. 03/02/94, v.u.; Apelação 223.202-1/2 - Birigui - 1ª Câm. Civil, Rel. Des. Roque Mesquita, j. 28/03/95, v.u; Apelação nº 270.573-1/3 - Dracena - 1ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Ruy Coppola, j. 05/03/96, v.u.).
29. E mesmo que não tenham sido implantados os parques, jardins, áreas verdes e afins, "nada altera para eles a proteção criada pela legislação dos loteamentos, na medida em que a tutela ecológica se faz não só em relação à situação fática presente, mas também visando a implantação futura dos melhoramentos ambientais", pois, caso contrário, "estar-se-á em franca afronta à proteção do meio ambiente, no que ele tem de maior realce para a vida cotidiana das pessoas, isto é, o meio ambiente urbano, pondo por terra a garantia dos cidadãos, já tão frágil e incompleta, de viverem em condições mais favoráveis (ou menos desfavoráveis) de salubridade" (Ap. Cível 167.320-1/3, 5ª Câm. Civil TJSP, Re. Des. Marco César, j. 07/05/92, v.u., in RT 684/79-80 ou RJTJESP-LEX 138/26).
A Corregedoria Geral da Justiça, através do Desembargador José Alberto Weiss de Andrade, em sede de cognição registrária, deliberou que é vedada a averbação de desafetação dessas áreas públicas (C.G. 83/93 - Fernandópolis - j. 17/11/93; C.G. 130/93 - Sorocaba - j. 17/11/93).
30. Apenas para ilustrar o posicionamento da jurisprudência antes referida, reproduzimos ementas e fragmentos de julgados, alguns já citados:
Acórdão 01
"INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal - Propriedade destinada ao sistema de lazer transformada em área explorada pelo comércio, clubes de serviço e indústrias não poluentes, mediante concessão gratuita - Transferência do imóvel à categoria dos bens alienáveis - Violação do artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual - Norma constitucional estadual decorrente do Poder Constitucional Derivado - Área institucional - Suspensão da execução da lei - Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade da lei - Votos Vencedores e Vencido.
BENS PÚBLICOS - Área destinada ao sistema de Lazer - Concessão para exploração do comércio, clubes de serviço e indústrias - Possibilidade de conversão em doação - Área originariamente destinada à implantação de um conjunto habitacional - Loteamento pertencente ao município desde a data de seu registro - Uso comum do povo- Lei 6766/79 - Configuração da área como equipamento comunitário - Área institucional - Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade da lei - Votos vencedores e vencido.
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 16.500-0 - São Paulo Requerente: Procurador-Geral de Justiça
Requeridos: Prefeito Municipal de Quatá e outro.
Rel. Des. Renan Lotufo - j. 24/11/93 - JTJ, Lex, 154/266
Acórdão 02
"Ação Civil Pública. Lei Municipal que estabeleceu concessão de uso por tempo indeterminado e a título gratuito de imóvel previsto em loteamento como destinado a área verde. Inconstitucionalidade. Anulação dos atos decorrentes. Sentença mantida."
Loteamento "Novo Jardim Stabile" - Birigui
Associação de Senhoras de Rotarianos do Rotary Clube XIX de Abril de Birigui.
Apelação 223.202-1/2 - Birigui - 1ª Câm. Civil
Rel. Des. Roque Mesquita - j. 28/03/95 - v.u
Acórdão 03
"Ação civil pública movida pelo Ministério Público contra a Prefeitura Municipal de Birigüi e contra a Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas - Regional de Birigüi, julgada procedente pela sentença de fls. 107/123, que anulou lei municipal que concedeu direito real de uso, em favor da Associação, de área destacada de área verde dos loteamentos Jardim Stábile e Jardim Bela Vista. (...)
Acertadamente o d. Magistrado acolheu o pedido e anulou a concessão do direito real de uso outorgado pela Municipalidade de Birigüi em favor da Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas - Regional de Birigüi, da área de 2.704,35 metros quadrados, destacada da área verde dos loteamentos Jardim Stábile e Jardim Bela Vista. Em face do disposto no art. 180, VII da Constituição do Estado e do art. 141, VII da Lei Orgânica do Município de Birigüi, não poderia subsistir a Lei Municipal nº 2.717, de 19.09.90, lei de efeitos concretos, lei sob o aspecto formal, ato administrativo sob o aspecto material, como enfatizado na sentença.
Com efeito, dispõe o citado preceito da Constituição Estadual, aliás repetido pela Lei Orgânica daquele Município, que no estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão que "as áreas definidas em projeto de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão, em qualquer hipótese, ter alterados sua destinação, fim e objetivos originariamente estabelecidos".(...)
Não se trata de questionar os méritos e bons propósitos que a Associação possa reunir, para que a Municipalidade lhe faça a doação de uma área destinada à construção de sua sede. Em face da vedação constitucional, nenhuma entidade, pública ou particular, nem mesmo a própria Municipalidade de Birigüi poderia construir nesse local, o que importaria em alterar a sua destinação, com a conseqüente desafetação de área pertencente à área verde de loteamentos."
Apelação Cível nº 192.179-1/7 - Birigüi - 1ª Câm.
Rel. Alexandre Germano - j. 03/08/93
Acórdão 04
"Ação Civil Pública - Objetivo: compelir a Municipalidade a usar os meios judiciais e extrajudiciais para repelir a turbação, o esbulho e a indevida utilização de áreas públicas invadidas - Proteção ao patrimônio público - Preservação do meio ambiente - Sentença mantida - Recurso não provido."
Apelação 261.8OO-2/3 - São Paulo - j. 03/10/95 - 17ª Câmara - v. u.
Rel. Des. Ribeiro Machado
Loteamento: Altos de Vila Prudente
Entetra Engenharia e Territorial Trabulsi
Apelante: Municipalidade de São Paulo
Apelado: Ministério Público
Acórdão 05
INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal - Desafetação de áreas verdes definidas em projeto de loteamento - Inadmissibilidade - Violação ao artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade declarada.
A desafetação do bem e sua inclusão na categoria de bens alienáveis constitui operação legislativa normal, prevista no artigo 67 do Código Civil. Há necessidade, porém, de a lei subordinar-se à lei maior, para obter legitimidade.
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 17.067-0 - São Paulo
Requerente: Procurador-Geral de Justiça
Requeridos: Prefeito do Município de S.José dos Campos e outra
Rel. Bueno Magano - j. 26/05/93 - JTJ, Lex, 150/270
Acórdão 06
INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal - Desafetação de áreas verdes definidas em loteamento - Inadmissibilidade - Violação ao artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade declarada.
As áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão, em qualquer hipótese, ter sua destinação, fins e objetivos, originariamente estabelecidos, alterados."
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 18.103-0 - São Paulo
Rel. Des. Rebouças de Carvalho - JTJ, 161/170
Acórdão 07
"Implantados os loteamentos designados como Parque Residencial Nelson Calixto e Parque Residencial Américo, os espaços livres e áreas verdes e institucionais neles contidos, passaram a integrar o domímio público da Municipalidade de Birigui. Nos termos da regra contida nos arts. 17 e 22 da Lei 6.766/79, passaram a constituir-se em bens de uso comum do povo.
As áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes e institucionais não poderão, em qualquer hipótese, ter sua destinação, fim e objetivos originalmente estabelecidos, posteriormente alterados, nos termos do disposto no art. 180, VII, da Constituição Estadual vigente. (...)
Ademais, a Lei 6.766/79 proíbe a alteração da destinação das áreas verdes e institucionais, após a aprovação e registro de loteamentos urbanos (art. 4º, I, parágrafo 1º e 28).
Em consequência, as áreas verdes e institucionais dos loteamentos em questão, considerados como bens comuns de uso do povo não podem ser objetos de desafetação e alienação porque altera a destinação originariamente estabelecida nos projetos regularmente aprovados e registrados"
Apelação Cível nº 201.894-1/8 - Birigui
Rel. Melo Colombi - j. 03/02/94 - v.u.
Acórdão 08
"INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal - Desafetação de áreas de uso comum do povo para integrar a categoria de bem dominial - Inadmissibilidade - Hipótese de área institucional - Artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual - Ação procedente.
Destinada uma área para determinada finalidade, defeso é ao Município a alteração desta, ainda que tal se revista dos mais altos propósitos"
"Portanto, a área em questão transferida que foi para o domínio público do Município, passou a integrar o seu patrimônio, com destinação específica, classificada como entre os bens de uso comum do povo. Trata-se, pois, de área institucional.
Áreas com tal destinação são, evidentemente, áreas institucionais, posto que instituídas, por disposição legal, pelo loteador, com fim comunitário e de utilidade pública. São áreas reservadas para o fim específico de instalação de equipamentos de lazer, em prol da comunidade local.
Ora, a Constituição Estadual, no artigo 180, inciso VII, dispõe que "as áreas definidas em projeto de loteamento como áreas verdes ou institucionais, não poderão, em qualquer hipótese, ter sua destinação, fim e objetivos originariamente estabelecidos alterados"
Dessa maneira, destinada determinada área, com o fim específico, de forma regular, a determinada finalidade, defesa é ao município a alteração desta, ainda que tal, como no caso, se revista dos mais altos propósitos, por estar voltada para a educação, cujo projeto, entretanto, sempre se poderá valer de áreas não reservadas, das muitas que evidentemente possui o município."
Ação Direta de Inconstitucionalidade n . 15.893-0 - TJSP
Rel. Nelson Fonseca - j. 24/11/93 - JTJ, LEX, 152/273
Acórdão 09
Ação Civil Pública. Objetivo. Proteção ao patrimônio público. Viabilidade do instrumento processual utilizado. Artigo 5º da Lei Federal 7.347/85, artigo 117 da Lei Federal 8078/90 e artigo 5º, inciso LXXIII da Constituição Federal.
Bens Públicos. Desafetação de área de uso comum do povo para área dominial. Concessão de direito real de uso, a título gratuito, a empresa privada, para construção de mercado. Destinação e fins específicos que não podem ser alterados.
Violação ao artigo 180, inciso VII da Constituição Estadual. Anulação da Lei Municipal que autorizou a cessão.
Inconstitucionalidade decidida incidentalmente.
Desnecessidade de ação direta.
Recursos improvidos
Apelação Cível nº 270.573-1 - Dracena - j. 05/03/96 - v.u.
1ª Câmara de Direito Público
Apelante: Município de Dracena
Apelado: Ministério Público
Recorrente: Juízo "ex officio"
Relator: Ruy Coppola
Acórdão 10
LOTEAMENTO - Áreas reservadas - Inalienabilidade - Bens de uso comum do povo - Desincorporação e doação a empresas para a construção de instalações industriais e comerciais - Alteração do meio ambiente - Objeto próprio da ação civil pública - Recurso provido para julgar a ação procedente.
Mesmo em se admitindo que a implantação real de jardins e praças ainda não tenha ocorrido, em loteamentos legalmente instituídos, nada altera para eles a proteção criada pela legislação dos loteamentos, na medida em que a tutela ecológica se faz não só em relação à situação fática presente, mas também visando à implantação futura dos melhoramentos ambientais.
Apelação nº 167.320-1/3 - Marília - 5ª Câm. TJSP - j. 07/05/92 - v.u.
Rel. Des. Marco César - RT 684/79
Acórdão 11
MINISTÉRIO PÚBLICO - Legitimidade de parte ativa - Ação civil pública - Preservação do patrimônio público - Artigo 129, inciso III, da Constituição da República - Preliminar rejeitada.
BENS PÚBLICOS - Desafetação de área - Doação para posterior loteamento - Inadmissibilidade - Destinação prevista em lei - Ofensa à Lei Federal 6.766, de 1979 - Ação procedente - Recurso não provido.
MUNICÍPIO - Obrigação de não fazer - Pena de preceito - Imposição - Desnecessidade - Fixação que só penalizaria os contribuintes - Recurso provido para esse fim.
Apelação Cível nº 205.577-1 - Presidente Venceslau - 3ª Câm. TJSP - v.u.
Recorrente: Juízo "ex officio"
Apelante: Municipalidade
Apelado: Ministério Público
Rel. Des. Alfredo Migliore - j. 07/06/94 - JTJ, Lex, 161/130"
Apesar da proibição contida no artigo 17 da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, o Município de Campo Grande criou - em evidente e clara violação aos preceitos constitucionais supra declinados - a Lei Municipal nº 3.826, de 14 de dezembro de 2.000, que "Autoriza o Poder Executivo a desafetar, desdobrar, alienar ou permutar as áreas de domínio público municipal que menciona", dentre as quais se encontram inúmeras áreas verdes e áreas institucionais existentes em loteamentos de Campo Grande.
Para comprovação do que se diz, transcreve-se desde já o teor dos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da referida lei:
"Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a desafetar, parcelar e alienar, para fins de Loteamento Social, na forma da Lei Municipal 2.223, de 08 de outubro de 1984, as áreas ocupadas e localizadas nesta Capital, com as seguintes características:
(....).
Art. 2º - Fica o Poder Executivo autorizado a desafetar, desdobrar e alienar os excessos de áreas públicas existentes em lotes de terrenos localizados na área do rocio do município, descritos neste artigo, com as seguintes características:
(....).
Art. 3º - Fica o Poder Executivo autorizado a desafetar, desdobrar e alienar os remanescentes de áreas públicas, após a realização de infra-estrutura urbana, descritas neste artigo, com as seguintes características:
(....).
Art. 4º - Fica o Poder Executivo autorizado a desafetar, desdobrar e alienar os remanescentes de áreas públicas, descritas neste artigo, com as seguintes características:
(....).
Art. 5º - Fica o Poder Executivo autorizado a desafetar e/ou permutar os imóveis pertencentes ao Patrimônio do Município de Campo Grande, com as seguintes características: (....)".
Ora, se a competência legislativa do Município, em matéria de urbanismo, é supletiva à competência Federal, como já visto acima, a prefalada lei municipal é flagrantemente inconstitucional, na medida em que contraria o disposto no artigo 17 da Lei Federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979.
Isso sem dizer que sobre ela pesa, como conseqüência inafastável, a inconstitucional por ofensa ao princípio da legalidade inserto no artigo 37, caput8, da Constituição da República e 25 da Constituição Estadual.
Outrossim, a existência de Lei nacional reguladora da matéria afasta a possibilidade de incidência da competência suplementar municipal (art. 17, II da CE e 30, II da CF), razão pela qual os atos legislativos municipais relacionados ao tema não se encontram devidamente alicerçados na repartição constitucional de competências e, por conseqüência, implicam lesão formal às Constituições Estadual e Federal.