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O princípio da precaução como impedimento constitucional à produção de impactos ambientais

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Agenda 01/03/2000 às 00:00

1. TIPOLOGIA DO RISCO DE DANO AMBIENTAL E O
DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS.

A obrigação de ordenação racional do desenvolvimento através da gestão sustentável da utilização dos recursos naturais de forma não predatória e diminuindo a agressividade ao elemento humano do relacionamento antrópico é o fundamento de qualquer alternativa de atuação nacional no domínio econômico, consoante já se observava da redação do princípio 13 da Declaração da ONU sobre o Meio Ambiente (Estocolmo, 1972)(1).

O referido instrumento internacional já previa em linhas bem definidas, a obrigação dos Estados nacionais de conjugar o desenvolvimento econômico à eficiência de práticas vinculadas de previsibilidade do dano ambiental, apresentando ali, o paradigma que iria orientar a Declaração do Rio/92 a acolher o princípio da precaução como compromisso ambiental internacional(2).

E foi de fato na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento(3), é que se definiu com maior ênfase as linhas orientadoras do princípio da precaução, através dos Princípios 15 e 17:

"Princípio 15: De modo a proteger o meio-ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

Princípio 17: A avaliação de impacto ambiental, como instrumento internacional, deve ser empreendida para as atividades planejadas que posam vir a ter impacto negativo considerável sobre o meio ambiente, e que dependam de uma decisão de autoridade nacional competente".

Como pode ser observado, a Declaração do Rio/92 elegeu alguns elementos informativos que distinguiram seu tratamento normativo e de certa forma, mitigaram a potencialização de sua aplicação se tomarmos como paradigma a Declaração sobre o Clima. Isso se explica, ao constatarmos que o texto da Declaração flexibiliza sua observância à capacidade de implementação de que goze cada Estado nacional, ao mesmo tempo em que o condiciona a um critérios objetivo, qual seja, a identificação de ameaça de danos sérios ou irreversíveis, demonstrando que é suficiente a apresentação da potencialidade da lesão, que no entanto, deve ser mensurada no tocante à sua extensão e gravidade.

É conveniente que se destaque cláusula de elevado poder vinculante pela qual optou a Conferência (self-executing), ao dispor que ainda que haja incerteza científica absoluta, fato que veda qualquer intervenção que possa (juízo de potencialidade) degradar o espaço ambiental, todos os Estados Nacionais possuem o compromisso doméstico e internacional de buscar meios que sejam eficazes e economicamente viáveis para a prevenção da degradação ambiental, vedando-se a postergação de posturas nesse sentido, fundadas exclusivamente no argumento em comento, de modo que não é suficiente a oposição da incapacidade econômica do Estado nacional como justificativa para o não-cumprimento do compromisso transnacional de prevenção do risco de dano ambiental.

Prosseguindo na análise dos textos dos instrumentos internacionais de proteção dos Direitos Humanos relacionados à temática ambiental, é possível identificar pelo menos outros dois sistemas de verificação e previsibilidade do risco de dano ambiental(4), normativamente discriminados de acordo com a opção do objeto juridicamente protegido.

O primeiro deles é o instrumentalizado na Convenção da Diversidade Biológica(5), que optou por fazer referência à "ameaça de sensível redução ou perda da diversidade biológica" (6) Não se exige pelo texto da Convenção, a seriedade ou a irreversibilidade da ameaça (não do dano), mas preferiu-se privilegiar o princípio da razoabilidade (reazonabless) para a avaliação da possibilidade de perda ou redução da diversidade biológica. Nota-se que é sistema que se orienta por critérios de absoluta prioridade e máxima proteção do objeto da tutela normativa.

No mesmo ano, a Convenção-Quadro da Mudança do Clima(7), a exemplo do texto da Declaração do RIO/92, exige novamente a seriedade e a irreversibilidade da possibilidade de lesão ambiental.

Outro elemento fundamental na determinação da tipologia do risco é o custo ambiental da medida garantista. Aqui, torna-se até mesmo prolixa a enumeração dos sistemas de defesa, tal a diversidade no Direito Comparado e mesmo no corpo desses textos internacionais. Assim, optamos por fixar atenção aos instrumentos internacionais(8).

O texto da Convenção da Biodiversidade não inseriu qualquer disposição nesse sentido, silêncio que não foi renovado na Convenção-Quadro para a Mudança do Clima, que tenta conciliar a garantia de benefícios mundiais ao menor custo possível.

Mas é importante que não se olvide que os custos da implementação de processos para a previsibilidade do risco de lesão ambiental não podem se afastar da capacidade econômica(9) do Estado Nacional.

          1.1. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO COMO GARANTIA AVANÇADA DE PROTEÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS.

Gilmar Ferreira Mendes, esteando-se na lição do jurista alemão Erhard Denningger, argumenta que "A forma pela qual a jurisdição constitucional utiliza a competência que lhe foi conferida é essencial para o desenvolvimento da ‘Constituição vivida’(gelebte Verfassung), da ‘Constituição real’(reale Verfassung), sobretudo para a efetiva concretização dos direitos da cidadania. A efetividade da proteção dos direitos fundamentais para as minorias socialmente discriminadas e grupos não-privilegiados depende em última instância da atuação do Poder Judiciário" (10).

Ousaríamos estender a obrigação política indicada pelo respeitado advogado-geral da União, de modo a alcançar todas as funções públicas do exercício do poder político, e notadamente aquela diretamente responsável pela execução de políticas públicas. O Poder Executivo, tal qual o Legislativo e o Judiciário, assume um compromisso fundamental com a garantia de proteção efetiva dos Direitos Humanos, ao se vincularem ao programa constitucional que assegura logo no caput do art. 225, o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, de proteção instrumentalizada, dentre outras formas, através da obrigação política de exigência de prévio estudo de impacto ambiental para a instalação daquelas atividades ou obras potencialmente causadoras de acentuada degradação ambiental (§ 1º, inc. IV). A obrigação dos Poderes Públicos de vincularem a conduta do homem à realização de juízo de previsibilidade de anulação do impacto ambiental, insere-se através da referibilidade do instrumento de proteção (EIA) com o direito protegido (meio ambiente), na tendência contemporânea eleita pelos instrumentos internacionais, de relacionarem o direito à salubridade ambiental como espécie discriminada de direito fundamental da pessoa humana, que encerra em seu conteúdo feixe de destacada riqueza de valores e direitos de proteção derivada, sobretudo o direito à vida, ao bem-estar, o direito à saúde, o direito à dignidade da pessoa humana, tal qual previsto já na primeira parte do Princípio 1 da Declaração de Estocolmo (1972) (11).

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          1.2. OBRIGAÇÃO DE CAUTELA AMBIENTAL E A REALIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO.

          Como bem assinala Clève(12), temos a partir da produção dos efeitos normativos da Carta política de 88, um marco que inaugurou nova ordem constitucional, que a a qualifica nitidamente como compromissória, a exemplo de Canotilho e Vital Moreira, que trazem o paradigma de carta programática ou dirigente. Ordem jurídica fundamentada em documento político de tal conteúdo, funda-se originariamente pela pretensão de realização do programa axiológico gravado no texto constitucional, recuperando a normatividade do que a doutrina alemã classifica como Constituição vivida (gelebte Verfassung) (13).

O discurso constitucional do Rechstaat não se apresenta como o tirano platônico(14), funda-se em um consenso originário de realização e efetividade dos compromissos políticos institucionalizados, organizando-se mais do que em um documento de defesa de situações jurídicas de garantia(15), traça obrigações vinculantes às 03 funções públicas do poder político, que devem mais que abster-se de violar o núcleo essencial da Constituição (Wesengehalt), atuar através de ações positivas, implementando a Constituição jurídica de modo a torna-la realizável para os novos titulares de direitos, atividade que se amolda com perfeição ao poder normativo dos dispositivos que tratam da proteção ambiental insculpidos na CRB, ao relacionarem a defesa ambiental a valores fundamentais da pessoa humana como já descrevemos, deflagrando assim, com a imposição da obrigação ao Administrador de exigir a realização do EIA, uma processo sistematizado que envolve a realização simultânea de todo o conteúdo vinculado ao art. 225 do texto político, de molde que somente com essa compreensão política do texto constitucional, será possível que se atinja a realização efetiva da vontade da Constituição (Wille zur Verfassung), tornando real, sua pretensão de eficácia (Geltungsanspruch), vinculando o texto à evidência da realidade dos fatos, num elo poderoso de legitimidade.

          1.3. A CONFORMAÇÃO AMBIENTAL DA ORDEM ECONÔMICA.

Optamos por examinar a matéria em epígrafe a partir de sua disciplina constitucional, que a exemplo da Constituição mexicana de 1917 e da carta alemã da República de Weimar, de 1919, recepciona a tendência do constitucionalismo social de que fala o professor Paulo Bonavides(16), em inscrever topologicmente na escolha política fundamental (Carl Schmidt), os direitos sociais ou direitos de segunda geração, direitos que não são pertencentes aos novos titulares oriundos dos movimentos sociais (direitos de terceira geração), mas direitos que demandam condutas positivas do Estado como agente político de intervenção na ordem econômica, com o objetivo de promover a construção do sein kelseniano, transportando o texto constitucional (sollein) para que possa produzir os efeitos sociais eleitos pelo constituinte originário.

Ao inscrever título que recepciona a disciplina da "Ordem Econômica e Financeira" (17), o constitucionalismo social elege como topos fundamental das políticas de desenvolvimento da economia dos Estados nacionais, a proteção dos valores e direitos dos novos titulares de interesses difusos, coletivos e meta-individuais de grupos ou organizações que requerem proteção especializada ou não, de forma que, o fundamento de constituição e desenvolvimento do Estado Constitucional de Direito (Rechstaat), propriedade, deve ser garantizado fundamentalmente em atenção àqueles valores insculpidos nos arts. 193 e 170, III da CRB, que pode se sintetizado no direito a uma ordem social que seja orientada pela justiça social e que vincule o uso e a exploração da propriedade privada ao atendimento de sua função social.

Quando se condiciona a garantia da propriedade privada, ou o uso do ambiente físico ao atendimento à sua função social, consagra-se a fórmula weimariana pela qual a propriedade obriga (Eigentum verpflichtet). Adiante o mesmo dispositivo da Lei Fundamental de Bonn, enuncia que seu uso deve igualmente servir ao bem-estar geral (sein Gebraud soll zugleich dem Wohle der Allgemeinen dienen).

Percebe-se a vinculação da atividade econômica aos novos valores sociais de conteúdo eminentemente ambiental, que servem como obstáculo a processos nacionais de desenvolvimento predatórios e não-racionais, notadamente na inserção da dimensão ecológica da propriedade no principal instrumento de promoção da reforma agrária, a desapropriação, que na orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal, sustenta-se na tese da desapropriação-sanção, de autoria do Excelentíssimo Senhor Ministro José Celso de Melo Filho, onde a desapropriação surge como resposta negativa ao rompimento da proposta de utilização social da propriedade privada. Isso se explica porque "um dos instrumentos de realização da função social da propriedade consiste precisamente na submissão do domínio à necessidade de o seu titular usar adequadamente os recursos disponíveis e de fazer preservar o equilíbrio do meio ambiente" (18).

Merecem aqui especial atenção, as atividades do Poder público nesse processo. A atuação do Estado é antes de tudo, uma atividade política de intervenção no domínio econômico de modo a orientá-lo e a reconduzi-lo aos valores informadores da atividade comercial e da propriedade privada, eleitos pela CRB de 1988.

Gerd Winter chega mesmo a apresentar a questão da seguinte forma:

          "A participação do Poder Público não se direciona exatamente à identificação e posterior afastamento dos riscos de determinada atividade. À pergunta ‘causaria A um dano?’, seria contraposta a indagação ‘precisamos de A?" (19).

Não é propriamente o risco o objeto central da atenção dos Poderes públicos, mas sim a decisão (política) do Estado, que implica a recondução de suas atividades no domínio econômico, que serão definidas a partir do exercício do monólogo proposto por Winter.

          1.4. INCONSTITUCIONALIDADE DA CONDUTA OMISSIVA E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

Na forma como pretendemos apresentar o princípio da precaução, mais do que fundamento de ações orientadas por juízos de previsibilidade, cautela e prevenção em atenção ao perigo de dano ambiental, pode ser concebido como dogma de conteúdo constitucional e imprescindível à realização de seu programa político, tal a vinculação da matéria ambiental aos valores integrantes do standard da dignidade da pessoa humana.

Sob essa orientação hermenêutica, não vincular a atividade dos agentes públicos à previsibilidade da ameaça de dano ambiental, rompe frontalmente com o compromisso de realização do conteúdo axiológico do texto político fundamental, de tal forma que sua desobediência, impede a adequada adimplência pelo Estado com alguns direitos de promoção (Teilhaberechte) oriundos de valores fundamentais à estruturação do espaço democrático do Terceiro Estado de Direito(20).

De outra forma, podemos afirmar que existe violação expressa ao texto fundamental na medida em que não cumpre com a implementação do principal instrumento jurídico de prevenção da ameaça, o E.I.A. Nesse sentido, Paulo de Bessa Antunes argumenta que "O princípio de Direito que deve ser observado é que, em havendo risco potencial ou atual, o meio ambiente deve ser preservado através da elaboração do estudo de impacto ambiental. A dispensa imotivada, ou em fraude à Constituição, do estudo de impacto ambiental, deve ser considerada falta grave do servidor que a autorizar. Assim é porque, na hipótese, trata-se de uma violação cabal da Constituição" (21).

Afirma o professor Paulo Afonso Leme Machado que "Contraria a moralidade e a legalidade administrativas a postergação de medidas de precaução que devam ser tomadas imediatamente. Viola o princípio da impessoalidade administrativas os acordos e/ou licenciamentos em que o cronograma da execução de projetos ou a execução de obras não são apresentados previamente ao público, para que os setores interessados possam participar do procedimento das decisões" (22).


2. AÇÕES POSITIVAS INCONSTITUCIONAIS E A PRECAUÇÃO DO
IMPACTO AMBIENTAL NO ESTADO DE MATO GROSSO.

Partindo da premissa eleita por Peter Schnider, pela qual "o Estado de Direito caracteriza-se, ao contrário de um sistema ditatorial, pela admissão de que o Estado também pratica ilícitos (Annahme der prinzipiellen Möglickeit des staatlichen Unrechts)" (23), torna-se necessário redefinir a natureza das relações travadas entre os titulares do exercício do poder político, e os destinatários de suas atividades nesse novo modelo de Estado de Direito, identificado fundamentalmente pelo compromisso político assumido com a implementação dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Tendo como pressuposto inaugural de sua constituição, o princípio da vinculação de todos os agentes sociais aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, podemos iniciar a adequação do referencial de Schneider afirmando que a ordem normativa de controle e prevenção contra ingerências ilegítimas deixa de se dirigir exclusivamente aos poderes públicos, para irradiar seus efeitos a todos os agentes sociais e políticos alcançados pela ordem constitucional. O Estado pode praticar ilíticos que possam atingir frontalmente os direitos da pessoa humana, mas a implementação de um sistema adequado de proteção desses standards, exige que se aceite que o pólo ativo dessa relação pode ser ocupado tanto pelo Estado, como por terceiros (Drittwirkung).

Dessa forma, cremos ser ainda bastante atual a advertência realizada por Kriele, assim sintetizada:

          "(...) a moderna doutrina constitucional está às voltas com o problema relativo ao desenvolvimento de instituições, que de um lado, consigam impor o interesse público em face das poderosíssimas organizações privadas como sindicatos associações e conglomerados econômicos, e, de outro, logrem assegurar um regime democrático e de liberdades na acepção mais ampla, que tenha como baldrame a própria concepção de dignidade humana" (24).

Pois vejamos como têm se comportado os Poderes Públicos no Estado de Mato Grosso na realização do compromisso com a dignidade da vida humana.

Comecemos por examinar o assustador Projeto "Poços de Carbono", que já de início, causa espanto pelo fato de a população e a comunidade científica desconhecerem a existência de projeto monumental que compreende a utilização de aproximadamente 10.143 hectares no município de Cotriguaçu e outros 2.000 hectares na região de Juruena e que possui potencial tão elevado de degradação ambiental, fazendo com que não tivessem sequer a oportunidade de conhecer, quanto mais, participar ativamente desse processo, onde deveria haver a garantia da máxima publicidade, vez que a decisão política já está atingindo diretamente não só os interesses, mas também a vida concreta de todo o povo mato-grossense.

O potencial de agressividade ambiental do projeto se agrava quando nos deparamos com notícias de que a multinacional francesa PEUGEOT, em nome da preservação do ambiente, vêm utilizando técnicas há muito condenadas por toda a comunidade científica nacional e internacional, consistentes no emprego do fogo e de desfolhantes químicos aplicados em medidas excessivamente elevadas que, apesar de ter utilização bastante difundida entre os produtores daquela região (o Roundup), possui grande poder impactante.

Aderem a esses fatos, a ausência de qualquer registro ou autorização junto ao IBAMA, da execução do projeto de reflorestamento, bem como as infrações já verificadas na devastação pelo fogo dito "controlado" em momento onde a agência ambiental estadual já tinha obstado qualquer possibilidade de requerimento de licença para tal fim.

Prosseguindo com a verificação nos deparamos com a APM de Manso, que vez mais, rompeu com o compromisso constitucional de garantia da publicidade do EIA através da divulgação em audiência pública do RIMA, com todas as modificações substanciais do projeto original, completa e adequada garantia do exercício do direito à informação ambiental da população diretamente vinculada aos efeitos sócio-econômico-ambientais do empreendimento e seguridade da ampla participação no processo consultivo.

Outro ponto que merece destaque neste momento refere-se à realização de apurada reflexão sobre os impactos ambientais que podem ser causados com o fechamento das comportas, no nível do Rio Cuiabá, que após o firmamento no passado não tão remoto, de contrato sem qualquer publicização com a ELETRONORTE, pode ainda hoje, causar graves desastres principalmente com o deslocamento das populações tradicionais que serão alijadas do desenvolvimento da economia primitiva, bem como, da população ribeirinha, extremamente vulnerável às adversidades produzidas nas épocas de cheias, sujeitas a desabamentos e risco iminente de vida.

É de se espantar quando observamos que o chefe do Poder Executivo estadual apresenta como proposta de solução imediata à erradicação da pobreza extrema, o êxodo urbano, que produzirá novas questões sociais (ocupações irregular, assentamentos predatórios, desemprego, falta de moradia, etc...), oriundas de práticas institucionais dessa natureza, potencialmente lesivas à condição desses grupos e fundadas em irresponsabilidade política e carência na orientação de políticas públicas adequadas.

É de se ressaltar ainda que a conturbada história do projeto e sua discutível satisfatividade técnica, já conduziram o Banco Mundial a sugerir no ano de 1988, seu cancelamento em virtude de sua deficiência na área ambiental e por denúncia dos inúmeros problemas e impactos que a obra acarretaria, sem que houvesse estudos técnicos do impacto e de alternativas à sua recomposição.

Antes mesmo de funcionar a primeira turbina, já se tentou despertar as autoridades públicas que iríamos instrumentalizar a forma de se produzir a energia mais cara do Brasil, conforme apontado em relatório elaborado pelo professor Domingues Iglésias Valério e intitulado "Considerações sobre a barragem do Rio Manso e seus reflexos no Rio Cuiabá" (25), de 17 de dezembro de 1987.

Nesse estudo, já se apontava outras alternativas de investimentos mais vantajosos para o erário público, que poderiam produzir o volume energético pretendido com a mitigação dos impactos ecológicos, como se verifica hoje com uma das partes do "Complexo de Couto Magalhães".

Diante desses fatos, torna-se bastante interessante o exame da situação como fora registrada naquela oportunidade:

          "Não existiria para o Estado e o Governo Federal uma alternativa melhor, que tenha condições técnicas menos discutíveis, com potencial superior e de construção mais barata, mais rápida e de conseqüências ecológicas menos danosas? A própria Eletronorte poderá responder afirmativamente, pois já executou o projeto básico da UHE de Couto Magalhães, na parte alta do rio Araguaia, distante de Cuiabá, aproximadamente 370 km, com potencial de 230 MW, portanto superior à (sic) do Rio Manso, e em condições de relevo bem mais favoráveis, tanto técnica como economicamente, muito menor impacto ambiental e ainda com a vantagem de se constituir na primeira de uma série de barramentos à jusante, chamada pela Eletronorte de "Complexo Energético de Couto Magalhães, previsto para garantir a expansão do Centro Oeste até o ano 2040 e proporcionar a navegação do rio Araguaia-Tocantins até o porto de Belém!..."(p. 25).

A execução desse projeto demandou sobretudo a utilização de um ambiente físico e hidrológico muito menos recomendável e propício para a extração dos melhores resultados energéticos, como se encontrou em Couto Magalhães, cujas condições naturais favoreceram a instalação de um complexo hidrelétrico que pôde potencializar ao máximo os saltos ali existentes.

Ora, e não se pode desconhecer a veracidade de tais informações, quanto mais quando já podem ser verificados in loco os primeiros resultados predatórios de suas atividades. A alteração dos ciclos hidrológicos já começou a produzir secas extemporâneas e elevada mortalidade de espécimes da fauna ictiológica como conseqüência direta da ineficiência dos planos e propostas de prevenção do impacto ambiental.

E já na sexta-feira, dia 26 de novembro, já alertava o professor Domingues Iglésias Valério, com dados da Coordenadoria Estadual da Defesa Civil, que o Rio Cuiabá atingiu 33 centímetros, o que resultaria em conseqüências de ordem econômica e social, vez que com o represamento não haverá água suficiente, ao mesmo tempo em que atingirá a própria regularidade do funcionamento da APM, já que a usina não poderá nesses termos, funcionar dentro de critérios técnicos (análise operacional), pois o rio secará adiante.

No dia 29 do mesmo mês, observou que as medições do nível do rio em Cuiabá indicavam o nível já em 40 cm, e em Rosário Oeste chegaram a indicar apenas 25 cm, tendo no dia 30, chegado a aproximadamente menos 15 cm(26).

Foi também no trágico dia 30 de novembro que o simbólico ato do chefe do Poder Executivo, de iniciar os trabalhos da primeira turbina, deixou do outro lado, rastros de destruição; centenas de peixes se acumulavam sobre cobertura de lama e secções do espaço bio-físico original(27).

Sobre o autor
Patryck de Araújo Ayala

bacharel em Direito pela UFMT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AYALA, Patryck Araújo. O princípio da precaução como impedimento constitucional à produção de impactos ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1689. Acesso em: 7 nov. 2024.

Mais informações

O presente texto logrou o 7º lugar no 1º Concurso Nacional de Monografias: "50 Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos", tendo recebido menção honrosa com o trabalho "O Direito Internacional dos Direitos Humanos e o direito a ter direitos sob uma perspectiva de gênero" na cerimônia de abertura do Seminário Internacional "Sociedade Inclusiva", realizado em Belo Horizonte, na PUC-MG.

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