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A indústria do tabaco e a teoria do abuso do direito

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Agenda 27/07/2010 às 08:15

Há quem entenda inaplicáveis as normas do CDC em ações indenizatórias movidas contra a indústria do fumo. De qualquer sorte, uma outra fundamentação é adequada para impingir responsabilidade civil nessas circunstâncias: a teoria do abuso do direito.

Sumário: 1. Introdução. 2. Breve esboço histórico. 3. Teorias. 4. Natureza jurídica. 5. A aplicação da teoria no direito brasileiro e a sua recente positivação pelo Código Civil de 2002. 6. A definição de abuso do direito e os seus critérios de aplicabilidade. 7. A caracterização do abuso do direito perpetrado pela indústria do tabaco. 7.1. A incidência do dever de boa-fé entre os contratantes, mesmo antes da publicação do código de defesa do consumidor. 7.2. A postura adotada pela indústria do fumo para garantir a comercialização de seus produtos: omissão intencional de informações. 7.3. A postura adotada pela indústria do fumo para garantir a comercialização de seus produtos: oferta publicitária insidiosa promovendo o consumo de cigarros. 8. Ainda sobre a caracterização do abuso do direito perpetrado pela indústria do tabaco. 8.1. O desrespeito pela indústria do tabaco dos valores da boa-fé e dos bons costumes. 8.2. O desacato da indústria do tabaco à finalidade econômica do seu direito de produzir e comercializar cigarros. 8.3. O desrespeito pela indústria do tabaco à finalidade social do seu direito de produzir e comercializar cigarros. 9. Conclusões.


1. Introdução

Há quem entenda inaplicáveis as normas do CDC em ações indenizatórias movidas por fumantes, familiares desses, ou entidades legitimadas para tanto contra a indústria do fumo, em função dos danos a eles causados por doenças oriundas do consumo do tabaco. De qualquer sorte, uma outra fundamentação também se mostra perfeitamente adequada para se impingir à indústria do fumo responsabilidade civil nessas circunstâncias: a teoria do abuso do direito. [01]

Esse raciocínio, por certo, alicerça, de maneira ainda mais sólida, a tese de que as empresas do fumo são realmente responsáveis pelos danos que seus produtos causam àqueles que os consomem, ou se expõem à sua fumaça tóxica. Consoante afirmado, não são raras as vozes a insistirem numa propensa imprestabilidade da Lei n.º 8.078/90 para reger relações firmadas entre tabagistas e empresas responsáveis pela fabricação e fornecimento de cigarros, fundando seu pensamento, no mais das vezes, no fato de que os consumidores atualmente portadores de doenças tabaco-relacionadas, provavelmente se iniciaram no fumo anos antes da publicação dessa mesma Legislação. [02] Portanto, seu juízo escora-se numa problemática voltada ao direito intertemporal – raciocínio já rebatido em capítulo próprio.

Nem de longe o Direito pode ser enquadrado no rol das ciências exatas. Nele, a dialética encontra porto seguro. Daí a conveniência de se criarem novas argumentações voltadas a rechaçar teses que, na ótica do pensador, aparentam-lhe imprecisas, ou mesmo, intoleráveis. Metaforicamente, essas novas idéias seriam pequenas sementes semeadas no solo fértil do seio social, as quais, depois de aguadas e adubadas, certamente produzirão frutos de grande valia à sociedade.

Logo, o que aqui se propõe é a análise da teoria do abuso do direito, e isso com a intenção firme de tornar evidente que ela também se mostra plenamente capaz de estear, de maneira segura, pretensões de ressarcimento civil endereçadas às empresas de tabaco.


2. Breve esboço histórico

A doutrina do abus du droit é velha nas suas origens, encontrando em vários textos do direito romano o fundamento de sua afirmação. Entretanto, eles muitas vezes se contradizem: enquanto uns afirmam o princípio de um absolutismo sem peias no exercício dos direitos (concepção individualista do direito), outros representam a consagração dos princípios modernos da relatividade dos direitos, do seu exercício social (teoria medieval da aemulatio) [03].

Conquanto controvertida a questão de saber se no direito romano vigorava a proibição do ato emulativo, prevalece a opinião segundo a qual, já naquela época, observar-se um desenvolvimento gradual para se limitar o uso abusivo do direito de propriedade, de maneira especial quando o seu exercício era pautado pelo ânimo de lesar alguém sem utilidade própria para o agente – esse o escólio, dentre outros, de Josserand [04] e Alexandre Augusto de Castro Corrêa. [05] Destarte, é predominante o entendimento de que, já no direito romano, havia germes de uma teoria geral do abuso do direito, porquanto não se permitia o exercício de direitos quando pautado numa intenção manifesta de se lesar alguém.

De qualquer forma, a teoria do aemulatio – segundo a qual o ato praticado com intenção maligna de lesar e sem uma utilidade própria acarretava responsabilidade ao agente – encontrou seu maior desenvolvimento no direito medieval, alastrando-se não só sobre as matérias de direitos reais, senão ainda sobre as relações obrigacionais. Em verdade – esclarece Leonardo Mattietto, citando Ugo Gualazzini –, foi somente na Idade Média que o problema do abuso do direito começou a despertar a atenção dos juristas, obrigando-os a criar uma teoria voltada a definir os limites do uso do próprio direito, de modo e forma que não resulte em dano ou moléstia a outrem, sem uma própria vantagem real ou concreta [06].

A doutrina que pregava a proibição dos atos emulativos acabou se alargando, para alcançar não apenas aqueles praticados com animus aemulandi, devidamente provados; em várias circunstâncias, admitiu-se uma série arbitrária e indefinida de presunções diretas para demonstrar a existência do mesmo animus aemulandi, deduzindo-o da presença ou não de um interesse legítimo no cumprimento do ato que se desejava evitar. Dessa forma, incluíram-se entre os atos emulativos aqueles que denunciavam um mínimo interesse relativamente à prática que se desejava impedir [07].

Modernamente, foram pioneiros os textos legislativos do Código Civil da Prússia (1974), estabelecendo, de maneira clara e precisa, um princípio genérico que proibisse o abuso do direito, extensivo a todos os direitos em geral. Ademais, referido o Código limitava o exercício do direito de propriedade, dentro do mesmo critério de proibição dos atos emulativos – ressalte-se que principalmente nas relações entre proprietários, nos direitos de vizinhança, a proibição do ato emulativo teve numerosas aplicações [08].

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O Código de Napoleão, criado sob o fundamento de igualdade perante a lei e sob uma concepção individualista, representa um sistema de direitos absolutos. O direito, então, seria um poder que emana da lei, como vontade geral, ou da vontade particular, nas suas múltiplas manifestações em atos jurídicos. Exercê-lo em toda a sua amplitude, ainda que viole terceiros, é prerrogativa legal – conquanto vigorassem dispositivos esparsos que proibiam a prática de atos emulativos. Dentro dessa concepção atomística da sociedade, que elevava o indivíduo a um ser abstrato, isolado, senhor irrestrito dos seus direitos, não se enquadrava um princípio genérico de restrição do exercício dos direitos [09].

A jurisprudência amotinou-se contra a rigidez dos princípios individualistas do Código de Napoleão, e agitou-se rapidamente contra o exercício intencionalmente malicioso e anormal, contra a finalidade dos direitos subjetivos, adotando o rumo abandonado pelo legislador. Apontam os escritores um sem-número de arestos que consagraram os princípios da teoria moderna do abuso do direito, em todas as relações jurídicas, não se atendo este movimento jurisprudencial à doutrina da aemulatio. Acabou condenando o exercício do direito, quando o seu titular não tinha legítimo interesse na sua ação, desviando-o de sua finalidade social e econômica [10].

Tal movimento jurisprudencial também surgiu na Bélgica, na Itália e na Espanha.


3. Teorias

É praticamente uníssona a idéia de que a responsabilidade civil pode resultar do exercício abusivo do direito, circunstância reforçada no País principalmente depois da publicação do CC de 2002, donde o abuso do direito encontra-se positivado como espécie de ato ilícito.

Entretanto, o atual estágio de desenvolvimento da teoria se deve a uma constante batalha travada entre alguns que a negavam por completo, e outros que a admitiam, divergindo apenas quanto ao fundamento dela.

A primeira das teorias defende que essa expressão – abuso do direito – encerra uma logomaquia – teoria essa sustentada por juristas do calibre de Planiol, Duguit, Baudry-Lacantinerie, Esmein, Barassi. Afinal, diziam seus defensores, quando alguém se vale de um direito que lhe pertençe, seu ato é lícito, e quando ele é ilícito, estar-se-á ultrapassando o próprio direito, passando-se a agir, a partir daí, sem direito. Defendia-se, pois, que todo ato abusivo, só por ser ilícito, não representava exercício de um direito; o abuso do direito, portanto, não seria uma categoria distinta do ato ilícito. Alguns, sintonizados com esse entendimento, chegavam a negar que o próprio exercício de um direito, com a intenção lesiva, pudesse acarretar a responsabilidade.

Sob outro norte, a tradicional teoria subjetiva pode ser divisada em duas principais correntes: para a primeira, o abuso ocorre quando o titular do direito o utiliza com o intuito específico de prejudicar outrem. Já para a segunda corrente, a caracterização do abuso sucede quando o titular vale-se de seu direito com negligência, imprudência ou imperícia em alto grau; sem esta "gravidade" no exercício do direito, o ato não se desloca da seara do lícito [11]. De qualquer modo, para os que se escoram nessas diretrizes teóricas, o abuso do direito encontra-se umbilicalmente vinculado ao conceito de culpa, de sorte que, sem ela, a tese mostra-se absolutamente inaceitável.

Parafraseando Rui Stoco, quando se fala em teoria subjetiva do abuso do direito, indica-se a presença do elemento intencional, ou seja, impõe-se ao agente a consciência de que seu direito, inicialmente legítimo e secundum legis, ao ser exercitado, desbordou para o excesso ou abuso, e, assim, lesionou ou feriu o direito de outrem. O elemento subjetivo é a reprovabilidade, a consciência de que algum mal poderá ser acionado, assumindo esse risco ou deixando de prevê-lo quando devia [12].

É precisa a lição de Camila Lemos Azi, ao afirmar que tais

teorias [...] não se coadunam com as tendências atuais do direito, que buscam conferir aos institutos a máxima operabilidade. Sempre que se torna necessário perquirir o ânimo do sujeito, a aplicação da norma resta dificultada, sendo mais proveitoso que se busquem critérios objetivos para garantir esta aplicação [13].

Talvez tenha sido a compreensão dessa idéia que levou alguns doutrinadores a delinearem teorias objetivas do abuso do direito, e estruturarem formas que autorizassem o julgador a prescindir da verificação da intenção do agente para precisá-lo. Aliás, Josserand, citado por Alvino Lima, dá uma noção clara do núcleo dessas teorias. Leciona o jurista que as faculdades objetivas são conferidas aos homens pelo poder público, tendo em vista a satisfação de seus interesses, mas não de quaisquer deles, e sim daqueles legítimos. Se o titular de um direito o executa fora de todo o interesse ou para a consecução de um interesse ilegítimo, ele abusa de desse seu direito, não merecendo a proteção legal. O exercício contrário à destinação econômica do direito, um verdadeiro contra-senso econômico, estabelece esta concepção de ordem econômica [14].

Porém – continua o mestre –, este critério econômico não abrange todos os direitos. É imperioso levar-se em conta outro meio de proceder a uma adequada avaliação, a saber, o desvio do direito da sua função social. Somente pelo critério finalista (função social) é que se mostra possível atingir a verdade integral; é por meio dele que se busca a finalidade dos direitos, sua função própria a cumprir. Cada um dos direitos deve realizar-se em conformidade com o espírito da instituição; os pretensos direitos subjetivos são direitos-funções, os quais devem permanecer no plano da função a ser por eles desempenhada, senão seu titular comete um desvio, um abuso do direito. O ato abusivo é aquele contrário ao fim da instituição, adverso ao seu espírito ou a sua finalidade [15].

Nessa ótica, e mesmo considerando a diversidade de teorias objetivas surgidas para explicar o abuso do direito, pode-se reuni-las na seguinte conclusão: sempre que o ato não for guiado por um motivo legítimo, desequilibrando os interesses em jogo, o exercício do direito será abusivo, mesmo que praticado sem nenhuma intenção de prejudicar alguém. A teoria objetiva impõe como abusivo o exercício anormal do direito, sempre que sua finalidade social e econômica for contrariada, e, por conseqüência, seus limites impostos pela boa fé e bons costumes forem transpassados, pouco importando a configuração da intenção malévola de se prejudicar outrem.


4. Natureza jurídica

Há aqueles que sequer admitem falar em abuso do direito, negando-o por completo. Outros, porém, aceitam-no como uma variedade do ato ilícito. Há, também, doutrinadores que vêem a teoria situada num terreno reservado, apartado da responsabilidade civil.

De todo modo, o problema situa-se realmente na seara da responsabilidade civil, de maneira que se deve considerar um alargamento na definição de ato ilícito para abarcar, também, o abuso do direito. Praticando-se um ato no exercício irregular de um direito, o ilícito se configura, porquanto se notabiliza uma conduta lesiva a um dever jurídico primário afeto à boa-fé, bons costumes e aos fins sociais e econômicos desse mesmo direito.

Lembre-se, aqui, a lição de Carvalho Mendonça ao asseverar que o ilícito não é só aquilo que se opõe a um imperativo explícito ou implícito da lei positiva, e sim, também, o que se põe em oposição aos costumes, aos princípios gerais e filosóficos do direito, às normas da eqüidade natural [16]. Josserand, citado por Alvino Lima, elucida que os direitos não se realizam rumo a uma direção qualquer, mas em um ambiente social, em função de sua missão e de conformidade com os princípios gerais subjacentes à legalidade – um direito natural de conteúdo variável, uma superlegalidade [17].

Diga-se, ademais, que o enquadramento do abuso do direito como espécie de ato ilícito foi a concepção adotada e positivada pelo CC de 2002 – consoante se verá adiante –, espancando-se, ao menos no ordenamento jurídico nacional, quaisquer dúvidas a respeito do assunto.


5. A aplicação da teoria no direito brasileiro e a sua recente positivação pelo Código Civil de 2002

É quase instintiva a conclusão de que o CC de 1916 não teria recepcionado a teoria do abuso do direito. Afinal, por ocasião da publicação daquela legislação, ela, a teoria, ainda se encontrava em estruturação.

Todavia, não faltaram vozes que buscavam um suporte legal para a aplicação do abuso do direito no País. A maioria entendia que essa teoria encontrava sustentáculo no art. 160, I, do CC de 1916, o qual literalmente previa não constituírem atos ilícitos, os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido. Uma conclusão fundada na análise invertida dos dizeres do artigo citado levou à dedução de que os atos praticados no exercício irregular de um direito reconhecido certamente configurar-se-iam ilícitos. Outros, porém, pugnavam pela aplicação do abuso do direito com base no art. 100 do mesmo Diploma Legal; também havia aqueles que preferiram alicerçar o emprego da teoria no art. 5º da LICC.

A respeito disso, veja-se a abalizada lição de Maria Helena Diniz:

Todavia, há no ordenamento jurídico brasileiro normas que, implicitamente, são contrárias ao exercício anormal de certos direitos. O art. 100 do Código Civil, ao prescrever que "não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito [...]", está considerando como coação a ameaça do exercício anormal de um direito, para extorquir de alguém uma declaração de vontade, logo, com maior razão está reprovando o efetivo exercício anormal desse direito. No art. 160, ao arrolar as causas excludentes da ilicitude, dispõe, dentre outros, que "não constituem atos ilícitos [...] os praticados [...] no exercício regular de um direito reconhecido", de forma que a contrário senso serão atos ilícitos os praticados no exercício irregular de qualquer direito. Nos arts. 554 e 564, p. ex., há uma reação contra o exercício abusivo dos poderes do titular do domínio, tais como o mau uso da propriedade, prejudicando a segurança, o sossego ou a saúde do vizinho; o desvio de águas de seu curso normal para utilizá-las em prédio que lhe pertença, onerando com o escoamento delas o dono do prédio inferiormente situado. No mesmo teor de idéias o art. 1530, que comina sanções ao credor que cometer a irregularidade de demandar o devedor antes do vencimento da dívida, fora dos casos permitidos em lei, caso em que ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro. Ter-se-á aqui a questão do excesso de pedido, em que o autor, movendo ação de cobrança de dívida, pede mais do que aquilo a que faz jus. Por isso, o demandante de má-fé deverá aguardar o tempo que falta para o vencimento, descontar os juros correspondentes e pagar as custas em dobro. Se agiu de boa fé, deverá pagar tão-somente as custas vencidas na ação de cobrança de que decairá, por ser intempestiva. Tal não ocorrerá se se tratar de hipóteses em que se tem o vencimento antecipado das obrigações (CC, arts. 762 e 954; Lei de Falências, art. 25; Lei n.º 6.024/74, art. 18, b). O mesmo se diga do art. 1.531 do Código Civil, que aplica sanções ao credor que demandar o devedor por dívida já solvida, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais do que for devido, pois ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se, por lhe estar prescrito o direito, decair da ação [18].

Destarte, a teoria do abuso do direito passou a ser empregada no Brasil mesmo na ausência de positivação lúcida e expressa a respeito dela. Inicialmente, foi utilizada para coibir o chamado dolo processual, reconhecido pelo CPC de 1939. Mais tarde, foi empregada como medida nos contratos de locação de imóveis urbanos, quando o locatário abusava de suas prerrogativas legais. A teoria também tinha serventia na solução de problemas de vizinhança, tendo sido igualmente aplicada no âmbito do direito administrativo, a fim de declarar a nulidade de atos praticados com desvio de sua finalidade [19].

Não se olvide, ainda, que a Lei consumerista, expressamente, positivou a teoria, referindo-se a ela em várias oportunidades. Nesse viés, tem-se contato com o abuso do direito já no art. 4º, VI, da citada Legislação, momento em que se trata dos objetivos e princípios da Política Nacional das Relações de Consumo, sendo um deles a "coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores". Além disso, incluiu-se, dentre os direitos do consumidor, a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra as práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços. Noutra parte, agora já na Seção V do Capítulo IV, especificamente no art. 28, encontra-se expressamente previsto que o juiz "poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social". A Seção IV do Capítulo V, por sua vez, foi destinada ao tratamento das "Práticas Abusivas", estabelecendo o legislador um extenso rol exemplificativo de atos abusivos. A Seção II, do Capítulo VI, trata das "Cláusulas Abusivas"; são várias situações – também previstas de forma exemplificativa – as quais, se constantes em contratos relacionados ao fornecimento de produtos (ou serviços), serão nulas de pleno direito, podendo o juiz, de ofício, decretar tal nulidade.

Hodiernamente, a teoria do abuso do direito ganhou positivação expressa também no âmbito civil. O CC de 2002 preleciona que cometerá ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (art. 187) [20]. Se dúvidas com relação à aplicação da teoria do abuso do direito no Brasil, ou quanto à sua natureza, pudessem ainda estar pendentes, depois da publicação do novo CC todas elas foram incondicionalmente dirimidas.

Sobre o autor
Lúcio Delfino

advogado e consultor jurídico em Uberaba (MG), doutor em Direito Processual Civil pela PUC/SP, professor dos cursos de graduação e pós-graduação da UNIUBE/MG, membro do Conselho Fiscal (suplente) do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON), membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil, diretor da Revista Brasileira de Direito Processual

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELFINO, Lúcio. A indústria do tabaco e a teoria do abuso do direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2582, 27 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17059. Acesso em: 23 dez. 2024.

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