É notório o crescimento da violência urbana, principalmente nas grandes metrópoles. Destaca-se como um dos aspectos desse infeliz avanço o grande número de vítimas de balas perdidas [01], que perdem suas vidas ou têm sua integridade física comprometida em decorrência de constantes confrontos, especialmente entre traficantes das favelas e policiais.
Apesar da grande divulgação nos meios de comunicação sobre o crescente número de vítimas de balas perdidas, pouco se discute acerca da responsabilidade civil do Estado em tais casos. Avolumam-se os pedidos de indenização no Judiciário, quedando parte das vítimas, entretanto, sem qualquer reparação.
Isso ocorre porque ainda existem muitas divergências envolvendo a responsabilidade civil do Estado. Não há, até o momento, uma uniformidade na doutrina acerca do alcance da norma expressa no artigo 37, § 6°, da Constituição Federal [02], em especial quando se trata de conduta omissiva do Estado.
A aludida indefinição em torno do tema responsabilidade civil do Estado acaba por gerar grandes controvérsias na jurisprudência. Por vezes, casos muito semelhantes são decididos de formas diametralmente opostas, tudo em razão da adoção de diferentes teorias pelos julgadores, o que causa incertezas jurídicas e grandes injustiças.
Veja-se, por exemplo, o que ocorre no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Em casos envolvendo confrontos entre bandidos e policiais, algumas das câmaras cíveis entendem que a vítima, para ter direito à indenização, deve, necessariamente, comprovar que a bala que a atingiu saiu da arma de um dos policiais; outras câmaras, entretanto, em conformidade com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, entendem que seria desnecessário exigir da vítima tal prova, bastando que esta demonstre a ocorrência do confronto.
A fim de discutir essas e outras divergências em torno do tema, a pesquisa em tela busca, à luz da Constituição, compreender a teoria mais adequada à solução dos casos apresentados, esclarecendo-se, também, as divergências jurisprudenciais. Por derradeiro, apresenta o Projeto de Lei 416/2007 e busca expor brevemente o novo rumo da responsabilidade civil: a socialização dos riscos.
2. CONTEXTUALIZAÇÃO
A todo instante, os meios de comunicação transmitem notícias acerca de vítimas de balas perdidas, especialmente nas grandes cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo.
Têm se tornado recorrentes os casos de pessoas que, caminhando nas ruas em direção ao trabalho ou à escola, ou mesmo dentro de suas casas, são atingidas por disparos de armas de fogo, advindos, na maior parte dos casos, de confrontos entre grupos rivais de traficantes ou entre traficantes e policiais. Por vezes, inocentes são atingidos em tiroteios ocorridos em perseguições da polícia a ladrões, que acontecem em ruas movimentadas das grandes cidades.
O número de vítimas de balas perdidas é alarmante. Em recente relatório temático realizado pelo Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro [03], pode-se ter uma noção do quão presente a realidade das balas perdidas está no cotidiano dos moradores das cidades, principalmente nas grandes metrópoles, onde a criminalidade e a violência por ela gerada produzem efeitos mais visíveis. E repita-se, trata-se apenas de uma noção, já que o levantamento dos dados foi feito através da análise de Boletins de Ocorrências, cuja narração dos fatos depende da subjetividade daquele que os relatou.
Dessa forma, percebe-se que em apenas alguns casos de ocorrência dos crimes de homicídio e de lesão corporal foi possível identificar se se tratava de vítima de bala perdida, o que demonstra que os dados constantes do relatório não retratam fielmente a realidade, a qual conta com muito mais casos, impossíveis de serem contabilizados, já que do Código Penal pátrio não consta o tipo penal "bala perdida".
Não obstante a ressalva quanto às estatísticas, é importante tomar conhecimento dos números obtidos com o aludido relatório temático, a fim de possibilitar a visualização do quão assustadores os números se apresentam.
Os Registros de Ocorrência mencionaram 224 (duzentos e vinte e quatro) vítimas por "bala perdida" no ano de 2006. Sendo 19 (dezenove) fatais e 205 (duzentos e cinco) não fatais. Das vítimas fatais, 13 (treze) eram do sexo masculino, entre as quais, a maioria -16 (dezesseis) - constituída por jovens e adultos acima dos 18 anos (inclusive). Verificou-se uma maior incidência de "balas perdidas" nos três primeiros meses do ano de 2006.
Os dados indicaram a Capital como a região do estado onde mais ocorreu o fenômeno. Foram 17 (dezessete) vítimas fatais e 169 (cento e sessenta e nove) vítimas não fatais ocorridas naquela região. A Baixada Fluminense veio logo a seguir com 02 (duas) vítimas fatais e 19 (dezenove) não fatais.
No mês de janeiro de 2007, houve 31 (trinta e uma) vítimas por "bala perdida". Sendo 03 (três) delas fatais e 28 (vinte e oito) não fatais. Todas as vítimas fatais mencionadas eram do sexo masculino (uma criança, um adolescente e um adulto), mortos em via pública. Das vítimas não fatais, 24 (vinte e quatro), ou 85,7%, eram homens e 25 (vinte e cinco), ou 89,3%, foram lesionadas em via pública. Com relação ao mesmo período do ano anterior, houve um acréscimo de 01 (uma) vítima fatal e de 08 (oito) vítimas não fatais. [04]
Com relação ao local de ocorrência dos fatos, apurou-se que 78,9% dos casos de vítimas fatais, em 2006, deram-se em via pública, enquanto 15,8% ocorreram no interior de residência. No concernente aos casos de balas perdidas com vítimas não fatais, 89,3% ocorreram em via pública, sendo 3,6% no interior de residência e 7,1% em local indeterminado/não mencionado. [05]
Diante dos dados supracitados, pode-se perceber, portanto, que a maioria das vítimas foi atingida por uma bala perdida em via pública, o que demonstra a periculosidade da vida moderna em sociedade, em que sequer se pode andar tranquilamente em direção ao trabalho, ou à escola, ou mesmo usufruir as horas de lazer com segurança.
Atento a essa realidade, já no ano de 1997, o cantor e compositor Gabriel O Pensador lançou seu disco Quebra-Cabeça, no qual ele incluiu a canção intitulada Bala Perdida, que bem retrata a angústia do cidadão frente à insegurança da vida na sociedade moderna, de sair de casa sem a certeza de que vai retornar pela noite, após mais um exaustivo dia de trabalho, conforme fica claro da leitura do seguinte trecho da canção:
Bom dia, mulher
Me beija, me abraça, me passa o café
E me deseja "Boa sorte"
Que seja o que Deus quiser
Porque eu tô indo pro trabalho com medo da morte
Nessas horas eu queria ter um carro-forte
Pra poder sair de casa de cabeça erguida
E não ser encontrado por uma bala perdida
[...]
Não se esqueça de botar as crianças debaixo da cama na
hora de dormir
Fica longe da janela e não abre essa porta, não
importa o motivo
Por favor, meu amor, eu não quero encontrar você morta
se eu voltar pra casa vivo
Mas se eu não voltar não precisa chorar
Porque levar uma bala perdida hoje em dia é normal
Bem mais comum do que morte natural
Nem dá mais capa de jornal
[...]
Todo dia morrem dois ou três
Eu só quero saber quando vai ser a minha vez
Onde será?
No circo, na praia, no supermercado, na mesa do bar?
Ou na fila do banco?
No trem da central?
No ponto de ônibus?
Parado no sinal?
Ou assistindo TV, na segurança do lar?
Onde será que uma bala perdida vai me achar?
[...] [06]
Da aludida canção, pode-se extrair uma constante na vida daqueles que vivem em grandes metrópoles, especialmente nas favelas controladas pelo tráfico: o medo de bala perdida.
Essa é a realidade. Inocentes têm suas vidas ceifadas em decorrência da ineficiência do Estado em controlar o tráfico de armas e de drogas, que andam juntos, em treinar os seus policiais de forma a que estes atuem com maior eficiência, garantindo a segurança da população ao realizarem operações de risco.
Acrescente-se, ainda, a timidez dos Tribunais de Justiça para condenar o Estado a pagar indenizações às vítimas, o que foge aos conceitos basilares da responsabilidade civil, já que, muitas vezes, os julgadores dão à Constituição Federal uma interpretação retrógrada e pró-Estado, quedando as vítimas sem qualquer amparo, ainda que o direito delas seja tão aclamado por aqueles que bradam com eloqüência a importância dos direitos assegurados constitucionalmente.
Não são raras as vezes em que, a despeito da regra constitucional acerca da responsabilidade civil objetiva do Estado, a jurisprudência exige da vítima a comprovação de que, em um confronto entre bandidos e policiais, a bala que a atingiu partiu da arma de um policial. Isso, é evidente, não condiz com o princípio da razoabilidade. Será razoável exigir que uma vítima, ferida por uma bala perdida advinda de um tiroteio entre bandidos e policiais, faça a prova de que a bala que a atingiu partiu da arma de um dos policiais? Será razoável deixar a vítima que não demonstre tal fato sem reparação por inexistência de nexo de causalidade? Ou será que é mais razoável que o Estado repare o dano advindo da atuação de seus agentes, que, com sua atividade geraram risco e dano para a população?
As respostas para estes questionamentos parecem lógicas e simples, mas, infelizmente, apesar do crescente número de ações judiciais pleiteando a indenização assegurada pela Constituição Federal, muitas vítimas ou as famílias das vítimas falecidas não logram êxito, tendo de suportar a perda sem qualquer reparação, motivo pelo qual se mostra imperiosa uma análise mais detalhada dos princípios, deveres e direitos constitucionais que devem ser invocados para a promoção da justiça.
3. DIREITO À VIDA
Consoante preconiza José Afonso da Silva,
Vida, no texto constitucional (art. 5°, caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida. [07]
Dessa maneira, considerando-se a vida como o existir de um ser, no caso em tela, o ser humano, pode-se afirmar que esse direito fundamental assegurado a todos pela Constituição Federal é um direito basilar, do qual defluem todos os outros. Não haveria razão para tutelar outros bens jurídicos se a vida não estivesse protegida. E é justamente pela importância do direito à vida que o Código Penal o protege com tanta veemência, através de diversos tipos penais, considerando crime práticas como o homicídio, o aborto, o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, etc.
Proteger a vida, destarte, consiste não só em garantir a existência do indivíduo, mas também em resguardar a sua integridade física e moral, assegurando-lhe uma vida digna.
Garantida a vida, qualquer conduta que ponha fim a esse direito ou ao menos o restrinja, está violando a Constituição Federal, desde que não autorizada expressamente na lei. É neste contexto que se enquadra a bala perdida: mal capaz de violar a vida de forma brutal, que faz cessar a existência de centenas de inocentes todos os anos, que transforma o dia a dia de diversas famílias, seja porque perderam entes queridos, seja porque os viram ficar gravemente lesionados, ou com deficiências incorrigíveis.
4. DEVER DE PROMOVER A SEGURANÇA PÚBLICA
A Constituição Federal, em seu artigo 144 [08], impõe a segurança pública como dever do Estado e direito de todos, a fim de que se assegure a ordem pública, a incolumidade física das pessoas, bem como o patrimônio.
Mas, o que vem a ser segurança pública? No conceito de José Afonso da Silva,
Na teoria jurídica a palavra "segurança" assume o sentido geral de garantia, proteção, estabilidade de situação ou pessoa em vários campos, dependendo do adjetivo que a qualifica. [...] "Segurança pública" é manutenção da ordem pública interna. [09] (grifo do autor)
Assim, entendida a segurança pública como a manutenção da ordem pública, pode-se perceber que o Estado tem o dever constitucional de promover uma pacífica convivência social, livre de violência e, consequentemente, de crimes. Acerca do tema, prossegue José Afonso da Silva afirmando que
A segurança pública consiste numa situação de preservação ou restabelecimento dessa convivência social que permite que todos gozem de seus direitos e exerçam suas atividades sem perturbação de outrem, salvo nos limites de gozo e reivindicações de seus próprios direitos e defesa de seus legítimos interesses. Na sua dinâmica, é uma atividade de vigilância, prevenção e repressão de condutas delituosas. [10]
Consoante preceitua o já aludido artigo 144 da Constituição Federal, a manutenção da ordem pública será feita, salvo o corpo de bombeiros militares, pela polícia, seja ela federal, rodoviária ou ferroviária federal, civil ou militar. Essa polícia a que se refere o artigo 144 é
[...] a atividade da administração pública dirigida a concretizar, na esfera administrativa, independente da sanção penal, as limitações que são impostas pela lei à liberdade dos particulares no interesse da conservação da ordem, da segurança geral, da paz social e de qualquer outro bem tutelado pelos dispositivos penais [...]. [11]
O Estado, então, diante deste dever-poder de promover a segurança pública, prepara as corporações para o desempenho das funções inerentes à polícia. Sendo assim, "[...] toda forma de violência à integridade física ou mental dos cidadãos faz gerar para o Estado a responsabilidade civil indenizatória pelos danos causados" [12]. Isso ocorre porque,
Ainda que investido da função de preservar a segurança e manter a ordem social, o policial, portando arma de fogo, natural instrumento perigoso, [...] não está autorizado ao manuseio disparatado ou imprudente da mesma; de sua má utilização, resultando danos para os particulares, resulta para o ente público a obrigação de indenizar. [13]
Dessa forma, relativamente ao tema em estudo, se, em decorrência da atividade policial de combate à criminalidade, uma pessoa for atingida por um projétil de arma de fogo, o Estado será responsável pela indenização, independentemente de a vítima ou seus dependentes fazerem prova de que a bala tenha efetivamente saído da arma de um dos policiais. Basta a prova do confronto, só se eximindo o Estado do dever de indenizar se provar caso fortuito, culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiro, desde que esse tenha sido imprevisível e inevitável, como bem ilustra o seguinte acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo,
A autora sofreu lesões no membro superior direito. Foi atingida por um projétil durante um tiroteio havido entre policiais militares e assaltantes. A menor passava pelo local. A Fazenda do Estado não nega que o evento ocorreu durante o mencionado tiroteio. Mas nega a responsabilidade, porque não se comprovou de "onde partiu a bala" que atingiu a menor (se dos revólveres dos policiais ou dos bandidos) e porque seria impossível controlar-se o armamento circulante. [...] A autora teve violado o seu direito à segurança, sendo que o Estado tem o dever de assegurar a paz, a tranqüilidade e a boa ordem aos membros da comunidade. O Estado, no caso, só se eximiria da responsabilidade se lograsse provar a culpa da vítima ou a ocorrência de caso fortuito. Em nome da culpa da vítima, cuja prova inexiste, ou admitir o infortúnio, sofrido pela autora, terceira em relação ao tiroteio, como caso fortuito, para o fim de não empenhar a responsabilidade do Estado, é inconcebível. A segurança da autora deveria igualar-se à segurança buscada pelos agentes do Estado no exercício da coercitividade, na perseguição encetada contra os mencionados bandidos. E, se o tiro proveio da arma de um dos mencionados marginais, a negligência do Estado, que deve garantir a segurança, é evidente em permitir que qualquer um porte arma de fogo e muitos dela façam uso em lugar público. [14] (grifo nosso)
Da análise do acórdão supracitado, observa-se que a polícia não tem, apenas, o dever de combater a criminalidade, mas também o de fazer com eficiência. Além disso, tendo o Estado o controle do porte de armas pelos cidadãos comuns, tem ele também o dever de evitar que as armas sejam adquiridas por aqueles que não cumprem a lei.
5. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
A Emenda Constitucional nº 19 de 1998 inseriu no caput do artigo 37 da Constituição Federal o princípio da eficiência para que, em conjunto com os princípios da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da legalidade, seja o núcleo central de todo serviço público prestado pela Administração.
Entende-se por princípio da eficiência a boa administração, a realização das atividades com presteza e perfeição, de forma a alcançar, através dos meios mais adequados, o fim mais vantajoso ao interesse público.
Referido princípio, consoante preceitua José dos Santos Carvalho Filho, dá aos indivíduos maiores oportunidades de cobrar do Estado a correção de tantas falhas e omissões. "Trata-se, na verdade, de dever constitucional da Administração, que não poderá desrespeitá-lo, sob pena de serem responsabilizados os agentes que deram causa à violação." [15]
Trazida a análise do princípio da eficiência para a atuação policial, deve-se entender que, em uma operação, não basta que a polícia atue dentro dos limites legais, o que não garante a ausência de danos a terceiros, ela deve, também, agir de forma eficiente, com razoabilidade, buscando atuar na prevenção e na repressão do crime sem causar danos a vítimas inocentes.
6. CONTROLE DE ARMAS
Consoante dispõe a Lei 10.826/03, no Brasil, é o Estado que tem o controle sobre registro, posse e comercialização de armas e munições.
Para se adquirir uma arma de fogo, deve-se, além de demonstrar a efetiva necessidade, cumprir os requisitos exigidos nos incisos do art. 4° da Lei 10.826/03, quais sejam:
Art. 4º [...]
I – comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal;
II – apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;
III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei.
O Estado controla, também, através do Sistema Nacional de Armas (Sinarm) a entrada de armamento do país, bem como sua fabricação e comercialização.
Disso decorre que é o Estado o responsável por controlar todo o armamento que circula no país. Todavia, não é isso que acontece.
Ao lado do tráfico de drogas, caminha o tráfico de armas. Os bandidos têm acesso a pesados armamentos, o que lhes permite travar verdadeiras guerras contra os policiais, colocando em risco a vida da população, pois são pessoas despreparadas técnica e psicologicamente para atirar.
Como bem esclarece Patrícia S. Rivero, em estudo realizado para compor o Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Armas, realizada pela Câmara dos Deputados em 2006,
[...] armas de fogo são utilizadas pelas diferentes facções do narcotráfico, no mais das vezes nas periferias abandonadas pelo Estado, como forma de garantir e afirmar o seu poder territorial e permitir o livre comércio de drogas, enfrentando, tanto a polícia, como as facções rivais, o que estabelece nessas áreas, especialmente nas favelas do Rio de Janeiro um estado permanente de conflito armado. Como resultado, o Estado do Rio de Janeiro é a unidade da federação que apresenta as taxas mais altas de mortes por arma de fogo, e as favelas do município do Rio de Janeiro têm taxas de mortes por arma de fogo só comparáveis aos países em guerra. [16]
A utilização de armas pelos criminosos, sem qualquer controle por parte do Poder Público, portanto, apenas aumenta a responsabilidade em relação às balas perdidas, tendo em vista que o serviço defeituoso quanto ao controle das armas, permitindo que uma grade quantidade delas chegue livremente às mãos dos bandidos, demonstra a ineficiência do Estado.
Dessa forma, quando alguém é vitimado por uma bala perdida em virtude de um confronto entre policiais e bandidos, deverá o Estado ser sempre responsabilizado, tendo em vista que atuou com ineficiência na contenção do tráfico de armas, bem como na segurança da população do local, cuja vida não pode ser ceifada sob o pretexto de que é necessário combater o crime.
A necessidade de combater o crime é fato. No entanto, isso não pode ser elevado a um patamar mais alto do que a vida e a integridade física de terceiros inocentes. Isso quer dizer que a polícia precisa agir, sim, mas dentro de um padrão de segurança, que não coloque em risco tantas vidas.