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A (ir)responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Enfoques comparado, doutrinário e legal

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Agenda 01/10/2000 às 00:00

Sumário: 1. Considerações iniciais 2. Teorias sobre natureza jurídica das pessoas coletivas 2.1. Teorias da ficção 2.2 Teorias da realidade 3. Responsabilidade penal da pessoa jurídica em diversos países – enfoque legislativo 3.1. Inglaterra 3.2. Estados Unidos 3.3. França 3.4. Japão 3.5. América Latina 3.6. Alemanha 3.7. Suíça 3.8. Itália 3.9. Espanha 4. Incompatibilidades dogmáticas da responsabilidade penal da pessoa jurídica frente à teoria do delito 4.1. A incapacidade de ação 4.2. A incapacidade de culpabilidade 4.3. Princípio da personalidade da pena 5. A (ir)responsabilidade penal da pessoa jurídica na Constituição Federal de 1988 6. A (in)validade da Lei n. 9.605, de 12/02/98 (lei ambiental), no que concerne à responsabilidade penal da pessoa jurídica 7. Considerações finais 8. Bibliografia.


1. Considerações iniciais

A possibilidade da pessoa jurídica ser sujeito ativo no campo penal tem suscitado, ao longo de todo o século XX, inúmeros e acirrados debates. Basicamente, duas correntes antagônicas, e uma terceira via em formação, debatem a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.

Nos países filiados ao sistema romano-germânico, que representam a esmagadora maioria, vige o princípio societas delinquere non potest, segundo o qual, é inadmissível a punibilidade penal dos entes coletivos, aplicando-se-lhes somente a punibilidade administrativa ou civil.

De outro lado, nos países anglo-saxões e naqueles que receberam suas influências, vige o princípio da common law, que admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica. É bem verdade que esta orientação começa a conquistar espaço entre os países que adotam o sistema romano-germânico, como, por exemplo, a Holanda e, mais recentemente a França e a Dinamarca. Essa tendência se fortaleceu depois da Primeira Guerra Mundial por duas razões: o Estado passou a ser mais intervencionista, regulando a produção e distribuição de vários produtos e serviços; as empresas passaram a ser, em face do seu poderio resultante da formação de monopólios e oligopólios, as principais violadoras das normas estatais.

Uma terceira posição, hoje dominante na Alemanha e em outros países, adota posicionamento intermediário. Às pessoas jurídicas podem ser impostas sanções pela via do chamado direito penal administrativo ou contravenção à ordem. Estas se constituem em infrações de menor gravidade. Sua sanção não é uma multa penal (Geldstrafe), mas sim uma multa administrativa (Geldbusse); por essa via são punidas as infrações econômicas. Nestes casos não se indaga sobre a culpabilidade das empresas, utiliza-se, ao revés, de uma punição com um espírito mais pragmático.

Em 1988 a legislação brasileira passou por um período de transição constitucional inovando sob muitos aspectos, dentre eles pela incorporação das normas insertas nos arts. 173, § 5º e 225, § 3º, que para alguns juristas representou a consagração da responsabilidade da empresa em nosso ordenamento jurídico, inclusive com fundamento constitucional.

Para uma grande parte da doutrina, entretanto, a qual me filio, a questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica encarta um série de obstáculos. Estes repousam, essencialmente, nos textos constitucionais e legais, bem como nos princípios da culpabilidade e individualização da pena.

Nestas sucintas anotações, abordaremos as teorias sobre a natureza jurídica das pessoas coletivas, o estágio atual da legislação de diversos países acerca da responsabilidade penal das mesmas, as incompatibilidades dogmáticas de tal responsabilidade frente à teoria do delito, a previsão da Constituição de 1988 sobre a (ir)responsabilidade penal do ente coletivo, bem como a (in)validade da Lei nº. 9.605/98.


2. Teorias sobre a natureza jurídica das pessoas coletivas

A indagação sobre os fundamentos que justificam a (ir)responsabilidade da pessoa jurídica obriga-nos ao retorno de uma discussão, em grande parte travada no século passado, que diz respeito à natureza jurídica das pessoas coletivas.

Os autores enumeram uma longa série de teorias que podem ser agrupadas em duas tendências: teorias da ficção da pessoa jurídica e teorias da realidade.

2.1. Teorias da ficção

As teorias de ficção consideram as pessoas jurídicas uma criação artificial da lei, carecendo de realidade; sua existência teria por escopo apenas facilitar determinadas funções.

Desenvolvida na Alemanha, essa teoria perdurou por certo tempo, sendo, para a maioria dos juristas do século XIX, o fundamento da noção de personalidade jurídica.

A concepção geral da ficção estabelecida por Savigny considera que cada direito supõe essencialmente um ser ao qual ele pertence. Segundo ele, somente o homem, por sua natureza, possui aptidão de ser sujeito de direito. Desta forma, ao lado do homem, único sujeito de direito, o legislador aceita a criação de uma outra pessoa jurídica, constituída em um grupamento de pessoas e bens.

Esta técnica da ficção atribui um meio jurídico para realizar um interesse geral e, para tanto, passou-se a aceitar que uma pessoa ficta fosse tratada como sendo uma pessoa real.

Por não exprimir a realidade das coisas, esta teoria foi bastante contestada, haja vista que de um lado requeria para o reconhecimento de um direito a exigência de um sujeito, e, de outro, reconhecia às pessoas jurídicas a possibilidade de possuírem certos direitos. Sendo assim, os homens seriam os verdadeiros sujeitos, sempre.

A teoria da ficção suscitou inúmeras críticas. Duguit, por exemplo, considerava que a personalidade de um grupamento é uma idéia abstrata sem qualquer utilidade prática. A existência do ente coletivo, para ele, decorre apenas da técnica jurídica de adequar um conjunto de vontades de um grupo de indivíduos a uma regra de direito.

2.2 Teorias da realidade

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As teorias da realidade, cujos defensores mais conhecidos são Otto Gierke e Zitelman, admitem as pessoas jurídicas como entidades de existência indiscutível, distintas dos indivíduos que as compõem e caracterizadas por finalidades específicas.

Os objetivos destas teorias é afirmar e demonstrar a real existência de um ente coletivo, embora não signifique o reconhecimento de um grupamento com existência exatamente igual a uma pessoa física.

Conceberam-se cinco razões que vieram lastrear a existência das pessoas jurídicas. São elas: biológica, fisiológica, sociológica, institucional e técnica.

Para a primeira concepção, estabeleceu-se a idéia de que não é somente o homem o sujeito de direito. A pessoa jurídica forma uma realidade natural, resultante da existência de vários membros. Como uma pessoa física, a coletividade possui um conjunto de órgãos, cada qual com uma função própria, e, embora não sejam constituídas dos mesmos órgãos dos seres humanos, alguns de seus membros - pessoas físicas e independentes - representam seus órgãos.

Para Fausto Martin de Sanctis(1), "a comparação entre o grupamento e o corpo humano careceu de suficientes elementos a justificar o fenômeno da pessoa jurídica. Ao contrário dos seres humanos, os órgãos que integram as pessoas jurídicas possuem vida distinta, socialmente reconhecida."

Para a teoria fisiológica os indivíduos, ao se associarem, criam um novo ser, real e vivo, resultado da reunião de vários elementos, os quais resultam na formação de uma vontade una.

Os defensores da teoria sociológica, por sua vez, justificam a existência da personalidade jurídica das pessoas coletivas, tendo em vista sua existência objetiva. O grupamento possui suas bases a partir de sua origem e se revela, com isso, capaz de ter direitos e contrair obrigações. A noção de responsabilidade jurídica, para eles, repousa numa realidade social.

Já a teoria da instituição, desenvolvida por Harriou - uma das mais aceitas por nossos juristas, dentre eles a Professora Maria Helena Diniz - defende que "a personalidade jurídica constitui um atributo que a ordem jurídica estatal confere a entes que o merecem. Esta teoria desconsidera, contudo, o fato de que as pessoas de direito público ou os grupos naturais não se forma da vontade pura do grupamento, e a teoria da instituição faz da vontade geral a base da personalidade jurídica."(2)

Por fim, a concepção da realidade técnica, que também conta com vários seguidores no Brasil, sublinha que a idéia da vontade comum não se coloca no plano filosófico, mas, simplesmente, no plano jurídico. Afirma, ainda, Fausto Martin de Sanctis(3), citando Jellinek e Richier "que os atos que emprestamos aos grupamentos são, em realidade, os atos de vontade dos indivíduos e juridicamente os atos de vontade da coletividade. Uma pessoa jurídica pode adquirir a sua personalidade quando seus interesses distintos são assumidos pela organização, de molde a possibilitar a formação de uma vontade coletiva."


3. Responsabilidade penal das pessoas jurídicas em diversos países – enfoque legislativo

3.1. Inglaterra

A velha doutrina inglesa, influenciada pela doutrina da ficção, recusava a responsabilidade criminal das pessoas coletivas. A partir da Revolução Industrial e do crescente número de crimes cometidos através das grandes empresas, a jurisprudência passou a mudar sua orientação começando a aplicar sanções coletivas, primeiramente em virtude de infrações omissivas e, mais tarde, também, por atos comissivos.

Alguns fatores concorreram para tal mudança. Primeiramente uma razão de ordem processual: através do Sumary Jurisdiction Act de 1879, superou-se a exigência da presença pessoal do acusado para se fazer representar em juízo. Além disso, fez-se necessário impor uma regulamentação à atividade societária, também no aspecto penalístico, para coibir, pragmaticamente, algumas atividades ilícitas das corporações.

O quadro evolutivo somente se completou a partir de 1948 com o advento do Criminal Justice Act, responsável pelo estabelecimento da possibilidade de conversão das penas privativas de liberdade em penas pecuniárias. Atualmente, no direito inglês, as pessoas coletivas podem ser punidas por infrações mais leves (misdemeanours) ou por infrações mais graves (felonies), exceto por aqueles fatos que, pela própria natureza, não possam ser cometidos por uma corporação. As penas aplicáveis são pecuniárias, dissolução, apreensão e limitação de atividades.

3.2. Estados Unidos

No direito norte-americano, o princípio da responsabilidade criminal das corporações é ainda mais amplo do que na Inglaterra.

Em face do sistema federado americano, alguns Estados não adotam a orientação dominante no país, como é o caso do Estado de Indiana. Não obstante tal fato, a regra é a responsabilidade penal das corporações.

O direito americano admite a imputação das empresas nas infrações culposas, quando cometidas por um empregado no exercício de suas funções, mesmo que a empresa não tenha obtido proveito com o fato delituoso. Além disso, a corporação também será responsável quando o fato criminoso for cometido a título de dolo e se praticado por um executivo de nível médio.

A responsabilidade corporativa é tão ampla que atinge até mesmo os sindicatos, conforme já decidiu a Corte Suprema dos Estados Unidos, em 05.06.1922(4).

O Código Criminal Federal de 1988, nos parágrafos 1962 e 1963, também estabelece penas de multa para os agentes coletivos que, ao lado dos individuais, participarem direta ou indiretamente de atividades econômicas consideradas lesivas ao patrimônio público ou associadas ao crime organizado. Multa e inabilitações são as penas aplicadas pelo cometimento do delito.

Conforme Sérgio Salomão Shecaria(5), a tendência atual, no entanto, é de restringir a aplicação das penas a pessoas coletivas, partindo-se da idéia de que se trata, certamente, de uma reprovação penal duvidosa sob a ótica da realização da justiça, segundo exposição de motivos do próprio Código Penal Tipo.

3.3. França

Desde 1º de março de 1994, com a entrada em vigor do atual Código Penal, a França juntou-se ao rol dos países que expressamente admitem a responsabilidade penal das pessoas morais, sempre que o crime for cometido "par leur compte, par les organes ou représentants"(art. 121,2).

O supra citado dispositivo legal acolheu amplamente a responsabilidade penas das corporações, só excluindo de seu alcance as infrações cometidas por coletividades territoriais (comunas, departamentos, regiões, quando no exercício de atividades inerentes às funções entendidas como próprias do poder público) e o próprio Estado. Em contrapartida, todas as pessoas jurídicas são atingidas, incluindo sindicatos e associações, as sociedades civis e comerciais, os agrupamentos de interesses econômicos, as fundações clássicas e de empresas.

A idéia da sociedade coletiva com uma vontade própria, não sendo apenas um mito e se distinguindo da vontade individual de seus membros foi acolhida no plano teórico e está disposto no Código Civil. Essa vontade coletiva, concretizada pela vontade de sua assembléia geral ou de seu conselho de administração, gerência ou direção, é capaz de cometer ilícitos tanto quanto a pessoa individual.

Ainda de acordo com os ensinamentos de Sérgio Salomão Shecaira6(6), duas condições são necessárias para que se reconheça a responsabilidades das empresas: "que a infração seja cometida por um órgão ou representante da pessoa moral; que seja cometida por ‘sua conta’, entendida tal expressão como agir em seu interesse."

3.4. Japão

Em artigo titulado Societas delinquere potest – Revisão da legislação comparada e estado atual da doutrina, o Professor João Marcello de Araújo Júnior7(7) informa que até 1932, o Japão, por influência do direito europeu, que de regra entendia que a empresa não podia cometer crimes, consagrou uma espécie de responsabilidade vicariante, pois os diretores, representantes e gerentes eram punidos pelos atos ilícitos das empresas.

Pelo novo sistema, introduzido àquela época, o Act Preventing Escape of Capital to Foreign Countries, conhecido como Ryobatsu-Kitei, passou-se a punir tanto o autor, pessoa natural, quanto a própria empresa.

3.5. América Latina

Na América Latina a regra é a incriminação exclusiva da pessoa natural, abrindo-se exceção para o México e Cuba.

Este último país, "tem experiência peculiar com o Código de Defesa Social de 1936 que, partindo das teorias positivistas de Ferri e estabelecendo como pressuposto da pena a periculosidade e não a culpabilidade, impunha medidas de segurança às empresas. O art. 16 desse diploma normativo prevê que ‘as pessoas jurídicas poderão ser consideradas criminalmente responsáveis nos casos determinados neste código, ou em lei especiais, em razão das infrações cometidas dentro da própria esfera de ação das ditas pessoas jurídicas, quando forem levadas a cabo por sua representação, ou por acordo de seus associados, sem prejuízo da responsabilidade individual em que houverem incorrido os autores dos fatos puníveis.’"(8)

Por sua vez, o México, em seu Código Penal, no art. 11, prevê a possibilidade de, em caso de crime cometido por algum membro ou representante de pessoa jurídica, desde que sob amparo da representação social da empresa ou em seu benefício, decretar-se na sentença a suspensão do agrupamento ou sua dissolução, quando necessário para a segurança pública. Tal medida, pode ser entendida, de acordo com os ensinamentos de Shecaria, "como uma medida de caráter administrativo complementar, e não como uma plena responsabilidade da pessoa coletiva."(9)

3.6. Alemanha

Pela influência do direito alemão na moderna dogmática penal, mister se faz tecer maiores comentários acerca deste ordenamento jurídico.

Na Alemanha, as pessoas coletivas não podem ser objeto de sanções do tipo penal. Nem o Código Penal vigente, tampouco o Direito Penal Alemão como um todo conhecem penas que possam ser aplicadas às empresas. Vigora, pois, a regra societas delinquere non potest. As pessoas jurídicas, entretanto, podem ser atingidas pelo confisco especial dos ganhos obtidos com o delito, assim como pela perda dos producta et instrumenta sceleris (§§ 73 e 74, do Código Penal).

Como, para eles, as pessoas jurídicas atuam exclusivamente por intermédio de seus órgãos, às mesmas podem somente ser impostas sanções pela via do chamado direito penal administrativo ou contravenção à ordem. Estas são infrações de menor gravidade. Sua sanção não é a multa penal (Geldstrafe), mas sim uma multa administrativa (Geldbusse), aplicada para as infrações de trânsito e as econômicas.

O insigne penalista Luiz Regis Prado(10) noticia que o art. 30, da OWIG (Gesetz über Ordenungswidrigkeiten), de 1975, prevê a imposição de multa contravencional como sanção acessória à pessoa jurídica quando o autor, dotado de certa representatividade, praticar uma contravenção ou um delito, sempre e quando tenha conexão com a atividade da empresa.

Ainda conforme o mencionado Professor, o art. 130, da mesma lei, prescreve: "Quem, como proprietário ou titular de uma empresa, dolosa ou culposamente, omite-se em adotar as medidas de vigilância necessárias para evitar a realização de infrações cominadas com pena ou multa administrativa e vinculadas à atividade da empresa, será punível por contravenção, quando se praticar uma contravenção ou delito, no caso me que o exercício da vigilância devida pudesse evitar a contravenção ou delito". Essa disposição legal cria um dever de vigilância que dá origem a tipos de omissão pura.

Para Shecaria(11), a justificativa para adoção de tal sistema se firma na idéia segundo a qual não se pode aplicar uma sanção de natureza penal às empresas em face da inexistência de reprovação ético-social de uma coletividade. As multas, em tais casos, são desprovidas do significado social de reprovação e, portanto, valorativamente neutras.

Além das penas pecuniárias, os arts. 8o e 10, da lei sobre delinquência econômica, prevêem o confisco à pessoa jurídica de seus bens, dentre outras medidas. Apreensão de bens, restituição das vantagens e encerramento das empresas também são medidas encontradas para reprovação das empresas no direito alemão.

No processo vigora o princípio da oportunidade e não o da legalidade. A acusação é exercida pela autoridade administrativa e não pelo Ministério Público. Da decisão da autoridade administrativa cabe recurso para o tribunal administrativo regional.

3.7. Suíça

O Código Penal suíço de 1942, em seus arts. 172 e 326, nega a responsabilidade coletiva, afirmando que somente os representantes das empresas é que podem ser culpados por um fato delituoso.

No entanto, as soluções são diversas na órbita do direito de polícia, econômico e administrativo. Seguindo a orientação alemã, segundo a qual nesse campo a natureza da multa não corresponde a uma censura ética, mas meramente social, o direito suíço prevê a aplicação de multas ou sanções funcionais às empresas.

A jurisprudência e a doutrina sustentam a mesma visão, qual seja, a responsabilidade é somente pessoal. O Tribunal Federal, de acordo com informação colacionada por João Castro e Silva(12), segue a orientação conforme a qual, nesse domínio da responsabilidade, o interesse maior é a prevenção e não a repressão, motivo porque só se admitem sanções no plano do direito penal administrativo ou mera ordenação social.

3.8. Itália

A evolução da responsabilidade penal das pessoas coletivas na Itália tem sido delimitada pelo princípio constitucional da personalidade da responsabilidade penal, contido no art. 27 da Constituição, e sobejamente consagrado pela Corte Constitucional. Entretanto, o art. 197 do Código Penal prevê a responsabilidade subsidiária da empresa em relação à sanção pecuniária, porém, tal responsabilidade é de natureza civil.

Foi introduzido, neste país, em 1981, o Direito Penal Administrativo. E, a partir de 1990, foram criadas sanções administrativas, quase-penais, contra as empresas no campo da concorrência, do mercado de valores mobiliários e de audiovisuais.

3.9. Espanha

No Código Penal espanhol de 1995, a responsabilidade individual continua sendo a única fonte, tanto da pena, quanto da medida de segurança.

De um modo geral, o Título VI, do Livro I, no art. 129, define medidas que afetam as pessoas jurídicas, qualificando-as, porém, como consequências acessórias de ações individuais de pessoas naturais que integram a pessoa jurídica.

A repulsa, nas palavras de João Marcello de Araújo Júnior(13), que alguns juristas espanhóis sentem pela idéia de uma responsabilidade penal das empresas levou o legislador de 1995 a criar, no art. 31, do Código Penal, uma figura tortuosa de responsabilidade por fato de outrem, assim redigida: "El que actúe como administrador de hecho o de derecho de una persona jurídica, o en nombre o representación legal o voluntaria de outro, responderá personalemte, aunque non concurran en el las condiciones, cualidades o relaciones que la correspondiente figura de delito o falta requiera para poder ser sujeto activo del misto, si tales circunstancias se dan en la empresa o persona en cuyo nombre o representación obre."

Ainda segundo o supra citado autor, esse dispositivo legal não passa de um subterfúgio para excluir a responsabilidade penal da empresa, revelando o caráter pessoal da responsabilidade penal na Espanha. Para ele, o Código Penal espanhol preferiu consagrar uma forma de responsabilidade objetiva a admitir a responsabilidade da empresa.

Sobre a autora
Keity Mara Ferreira de Souza

servidora pública estadual em Natal (RN), especialista em Processo Penal pela UNP/FESMPRN

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Keity Mara Ferreira. A (ir)responsabilidade penal da pessoa jurídica.: Enfoques comparado, doutrinário e legal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1716. Acesso em: 23 dez. 2024.

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