5.Relação de consumo
Um dos argumentos esgrimidos pela corrente contrária à competência da Justiça do Trabalho para julgar ação de cobrança de honorários contratuais é de que se trata, na espécie, de relação de consumo.
Romita [05] refuta com veemência e absoluta propriedade este entendimento. Afirma que a prestação de serviços por um trabalhador autônomo estabelece uma relação de trabalho, e não uma relação de consumo. Os sujeitos da relação de trabalho são o prestador de serviço (trabalhador) e o tomador do serviço ou cliente, enquanto os sujeitos da relação de consumo são o fornecedor e o consumidor, este definido pelo art. 2º da Lei 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC) como toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Acrescenta que a noção de destinatário final, no âmbito das relações de consumo, tem por objetivo impedir que o consumidor aplique o produto ou serviço na cadeia produtiva, introduzindo-o mais adiante no processo com o objetivo de obter lucro. Destaca que aqui existe a noção de mercado de consumo, cujo fim precípuo é o lucro. Arremata o doutrinador:
[...] Cabe, então, indagar: o que isto tem que ver com a prestação de serviço por um profissional liberal? Como é possível enxergar no tomador do serviço ou cliente um "destinatário final" da atividade do "fornecedor", isto é, do prestado de serviço em caráter autônomo, profissional liberal ou de outra categoria? É injurídico ver na pessoa do tomador do serviço ou cliente do profissional liberal o "destinatário final" da atividade por ele desenvolvida. Só com violência a conceitos jurídicos básicos é que se consegue identificar duas figuras díspares, em nada semelhantes, quais sejam, o consumidor, no mercado de consumo (o destinatário final), e o tomador de serviço ou cliente, na relação de trabalho." [06]
Acentua, ainda, que a noção de fornecedor, tal como definido no art. 3º, do CDC, tem caráter mercadológico, pressupondo ação humana caracterizada pelo intuito do lucro, o que se mostra absolutamente incompatível com a relação de trabalho, pois nesta o prestador do serviço não vende sua energia mas apenas presta serviço visando à remuneração. "Depende do trabalho para viver, não para atuar como negociante no mercado. Trabalho é fator de produção, não objeto de negócio no mercado de consumo. Por aí, vê-se de imediato quão longe do valor dignidade da pessoa humana patinham aqueles que vêem na prestação de serviço por profissional liberal modalidade de relação de consumo!" [07]
O próprio Superior Tribunal de Justiça, a quem incumbe julgar os conflitos de competência entre Juízes do Trabalho e Juízes Estaduais (CF, art. 105, I, d), embora adote o entendimento de que compete à justiça estadual processar e julgar a ação de cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente (Súmula 363), pronunciou-se no sentido de que não há, nos serviços prestados por advogados, relação de consumo.
Não há relação de consumo nos serviços prestados por advogados, seja por incidência de norma específica, no caso a Lei nº 8.906/94, seja por não ser atividade fornecida no mercado de consumo. As prerrogativas e obrigações impostas aos advogados como, v.g., a necessidade de manter sua independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de causas ou à utilização de agenciador (arts. 31, §1º e 34/III e IV, da Lei nº 8.906/94) – evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo.- (STJ, 4ª Turma, Resp 532377/RJ, Recurso Especial 2003/083527-1, rel. Min. César Asfor Rocha, DJU 13/10/2003, p. 373).
No mesmo sentido, decisão do Tribunal Superior do Trabalho:
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Nos termos do inciso IX do art. 114 da CF, incluído pela Emenda Constitucional 45/2004, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as controvérsias decorrentes das relações de trabalho. Pode-se definir a relação de trabalho como uma relação jurídica de natureza contratual entre trabalhador (sempre pessoa física) e aquele para quem presta serviço (empregador ou tomador dos serviços, pessoas físicas ou jurídicas), que tem como objeto o trabalho remunerado em suas mais diferentes formas. Assim, essa relação não se confunde com a relação de consumo, regida pela Lei 8.078/90, cujo objeto não é o trabalho realizado, mas o produto ou serviço consumível, tendo como pólos o fornecedor (art. 3º) e o consumidor (art. 2º), que podem ser pessoas físicas ou jurídicas; nem com a relação estatutária, regida, na esfera federal, pela Lei 8.112/90, que não possui natureza contratual, mas de vínculo estável entre o servidor público e o órgão estatal, no qual ocupa cargo ou função para prestação de serviço público. O divisor de águas entre a prestação de serviço regida pelo CC, caracterizada como relação de trabalho, e a prestação de serviço regida pelo CDC, caracterizada como relação de consumo, está no intuitu personae da relação de trabalho, pelo qual não se busca apenas o serviço prestado, mas que ele seja realizado pelo profissional contratado. Nesse contexto, o liame entre o advogado e seu representado revela-se uma típica relação de trabalho, na qual o trabalhador, de forma pessoal e atuando com independência relativa, administra os interesses de outrem por meio de mandato, na forma dos arts. 653 a 692 do CC. Assim, que ampliada pela EC 45/2004, conferiu nova redação ao art. 114 da Constituição Federal, a atual competência da Justiça do Trabalho abrange as controvérsias relativas ao pagamento de honorários advocatícios decorrentes da atuação do advogado em juízo, por se tratar de ação oriunda de relação de trabalho. Ressalte-se que, em face do cancelamento da Orientação Jurisprudencial 138 da SBDI-2 do TST, não tendo sido ainda editada uma nova diretriz por esta Corte, resta ao julgador adotar seu posicionamento em cada caso concreto, até que se gere uma nova jurisprudência pacífica sobre a matéria. Assim sendo, DOU PROVIMENTO ao recurso, para determinar o retorno do presente feito à Vara do Trabalho de origem, para que o analise como entender de direito.-(RR - 4168/2006-001-12-00, 7ª Turma, Rel. Min. IVES GANDRA MARTINS FILHO, in DJ - 23/11/2007)
6.Honorários advocatícios de defensor dativo
O Tribunal Superior do Trabalho, em julgado proferido em 10 de março de 2010 (RR - 97200-08.2007.5.03.0081, publicação DEJT - 19/03/2010) reconheceu a competência da Justiça do Trabalho também para apreciar ação de cobrança de honorários advocatícios de defensor dativo, tendo a ementa o seguinte teor:
ADVOGADO DATIVO - AÇÃO DE COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 1. O art. 114, I, da CF fixou a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios . 2. Na hipótese vertente, o acórdão regional firmou tese de que não obstante a Ementa Constitucional 45/04 tenha ampliado o alcance da competência, seria a Justiça do Trabalho incompetente para julgar ação de cobrança de honorários advocatícios de defensor dativo. 3. Contudo, considerando que nesses casos há uma típica relação de trabalho, na medida em que o Estado está constitucionalmente obrigado a prestar assistência judiciária aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, LXXIV) e, considerando, ainda, que nas localidades em que não há defensor público este trabalho é repassado ao chamado advogado dativo, de se concluir que o acórdão regional vulnerou o art. 114, da Carta Republicana.
Descabe argumentar, como pretende segmento da doutrina, que a relação de trabalho em questão foi alcançada pela liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI 3395, na medida em que não se trata, neste caso, de "relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo". Esclarecedores, a respeito, os fundamentos que constam no acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, cuja ementa acima foi transcrita:
Nem se argumente que a relação que se evidencia no caso pudesse ser identificada como de natureza administrativa. Isso porque o Autor não foi nomeado para exercer cargo público algum, assim considerado aquele criado por lei e com a exigência de submissão a aprovação em concurso público ou, ainda, para o exercício em comissão. De se afastar, assim, o alegado enquadramento da relação havia entre as Partes nas normas de Direito Administrativo, tal como preceitua o art. 37, II e § 2º, da Lei Maior.
BIBLIOGRAFIA
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002.
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol. III: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2004.
RODRIGUES, Manuel Cândido. Contratos de Trabalho, Contratos Afins, Contratos de atividade. In Curso de Direito do Trabalho. Volume I. Estudos em memória de Célio Goyatá. Coordenação de Alice Monteiro de Barros. São Paulo: LTr, 1993.
ROMITA, Arion Sayão. Prestação de serviços por trabalhadores autônomos: relação de trabalho ou relação de consumo? Revista LTr, 70-08. São Paulo: LTr, 2006.
Notas
- GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol. III: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 258.
- RODRIGUES, Manuel Cândido. Contratos de Trabalho, Contratos Afins, Contratos de atividade. In Curso de Direito do Trabalho. Volume I. Estudos em memória de Célio Goyatá. Coordenação de Alice Monteiro de Barros. São Paulo: Ltr, 1993, p.413/414.
- DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2002, p. 280.
- 363 - Compete à Justiça estadual processar e julgar a ação de cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente.
- ROMITA, Arion Sayão. Prestação de serviços por trabalhadores autônomos: relação de trabalho ou relação de consumo? Revista LTr, 70-08. São Paulo: LTr, 2006.
- Op.cit. p. 908.
- Op. Cit. P. 908.