Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

O benefício previdenciário de valor mínimo como cálculo da renda familiar "per capita" para fins de concessão de benefício assistencial ao idoso

Exibindo página 1 de 3
Agenda 24/08/2010 às 09:56

O Estatuto do Idoso prevê a dispensa da aferição da renda do grupo familiar apenas para o benefício assistencial concedido ao idoso, não incluindo aí outro benefício.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O benefício assistencial criado pela Constituição Federal; 1.1 A seguridade social; 1.2 A regulamentação do benefício assistencial; 1.2.1 O portador de deficiência; 1.2.2 O idoso; 1.2.3 O pobre; 2 O entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o requisito renda per capita de ¼ do salário mínimo; 3 O cômputo da renda do grupo familiar do benefício assistencial ao idoso; 3.1 O benefício previdenciário de valor mínimo como cálculo da renda familiar per capita para fins de LOAS; Conclusão; Referências.


INTRODUÇÃO

O benefício assistencial está previsto na Constituição Federal, no art. 203, V, e foi regulamentado pela Lei n° 8.742/93. É um benefício concedido no valor de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência ou ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

A ausência de meios do deficiente ou do idoso de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme a Lei n° 8.742/93, está presente quando há comprovação de que a renda familiar do interessado no benefício é inferior a ¼ do salário mínimo per capita.

No que concerne ao idoso, o Estatuto do Idoso estabelece que não é computado na renda do seu grupo familiar o valor de outro benefício assistencial ao idoso. Por exemplo, se a esposa do interessado no beneficio já recebe o benefício assistencial ao idoso, certamente a sua renda, no valor de um salário mínimo, não será observada na aferição de ¼ do salário mínimo.

O problema ocorre quando um ente do grupo familiar percebe qualquer benefício previdenciário de valor mínimo. A dúvida gira em torno da aplicação literal do Estatuto do Idoso, já que prevê expressamente a dispensa da aferição da renda do grupo familiar apenas para o benefício assistencial concedido ao idoso, não incluindo aí outro benefício.

Antes de tudo, deve-se ressaltar que o benefício assistencial não exige contrapartida do cidadão, como a inscrição e filiação à Previdência Social, e cumprimento do período legal de carência. E não são poucas as pessoas que necessitam desse benefício, já que grande parte da sociedade brasileira não dispõe de recursos financeiros suficientes. Por essa razão, mais do que nunca seus requisitos legais devem ser estritamente observados, evitando-se a concessão para quem não faz jus. Isso porque os recursos do Estado são extremamente limitados, e a concessão indevida do benefício causaria dano à sociedade, que é a encarregada de custear a assistência social pública.

São inúmeros os requerimentos administrativos do benefício assistencial postulados junto ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, sendo que também é amplo o seu deferimento. No caso de indeferimento, é comum a procura ao Poder Judiciário; e este, por conseguinte, não raras vezes julga o pedido em desfavor da autarquia previdenciária.

Como já é ampla a concessão administrativa do benefício assistencial, é de se questionar as hipóteses em que o benefício é concedido por força de decisão judicial, notadamente quando um membro do grupo familiar interessado já percebe benefício previdenciário de valor mínimo.

Com efeito, é essencial o estudo do cômputo do benefício previdenciário de valor mínimo para fins de concessão do benefício assistencial ao idoso, principalmente no que diz respeito à renda mensal do grupo familiar, com o fito de elucidar as controvérsias existentes, mostrando a possibilidade ou não de se dar uma interpretação extensiva ao Estatuto do Idoso.


1 O BENEFÍCIO ASSISTENCIAL CRIADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A CF, originada pela renovação da democracia, visou a melhorar inúmeros aspectos da vida política e social, provendo para o futuro. Destaca-se o art. 3º, III, tendo a erradicação da pobreza como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, razão pela qual, mais adiante, nos arts. 203 e 204, constitucionalizou a política de assistência social.

Dentre esses dispositivos, há o art. 203, V, que assegura o pagamento de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovarem não possuir meio de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família. É o benefício assistencial, também conhecido como benefício de prestação continuada ou "LOAS", que substituiu a renda mensal vitalícia prevista no revogado art. 139, da Lei nº 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social – LBPS), destacando-se como um auxílio excepcional. Dispõe o art. 203, V, da Constituição:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Referida norma, inovando na ordem constitucional, positiva constitucionalmente um direito atinente à assistência social, sendo a única que prevê um direito claro e determinado e, por conseguinte, cuja existência não é passível de discussão. O interessado no benefício deve ser idoso ou portador de deficiência, mas essa deficiência e demais pressupostos serão exigidos conforme dispuser a lei, tratando-se, assim, de norma constitucional de eficácia limitada e aplicabilidade indireta.

Contudo, para que se entenda o benefício em comento, é necessária uma análise, ainda que singela, da seguridade social, conforme abaixo explicitado.

1.1.A seguridade social

A seguridade social é um sistema de proteção social ao ser humano, com o fito de amparar as suas carências, assegurando um mínimo essencial para a vida, e é composta pela saúde, previdência e assistência sociais. Na Constituição Federal, tal sistema se encontra nos arts. 194 a 204, compreendendo um conjunto integrado de ações do Poder Público e da sociedade.

Em regra, pode-se dizer que a previdência fornece benefícios; a saúde, serviços; e a assistência, benefícios e serviços. A diferença entre esses institutos está no fato de que a previdência exige contribuição; ao passo que os demais, não.

A assistência social tem uma relação direta com o benefício ora em estudo. Está disciplinada nos arts. 203 e 204 da CF, alhures mencionados, bem como na Lei nº 8.742/93, abaixo explicitada. É prestada a quem dela necessitar, tratando-se de direito público subjetivo, visando a atender às necessidades básicas da sociedade.

Feitas essas considerações, impende adentrar no subtítulo seguinte, que trata do benefício regulamentado pela Lei nº 8.742/93.

1.2.A regulamentação do benefício assistencial

Logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, nasceram dúvidas interpretativas sobre o direito previsto no art. 203, V, principalmente quanto à possibilidade ou não de aplicação imediata da referida norma, sendo que grande parte da doutrina entendeu que se tratava de norma de eficácia limitada. Contudo, a discussão se encontra de certa forma superada pela superveniência da legislação reguladora, a Lei nº 8.742/93. A partir de então, a discussão se transferiu para a constitucionalidade ou não de tal regulamentação, o que demanda interpretação da própria norma constitucional. Sobre esse assunto, é interessante a observação de Segundo Sergio Fernando Moro, na obra organizada por Daniel Machado da Rocha (2003, p. 145), "Normas constitucionais, ainda que dependentes de legislação reguladora, não se encontram à disposição do legislador, sob pena de inversão do princípio da supremacia da Constituição".

Dispõe o art. 20 da legislação regulamentadora do benefício assistencial:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1(um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70(setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

§1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei 8.213 de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto.

§2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

§3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

§4ª O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica. (...).

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A Lei nº 8.742/93 veio dar eficácia à norma constitucional, estabelecendo os parâmetros para a concessão do benefício. Cabia ao legislador ordinário, em razão da redação constitucional, eleger os beneficiários da assistência social. O Decreto nº 6.214/07 regulamenta a LOAS e atribui a responsabilidade ao INSS para a operacionalização do mesmo. Logo adiante, explica-se quem realmente faz jus ao beneficio, o deficiente e o idoso.

1.2.1 O Portador de deficiência

A maior relevância deste trabalho diz respeito ao benefício assistencial ao idoso, mas para alcançar uma noção geral sobre o assunto, é necessário tecer considerações acerca do benefício assistencial ao portador de deficiência, sobretudo porque, para a obtenção do benefício, também é obrigatória a presença do requisito "pobreza".

O § 2º do art. 20 da LOAS, acima transcrito, definiu o que se entende por pessoa portadora de deficiência, devendo haver a conjugação da incapacidade para o trabalho com a incapacidade para a vida independente. Incapacidade para o trabalho é a impossibilidade de exercer atividade que lhe garanta a subsistência; e incapacidade para a vida independente é a impossibilidade de se alimentar sozinho, cuidar da higiene pessoal, locomover-se autonomamente.

Todavia, em decorrência do elevado quantitativo de ações judiciais aforadas em face do Instituto Nacional do Seguro Social, com o fito de reduzi-las, bem como de simplificar a vida dos segurados, a Advocacia-Geral da União (AGU) editou a Súmula n° 30, de 09 junho de 2008, que reza o seguinte: "A incapacidade para prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da incapacidade para a vida independente, conforme estabelecido no art. 203, V, da Constituição Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993". Essa iniciativa da AGU, por meio da Procuradoria-Geral Federal (PGF), efetiva a missão constitucional de defesa do interesse público e contribui, significativamente, para a garantia dos direitos fundamentais assegurados na Constituição.

Quer isso dizer que, na esfera judicial, a comprovação da incapacidade para o trabalho é suficiente para a caracterização da incapacidade para os atos da vida independente. Dessa forma, se a perícia médico-judicial apontar a incapacidade para o trabalho, e caso haja prova da "pobreza" do interessado, é possível que o Procurador Federal oficiante proponha acordo judicial ou, se for o caso, que renuncie ao recurso contra eventual sentença procedente, uma vez que os enunciados de Súmulas da AGU vinculam todos os órgãos jurídicos da União, nos termos do art. 43 da Lei Complementar n° 73/93.

No subtítulo seguinte, será analisado o benefício assistencial ao idoso, que possui maior relação com este estudo. Por ora, as lições acerca do benefício assistencial ao portador de deficiência são suficientes para a compreensão do tema.

1.2.2 O Idoso

O idoso, segundo a Lei n° 8.742/93, é aquele que tem idade igual o superior a 70 (setenta) anos. Entretanto, o Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/2003), conforme art. 34, parágrafo único, reduziu a idade para 65 (sessenta e cinco) anos.

Além de ser idoso, o interessado no benefício deve ser considerado pobre. A pobreza foi regulamentada pela Lei n° 8.742/93, no § 3º, do art. 20 acima transcrito, conforme se explica mais detidamente no subtítulo seguinte.

1.2.3 O pobre

Conforme dito acima, a "pobreza" do interessado é requisito essencial para a obtenção do benefício em estudo. A pobreza, conforme disposição constitucional, é a ausência de condições de prover o próprio sustento do interessado ou de tê-lo provido por sua família, configurando uma situação de carência de recursos.

Há divergências acerca da caracterização da pobreza, causando diferenciados resultados na determinação dos pobres e indigentes. De acordo com Sergio Fernando Moro, na obra organizada por Daniel Machado da Rocha (2003), há estudos importantes que indicam várias opções razoáveis para a caracterização dos pobres e indigentes, sendo que uma primeira opção trata a pobreza como conceito relativo, definindo as famílias pobres como aquelas em que a renda é menor que determinado percentual da renda média. Ademais, confome esse autor, a maior parte dos estudos no Brasil tem adotado um conceito absoluto, desvinculando a mensuração da pobreza da desigualdade, parecendo mais adequado para caracterização do direito à assistência social. Continuando, aduz o referido autor (2003, p. 148):

Em vista da existência de dados e estudos consideráveis para caracterização da pobreza, seria razoável que, para caracterização do direito ao benefício da assistência social, eles fossem tomados por base, ainda que isso envolvesse uma opção entre as metodologias e resultados disponíveis.

Entretanto, a Lei nº 8.742/93 optou por estabelecer uma linha de pobreza com base em um percentual do salário mínimo vigente no País, estabelecendo que considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. João Ernesto Aragonés Vianna (2010, p. 33) fornece o seguinte exemplo:

(...) Tendo em vista que o valor atual do salário é de R$ 510,00, a renda de cada um dos integrantes da unidade familiar – cujo conceito está acima – deve ser inferior a R$ 127,50; logo, a interpretação literal da lei leva à conclusão de que uma família composta por um casal e dois filhos, onde apenas o pai trabalha e um dos filhos preenche os requisitos da deficiência estipulada pela lei, não tem direito ao benefício, já que a renda per capita será igual a ¼ do salário mínimo.

O grupo familiar, cuja renda deverá ser considerada na aferição do direito ao benefício, é aquele constituído pelas pessoas elencadas no art. 16 da Lei n° 8.213/91 (art. 20, § 1º, da LOAS, com a redação da Lei n° 9.720/1998):

I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;

II – os pais;

III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.

Ou seja, apenas essas pessoas e respectivas rendas serão computadas para verificação da fração legal (¼ do salário mínimo), excluídos outros eventuais habitantes da residência (sogro, sogra, genro, nora, primos, etc.). Sergio Fernando Moro, na obra organizada por Daniel Machado da Rocha (2003, p. 148), critica essa regulamentação legal, porquanto não teria tido qualquer base empírica, senão vejamos:

Tal dispositivo, além de servir como critério objetivo para identificar o titular do benefício, culmina por restringir o acesso daqueles que não se enquadram na situação nele descrita. Ao mesmo tempo que regula, restringe.

O que é censurável é que a adoção de tal critério não teve, aparentemente, qualquer base empírica. (...)

O entendimento do referido doutrinador possui razoabilidade, mas deve-se levar em consideração que o dispositivo constitucional instituidor do benefício assistencial depende de lei, e o legislador, na sua função, entendeu que o pobre é aquele cuja família disponha de renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

Se tal critério é ou não condizente com a realidade do Brasil, é certo que é mais seguro haver um critério legal do que nenhum. Não havendo critério definido, a Administração Pública, adstrita ao princípio da legalidade, ficaria de mãos atadas, indeferindo administrativamente inúmeros requerimentos de benefícios assistenciais. Como consequência, certamente haveria uma maior procura ao Poder Judiciário, ocasionando inúmeros outros critérios definidores da miserabilidade, conforme o entendimento motivado de cada magistrado. Isso seria injusto para a grande massa de brasileiros que não dispõe, ainda, de um eficaz acesso ao Poder Judiciário.

Caso o critério adotado pelo legislador ordinário não seja o mais eficaz, ou até mesmo injusto com a realidade social desse país, deve ser dirimido pelo legislador, da mesma forma que regulamentou o art. 203, V, da Constituição. Há meios para isso, por intermédio do exercício da iniciativa de lei prevista na CF. Nos termos do art. 117 do Estatuto do Idoso, o Poder Executivo poderá encaminhar projeto de lei ao Congresso Nacional revendo os critérios da concessão do benefício assistencial. Como até o momento não há lei retificando a Lei nº 8.743/93, depreende-se que seus requisitos até então existentes, como o § 3.º do art. 20, devem ser observados.

No capitulo seguinte, será analisada a posição adotada pelo STF acerca do critério ora em estudo, sobretudo porque o dispositivo em comento foi declarado constitucional. Tal estudo tem especial relação com a controvérsia deste trabalho, dado que dispõe sobre a aferição da renda per capita do grupo familiar daquele que pretende obter o benefício assistencial ao idoso.


2 O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O REQUISITO RENDA PER CAPITA DE ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO

Conforme ressaltado acima, após a promulgação da Constituição surgiram dúvidas interpretativas sobre o direito previsto no art. 203, V, principalmente quanto à possibilidade ou não de aplicação imediata. Com a edição da Lei nº 8.742/93, a discussão transferiu-se para a constitucionalidade ou não de tal regulamentação. Houve propositura de ADI em face dessa norma - nº 1.232-1, em decisão de 24 de agosto de 1998 – e o STF a julgou improcedente, ou seja, declarou constitucional o dispositivo questionado, senão vejamos:

O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral da República contra o § 3 do art. 20 da Lei 8.742/93, que prevê o limite de ¼ do salário mínimo de renda mensal per capita da família para que esta seja considerada incapaz de prover a manutenção do idoso e do deficiente físico, para efeito de concessão de benefício previsto no art. 203, V, da CF ("A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: ...V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei"). Refutou-se o argumento de que o dispositivo impugnado inviabilizaria o exercício do direito ao referido benefício, uma vez que o legislador pode estabelecer uma hipótese objetiva para efeito de concessão do benefício previdenciário, não sendo vedada a possibilidade do surgimento de outras hipóteses, também mediante lei. Vencidos, em parte, o Min. Ilmar Galvão, relator, e Néri da Silveira, que emprestavam à norma objeto da causa interpretação conforme a CF, segundo a qual não ficam limitados os meios de prova da condição de miserabilidade da família do necessitado deficiente ou idoso. Adin 1.232-DF, rel. Ilmar Galvão, red. p/acórdão Min. Nelson Jobim, 27.08.98". (Fonte: Informativo STF n. 120, de 24 a 28 de agosto de 1998)

Como a ADI foi julgada improcedente, o dispositivo questionado se torna como declarado constitucional, nos termos da Lei nº 9.868/99. É o que ensinam Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (2009, p. 1178):

O art. 24 acentua o caráter ‘dúplice’ ou ‘ambivalente’ da ação direta de inconstitucionalidade ou da ação declaratória de constitucionalidade, estabelecendo que, proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, de inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória.

O STF decidiu que é tarefa da lei ordinária esclarecer quais as famílias que podem sustentar o inválido e o idoso. Como a Lei não contrariou nenhum dispositivo constitucional, deve ser cumprida tanto pelo Poder Executivo quanto pelo Poder Judiciário.

A Lei nº 8.742/93, portanto, não é inconstitucional, sobretudo porque nada mais fez que aplicar a disposição do artigo 194, III, da CF, que dispõe que compete ao Poder Público organizar a Seguridade Social, sendo que para consecução de tais fins, deve basear-se em um rol de objetivos, dentre eles, o da seletividade e o da distributividade na prestação dos benefícios e serviços.

É necessário que todas as prestações sejam realizadas em observância às possibilidades econômico-financeiras do sistema da Seguridade Social. É a lei que deve disciplinar quais benefícios e serviços que deverão ser estendidos, uma vez que se trata de uma escolha política.

A constitucionalidade do artigo 20, § 3° da Lei 8.742/93, conforme proferida na ADI, está sujeita à disposição legal e tem eficácia erga omnes e efeito vinculante (art. 28 da Lei nº 9.868/99 e § 2º do art. 102 da Constituição). Em razão disso, a Turma de Uniformização Nacional dos Juizados Especiais Federais, em 24/04/2006, cancelou a sua Súm. 11, que previa "A renda mensal, per capita, familiar, superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não impede a concessão do benefício assistencial previsto no art. 20, § 3º da Lei nº. 8.742, de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante".

Em que pese o efeito vinculante da ADI 1232, ainda há quem critique o seu julgamento, como Sergio Fernando Moro, na obra organizada por Daniel Machado da Rocha (2003), argumentando o seguinte: a) apesar do julgamento da improcedência, o STF não proclamou a constitucionalidade do dispositivo, uma vez que não foi atingido o quorum necessário para tanto, de seis ministros, já que apenas oito participaram do julgamento, havendo dois votos vencidos; b) aparentemente, o julgado foi realizado com o receio explicado na oportunidade do indeferimento da liminar, de forma que a suspensão do dispositivo legal faria com que a norma constitucional voltasse a ter eficácia contida, ficando novamente dependente de regulamentação legal para ser aplicada, privando a Administração de conceder novos benefícios até o julgamento final; c) o STF não realizou exame mais profundo da norma, como a razão do legislador ao elaborar a norma, se teve por base algum dado empírico; d) é relevante que, no caso concreto, haja uma avaliação precisa das condições de vida do idoso ou do deficiente; e e) a Lei nº 9.533, de 10 de dezembro de 1997, posterior ao ajuizamento da ADI e à decisão liminar, mas anterior ao julgamento de mérito, estabeleceu programa federal de garantia de renda mínima, de forma que os Municípios, com apoio financeiro do Governo Federal, garantiriam renda mínima às famílias carentes (renda familiar per capita de meio salário mínimo).

Acerca do item "e" supra, transcrevem-se as lições do doutrinador (2003, p. 151 e 152), que traz à tona diversas normas de cunho assistencial para embasar seu entendimento:

Da mesma forma, as políticas governamentais mais recentes voltadas aos pobres e que envolvem a concessão a eles de auxílio em pecúnia ou em bens como o PETI (Portaria nº 458, de 03.12.2001, da Secretaria da Assistência Social), o Auxílio-Gás (Decreto nº 4.102/2002), o Programa de Geração de Renda (Portaria nº 877, de 03.12.2001, da Secretaria da Assistência Social), o Agente Jovem (Portaria nº 879, de 03.12.2001, da Secretaria da Assistência Social), servem-se de critério semelhante ao previsto na Lei nº 9.533/97, definindo como público alvo pessoas ou famílias com renda per capita de até meio salário mínimo. Podem, aliás, filiar-se, oficialmente, ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Decreto nº 3.877/2001), as famílias beneficiadas pelos referidos programas sociais e todas as demais que tenham como renda per capita até meio salário mínimo.

A utilização do mesmo critério em repetidos programas da espécie permite concluir que o Governo reputa pobres aqueles com renda per capita de até meio salário mínimo.

É difícil entender o motivo da persistência do critério mais restrito da Lei nº 8.742/93.

João Ernesto Aragonés Vianna (2010, p. 34) registra que o posicionamento do STF se mantém quanto aos requisitos para a concessão do benefício assistencial, mesmo após a edição de outras legislações que dispõem novos critérios para aferição da pobreza, como as exemplificas pelo doutrinador acima:

Deve ser registrado que o Supremo Tribunal Federal manteve esse entendimento mesmo após a edição de legislação que introduziu novos critérios para aferição da pobreza, tal qual a Lei nº 10.836/04, que criou o Programa Bolsa-Família e definiu a situação de extrema pobreza como sendo aquela cuja renda per capita na família fosse de até R$ 50,00 – valor atual de R$ 60,00.

Nesse sentido, decidiu que ‘leis que disciplinem outros benefícios não tem o condão de alterar as disposições da Lei nº 8.742/93, que tem como fim específico regulamentar aquele benefício constitucionalmente previsto’.

José Renato Rodrigues, no artigo "O benefício assistencial previsto na Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993 e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal", embora entenda que o dispositivo em questão seja inconstitucional, reza que "(...) temos que nos curvar e respeitar a decisão com efeito vinculante de nosso guardião constitucional da Constituição Federal – Supremo Tribunal Federal -, prolatada na ADIn nº 1.232-DF, (...)". Transcrevem-se, a seguir, o entendimento desse autor acerca da solução do problema:

O nosso desejo, bem como de muitos outros brasileiros, é que o valor do salário mínimo seja elevado a um valor digno e, que, efetiva e socialmente, possa cumprir a sua finalidade constitucional inserida no art. 6º, inciso IV, de nossa Constituição cidadã, qual seja: ‘(...) atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, (...)’.

Em acontecendo isso, não haveria necessidade de perquirirmos sobre a constitucionalidade ou não do § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, haja vista que a fixação da renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo seria um patamar bem razoável.

Não se desconsideram os argumentos ora transcritos, principalmente hodiernamente, com a presença do Estado Democrático de Direito. Diferentemente do Estado de Direito, em que a lei deveria ser incondicionalmente observada, no atual regime, a legislação, como a Lei nº 8.742/93, deve respeitar, além dos aspectos formais, os objetivos da Constituição, como a erradicação da pobreza.

Ocorre que o legislador, em 1993, editou a norma nesse período entendendo como critério da miserabilidade para fins de concessão de benefício assistencial a renda per capita do grupo familiar inferior a ¼ do salário mínimo. Posteriormente, já em 1997, o legislador editou a Lei nº 9.533/97, definindo como público alvo pessoas ou famílias com renda per capita de até meio salário mínimo. Nesse período, se entendesse necessário, também deveria alterar a Lei nº 8.742/93, majorando o critério da miserabilidade, mas não fez. Como o dispositivo ainda não foi alterado, depreende-se logicamente que essa é a vontade do legislador: manter o critério de renda per capita em ¼ do salário mínimo.

De fato, se há algum problema com o critério da Lei nº 8.742/93, deve ser atribuído à legislação, por meio da qual seria viável a alteração legislativa. Não se pode culpar o Poder Executivo por cumprir a lei, pois está vinculado ao princípio da legalidade. Também não é possível que o Poder Judiciário, sob pena de legislar positivamente, substitua a lei por critérios baseados em legislação diversa.

Na verdade, aparentemente, o Poder Executivo tem avançado muito na seara da assistência social, como se depreende das portarias e decretos citados na transcrição acima, todos datados a partir do ano de 2001. Mas quanto à concessão benefício assistencial, resta cumprir a Lei nº 8.742/93, nomeadamente em razão da declaração de constitucionalidade do § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93.

No título seguinte, estuda-se, finalmente, o cômputo da renda do grupo familiar do benefício assistencial ao idoso. Questão basilar deste título e do seguinte diz respeito ao critério de aferição da renda per capita do interessado no benefício.

Sobre o autor
Ronnie Leal Campos

Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela UNB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Ronnie Leal. O benefício previdenciário de valor mínimo como cálculo da renda familiar "per capita" para fins de concessão de benefício assistencial ao idoso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2610, 24 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17249. Acesso em: 22 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!