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Imunidade tributária

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Agenda 27/08/2010 às 17:02

CAPÍTULO 2

COMPREENSÃO DO INSTITUTO DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

2.1 Poder e competência tributária

São várias as expressões de Poder atreladas ao Estado, como a história nos mostra. Neste diapasão, sabemos que o denominado Estado de Poder parte do pressuposto de que os fins justificam os meios, e, assim, o governante é livre para agir em relação aos indivíduos como melhor lhe apetecer, sem qualquer freio, muito menos de ordem legal. Basta que sua atuação atenda aos interesses públicos, que, na prática, se confundem com seus próprios interesses.

De outro lado, existem os Estados de Direito e os Estados Constitucionais, cuja lógica é diversa e que também não se confundem entre si.

O Estado de Direito os governantes, assim como os governados estão sob o império da lei. O Poder Público age secundum legem e, em suas relações com os governados, submete-se a um regime de direito, vale dizer, pauta sua conduta por regras que, por preverem os direitos individuais, apontam os meios poderão ser empregados para consecução de seus fins. O Estado de Direito disciplina, com regras jurídicas, sua própria organização e atividade nas relações com os cidadãos e assegura, também através do Direito, a atuação em relação a si próprio.

O Estado de Direito não se confunde com o Estado Constitucional, pois no Estado de Direito, apesar dos atos do Executivo e do Judiciário terem de observar os preceitos legais em suas atividades, de modo que não se encontram a mercê do soberano (como nos Estados Absolutos), o Poder Legislativo é livre, não se lhe aplicando o princípio da legalidade, por ser ele próprio que estipula os preceitos legais, o que substitui, de certo modo, o arbítrio do soberano pelo arbítrio do Legislativo.

Nos Estados Constitucionais, a Constituição serve de fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico, disciplinando, inclusive, a atuosidade do Poder Legislativo, que encontra balizas na Lei das Leis estipuladas pelo Poder Constituinte. Nos Estados Constitucionais encontra-se regulado pela Constituição a situação do indivíduo diante do Poder Público, sendo garantido aos cidadãos um campo intangível por quaisquer dos Três Poderes.

É neste último que encontramos o Estado brasileiro, pois percebemos que o mesmo é regido pela Constituição, havendo expressa previsão de cláusulas pétreas, estipuladas pelo constituinte originário e que estão fora da cogitação de qualquer expressão de poder (executivo, legislativo e judiciário), mormente do constituinte derivado. Também existem no ordenamento jurídico brasileiro os princípios implícitos que não podem ser subvertidos.

Lourival Vilanova, citado por Carrazza, expõe:

É uma conquista do Estado de Direito, do Estado Constitucional em sentido estrito (Verfassungsstaat), a fixação dos direitos reputados fundamentais dos indivíduos, e a enumeração das garantias para tornar efetivos tais direitos, quer em face dos particulares, quer em face do Estado mesmo. [13]

Assim, no nosso caso, o Estado não tem sua atuosidade livre de quaisquer limitações, por se tratar de um Estado Constitucional, cujas prerrogativas de cada um dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário) vêm traçadas na Lei Suprema, a qual delineia as atividades do Estado, conferindo a cada um que discrimina a competência para determinado ato, assim como prevê os direitos dos cidadãos que não poderão ser tocados, em nenhuma hipótese, pelo exercício desta competência, ou seja, os princípios constitucionais. [14]

Daí falar-se que, no Brasil, por força de uma série de disposições constitucionais, não há que falar em poder tributário (incontrastável, absoluto), mas, tão somente, em competência tributária (regrada, disciplinada pelo direito). Poder tributário tinha a Assembléia Nacional Constituinte, que era soberana. A partir do momento, porém, em que foi promulgada a Constituição Federal, o poder tributário retornou ao povo (detentor da soberania). O que passou a existir, em seu lugar, foram as competências tributárias, que a Constituição Federal repartiu entre a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Deste modo, não existe poder após a elaboração da constituição, mas somente competência que o poder originário – quem realmente tinha o poder – concedeu e a ser exercida da forma como previu, ou seja, observando uma série de princípios e balizas contidas na CF.

Ives Gandra da Silva Martins, citando Dalmo Abreu Dallari aponta as características do Estado Federal, ressaltando a Constituição Federal como base jurídica, que somente o Estado Federal tem soberania, e que a cada esfera de competência se atribui renda própria, imprescindível à efetividade da autonomia política dos entes federados, para então concluir que "as pessoas jurídicas de direito público que formam a Federação recebem da Constituição não mais o poder, inerente à soberania do Estado Federal, mas, tão somente, a competência para buscar receitas por meio das fontes nela previstas."

E arremata dizendo que fica caracterizada

a competência tributária, ou seja, a faculdade atribuída a cada um dos entes políticos de instituir tributos e arrecada-los, exercitando sua capacidade, esses o farão de forma coativa, por haver uma relação ex lege à qual também se submeterão.

Obviamente esta criação dar-se-á por meio do veículo determinado pela Constituição e se desenhará dentro dos contornos por ela estabelecidos. Consequentemente, deixa essa relação de ser uma relação de poder para se transformar em uma relação de direito. [15]

Da cita de Márcio Severo Marques:

Deveras, no Estado Democrático de Direito, o exercício do poder soberano – uno e indivisível, por definição – é outorgado a diferentes órgãos a quem são incumbidas funções distintas, embora relacionadas entre si, de acordo com as normas de estrutura estabelecidas pelo texto constitucional. [16]

Assim, haja vista que o Estado brasileiro encontra-se regulado pela Constituição, que, diga-se de passagem adotou o princípio federativo, percebemos que a Carta Magna, ao proceder a regulamentação das atividades estatais, inclusive a legiferante, conferiu competências para prática de certas atividades e estabeleceu as prerrogativas que cabem a cada qual, seja o executivo, o legislativo e o judiciário, e mais ainda, pormenoriza as competências de cada entes dos três poderes. Neste sentido, a Magna Carta atribuiu determinadas matérias ao Senado, outras à Câmara; quanto ao judiciário, prevê as competências do STF, STJ, TST, STJM; estipulou o campo de competência de cada ente federativo, etc.

A competência legislativa é a aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para expedir regras jurídicas, que inovem o ordenamento jurídico positivo. Opera-se pela observância de uma série de atos, cujo conjunto caracteriza o procedimento legislativo.

O que nos importa ao presente trabalho são, especificamente, as competências tributárias, que é a faculdade que as pessoas políticas têm de criar, in abstracto, tributos. Para isto, deve ser descrita, legislativamente, a regra-matriz de incidência tributária, com suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas. Em síntese, é a prerrogativa de instituírem tributos, através da norma jurídica que acarrete a obrigação de seu pagamento pelo particular a quem se encontra como sujeito ativo.

Por se tratar de uma federação, que exige que a União, Estados, Distrito-Federal e Municípios tenham autonomia, a própria Constituição Federal encontra-se bem precisa a este respeito, estipulado a competência de cada ente federativo, de forma pormenorizada e exaustiva.

Segundo Hugo de Brito Machado:

Organizado juridicamente o Estado, com a elaboração de sua Constituição, o Poder Tributário, como Poder Político em geral, fica delimitado. No Brasil, o poder tributário é partilhado entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Ao poder tributário juridicamente delimitado e, sendo o caso, dividido dá-se o nome de competência tributária. [17]

Desta forma, os entes federativos somente podem expedir regras-matrizes de incidência quando a própria Constituição Federal lhes conferir competência para tanto, de modo que é incontestavelmente inconstitucional quaisquer ilações que extrapolem o exercício de tal competência. Se a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, instituem preceitos inerentes à tributos quando não lhes é dado a competência, tais preceitos irão padecer de inconstitucionalidade.

2.1.1 Características da Competência Tributária

Antônio Roque Carrazza [18] salienta seis características da competência tributária: privatividade, indelegabilidade, incaducabilidade, inalterabilidade, irrenunciabilidade e faculdade de exercício. Destas, Paulo de Barros Carvalho somente reconhece três, a saber: indelegabilidade, irrenunciabilidade e incaducabilidade.

A privatividade significa que a competência tributária é conferida em caráter de exclusividade a cada um dos entes tributantes, ou seja, a competência conferida acerca de determinado tipo de tributo, exclui, por conseguinte, a competência de todos os demais entes federativos para instituí-lo.

Contudo, encontra-se exceção a tal regra nos impostos extraordinários previstos pelo artigo 154 da Constituição Federal, motivo pelo qual Paulo de Barros Carvalho não a admite. O artigo 154 dispõe:

"Art. 154. A União poderá instituir:

...

I-na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação."

Neste sentido, a privatividade somente é inerente aos impostos conferidos à União Federal.

A indelegabilidade estabelece que o titular da competência, seja qual for, não a pode transferir, quer no todo, quer em parte, ainda que por meio de lei. Nem mesmo na mesma esfera federal isto poderá ocorrer, de modo que o legislativo não pode delegar a sua instituição ao Executivo ou a terceiros, quaisquer das atribuições para criar tributos. Segundo Carraza:

A indelegabilidade reforça a noção de que a competência tributária não é patrimônio absoluto da pessoa política que a titulariza. Esta pode exercita-la, ou seja, criar tributo, mas não tem a total disponibilidade sobre ela. Melhor elucidando, não é senhora do poder tributário (que é um dos atributos da soberania), mas titular da competência tributária, submetida, como demonstrado, às regras constitucionais. [19]

Com razão, se a Constituição, que é rígida, repartiu pormenorizadamente as possibilidades de instituição das exações entres as entidades tributantes, cuidando para que não houvesse conflitos entre as sub-ordens jurídicas estabelecidas no Estado Federal, não se pode permitir a delegação ou renúncia. Que sentido haveria numa discriminação rigorosa de competência, se permitisse que uma pessoa delegasse à outra as habilitações lhe conferidas? Em pouco tempo, no manejo das utilizações concretas, quando se manifestasse o direito no dinamismo do seu estio peculiar, o desenho das atribuições das competências seria alterado, afastando a rigidez e estabilidades objetivadas pelo constituinte.

Neste sentido, Paulo de Barros Carvalho coloca a indelegabilidade da competência tributária dentre os princípios constitucionais tributários. Explica muito bem o assunto, que merece nota:

A faculdade legislativa de instituir tributos e sobre eles dispor, inaugurando a ordem jurídica, não pode ser delegada, devendo permanecer no corpo das prerrogativas constitucionais que a recolher do Texto Superior. Essa regra vedatória não encontra registro expresso na Constituição. Ora, ao definir a incidência do imposto, já terá o legislador esgotado sua competência, pelo que poderá passar adiante tão-somente a capacidade de ser sujeito ativo, o que perfeitamente admissível. Transferir capacidade ativa não é transferir competência tributária, e assim o problema se resolve.

A concepção orgânica do direito positivo brasileiro aponta para essa direção. Não é possível transferir a competência recebida pelo constituinte, seja a que título for, e a essa realidade jurídica se mostrou sensível o legislador do Código Tributário Nacional, gravando o seu art. 7°:

A competência tributária é indelegável, salvo atribuição de funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra.

E continua dizendo que

dois pontos devem ser anotados: a) a proibição não atinge a transferência de titularidade para ser sujeito ativo de obrigações tributárias, isto é, tornar-se possível que a pessoa credenciada a exercer a competência tributária, depois de fazê-lo, indique outra pessoa como titular da capacidade ativa; e b) ainda que o Código Tributário Nacional veicule disposição explícita, adotando o cânone da indelegabilidade, não perde ele sua magnitude de princípio constitucional tributário, e o faz integrando o subconjunto dos implícitos. [20]

A competência tributária também é incaducável, pois o seu não exercício, ainda que por prolongado tempo, não tem o condão de impedir que a pessoa política, querendo, venha a criar, por meio de lei, os tributos que lhe forem constitucionalmente deferidos.

Com efeito, a constituição existe para durar no tempo. Se o não uso da faixa de atribuições fosse perecível, o próprio Texto Supremo ficaria comprometido, posto na contingência de ir perdendo parcelas de seu vulto, à medida que o tempo fluísse e os poderes recebidos pelas pessoal políticas não viessem a ser acionados, por qualquer razão histórica que se queira imaginar. Impõe-se, deste modo, a perenidade das competências, que não podem ficar submetidas aos interesses e dos problemas por quais passam a sociedade.

A inalterabilidade concerne à característica de que as pessoas titulares de competência tributária não podem alterar o campo tributável que lhes foi conferido, sendo que somente pode ocorrer tal alteração por alteração da própria Magna Carta. Seria, portanto, matéria sob reserva de emenda constitucional.

Todavia, o poder constituinte derivado pode alterar o quadro de competências outorgado aos entes tributantes, como assumido, mediante a emenda constitucional, que é expressão do poder reformador constituinte. Desta forma, querendo, o legislador pode alterar o quadro das competências tributárias.

Contudo, tal faculdade de alteração não é absoluta, eis que o constituinte derivado encontra barreiras intransponíveis, por exemplo, na federação e autonomia dos Municípios.

A pessoa política a qual foi concedida a competência tributária também não poderia a ela renunciar, pois tal prerrogativa seria indisponível. Poderia deixar de exerce-la, mas nunca renunciá-la.

A instituição do tributo em relação ao qual determinada pessoa política seja competente fica no âmbito da decisão política, de modo que é facultativa, dependente da conveniência de determinado ente tributante. As pessoas políticas, embora não possam delegar suas competências tributárias, são livres para delas de utilizarem ou não. É esta a facultatividade apontada por Carrazza.

Paulo de Barros Carvalho, a este respeito, faz a crítica:

Todavia, a exceção vem aí para solapar o caráter de universalidade da proposição: refiro-me ao ICMS. Por sua índole eminentemente nacional, não é dado a qualquer Estado-membro ou ao Distrito Federal operar por omissão, deixando de legislar sobre esse gravame. Caso houvesse uma só unidade da federação que empreendesse tal procedimento e o sistema do ICMS perderia consistência, abrindo-se ao acaso das manipulações episódicas, tentadas com tanta freqüência naquele clima que conhecemos por guerra fiscal. [21]

2.2 Conceito e natureza jurídica das imunidades tributárias

A doutrina na análise da imunidade tributária diverge na distinção de sua natureza jurídica e seu conceito. Todas os posicionamentos buscam delimitar o instituto, gizando seus contornos, com o propósito de bem representar o fenômeno das imunidades. Encontramos posicionamentos diversos, que a entendem como: hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada, exclusão ou supressão do poder tributário, limitação constitucional à competência, limitação constitucional ao poder de tributar e normas de estrutura estabelecidas na Constituição.

2.2.1 Imunidade como hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada

Dentre aqueles que adotam a tese de que as imunidades tributárias tratam-se de hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada estão José Souto Maior Borges e Amílcar de Araújo Falcão.

José Souto Maior Borges, ao discorrer sobre as imunidades assenta que a

regra imunizante configura, desta sorte, hipótese de não-incidência constitucionalmente qualificada. Quando se destaca no ordenamento jurídico um setor normativo autônomo – as regras tributárias – a análise constata a existência de duas modalidades distintas pelas quais se manifesta o fenômeno denominado não-incidência: I) a não-incidência genérica ou pura e simples, e II) a não-incidência juridicamente qualificada ou especial; não-incidência por determinação constitucional, de lei ordinária ou complementar. A imunidade tributária inclui-se, pois, nesta segunda alternativa. A não-incidência pura e simples ocorre quando inexistentes os pressupostos de fato idôneos para desencadear a incidência, automática e infalível, de norma sobre a sua hipótese de incidência realizada concretamente (fato gerador). A não-incidência por imunidade constitucional decorre da exclusão de competência impositiva do poder tributário. [22]

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Pelo magistério de Amílcar de Araújo Falcão: "não incidência compreende duas modalidades: a não incidência pura e simples e a da não incidência juridicamente qualificada, não incidência por disposição constitucional ou imunidade tributária." Segundo o referido autor, a imunidade é uma forma qualificada ou especial de não incidência, por supressão, na Constituição, da competência impositiva ou do poder de tributar, quando se configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstas pelo estatuto supremo. Esquematicamente, poder-se-ia exprimir a mesma idéia do modo seguinte: a Constituição faz, originariamente, a distribuição da competência impositiva ou do poder de tributar; ao fazer a outorga dessa competência, condiciona-a, ou melhor, clausula-a, declarando os casos em que ela não poderá ser exercida. A imunidade é, assim, uma forma de não incidência pela supressão da competência impositiva para tributar certos fatos, situações ou pessoas, por disposição constitucional. [23]

Contudo, a posição é equivocada. A expressão não incidência pode ser utilizada tanto para significar aquelas situações não jurisdicizadas pelo direito positivo, como aqueles fatos cujo conceito não possuem as notas descritas no conceito extraído da hipótese de incidência, como suficientes para dar ensejo à causalidade normativa, a qual enseja o nascimento da relação jurídico-tributária.

Rui Barbosa Nogueira assevera que a não-incidência "é o inverso, isto é, o fato de a situação ter ficado fora dos limites do campo tributário, ou melhor, a não-ocorrência do fato gerador, porque a lei não descreve a hipótese de incidência." [24]

O instituto da incidência é o cerne desta corrente, pois refere-se à sua não ocorrência por determinação constitucional, por supressão constitucional da competência impositiva, a qual denomina "imunidades". Deste modo, torna-se imprescindível algumas considerações acerca da fenomenologia da incidência, para compreensão do instituto das imunidades tributárias, e conseqüentemente, chegarmos à conclusão segundo a qual as mesmas são, ou não são, hipóteses de não incidência constitucionalmente qualificadas.

2.2.1.1 Incidência e a teoria autopoiética do direito

A incidência reporta-se à dinâmica do direito positivo, ao seu processo de positivação, que perfaz desde a edição de normas gerais e abstratas até às normas gerais e concretas, com substrato em seus respectivos fundamentos de validade. Com a incidência inova-se o direito positivo, movimentando a suas estruturas.

O direito [25] é um sistema autopoiético [26], auto-referente, de modo que ele mesmo regula sua própria criação. Um sistema autopoiético se qualifica por um perpetuum móbile auto-reprodutivo, de maneira que seus elementos, seus processos e suas estruturas são construídos a partir do próprio sistema, e não pela influência direta de outros sistemas.

A este respeito, apontamento valioso se extrai da obra de Paulo de Barros Carvalho, quando cita Gunther Teubner:

De facto, a teoria dos sistemas autopoiéticos está assente no pressuposto de que a unidade e identidade de um sistema deriva da característica fundamental de auto-referencialidade das suas operações e processos. Isso significa que só por referência a si próprios podem os sistemas continuar a organizar-se e reproduzir-se como tais, como sistemas distintos do meio envolvente. São as próprios operações sitêmicas que, numa dinâmica circular; produzem os seus elementos, as suas estruturas e processos, os seus limites, e a sua unidade essencial.

A idéia de auto-referência e autopoiesis pressupõe que os pilares ou bases do funcionamento dos sistemas residem, não nas condições exógenas impostas pelo meio envolvente às quais tenham de se adaptar da melhor forma possível (como era entendido pela teoria dos sistemas abertos), mas afinal no próprio seio sistêmico.

O direito constitui um sistema autopoiético de segundo grau, automizando-se em face da Sociedade, enquanto sistema autopoiético de primeiro grau, graças à constituição auto-referencial dos seus próprios componentes sistêmicos e á articulação destes num hiperciclo. [27]

Isto não quer dizer que o direito positivo não sofre qualquer influência pois os sistemas autopoiéticos são fechados no plano operacional, mas abertos em termos cognitivos. Deste modo, comunica-se com outros sistemas, porque estando as hipóteses normativas sempre prontas para receber novos fatos que o legislador entenda relevantes, como portas abertas para a absorção de matérias sociais, políticas, econômicas, morais, etc., o que ocorre através da incidência da norma jurídica.

Quando se fala em incidência jurídico-tributária estamos pressupondo a linguagem do direito positivo projetando-se sobre o campo material das condutas intersubjetivas, para organiza-las deonticamente.

Através da incidência é aplicado o direito positivo, suas normas juridicizam os fatos da realidade social, trazendo-os para o mundo jurídico, mediante a subsunção dos fatos sociais à hipóteses das normas jurídicas [28], com respaldo na linguagem competente, prevista pelo próprio direito positivo. Com a incidência os fatos sociais ingressam no direito positivo, tornando-se fatos jurídicos, que irradiam sua eficácia jurídica pela causalidade normativa. Tornando-se o fato em fato jurídico (mediante a incidência) movimenta-se as estruturas do direito positivo em seus processo de auto-inovação, eis a fenomenologia da incidência.

A incidência ocorre quando, faz-se a subsunção de um fato a uma hipótese legal, como conseqüente e automática comunicação ao fato das virtudes jurídicas previstas na norma(eficácia jurídica).

Segundo Geraldo Ataliba:

Com as cautelas que as comparações impõem, é fenômeno parecido com uma descarga elétrica sobre uma barra de ferro. Recebendo a descarga, a barra passa a ter a força de atrair metais. Substancialmente, a barra persistirá sendo de ferro. Por força, entretanto, da descarga, adquirirá a propriedade de ser apta a produzir esse específico efeito de imã. Incidência é a descarga elétrica.

A incidência do preceito normativo torna jurídico um fato determinado, atribuindo-lhe conseqüências jurídicas. Como diz Pontes de Miranda, tratando do suporte fático, terminologia que introduziu oportunamente na nossa doutrina: Para que os fatos sejam jurídicos, é preciso que regras jurídicas, isto é, normas abstratas, incidam sobre eles, desçam e encontremos fatos colorindo-os, fazendo-os jurídicos. (Tratado de Direito Privado, v. I, 2° ed., p. 6, Borsoi, 1954) [29]

A incidência se reduz à duas operações formais: a primeira, de subsunção ou de inclusão de classes, em que se reconhece que uma ocorrência concreta, localizada num determinado ponto do espaço social e numa específica unidade de tempo, inclui-se na classe dos fatos previstos no suposto de uma norma; outra, a segunda, de implicação, porquanto a fórmula normativa prescreve que o antecedente implica a tese, vale dizer, o fato concreto, ocorrido hic et nunc, faz surgir uma relação jurídica também determinada, entre dois ou mais sujeitos de direito.

Porém, deve ser ressaltado que a incidência não é automática e infalível como pretende alguns. O direito não é como uma nuvem que paira no céu que, diante de um fato ocorrido na realidade social, gera um raio que atinge o fato e desencadeia seus efeitos jurídicos. O direito depende de um interlocutor, qual seja, o homem, que o aplique, que verta em linguagem competente o fato social é faça a implicação que lhe é própria, pela subsunção do fato à norma.

Não há incidência onde não houver um ser humano fazendo a subsunção e promovendo a implicação que o preceito normativo determina, pois as normas não incidem por força própria. A incidência requer o homem, como elemento intercalar, movimentando suas estruturas. E essa participação humana no processo de positivação normativa se faz mediante linguagem, que certifica os acontecimentos factuais e expede os comandos previstos na norma.

Conforme expõe Paulo de Barros Carvalho:

Firmados nessas meditações podemos notar, com hialina clareza, que a incidência não se dá "automática e infalivelmente" com o acontecimento do fato jurídico tributário, como afirmou de modo enfático Alfredo Augusto Becker. Com mero evento, sem que adquira expressão em linguagem competente, transformando-se em fato, não há que se falar em fenômeno da incidência jurídica. A percussão da norma pressupõe relato em linguagem própria: é a linguagem do direito constituindo a realidade jurídica. [30]

Portanto, a incidência, em matéria tributária, pressupõe: primeiramente, que a Constituição Federal confira à uma dos entes da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) a competência para instituir o tributo, conforme delineado por ela própria, que elege os critérios materiais possíveis, etc; segundo, que tais entes políticos, utilizando da competência que lhes foi outorgada, e entendendo ser conveniente, institua o tributo, através da regra-matriz de incidência tributária, expedida pelo Poder Legislativo; terceiro, que ocorra no mundo fenomênico o fato descrito na hipótese da regra-matriz de incidência tributária, como suficiente para desencadear seus efeitos jurídicos.

Somente a partir daí é que, utilizando-se da linguagem competente, o aplicador da norma faça a subsunção do fato à norma, desencadeando a eficácia jurídica, própria dos fatos jurídicos. É neste último momento, pois, que ocorre a incidência.

Entendendo como funciona a incidência podemos enxergar se a tese (imunidade como hipótese de não-incidência juridicamente qualificada) em análise é correta ou não.

As imunidades, por unanimidade na doutrina pátria, encontram-se no seio constitucional, ou seja, são prevista na Constituição Federal.

A Constituição Federal não se preocupa com a instituição dos tributos propriamente ditos, não havendo no texto supremo qualquer regra-matriz de incidência tributária, a qual é imprescindível para que ocorra a subsunção de um fato á norma, tendo em vista que é na regra-matriz que o fato que irá desencadear a obrigação de pagar tributo é eleito e pormenorizado pelo legislador infra-constitucional.

Na constituição federal há tão somente a delimitação da competência tributária, sendo instrumento do Poder Constituinte originário, quando do fundamento inicial de todo o sistema jurídico, para outorga a cada ente político da competência para instituir determinado tipo de exação, assim como é o meio pelo qual o Poder Constituinte originário regulamentou tal exercício de competência através dos princípios que consagrou: legalidade estrita, anualidade, capacidade contributiva, uniformidade, etc.

Observa-se, desta forma, que as imunidades não são hipóteses de não-incidência, uma vez que na constituição não é momento para se indagar acerca da incidência, visto que sequer trata da instituição do tributo.

Desta forma, atentos a natureza da incidência assim como sua fenomenologia, percebemos que a posição dos autores que adotam a tese em tela é inadequada, insuficiente para caracterização do instituto das imunidades tributárias, pois as imunidades não estão fora dos lides do direito positivo, mas são previstas pela Magna Carta, que as delineiam de forma suficiente para que desencadeiem seus efeitos.

O fenômeno das imunidades tributárias também não coincide com a idéia de surgimento, ou não, da obrigação tributária, em razão de se proceder ou não a subsunção do fato á regra matriz de incidência tributária.

Clélio Chiesa tece algumas considerações acerca das imunidades como hipótese de não-incidência constitucionalmente qualificada, que aqui merecem ser transcritas:

A posição colacionada (se referindo à posição de imunidade como não-incidência) merece dois reparos. O primeiro consiste no fato de que o texto constitucional não se ocupa da fenomenologia da incidência, apenas delineia o campo impositivo. Em outras palavras, a Constituição não cria tributos, apenas outorga às pessoas políticas a possibilidade de instituí-los. Portanto, enquanto os entes tributantes não exercem sua competência, não há de se falar na incidência, ou não, de determinado tributo, visto que a exação ainda não foi instituída, como é o caso do imposto sobre grandes fortunas, contemplado no art. 153, VII, da Constituição Federal. Nesse caso, somente se pode cogitar da sua incidência ou não quando a União exercer sua competência, criando o referido imposto. Até lá, o que temos é apenas uma outorga de competência. [31]

Paulo de Barros esclarece bem como o fenômeno das imunidades não se refere à incidência, considerando o plano constitucional, afirma que a preocupação normativa da Magna Carta é delimitar o campo da competência das entidades tributantes, não havendo a imprescindível regra matriz de incidência para imputação da obrigação tributária no seio constitucional, mas somente a outorga de competência para que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, instituam a exação. As prescrições constitucionais, segundo o referido autor, não cuidam da percussão do gravame, que é algo inerente à regra-matriz, cuja conveniência é do legislador ordinário. No âmbito da Constituição Federal não é o momento oportuno para se cogitar sobre a incidência da norma, pois ainda estamos tratando dos parâmetros de atuação do legislador que irá instituir o tributo, é a incidência pressupõe uma norma jurídica anteriormente incorporada ao direito positivo para incidir.

Em suma, na Constituição Federal há a outorga de competência para se instituir a norma que irá incidir, mas não há a instituição desta norma, ou seja, da exação propriamente dita. Deste modo, não se pode cogitar sobre a incidência quando nos referimos à Magna Carta, pois esta se dá somente após a outorga da competência, a iniciativa dos entes tributante em instituir o tributo e a ocorrência dos pressupostos fáticos descritos na hipótese da regra-matriz. [32]

Deve ser ressaltado que se referir a imunidade como não incidência com a idéia de estar se reportando a fatos que estariam fora dos limites do direito, ou seja, os eventos, também é incorreto, porquanto é pela incidência da norma imunizante que certas situações (as situações imunes) estão fora do âmbito impositivo dos entes da federação. Portanto, não há de se falar em não incidência, mas na incidência da norma imunizante. [33]

Também entende ser inconcebível a não-incidência José Wilson Ferreira Sobrinho, ao fundamento de que é porque a norma imunizante incide que as situações nela previstas não podem ser tributadas. Fundamenta o autor que a

caracterização da imunidade tributária como não incidência é teoricamente insuficiente, uma vez que não incidência é realidade factual, fora do campo jurídico, pelo que não serve para designar uma realidade jurídica. Ademais, se existe a figura jurídica da imunidade é porque uma regra jurídica a introduziu no mundo deôntico. [34]

Deste modo, incorreto a posição em análise, pois tal proposta teórica não é satisfatória para representar o instituto das imunidades.

2.2.2 Imunidade como exclusão ou supressão do poder de tributar

Há doutrinadores que defendem a idéia de que as imunidades constituem hipóteses de exclusão ou supressão de parte do denominado poder tributário entregue às pessoas políticas.

Na posição de José Eduardo Soares de Melo "A imunidade consiste na exclusão de competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para instituir tributos relativamente a determinados atos, fatos e pessoas, expressamente previstas na Constituição Federal." [35]

Para Rui Barbosa Nogueira, imunidade é "uma forma de não-incidência pela supressão da competência impositiva para tributar certos fatos, situações ou pessoas, por disposição constitucional." [36]

Embora Bernardo de Ribeiro Moraes afirme serem as imunidades uma limitação constitucional à competência tributária, emprega tal assertiva no sentido de "uma exclusão, para quem recebe a competência, de uma parcela da mesma, à semelhança da supressão de uma fatia (imunidade) de um bolo (área de competência tributária)." [37]

A posição também é adotada por Amílcar de Araújo Falcão, em sua obra Fato gerador da obrigação tributária. 2° ed., Revista dos Tribunais, p. 117.

Paulo de Barros Carvalho aponta o equívoco que se verifica nesta concepção. Inicialmente, refere-se à etimologia das palavras supressão e exclusão. A etimologia dos verbos excluir e suprimir, como aponta o mestre, no que se refere ao primeiro (excluir), vem do verbo latino excludere, que tem o significado de pôr de parte, expulsar, excetuar, afastar, tirar da lista. Suprimir vem de supprimere, tem o sentido de extinguir, fazer desaparecer, eliminar, anular, cortar, deitar fora.

Atento à semântica das palavras, observa que exclusão pressupõe a expulsão de algo que estivera incluído, suprimir, por sua vez, traz à mente o ato de anular, de eliminar, de cancelar. Daí decorre que primeiramente deve estar incluído, ou seja, deve haver a competência ou poder tributário, para, num momento posterior, ser ela excluída ou suprimida.

Defender que a imunidade é a supressão ou exclusão do "poder de tributar", deste modo, pressupõe admitir cronologia entre as normas que outorgam competência aos entes tributantes e às normas imunizantes. É como se primeiro ocorresse a incidência das normas imunizantes e, ato contínuo, ocorresse a supressão ou exclusão de parte dessa competência.

Contudo, não há sucessão cronológica entre a outorga de competência e a proclamação das imunidades, mas ambas irradiam seus efeitos em um mesmo momento, quando configurados nos texto constitucional.

Segundo lição de Paulo de Barros Carvalho:

De fato, só um apelo direto ao método diacrônico, inerente à investigação histórica, porém incompatível no plano da Ciência do Direito, poderia ter o condão de suster raciocínio desse quilate. Carrega dentro de si a suposição de dois instantes cronologicamente distintos: um, em que fossem definidas as faixas de competência tributárias entregues às entidades políticas; outro, posterior, quando se introduzem preceitos excludentes ou supressores de parcelas daqueles canais.

Seja como for, no trajeto de tal concepção se levanta um obstáculo intransponível: a análise do fenômeno jurídico, em termos dogmáticos, é, substancialmente, de natureza sincrônica. Vale aqui e para agora. O direito de ontem já não existe, e o de amanhã não sabemos qual será. Cabe-nos selecionar princípios e aglutinar normas, segundo critério associativo do entrelaçamento vertical (subordinação hierárquica) e horizontal (coordenação), para montarmos o arcabouço do sistema jurídico em vigor, descrevendo-o metodologicamente.

Conclui o autor que "a imunidade não exclui nem suprime competências tributárias, uma vez que estas representam o resultado de uma conjunção de normas constitucionais, entre elas, as de imunidade tributária." [38]

Clélio Chiesa entende da mesma forma:

Defender que a imunidade é a supressão ou exclusão do "poder tributário" pressupõe admitir cronologia entre as normas que outorgam competência aos entes tributantes e às normas imunizantes. É como se primeiro ocorresse a incidência das normas imunizates e, ato contínuo, ocorresse a supressão ou exclusão de parte dessa competência.

Ocorre, entretanto, que não há sucessão cronológica entre as normas jurídicas quanto à incidência delas aos fatos que ocorrem no mundo fenomênico. Assim, tanto as normas de disciplinam a competência quanto às que contemplam as hipóteses de imunidades propagam seus efeitos no mesmo instante, dimensionando o campo tributável.

Vislumbra-se, portanto, que essa concepção também não representa de modo adequado o fenômeno das imunidades, porque supõe a ocorrência de cronologia entre as normas instituidoras de competência e a regra imunizante. [39]

Outrossim, observando a competência e as imunidades tributárias, havemos de concluir que as hipóteses em que são ultrapassados os limites fixados pela Magna Carta, ou quando são desatendidos princípios ou formas estabelecidas, o que se passa não é que a competência seja vedada, ela simplesmente inexiste. A lei que pretendesse tributar situação imune não contrariaria o preceito constitucional que estabelece a imunidade, mas exerceria competência tributária que não lhe é autorizada. Portanto, não se trata de uma amputação ou supressão do poder de tributar, uma vez que, nas situações imunes, não existe, nem preexiste poder de tributar.

2.2.3 Imunidade como limitação à competência ou ao poder de tributar

Para a elaboração da norma geral e abstrata que respalda a incidência geradora do dever de pagar tributo, o legislador se vale da competência que lhe outorga a Constituição Federal, a qual dá o fundamento de validade para tributação de fatos que representem capacidade contributiva por cada ente da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

Tal outorga de competência não é ilimitada, mas encontra balizas que demarcam minuciosamente (tenha-se em vista que o sistema constitucional brasileiro é rígido e pormenorizado na área tributária) o campo do exercício desta competência, tendo em vista a própria evolução do Estado Brasileiro, como abordado alhures.

Há quem defenda a tese de que as imunidades são uma limitação constitucional à competência tributária e, outros, que entendem que trata-se de uma limitação ao poder de tributar, teses que são acolhidas por renomados juristas.

Conforme ensina Hugo de Brito Machado a imunidade

é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. É uma limitação da competência tributária. [40]

Rubens Gomes de Souza refere-se às imunidades como proibições contidas na Constituição e que representam limitações a competência tributária. [41], no que é seguido por Ives Gandra da Silva Martins [42]. Aliomar Baleeiro também defende a tese de que as imunidades são limitações ao poder de Tributar. [43]

Tratando do tema das limitações do poder de tributar e também das imunidades tributária, Luciano Amaro disserta:

Além de buscar uma demarcação tanto quanto possível nítida das áreas de atuação de cada ente político, com a partilha da competência tributária, a Constituição fixa vários balizamentos, que resguardam valores por ela reputados relevantes, com atenção especial para os direitos e garantias individuais. O conjunto dos princípios e normas que disciplinam esses balizamentos da competência tributária corresponde às chamadas limitações do poder de Tributar. [44]

E continua:

A face mais visível das limitações do poder de tributar desdobra-se nos princípios constitucionais tributários e nas imunidades tributárias (técnica por meio da qual, na definição do campo sobre que a Constituição autoriza a criação de tributos, se excepcionam determinadas situações, que ficam, portanto, fora do referido campo de competência tributária). Essa matéria é objeto de seção específica da Constituição (arts. 150 a 152), justamente com o título de "Limitações do Poder de Tributar", no capítulo relativo ao Sistema Tributário Nacional. [45]

Rui Barbosa Nogueira também concebe a imunidade como limitação constitucional ao poder de tributar. [46] Sacha Calmon Navarro Coelho afirma que "A imunidade é uma heterolimitação ao poder de tributar." [47]

Analisando tal posição, entendemos que o raciocínio não procede, padecendo do mesmo equívoco que apresenta a tese da imunidade como uma exclusão ou supressão do poder tributário, haja vista que também pressupõe a existência de cronologia entre as normas de outorga de competência e as que contemplam hipóteses de imunidades. [48]

O que limita a competência vem em sentido contrário a ela, buscando amputá-la ou suprimi-la, enquanto a norma que firma a hipótese de imunidade colabora no desenho constitucional da faixa de competência atribuída aos entes da federação. A norma imunizante delineia a própria competência, e não a limita, pois a limitação pressupõe primeiramente a outorga para, posteriormente, limitar-se.

Hugo de Brito Machado, que adota a tese de que as imunidades são limitações à competência tributária, sai em defesa de sua posição:

Há quem afirme, é certo, que a imunidade não é uma limitação da competência tributária porque não é posterior à outorga desta. Se toda atribuição de competência importa uma limitação, e se a regra que imuniza participa da demarcação da competência tributária, resulta evidente que a imunidade é uma limitação dessa competência. [49]

Toda atribuição de competência, evidentemente, importa em uma limitação. Contudo, isto não autoriza falar-se em imunidade para os casos que o poder tributante excede os limites que lhe foram outorgados. Percebe-se a diferença, a distinção, das figuras jurídicas, de maneira que não se pode confundir os conceitos. As hipóteses de imunidades não se confundem com as demais regulamentações da atividade de tributação pelo legislador. Admitindo-se a confusão dos conceitos, chegaríamos à conclusão em que poderíamos conceber a imunidade quando se instituir-se o imposto de renda e proventos de qualquer natureza pelo Município, uma vez que tal iniciativa se encontra vedada, constitucionalmente. Ou, do mesmo modo, estaríamos imunes á exigências tributárias não determinadas por lei, em razão do princípio da legalidade estrita. Prosseguindo em tal raciocínio, a imunidade perfazeria a configuração jurídica de todas as espécies de garantias que tolhem do legislador sua faculdade de instituir tributos, ou forma de instituí-los.

Quanto à posição segundo a qual a imunidade limita o "poder de tributar", a impropriedade é ainda maior, pois juridicamente não preexiste um poder de tributar que antecede à confecção do texto constitucional e que passa por restrição. Juridicamente, não se pode falar em poder que precede á própria criação.

É bem verdade que o poder constituinte originário é ilimitado. No momento da elaboração da Carta Constitucional não há o que o limite, pois, juridicamente, tudo lhe é permitido, uma vez que é o Poder Originário que cria, constrói, estabelece uma nova ordem jurídica. Em termos jurídicos, a elaboração da Constituição é o ponto de partida da construção da ordem jurídica positiva.

Segundo Canotilho

o poder constituinte, na teoria de Sieyés, seria um poder inicial, autônomo e omnipotente. É inicial porque não existe, antes dele, nem de facto nem de direito, qualquer outro poder. É nele que se situa, por excelência, a vontade do soberano (instância jurídico-positiva dotada de autoridade suprema). É um poder autônomo: a ele e só a ele compete decidir se, como e quando, deve "dar-se" uma constituição à Nação. É um poder omnipotente, incondicionado: o poder constituinte não está subordinado a qualquer regra de forma ou de fundo. [50]

A este respeito, Alexandre de Moraes explica:

O Poder Constituinte é a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado.

A idéia da existência de um Poder Constituinte é o suporte lógico de uma Constituição superior ao restante do ordenamento jurídico e que, em regra, não poderá ser modificada pelos poderes constituídos. É, pois, esse Poder Constituinte, distinto, anterior e fonte da autoridade dos poderes constituídos, com eles não se confundindo. [51]

Com efeito, inadequada a utilização da expressão "poder de tributar" como sinônima de competência tributária, uma vez que poder e competência são realidades distintas. Segundo Roque Antônio Carrazza, no Brasil, por força de uma séria de disposições constitucionais, não há que se falar em poder tributário (incontrastável, absoluto), mas, tão-somente, em competência tributária. Poder tributário tinha a Assembléia Nacional Constituinte, que era soberana. A partir do momento, porém, em que foi promulgada a Constituição Federal, o poder tributário retornou ao povo (detentor da soberania). O que passou a existir, em seu lugar, foram as competências tributárias, que a Constituição Federal repartiu entre a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal. [52]

Em síntese, as imunidades tributárias não podem ser concebidas da forma como pretendem os citados autores, pois consiste tal instituto, em suma, em normas que colaboram no desenho do quadro das competências, com a especificidade de serem expostas por meio de esquemas sintáticos proibitivos. [53] Deve ser observado que, tendo em vista os modais deônticos permitido(P), proibido (V) e obrigatório (O), permanecendo de forma redutível à proibição, teremos hipótese de imunidade. As regras de imunidade tributária não limitam a competência tributária; são normas constitucionais que foram inseridas na ordem jurídica positiva no mesmo instante em que foram editadas as de competência e que ajudam a delinear o campo impositivo das pessoas políticas.

2.2.4 Imunidade como norma de estrutura

Na esteira do Professor Paulo de Barros Carvalho, em que de todos é sabido a cristalina forma de expor o conhecimento científico (abordagem analítica), através de seu método que esposa a precisão terminológica e isolamento do objeto, após argutas críticas as posições que discorda, mediante relevantes fundamentos, extraímos de seus ensinamentos o conceito e natureza jurídica que adota para as imunidades tributárias:

podemos exibi-la como

a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas. [54]

Assenta o referido autor que as imunidades cuidam-se de normas de estrutura (também denominadas normas de produção, de formação ou de transformação de outras normas) posto que estabelecem o modo de criar ou alterar regras jurídicas válidas no sistema jurídico, dirigindo-se ao legislador e não à região material da conduta. Os preceitos imunizantes incluir-se-iam no subdomínio das sobrenormas, metaproposições prescritivas que colaboram, positiva ou negativamente, para traçar a área de competência dos entes tributantes, delineando os limites de sua atividade legiferante.

Roque Antonio Carrazza tece considerações sobre o conceito proposto dizendo que

O posicionamento do mestre assevera que as imunidades tributárias tratam-se de normas de estruturas, pois não se dirigem à região material da conduta, mas à forma de se criar normas, motivo pelo qual dispõe acerca do comportamento que possa introduzir normas no direito positivo. [55]

Com efeito, realmente, é esta a posição do professor Paulo de Barros Carvalho quando trata das imunidades tributárias:

São normas de conduta, entre outras, as regras-matrizes de incidência dos tributos e todas aquelas atinentes ao cumprimento dos deveres instrumentais ou formais, também chamados de "obrigações acessórias". E são tipicamente regras de estrutura aquelas que outorgam competência, isenções, procedimentos administrativos e judiciais, as que prescrevem pressupostos, etc. Entre as normas que estipulam, competência, incluamos as regras de imunidade tributária. [56]

Noutro ponto, continua o mestre:

O sistema jurídico positivo é formado, consoante já vimos, de regras de conduta e de regras de estrutura. As últimas, também denominadas normas de produção, de formação ou de transformação de outras normas, assumem extraordinária importância para configuração do direito posto, e entre elas é que vamos encontrar os preceitos de imunidade.

Firmemo-nos, então, no campo eletivo das normas que estabelecem de que modo criar novas regras jurídicas válidas no sistema, para examinarmos as prescrições de imunidade tributária.

As manifestações normativas que exprimem as imunidades tributárias se incluem no subdomínio das sobrenormas, metaproposições prescritivas que colaboram, positiva ou negativamente, para traçar a área de competência das pessoas titulares de poder político, mencionando-lhes os limites materiais e formais da atividade legiferante. [57]

2.2.4.1 Normas de estrutura e normas de comportamento

As normas de estrutura são comumente denominadas de normas de produção normativa, elas não se direcionam à região das condutas intersubjetivas dos contribuintes no que se refere à obrigação tributária, mas delimitam a competência, matéria e procedimento a serem observados pelo poder legiferante, como condições para se inserir normas jurídicas em determinado ordenamento jurídico positivo.

Não é demais afirmar que toda e qualquer norma jurídica, simplesmente por integrar o sistema jurídico, tem que ter relação com a disciplina de condutas entre os sujeitos da interação social, ou seja, qualquer norma jurídica regula interações intersubjetivas, sendo este um aspecto do próprio direito positivo, tendo em vista que é marcado pela alteridade e a relação jurídica é irreflexiva.

A marca de diferencia as chamadas normas de conduta e normas de estrutura reside no fato de que, numa análise mais acurada das estruturas normativas, encontramos unidades que têm como objetivo final ferir de modo decisivo os comportamentos interpessoais, modalizando-os deonticamente como obrigatórios, proibidos ou permitidos, e, por outro lado, há outras normas que, apesar de disporem também sobre condutas, regulam a produção de novas estruturas deôntico-jurídicas. Isto porque, como alhures foi exposto, o direito é um sistema autopoiético e, assim, regula sua própria produção. Tal regulação de como se modifica o direito positivo cuidam-se das normas de estrutura. Segundo Márcio Severo Marques:

Relembremos lição de Teoria Geral do Direito, segundo a qual o ordenamento positivo, enquanto sistema, regula a própria forma ou modo de produção das normas jurídicas que o compõem. Daí porque, no âmbito deste sistema, podemos encontrar dois tipos distintos de normas jurídicas, em razão da peculiar finalidade a que se destinam. [58]

Tais normas (as normas de estrutura) aparecem como condição para elaboração de outras regras, a despeito de conterem comandos que disciplinam comportamentos intersubjetivos. Com seu timbre de mediatidade, instituem condições, determinam limites ou estabelecem outra conduta que servirá de meio para a construção de regras de conduta.

Nesse sentido, registra Kelsen em notável trocadilho: "Uma norma que regula a produção de outra norma é aplicada na produção, que ela regula, dessa outra norma. Aplicação do Direto (sic) é simultaneamente produção do Direito(sic)". [59] Daí advém a máxima: o direito regula sua própria criação.

Segundo ensina Norberto Bobbio:

Existem norma de comportamento ao lado de normas de estrutura. As normas de estrutura podem também ser consideradas como as normas para a produção jurídica: quer dizer, como as normas que regulam os procedimentos de regulamentação jurídica. Elas não regulam o comportamento, mas o modo de regular um comportamento, ou, mais exatamente, o comportamento que elas regulam é o de produzir regras.

Tomemos agora um ordenamento estatal moderno. Em cada grau normativo encontraremos normas de conduta e normas de estrutura, isto é, norma dirigidas diretamente a regular a conduta das pessoas e normas destinadas a regular a produção de outras normas. Comecemos pela Constituição. Numa Constituição, como a italiana, há norma que atribuem diretamente direitos e deveres aos cidadãos, como as que dizem respeito aos direitos de liberdade; mas existem outras normas que regulam o processo através do qual o Parlamento pode funcionar para exercer o Poder Legislativo, e, portanto, não estabelecem nada a respeito das pessoas, limitando-se a estabelecer a maneira pela qual outras normas dirigidas às pessoas poderão ser emanadas.

Quanto às leis ordinárias, também elas, não são todas diretamente dirigidas aos cidadãos; muitas como as leis penais e grande parte das leis de processo, têm a finalidade de oferecer aos juízes instruções sobre o modo através do qual eles devem produzir as normas individuais e concretas que são as sentenças; não são normas de conduta, mas normas sobre a produção de outras normas. [60]

Verifica-se, deste modo, como bem exposto pelo autor citado, a efetiva distinção entre normas de estrutura e normas de comportamento. As primeiras delimitam o conteúdo material (autoridade competente ou competência da autoridade) e/ou estabelecem o procedimento formal a ser observado para a válida edição das últimas.

Portanto, uma vez esclarecida a distinção entre normas de comportamento e normas de estrutura, observa-se o acerto de Paulo de Barros Carvalho, visto que os preceitos imunizantes cuidam-se de normas dirigidas ao legislador, tolhendo-lhe a possibilidade de tributar certas situações suficientemente caracterizadas. Não são normas dirigidas à região material da conduta, as quais cuidam do nascimento da exação tributária, mas são normas que referem-se á criação de normas, especificamente sobre a impossibilidade de normas que abarquem as situações que discrimina. Percebe-se, portanto, a característica das normas imunizantes como metaproposições prescritivas.

Neste sentido, segue Clélio Chiesa:

As normas jurídicas que contemplam hipóteses de imunidades estão contidas na Constituição Federal e dirigem-se aos legisladores das pessoas políticas de direito constitucional interno, determinando que se abstenham de instituir tributos sobre determinadas situações, bens ou pessoas. São normas que, juntamente com as de competência, delineiam o campo impositivo dos entes tributantes.

No plano constitucional o legislador não se ocupa de criar tributos, cinge-se proceder a distribuição da competência tributária entre os entes de direito constitucional interno. As prescrições editadas nesse plano não cuidam da problemática da percussão do gravame, tarefa esta deixada para o legislador ordinário. Não há, portanto, comando que se dirija diretamente ao comportamento humano tomando-o como hipótese de incidência de determinado tributo, mas há a fixação dos parâmetros de atuosidade legiferante das unidades da federação. [61]

Após esta breve abordagem acerca das normas de conduta e normas de estrutura que entrevíamos necessária à compreensão do instituto, retornando ao conceito proposto por Paulo de Barros Carvalho e destrinchando-o pormenorizadamente, encontramos suas justificativas.

O fato de considerá-las como classe finita e imediatamente determinável serve para demonstrar que as imunidades tributárias são somente as que se encontram dispostas na Magna Carta, de maneira finita, em contraposição à infinitude das proibições implícitas aos textos normativos.

Ao referir-se à normas jurídicas, afasta-se a idéia de vedações tácitas, originadas pelo princípio de direito público, pelo qual o que não estiver permitido estará proibido (cânone da legalidade no direito público). Isto porque, apesar de tal princípio ser valiosíssimo para compreensão do sistema do direito positivo, como juízo enunciativo que é, não reveste dos caracteres lógicos formais das regras jurídicas, como realidade integrante da região ôntica do jurídico-normativo.

A expressão "contidas no texto da Constituição Federal", diz que somente as encontradas no próprio texto constituição federal podem ser consideradas imunidades, em detrimento de outras interdições explícitas que, num instante considerado, podem ter o condão de inibir a atividade legislativa ordinária quando da elaboração das normas que instituam tributos.

Prosseguindo, utilizando-se as próprias palavras de quem obrou o conceito em tela:

É imperioso que o núcleo deôntico do comando constitucional denuncie uma proibição inequívoca, dirigida aos legisladores infraconstitucionais e tolhendo-os no que tange à emissão de regras jurídicas instituidoras de tributos. O isolamento do núcleo de cada proposição normativa pressupõe o emprego do processo de formalização, pelo qual se caminha em busca das estruturas lógicas. E quando nos deparamos com a associação dos modais (VO) – proibido obrigar – teremos achado a afirmação ostensiva e peremptória de incompetência, justamente o contrário daquelas outras (PO) – permitido obrigar – que atribuem poderes para legislar. Daí falar-se em normas que estabelecem a incompetência. [62]

Encerrando a interpretação do conceito, devemos ter em mente que a incompetência estipulada pela norma imunizante refere apenas à instituição de tributos, não tolhendo toda a atividade legiferante das pessoas investidas de personalidade política no campo tributário.

Carrazza, que segue a posição de Paulo de Barros, conclui que as regras de imunidade ajudam a gizar as fronteiras do campo competencial tributário das pessoas políticas. Apontam os limites materiais e formais da atividade legiferante. [63]

2.2.5 Posição adotada

Várias são as definições encontradas na doutrina sobre as imunidades. Todas buscam delimitar o instituto das imunidades, gizando seus contornos com o propósito de bem representar o fenômeno das imunidades. Dentre as várias definições existentes, entendemos que a adotada por Paulo de Barros Carvalho encontra maior precisão científica.

As imunidades, realmente, não podem ser conceituadas como hipótese de não incidência, supressão ou exclusão do poder de tributar (ou competência tributária), ou como limitação do poder de tributar.

A linguagem do legislador é uma linguagem técnica, o que significa dizer que assenta no discurso natural, mas aproveita em quantidade considerável palavras e expressões de cunho determinado, pertinentes ao domínio das comunicações científicas. Os membros das Casas Legislativas, em países que se inclinam por um sistema democrático de governo, representam os vários segmentos da sociedade. Alguns são médicos, outros bancários, industriais, agricultores, engenheiros, advogados, dentistas, comerciantes, operários, o que confere um forte caráter de heterogeneidade, peculiar aos regimes que se queiram representativos. E podemos aduzir que tanto mais autêntica será a representatividade do Parlamento quanto maior a presença, na composição de seus quadros, dos inúmeros setores da comunidade social.

Tais considerações nos permitem compreender o porquê dos erros, impropriedades, atecnias, deficiências e ambigüidades que os textos legais cursivamente apresentam. Ainda que as Assembléias nomeiem comissões encarregadas de cuidar dos aspectos formais e jurídicos-constitucionais dos diversos estatutos, prevalece a formação extremamente heterogênea que as caracteriza, motivo pelo qual constatamos vários equívocos dos termos empregados pelo legislador.

Atentos a tais ponderações, verificamos que o legislador incluiu algumas imunidades dentre os artigos 150 à 152 da Constituição Federal, que estão na Seção II, do Capítulo I, do Título VI, da Carta Magna, seção esta que o legislador denominou de "Das Limitações do Poder de Tributar". Todavia, conforme já exposto acima, não se tratam as imunidades de uma espécie de limitação ao poder de tributar (ou à competência tributária), de modo que incorreu o legislador, na titulação da seção, em impropriedade técnica.

Roque Antônio Carrazza diz que a expressão imunidade tributária tem duas acepções

Uma, ampla, significando a incompetência da pessoa política para tributar: a) pessoas que realizam fatos que estão fora das fronteiras de seu campo tributário; b) sem a observância dos princípios constitucionais tributários, que formam o chamado estatuto do contribuinte; c) com efeito de confisco; d) de modo a estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens (salvo a hipótese de pedágio); e) afrontando o princípio da uniformidade geográfica; e f) fazendo tábua rasa do princípio da não-discriminação tributária, em razão da origem ou do destino dos bens. E, outra, restrita, aplicável às normas constitucionais que, de modo expresso, declaram ser vedado às pessoas políticas de tributar determinadas pessoas, quer pela natureza jurídica que possuem, quer pelo tipo de atividade que desempenham, quer, finalmente, porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações. [64]

Na definição de Paulo de Barros Carvalho, é

a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas. [65]

O conceito que concebe a imunidade como normas de estrutura está correto, embora a definição de Paulo de Barros Carvalho não esteja isenta de incorreções científicas. Assim, nos sentimos compelidos, com vistas à cientificidade do discurso, a tecer algumas considerações.

As normas jurídicas são entidades abstratas construídas a partir dos textos normativos. Portanto, não há que se falar em distinção entre normas explícitas e normas implícitas. Todas são, na verdade, normas implícitas nesse sentido, pois erigem-se da conjugação dos vários perceptivos, compondo sua estrutura lógica, não se confundindo com as várias formas de se estruturar os textos normativos. Pode ocorrer que determinadas normas sejam mais facilmente individualizadas do que outras, mas todas são resultado de um processo intelectivo que tem por objeto os textos normativos.

Dizer, como o faz Paulo de Barros Carvalho, que as imunidades são normas jurídicas que estabelecem de modo expresso a impossibilidade de as pessoas políticas de direito constitucional interno tributarem determinadas situações, bens, serviços, ou pessoas, deste modo, qualificando as imunidades como normas expressas, não é cientificamente correto. Não foi o citado mestre coerente com as premissas científicas que ele próprio construiu, posto que é o próprio que apregoa o caráter ideal das normas jurídicas.

Fixado o sentido das imunidades, como de fato se fixa, como normas jurídicas é o próprio autor que denuncia:

Curioso notar que na conformidade dessas premissas será redundante falarmos em "normas implícitas", posto que essas entidades estão necessariamente na implicitude dos textos, não podendo haver, por conseguinte, "normas explícitas". É que, situando-se no plano imaterial das significações, as normas encontram base empírica na literalidade dos enunciados expressos que, em si mesmos, não são normas jurídicas. [66]

Observa-se, deste modo, que as normas jurídicas não estabelecem expressamente nada, pois são entidades abstratas, construídas a partir dos textos normativos, que sempre estarão na implicitude dos textos. As normas são juízos hipotéticos-condicionais dessumidos dos signos representativos da ordem jurídica e, nesse sentido, não há que se fazer a distinção entre normas implícitas e normas expressas, já que todas são implícitas.

De outro modo, tenha-se como exemplo, a imunidade estatuída no artigo 150, VI, a, da Constituição Federal, a qual estabelece a denominada imunidade recíproca. Mesmos que eliminássemos tal alínea, a referida imunidade subsistiria, posto que decorre da forma federativa do Estado, sendo que seria construída de outros preceptivos contidos na Magna Carta, que prestigiam o princípio federativo e a autonomia dos Municípios, assegurando a isonomia dos entes federativos, não permitindo que um venha a imiscuir-se nas atividades do outro.

A norma imunizante pode ser construída a partir de fragmentos de textos, de um artigo, de alguns ou da soma deles. Enfim, não há necessidade de haver previsão literal no texto constitucional de que determinada situação está afastada da tributação para que se configure uma hipótese de imunidade. Tal norma imunizante pode ser dessumida, como é o caso da imunidade recíproca, de outras diretrizes contidas na Carta Magna.

Portanto, feita a crítica, deixa-se de adotar a definição de Paulo de Barros Carvalho, no que as concebe como normas expressas, pois não há que se fazer distinção entre normas implícitas e explícitas.

Pelo exposto, opta-se em conceituar imunidades tributárias como um conjunto de normas jurídicas, contempladas na Constituição Federal, que estabelecem a incompetência das pessoas políticas de direito interno para instituírem tributos sobre certas situações nelas especificadas e suficientemente caracterizadas.

Faz-se referência ao termo conjunto para dizer que há um número limitado de normas que contemplam hipóteses de imunidades, e à expressão normas jurídicas, para explicitar que imunidades são normas jurídicas e, como tais, não podem ser confundidas com outras entidades jurídicas, como as que se referem ás imunidades como direito subjetivo.

A Magna Carta é o seio das imunidades, daí a referencia à Constituição Federal.

Quando asseveramos que estabelecem a incompetência das pessoas de direito constitucional interno para instituírem tributos sobre certas situações nela especificadas, dizemos que se tratam de normas de estrutura, pois se dirigem ao legislador das pessoas políticas, delimitando o campo impositivo de forma negativa, estipulando que somente podem editar normas que criem tributos no âmbito de suas competências desde que não alcancem as situações contempladas pelas regras de imunidades. Destarte, as normas imunizantes colaboram no delineamento do campo impositivo, estabelecendo limites à atuosidade legiferante das pessoas políticas em matéria tributária. São normas que afastam a possibilidade de certas situações serem contempladas como hipótese de uma regra-matriz de incidência tributária.

Sobre o autor
Ari Timóteo dos Reis Júnior

Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Ex-Procurador do Estado de Minas Gerais. Procurador da Fazenda Nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS JÚNIOR, Ari Timóteo. Imunidade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2613, 27 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17284. Acesso em: 22 nov. 2024.

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