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Imunidade tributária

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Agenda 27/08/2010 às 17:02

CAPÍTULO 3

CARACTERÍSTICAS E CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

3.1 Finalidade do instituto jurídico

Consoante explica José Eduardo Soares de Melo:

O objetivo da imunidade é a preservação de valores considerados como de superior interesse nacional, tais como a manutenção das entidades federadas, o exercício das atividades religiosas, da democracia, das instituições educacionais, assistenciais e de filantropia, e o acesso à informações. [67]

Neste diapasão, Luciano Amaro:

O fundamento das imunidades é a preservação de valores que a Constituição reputa relevantes (a atuação de certas entidades, a liberdade religiosa, o acesso à informação, a liberdade de expressão, etc.), que faz com que se ignore a eventual (ou efetiva) capacidade econômica revelada pela pessoa (ou revelada na situação), proclamando-se, independentemente da existência dessa capacidade, a não-tributabilidade das pessoas ou situações imunes. Yonne Dolácio de Oliveira registra o "domínio de um verdadeiro esquema axiológico sobre o princípio da capacidade contributiva. [68]

Da obra de Ives Gandra da Silva Martins, extrai-se que

As imunidades foram criadas estribadas em considerações extrajurídicas, atendendo á orientação do Poder Constituinte em função das idéias políticas vigentes, preservando determinados valores políticos, religiosos, educacionais, sociais, culturais e econômicos, todos eles fundamentais à sociedade brasileira. Dessa forma, assegura-se, retirando das mãos do legislador infra-constitucional, a possibilidade de, por meio da exação imposta, atingi-los.

Resguarda o equilíbrio federativo, a liberdade política, religiosa, de associação, do livre pensamento, e de expressão, a expansão da cultura, o desenvolvimento econômico etc., e, assim não deve considerar a imunidade como um benefício, um favor fiscal, uma renúncia à competência tributária ou um privilégio, mas sim uma forma de resguardar e garantir valores da comunidade e do indivíduo. [69]

Observa-se, após a consideração do escorço histórico que foi exposto acima, que as imunidades deixaram de ser benefícios fiscais concedidos à uma classe privilegiada, ligada ao poder, para se tornar, atualmente, instrumentos de consecução de valores fundamentais, existentes no seio da sociedade e decorrente do próprio modo republicado, democrático, e social do Estado.

Nota-se que a causa determinante da instituição de uma imunidade pelo constituinte originário está na busca da concretização de um determinado valor prestigiado no seio da sociedade. Não se trata de uma escolha aleatória, feita na fase pré-legislativa sem nenhum critério, mas do afastamento da tributação motivado por uma finalidade, viabilizando a proteção e promoção de valores tidos como fundamentais.

De fato, da tricotomia fato – valor – norma, decorre que o fato precede a normatização de uma conduta. O fato jurídico guarda distinção para com os demais em função da valoração que o Direito lhe atribui. Neste sentido, as imunidades encontram uma alta carga axiológica e também decorrem de princípios que também são oriundo de valores eleitos em dado momento histórico.

As imunidades podem ser concebidas como decorrência dos princípios implícitos do sistema jurídico, ou mesmo advinda de valores extrajurídicos, que refletem valores consagrados na sociedade, relativos à coletividade, posto que não podem ser concebidas como incentivos fiscais ou mesmo privilégios. Federação, liberdade de religião, atividade política como exercício da democracia, educação e assistência social como atividades que devem ser feitas pelo Estado mas que podem os particulares exercer como interesse da sociedade, livros como comunicação do pensamento e transmissão do conhecimento como interesse da sociedade, são todos valores que inspiram as imunidades.

Ao contemplar hipóteses de imunidade, quis a Constituição garantir a efetividade de múltiplos valores consagrados pela sociedade sob a forma de princípios; a valoração desses princípios - que se irradiam no mundo da realidade, em situações concretas – assume grau de relevância tal, a ponto de suplantar o próprio valor que decorre da necessidade do Estado de obter de receitas por meio da tributação. Assim, entre nós também veda-se a taxação de situações e pessoas que encerrem a noção de um valor que, constitucionalmente, pretendeu-se salvaguardar.

Com efeito, as imunidades são decorrência da forma federativa do Estado (recíproca), do direito ao acesso à informação (imunidade de livros e periódicos e papel destinado à sua impressão), de instituições democráticas (imunidade de partidos políticos), e de outros valores abraçados por nosso sistema jurídico. Não são mais, como antigamente, favores fiscais, mas atendem ao bem comum, finalidade última do Estado.

3.2 Princípios constitucionais e imunidades

A seção II, do Capítulo I, do Título VI, da Constituição Federal, traz a rubrica de "Das Limitações do Poder de Tributar", abrangendo do artigo 150 ao 152, dentre os quais encontramos algumas imunidades.

Tais dispositivos (contidos na seção citada) trazem diversos princípios constitucionais tributários, como o primado da legalidade estrita, da isonomia, a irretroatividade, da anualidade, do nonagesimal, vedação de confisco, entre outros.

Todavia, as imunidades não se confundem com tais princípios, tendo suas características específicas. Aliomar Baleeiro faz a indagação:

Princípio não é imunidade, embora imunidades esteja expressamente consagradas, por causa de valores e princípios fundamentais. Qual será, então, a especificidade conceitual da imundiade? Por que razão, tradicionalmente, legalidade, irretroatividade, anterioridade, capacidade econômica de contribuir, vedação de confisco e outros princípios não são imunidades, embora sejam todos, limitações constitucionais ao poder de tributar? [70]

Os princípios, como alicerce do sistema jurídico, a ele conferem estrutura e coesão. São normas jurídicas qualificadas, porque tendo âmbito de validade maior, orientam a atuação de outras normas, e assumem função axiológica mais expressiva dentro do ordenamento jurídico.

Primeiramente, deve ser ressaltado que princípios constitucionais, que são chamados princípios constitucionais tributários, dentre eles àqueles atinentes Seção II, do Capítulo I, do Título VI, da Constituição Federal, que estão do artigo 150 ao artigo 152, ou mesmos aqueles espalhados por todo o texto constitucional, não se confundem com o fenômeno das imunidades tributárias.

Princípios Constitucionais tributários e imunidades são coisas completamente distintas, apesar de certos princípios implicarem, por decorrência lógica, em imunidades, como o caso do princípio federativo que implica na imunidade recíproca.

Os princípios constitucionais dizem como devem ser feitas as leis tributárias, condicionando o legislador sob o judiciário, zelador que é do texto dirigente da Constituição.

As imunidades expressas dizem o que não pode ser tributado, proibindo o legislador o exercício da sua competência tributária sobre certos fatos, pessoas ou situações, por expressa determinação da Constituição, que, igualmente, estão sobre tutela do Judiciário.

Neste sentido, Sacha Calmon Navarro Coelho:

Princípios e imunidades são institutos jurídicos diversos, embora certos princípios expressos façam brotar e rebrotar imunidades (implícitas). A Profª Misabel Derzi, pelo manejo profundo dos princípios constitucionais, brinda-nos com o primor de raciocínio que se dá transcrito:

"A consagração de uma imunidade expressa é, às vezes, conseqüência lógica de um princípio fundamental. Do princípio federal resulta a imunidade recíproca, dedutível mesmo na ausência de receptação literal do texto, porque expressão da autonomia relativa dos entes estatais e de sua posição isonômica, logicamente dedutíveis. Basta considerar que extraímos a doutrina, em suas linhas básicas, da jurisprudência da Suprema Corte constitucional dos EEUU, país cuja Constituição é silente sobre a citada imunidade. Igualmente a imunidade das instituições de educação e assistência social que não almejam distribuição de lucro, decorre da inexistência de capacidade contributiva, princípio norteador da igualdade e imprescindível à efetividade da imposição."

Nem todo princípio, contudo, conduz a uma imunidade, como é o caso, v.g. dos princípios da legalidade, anterioridade e irretroatividade.

Princípios e imunidades, repita-se, são entes normativos diversos. [71]

Aliomar Baleeiro assevera que

Os princípios são diretrizes gerais, mandamentos alicerçantes e basilares do sistema jurídico, que tanto podem inspirar concessões, prerrogativas, faculdades, negações ou privações totais ou parciais. Muitas vezes limitam o poder de tributário, subordinando o seu exercício ao cumprimento de certos requisitos materiais ou formais. Nesse caso, pressupõem a existência da competência cujo exercício disciplinam. (Citem-se os princípios da legalidade, da irretroatividade, da isonomia, da anterioridade, etc.).

E continua dizendo que: "As imunidades, como normas sempre parcialmente denegatórias de poder, relativas a certos fatos específicos e determinados, mutilam o âmbito de validade da norma atributiva de poder, delimitando a competência da pessoa estatal." [72]

3.3 Imunidade como instituto constitucional inderrogável pelo poder de revisão constitucional

A doutrina e jurisprudência são unânimes em caracterizar o Texto Supremo como sede das imunidades tributárias, não havendo discordância neste aspecto. Há consenso entre os especialistas no consignar que as imunidades tributárias são um instituto jurídico constitucional.

Neste sentido, encontramos Paulo de Barros Carvalho [73] e Roque Antônio Carrazza [74].

Com efeito, na medida em que as imunidades estipulam a incompetência dos entes da federação em tributar certas situações suficientemente caracterizadas, mediante o conseqüente da regra imunizante, tal fenômeno jurídico está no seio constitucional, onde são traçadas as competências tributárias.

Normas infra-constitucionais não são aptas á estipular imunidades, mas somente isenções. A imunidade, necessariamente, deve estar prevista na Constituição Federal, mesmo porque, uma vez que a Carta Magna é que confere as competências tributárias, uma norma inferior não poderia restringi-la, ou mesmo alargá-la.

A própria Constituição Federal confere ao Congresso Nacional o denominado "poder constituinte revisor", conferindo ao legislador federal a possibilidade de alterar o texto constitucional.

Entretanto, tal poder não é ilimitado, devendo ser observadas as balizas que lhe são impostas, neste sentido é que o § 4°, do artigo 60, da CF, no que a cultura jurídica denominou cláusulas pétreas, determina que "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais."

O § 2°, do artigo 5°, da Constituição Federal dispõe:

"§ 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."

Vê-se que as limitações ao poder revisor, no que se refere aos direitos e garantias individuais, não estão contidas somente no artigo 5° da CF, já se fala em direitos da 1° geração, 2° geração, 3° geração e até de 4° geração, que consubstanciariam tais garantias, espalhados pelo texto supremo. Certo é que, hodiernamente, é sabido que a doutrina dos direitos fundamentais não compreende, apenas, direitos e garantias individuais, mas, também, direitos e garantias sociais, direitos atinentes à nacionalidade e direitos políticos.

Também não se referem somente à limites expressos, porquanto como o próprio § 2°, do artigo 5°, da CF, prevê "não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados", o que nos leva á constatação que existem limites implícitos.

Aliomar Baleeiro já dizia que "É no próprio texto expresso da Constituição que, por vezes, encontramos o prestígio atribuído ao que nela está implítico ou resulta da extensão e compreensão de suas disposições.", e que "Assim acontece também no campo do Direito Constitucional Tributário, que não se restringe às disposições específicas em matéria exclusivamente fiscal. Ao lado dos princípios expressos de tributação, vigoram sobre o campo desta outros princípios constitucionais inerentes ao regime e considerados garantias individuais." [75]

Todavia, não nos alongaremos no assunto, por oportuno ao tema deste trabalho, se mostra ressaltar que as imunidades consagram uma garantia constitucional fundamental assegurada ao contribuinte (art. 5°, § 2°, CF), que nenhuma lei, poder ou autoridade pode anular. Tratam-se, pois, de cláusulas pétreas, a teor do artigo 60, § 4°, da Constituição Federal, que sequer emenda constitucional pode infringir.

Neste sentido se manifestou o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 939-7, relatada pelo Ministro Sydney Sanches, que declarou inconstitucional a emenda constitucional n° 03/93 e a lei complementar n° 77/93, na parte que contrariavam o princípio da anterioridade (art. 150, III, b, da CF), e desconsiderava as imunidades tributárias (art. 150, VI, CF).

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O acórdão se tem a seguinte ementa:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE EMENDA CONSTITUCIONAL E DE LEI COMPLEMENTAR – IPMF – IMPOSTO PROVISÓRIO SOBRE A MOVIMENTAÇÃO OU A TRANSMISSÃO DE VALORES E DE CRÉDITOS E DIREITOS DE NATUREZA FINANCEIRA – IPMF – ARTIGOS 5º, § 2º, 60, § 4º, INCISOS I E IV, 150, INCISOS III, B, E VI, A, B, C E D, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, I, a, da CF). 2. A Emenda Constitucional nº 3, de 17.03.1993, que, no art. 2º, autorizou a União a instituir o IPMF, incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no § 2º desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, b e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. o princípio da anterioridade, que é garantia individual do contribuinte (art. 5º, § 2º, art. 60, § 4º, inciso IV e art. 150, III, b da Constituição); 2. o princípio da imunidade tributária recíproca (que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que é garantia da Federação (art. 60, § 4º, inciso I, e art. 150, VI, a, da CF); 3. a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: b): templos de qualquer culto; c): patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e d): livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão; 3. Em conseqüência, é inconstitucional, também, a Lei Complementar nº 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, a, b, c e d da CF. (arts. 3º, 4º e 8º do mesmo diploma, L.C. nº 77.93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993. (STF – ADIn 939-7 – DF – TP – Rel. Min. Sydney Sanches – DJU 18.03.1994)"

Segue abaixo a parte da emenda constitucional considerada ofensiva à Magna Carta pelo Tribunal Supremo:

"Art. 2º. A União poderá instruir, nos termos de lei complementar, com vigência até 31 de dezembro de 1994, impostos sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira.

...........................................................................

§ 2º. Ao imposto de que trata este artigo não se aplica o artigo 150, III, b, e VI, nem o dispositivo no § 5º do artigo 153 da Constituição." (o grifo refere-se à parte declarada inconstitucional)

Assim, observa-se que as normas imunizantes além de terem índole constitucional, consubstanciam cláusulas pétreas, por consagrarem princípios e garantias inafastáveis, mesmo pelo constituinte derivado. Desta forma, nem mesmo a emenda constitucional pode anular ou restringir as situações de imunidade contempladas na Constituição.

Sacha Calmon Navarro Coelho explica que: "Os princípios constitucionais tributários e as imunidades (vedações ao poder de tributar) traduzem reafirmações, expansões e garantias dos direitos fundamentais e do regime federal. São portanto cláusulas constitucionais perenes, pétreas, insuprimíveis (art. 60, § 4°, da CF)". [76]

Aliomar Baleeiro apregoa que "As limitações constitucionais ao poder de tributar, enumeradas de forma não exaustiva nos arts. 150, 151 e 152, constantes da Seção II, intitulada "Das Limitações do Poder de Tributar", compõem os direitos e garantias fundamentais do contribuinte e não podem ser modificadas ou restringidas por emenda à Constituição." [77]

Da mesma forma, se até o constituinte derivado e o legislador ordinário não podem ignorar as imunidades tributárias, por muito maior razão não o poderá o aplicador da lei tributária, interpretando-as, a seu talante, de modo a restringi-las. As normas infra-constitucionais (leis, regulamentos, portarias, atos administrativos, sentenças, etc.) não podem, em nenhuma hipótese, diminuir o conjunto de normas imunizantes.

Isto porque a essência da Constituição, como promulgada pela Assembléia Nacional Constituinte que tinha o poder constituinte originário, portanto, ilimitado, incondicionado e autônomo, não pode ser mutilada pelo poder constituinte derivado. O Congresso Nacional quando exerce suas prerrogativas legislativas retira seu fundamento de validade no próprio texto supremo, estabelecido pelo constituinte originário, assim, dele decorre e por ele é regulamentado. Por tal razão, o poder constituinte de revisão encontra limites, de modo que podem haver emendas constitucionais inconstitucionais, o que ocorre quando forem desrespeitados, sejam os limites expressamente previstos, como aqueles contidos no artigo 60, § 4°, da CF, ou mesmo quando extrapoladas as limitações implícitas.

Em suma, criar tributos, só a lei pode, violar imunidades tributárias, nem a lei pode. É que, no sistema constitucional tributário brasileiro, a materialidade das normas ordinárias instituidoras das regras-matrizes de incidência já se encontram pré-qualificadas no próprio Texto Supremo e constituem-se as imunidades de cláusulas pétreas, inderrogáveis pelo poder constituinte derivado.

3.4 A auto aplicabilidade das normas imunizantes

Comumente, as normas constitucionais são classificadas em normas de eficácia plena, eficácia contida ou de eficácia limitada.

As normas constitucionais de eficácia plena são aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular.

As normas de eficácia contida são as que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos à determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nela enunciados.

Por fim, normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que apresentam aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente são aptas a implicarem seus efeitos, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade.

Feita tal consideração e tendo em vista que as imunidades constituem-se de direitos fundamentais, conforme exposto alhures e orientação adotada pelo STF, nos vem à baila o parágrafo 1°, do artigo 5°, da CF, que estatui que "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata."

Por outro giro, nos deparamos com o artigo 150, VI, da Carta Magna, que confere ao legislador infra-constitucional a prerrogativa de regulamentar as hipóteses de imunidades, se extrai do artigo em tela que é vedado às pessoas tributantes:

"VI - instituir impostos sobre:

...

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;"(g.n.)

Tal regulamentação se encontra no CTN (art. 14), que admitiu-se haver sido recepcionada pela CF/88 com foros de lei complementar, sendo, portanto, apta a dispor acerca da disciplina, por atendido o disposto pelo artigo 146 do Texto Supremo.

Seriam, então, as hipóteses de imunidade consagradas pela Constituição de eficácia plena, ou seriam de eficácia limitada ou contida??? Ou seja, as normas imunizantes dependeriam, para irradiar seus efeitos, de norma infra-constitucional que as regulamentasse??? Se as normas imunizantes consubstanciam direitos e garantias fundamentais, e se os direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, como poderiam depender de regulamentação???

Segundo Sacha Calmon Navarro Coelho, quando trata da imunidade prevista pela alínea c, do inciso VI, do artigo 150, da CF:

A regra imunitória é, todavia, not self enforcing ou not self executing, como dizem os saxões, ou ainda, não bastante em si, como diria Pontes de Miranda. Vale dizer, o dispositivo não é auto-aplicável e carece de acréscimo normativo, pois a Constituição condiciona o gozo da imunidade a que sejam observados os requisitos de lei. [78]

Paulo de Barros Carvalho esclarece que

Para que fique delineado integralmente o perfil do instituto, cabe observar a necessidade premente de que a situação esteja tipificada, de tal arte que nenhum outro expediente seja preciso para perfeita identificação no mundo factual. A qualificação utilizada pelo comando constitucional tem de ser bastante em si mesma para compor hipótese de imunidade, o que não exclui a participação do legislador complementar na regulação dos condicionantes fácticos definidos pela norma imunizante. [79]

Se admite que ao legislador complementar compete regulamentar os condicionantes fáticos, definidos pela norma imunizante, fica claro que, para o referido autor, a norma é de eficácia limitada. Os condicionantes de fato, por óbvio, integram a hipótese da norma imunizante, sem os quais não há que se falar em sua aplicação e, por conseguinte, está-se diante de norma que depende de regulamentação, ou seja, de eficácia limitada.

Deste modo, para tais autores, existem normas imunizantes de eficácia limitada (art. 150, VI, c, CF), porque seus efeitos ficam a depender de edição de lei complementar de regulamentação.

De outro lado, os que seguem Aliomar Baleeiro entendem que as normas imunizantes, assim como os princípios que estabelecem o que chama de "Limitação do Poder de Tributar", seriam de eficácia plena e aplicação imediata. Todavia, admite exceções, ao fundamento de que haveria normas imunitórias de eficácia contida, ou contível, entretanto, seriam exceções, que viriam a confirmar a regra.

Lúcido é o magistério do citado mestre, que vale aqui transcrever:

Assim, se nem mesmo emenda pode reduzir as limitações constitucionais, que se erigem como verdadeiros direitos e garantias do cidadão-contribuinte (aplicação do art. 60, § 4°, IV), fica evidente que muito menos a lei complementar, a título de regulamentá-las, poderá amputá-las ou amesquinhá-las.

As limitações constitucionais ao poder de tributar são, assim, normas de eficácia plena e imediata, cujos efeitos independem da edição de leis complementares. Essa a regra. Excepcionalmente, certas limitações são dotadas de eficácia contível, segundo a terminologia conhecida por José Afonso da Silva. Na sua ausência, mesmo quando a Constituição impõe a observância de certos requisitos, permanece a norma imunitória ampla, que é vedação pura e simples. Com o advento da lei complementar que disciplina a imunidade, limita-se a eficácia da imunidade, condicionada que fica ao cumprimento dos requisitos impostos. Exemplo de norma imunitória de eficácia contida ou contível é aquela estabelecida no art. 150, VI, c. [80]

Pois bem, atendo as duas posições, chegamos à conclusão de que ao legislador infra-constitucional incumbe, através de Lei Complementar (art. 146, II, CF), veicular pormenores inerentes aos comandos constitucionais que contemplam hipóteses de imunidades, restringindo a abrangência do preceito da Carta Magna.

Por tal razão, somos pela posição de que elas são de eficácia contida, ou contível, pois para a aplicação da norma imunitória não é imprescindível a edição da lei complementar.

A hipótese de imunidade se acha suficientemente caracterizada no Texto Supremo, do que decorre que, na ausência de lei complementar a pormenorizá-la, ela não deixa de ser aplicável. O que ocorre na ausência da lei complementar é que as notas factuais que consubstanciam as hipóteses das normas imunitórias ficariam ao talante da autoridade ou do aplicador da norma.

Ademais, não seria aceitável a interpretação que admite ser imprescindível a edição da lei complementar (e, conseqüentemente que seriam de eficácia limitada), uma vez que as imunidades são direitos fundamentais, que em virtude do § 1°, do art. 5°, CF, tem aplicação imediata. Não nos esqueçamos, neste ponto, que os direitos fundamentais servem de garantia do indivíduo ante ao Estado, o que inclui o próprio Poder Legislativo, que não pode modificar as cláusulas pétreas. Sendo assim, da mesma forma que o Legislativo não pode alterar ou suprimir as cláusulas pétreas, dentre as quais se acham as imunidades, a sua inércia em estatuir a regulamentação da norma imunitória não poderia tornar ineficaz o preceito imunizante. Deste modo, não se pode reconhecer às imunidades a característica de normas de eficácia limitada.

Contudo, sem as especificações do legislador infra-constitucional, não haveria critérios objetivos, expostos em normas jurídicas, que possibilitassem a perfeita identificação no mundo factual do que, por exemplo, seria considerado como instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos (art. 150, VI, c, CF). Quais características configurariam o predicado "sem fins lucrativos"??? Seria a ausência de lucro??? Tais instituições não poderiam ter superávits???

Percebe-se que é imperativo da segurança jurídica, que tais situações estejam perfeitamente identificadas pela legislação, pois de outro modo, ficariam ao talante da autoridade ou do aplicador da norma.

A Lei Complementar vem tecer os traços formais da norma imunizante, de forma a conferir precisão à interpretação da norma, sem, contudo, restringir ou alargar o sentido do preceito contido na Constituição Federal.

Segundo Clélio Chiesa

em matéria de regulamentação das hipóteses de imunidades condicionadas, a lei complementar tem uma função muito importante, consistente na de normatizar o modo e a forma de gozo dos benefícios conferidos pelas imunidades. Dito em outras palavras, essa lei tem a função de disciplinar os aspectos formais, sem modificar a essência da regra imunizante.

É bem verdade que a lei complementar, editada a pretexto de regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, para disciplinar o gozo dos benefícios proporcionados pelas imunidades condicionadas, não pode ampliar nem restringir o alcance dos comandos constitucionais.

E continua

Portanto, em hipótese alguma, o legislador ordinário, a pretexto de regulamentar as imunidades condicionadas, pode amesquinhar o direito dos contribuintes de beneficiarem-se das imunidades contempladas na Carta Magna por meio da instituição indevida de outros deveres instrumentais além dos enunciados no art. 14 do Código Tributário Nacional. [81]

Voltando à idéia central, reiteramos, portanto, que os casos de imunidades estão todos definidos na própria Constituição, e por isto os pormenores estabelecidos pelo legislador não podem restringir ou ampliar a norma imunizante estabelecida na Constituição Federal.

3.5 Imunidade não alcança somente impostos, mas todas as espécies de tributos

Hodiernamente, podemos dizer que a doutrina é quase unânime em reconhecer que as imunidades não atingem somente os impostos, exações não vinculadas segundo classificação de Geraldo Ataliba [82], mas os tributos como gênero, abarcando os impostos, taxas e contribuições de melhoria e, para aqueles que reconhecem mais espécies tributárias, as demais exações.

O argumento daqueles que apregoam que as imunidades somente se referem à tributos não-vinculados, são: que o texto da Constituição Federal, em seu artigo 150, inciso VI, cita especificamente estas espécies de tributos; segundo, porque os impostos são concebidos para as despesas gerais do Estado, enquanto que as demais espécies tributárias pressupõe uma atividade do estado, seja o exercício do poder de polícia, a prestação de um serviço público ou a valorização imobiliária decorrente de obra pública, o que as tornariam incompatíveis com as imunidades.

Os argumentos não prosperam e tal questão já foi superada pela doutrina, sendo que a posição majoritária admite as imunidades em relação à taxas e contribuições de melhoria.

Não existe nenhuma circunstância que teria aptidão de impedir que o legislador constituinte, no exercício de suas prerrogativas, estivesse impedido de, na delimitação das competências tributárias, afastasse a decretação de certas taxas ou impossibilitasse a criação de contribuições de melhorias.

Paulo de Barros aponta o equívoco:

A proposição afirmativa de que a imunidade é instituto que só se refere aos impostos carece de consistência veritativa. Traduz exacerbada extensão de uma particularidade constitucional que pode ser facilmente enunciada mediante a ponderação de outros fatores, também extraídos da disciplina do Texto Supremo. Não sobeja repetir que, mesmo em termos literais, a Constituição brasileira abriga regras de competência da natureza daquelas que se conhecem pelo nome de imunidades tributárias, e que trazem alusão explícita às taxas e à contribuição de melhoria, o que basta para exibir a falsidade da proposição descritiva. [83]

Aliomar Baleeiro esposa o mesmo entendimento:

Por essa mesma razão é que as imunidades, como regra geral, contemplam impostos. Eventualmente, por razões de política econômica, a Constituição consagra imunidade mais ampla, abrangendo qualquer espécie tributária (art. 155, § 3°), ou, por imperativo de Justiça, a Constituição consagra a imunidade daqueles reconhecidamente pobres, em relação a certas taxas e emolumentos (art. 5°, LXXIV, LXXVI). Mas as hipóteses são excepcionais. [84]

Outrossim, não há motivos para que restrinjamos as hipóteses de imunidades ao inciso, VI, do artigo 150 da Constituição Federal. Note-se o que dispõe o artigo 5°, inciso XXIV, a e b:

"XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a)o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de Poder;

b)a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;"

Eis uma hipótese que exibi a falsidade da proposição segundo a qual as imunidades referem-se somente à impostos.

Vejamos o que dispõe o artigo 195, § 7°, da CF:

"§ 7° São isentas de contribuição para seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei."

Apesar de o legislador, mediante sua linguagem técnica permeada de imprecisões e equívocos, referir-se à isenção, o correto seria imunidade, de modo que vemos que há impedimento expresso para exigência de contribuição social das entidades beneficentes referidas no dispositivo. Mesmo que se adotasse a posição que propõe que a contribuição social tenha natureza de taxa ou de imposto, sabemos que a orientação predominante é outra, discernindo essa figura, nitidamente, dos impostos.

Da obra de Ives Gandra da Silva Martins extraímos:

Mas a nova Constituição passou a trazer imunidades expressas de taxas e contribuições, pelo que ficou sem efeito a postura acima citada. Afirma-se, hoje, sem qualquer receio, que para o Direito Positivo brasileiro as imunidades atingem todas as figuras tributárias, sem exceção. [85]

Neste sentido, discorre Clélio Chiesa:

A respeito desta questão, pode-se dizer que é importante fazer uma distinção entre o que pode ocorrer em tese e o que está positivado. Explicando melhor: em tese, não há dúvida de que o legislador pode criar hipóteses normativas imunizantes que contemplam outros tributos que não sejam impostos. Outro problema é saber se o texto constitucional atual contempla hipóteses de imunidades para outros tributos além dos impostos.

Preferimos ficar aqueles que defendem a tese de que o texto constitucional contempla hipóteses de imunidades referentes à tributos que não são impostos, como é o caso do art. 5°, inciso XXIV, "a" e "b", inciso LXXIV, LXXVII e art. 195, § 7°, art. 226, § 1°, todos da Constituição Federal. [86]

Hugo de Brito Machado acompanha a posição majoritária:

Em edições anteriores afirmamos que a imunidade referes-se apenas aos impostos. Não aos demais tributos. Hoje, porém, já não pensamos assim. A imunidade, para ser efetiva, para cumprir suas finalidades, deve ser abrangente. Nenhum tributo pode ficar fora de seu alcance. Não obstante, o art. 150, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, diz que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre:

a)patrimônio, renda ou serviços uns dos outros;

b)templos de qualquer culto;

c)patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e

d)livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão." [87]

O motivo pelo qual o legislador previu menos disposições que regulamentam a decretação de taxas e contribuições de melhoria, do que relativas aos impostos, é porque àqueles poderiam ser criados tanto pela União, quanto pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, firmando-se a legitimação em função da pessoa que realizar a atuação específica. Já no plano das exações não vinculadas, percebe-se que o constituinte manteve-se demoradamente, discriminando minuciosamente seus traços legais. Tal razão parece-me suficiente para justificar um número significativo de referências especiais voltadas ao regime desse e daquele imposto.

3.6 Impropriedade da classificação das imunidades em objetivas, subjetivas e mistas

Parte da doutrina concebe a classificação das imunidades em objetivas, subjetivas e mistas, conforme alcancem pessoas, coisas ou ambas. Dentre os que mencionam tal classificação estão Luciano Amaro [88], Ives Gandra da Silva Martins [89], Ruy Barbosa Nogueira [90], dentre outros.

Todavia, doutrinadores de renome criticam, com razão, tal classificação, uma vez que é equivocada.

Roque Carrazza tece a seguinte crítica:

As imunidades beneficiam, sempre, pessoas.

É certo que a doutrina mais tradicional classifica as imunidades em subjetivas, objetivas e mistas, conforme alcancem pessoas, coisas ou ambas.

Pensamos que esta classificação é útil e até empregamos mais adiante. Todavia, parece-nos que, em termos rigorosamente técnicos, a imunidade é sempre subjetiva, já que invariavelmente beneficia pessoas, quer por sua natureza jurídica, quer pela relação que guardam com determinados fatos, bens ou situações.

O que estamos querendo expressar é que mesmo a chamada imunidade objetiva alcança pessoas, só que não por suas qualidades, características ou tipo de atividade que desempenham, mas porque relacionadas com determinados fatos, bens ou situações (v.g. imunidade do art. 150, VI, "d", da CF). E, finalmente, a imunidade mista alcança pessoas por sua natureza jurídica e porque relacionadas com determinados fatos, bens ou situações (e.g. a imunidade do art. 153, § 4°, da CF). [91]

A crítica da impropriedade da classificação leva em consideração de que as imunidades alcançam sempre pessoas, seja em razão de determinadas características, por estarem relacionadas a certos bens, ou ambos. É incorreto se falar em imunidade objetiva ou mista, levando em consideração o alcance dos bens, pois não é isso que ocorre, haja vista que o direito considera sempre relações entre pessoas, seja de forma pessoal, seja quando reporta-se a um bem, mas sempre tem escopo a pessoa humana.

Há quem diga que não há classificação correta ou incorreta, mas, considerando os critérios utilizados para a elaboração do conceito a subsumir a classificação, poderia haver maior ou menor utilidade da classificação. Todavia, como estamos diante da Ciência do Direito que incide em prescrições que encerram uma lógica deôntica, e que por isto se submetem à determinados regimes jurídicos, se torna imperativo que os critérios de classificação a serem utilizados pelo jurista ensejem tantas classes quanto regimes jurídicos aplicáveis às espécies.

Classificar consiste em distribuir objetos em categorias distintas de acordo com as semelhanças existentes, em um dado conceito. As palavras são utilizadas para referir conceitos de objetos. Quando qualificam um mesmo conceito, reúnem sob uma mesma designação vários objetos, os quais possuem certas características que permitem a sua identificação com aquele conceito.

Neste diapasão, as classificações levam em consideração as características dos elementos que compõem o conjunto analisado, e, dependendo do número de critérios ou elementos distintivos adotados pelo intérprete, serão identificadas duas ou mais espécies do gênero considerado. Daí porque as classificações são, em certa medida, arbitrárias.

Contudo, quando nos referimos ao sistema do direito positivo, se mostra adequado que em uma classificação que tenha por objeto figuras jurídicas atenha-se à critérios que ensejem tantos grupos quanto regimes jurídicos aplicáveis, pois, de outra forma seria inócua a classificação do ponto de vista pragmático. Neste sentido, se encontra Márcio Severo Marques. [92]

3.7 Imunidade é ampla e indivisível

É equivocado fazer alusão às imunidades como amplas e indivisíveis, como querem alguns [93], pois dizer-se que as imunidades são sempre amplas e indivisíveis, que não suportam fracionamentos, protegendo de maneira absoluta as pessoas, bens ou situações que relatam, é discorrer sem compromisso. Embora a expressão, a primeira vista, induza os mais desavisados à conclusão de veracidade da expressão, por se extrair aparente impressão de sabedoria, a expressão é vazia e incorreta.

O § 2°, do artigo 150 da Constituição estendeu às autarquias e fundações mantidas pelo Poder Público, a imunidade prevista pelo inciso VI, alínea a, do mesmo dispositivo legal. Todavia, tal extensão não ocorreu de forma ampla e indivisível como generalizado por alguns, ao tratarem das imunidades. O legislador separou, de um lado, as atividades ligadas aos objetivos primordiais daqueles entes, de outro, o exercício de funções paralelas, marginais, episódicas, que porventura as autarquias e as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público venham a desempenhar.

Da mesma forma, existem diversas hipóteses de imunidade em que o legislador constitucional subordina o desfrute da imunidade à observância de requisitos previstos em lei, tal como o artigo 150, VI, c, da CF/88.

Não há que se confundir aqui a incidência com as imunidades. Todo fato social que ingressa para o mundo jurídico, o faz através da porta aberta dos supostos normativos, provocando a incidência que o colhe em cheio, irradiando sua eficácia jurídica. Se a isso querem os autores denominar amplitude e indivisibilidade, operam com engano, pois o fenômeno não é atributo das imunidades, mas de todas as disposições prescritivas do direito posto. Exista uma regra que qualifique um evento, associando-lhe determinados efeitos, e a conseqüência propagar-se-á de modo absoluto, direto e contundente, toda vez que o fato acontecer.

3.8 Distinção entre imunidade e isenção

Conforme diz Paulo de Barros Carvalho:

Há consenso entre os especialistas no consignar as diferenças entre imunidade, isenção e não-incidência, convindo dizer que, ultimamente, vem prosperando a lição mediante a qual as três categorias mereceriam considerar-se casos de não-incidência, agregando-se a cada uma, pela ordem, as seguinte expressões: estabelecida na Constituição (imunidade); previstas em lei (isenção); e pura e simples (não-incidência em sentido estrito) [94]

Consigna o autor que não haveria motivo para que se fizesse um paralelo entre os institutos da imunidade e da isenção, porque não haveria traços semelhantes substanciais que assim aconselhasse, que a imunidade e isenção seriam "categorias jurídicas distintas, que não se interpenetram, mantendo qualquer tipo de relacionamento no processo de derivação ou de fundamentação, a não ser em termos muito oblíquos e indiretos", e que "não se pode delinear paralelismo entre as mencionadas instituições, como o faz a doutrina brasileira." [95]

Dentre os que traçam considerações comparativas acerca dos institutos jurídicos em comento estão Aliomar Baleeiro e Sacha Calmon Navarro Coelho. Baleeiro pondera que "A imunidade e as isenções (incluída a alíquota zero) são permissões explícitas do pondo de vista do contribuinte e configuram proibições ou deveres de omissão aos entes estatais. Uma proibição aos entes políticos da Federação de instituir impostos (no caso de imunidade) ou uma proibição à cobrança do tributo (no caso da isenção ou da alíquota zero)." [96]

Noutra parte de sua obra assenta que

aquilo que se convencionou chamar de imunidade (assim como acontece com a isenção, no plano das leis) é regra parcial, de exceção. A imunidade e a isenção jamais são totais ou coincidentes (no sentido negativo), no primeiro caso, com a norma atributiva de poder tributário, no segundo, com o âmbito de incidência do tributo. Se o forem, equivalerão à cassação da competência ou à revogação da lei tributante. Daí a explicável analogia, feita pela doutrina, entre imunidade e isenção, em que pesem suas diferenças substanciais. [97]

Sacha Calmon, por sua vez, tece as seguintes considerações:

A imunidade é uma heterolimitação ao poder de tributar. A vontade que proíbe é a do constituinte. A imunidade habita exclusivamente no edifício constitucional.

A isenção é heterônoma quando o legislador de uma ordem de governo com permissão constitucional, proíbe ao legislador de outra ordem de governo o exercício do poder de tributar.

A distinção em relação à imunidade, na espécie, é feita a partir da hierarquia normativa. Enquanto a norma imunitória é constitucionalmente qualificada, a norma isencional heterônoma é legalmente qualificada (lei complementar da constituição). [98]

Luciano Amaro também faz comparações entre os institutos quando diz que

Técnica semelhante à da imunidade é a isenção, por meio da qual a lei tributária, ao descrever o gênero de situações sobre as quais impõe o tributo, pinça uma ou diversas espécies (compreendidas naquele gênero) e as declara isentas (ou seja, excepcionadas da norma de incidência). Hipoteticamente, a lei declara tributável o gênero de situações "a" (que compreende as situações específicas a1 à an’), mas considera isentas, por exemplo, as situações específicas a2 e a5, donde deflui que todas as espécies a1 a na estão tributadas, exceto as duas espécies excluídas pela isenção, que remanescem não tributadas. [99]

Para uma parte da doutrina, a isenção é a dispensa legal do pagamento de um determinado tributo, via de regra concedida face a relevante interesse social ou econômico regional, setorial ou nacional. [100] Dentre aqueles que seguem essa teoria estão Ruy Barbosa Nogueira, Rubens Gomes de Sousa, Bernardo Ribeiro Moraes, Amílcar de Araújo Falcão e Gilberto de Ulhôa Canto, José Washington Coelho, Cláudio Martins, Fábio Fanucchi, dentre outros.

Vale dizer que para estes, sem a nossa adesão, dá-se a obrigação, nasce o crédito tributário, mas o credor dispensa o pagamento. Num primeiro momento ocorreria o "fato gerador", estabelecido com a incidência da regra jurídica instituidora do tributo. Num segundo momento o Estado, através de uma regra jurídica autônoma de isenção, dispensaria o pagamento do tributo surgido com a obrigação.

Outra corrente, guiada por José Souto Maior Borges, entende que a isenção é juridicamente uma não-incidência legalmente qualificada. O referido autor tece críticas à posição anterior, esclarecendo que

Não se pode converter o fato gerador, por uma espécie de transubstanciação legal, em fato isento." E acrescenta: "Se fosse possível tal fenomenologia, a norma que estabelece a isenção estaria, a rigor, em contradição com a norma que definisse o fato gerador da obrigação tributária, e duas posições normativas contraditórias não poderiam ser ambas válidas (princípio jurídico da contradição) [101]

Sacha Calmon Navarro Coelho afirma que:

Os dispositivos isencionais assim como os imunizantes "entram" na composição das hipóteses de incidência das normas de tributação, delimitando o perfil impositivo do "fato jurígeno" eleito pelo legislador.

A isenção como também a imunidade não excluem o crédito, obstam a própria incidência, impedindo que se instaure a obrigação. [102]

A posição de Sacha Calmon diverge da adotada por Souto Maior porque este último entende que existem duas normas, uma que instituiria o tributo e outra a isenção. Pela incidência da norma isencional, ficaria obstada a incidência da regra impositiva. Haveria, assim, uma norma de tributação e tantas normas isencionais quantos fossem os fatos isentos previstos pelo legislador. Por isto, a norma isencional incidiria exatamente para que não incida a de tributação, uma seria excludente da outra. De outra forma, para Sacha Calmon as previsões imunizantes e isencionais se conjugariam com as previsões impositivas para compor o perfil último o final da hipótese de incidência da norma de tributação.

Outros alegam que a norma que estabelece isenções atinge os critérios da regra-matriz de incidência tributária, multilando-os, de forma a afastar da hipótese de incidência determinadas circunstâncias, que de outro modo ensejariam o nascimento da obrigação tributária. Todavia, as perquirições acerca de tal instituto extrapolam o âmbito deste trabalho, sendo suficiente as meras noções para que fique registrado o assunto em tela e apontado nosso entendimento para esta última.

Observa-se que a comparação entre os institutos não implica em incorreções científicas, pois depende da posição adotada por quem examina seu objeto. Como exposto alhures, são várias as posições que tentam explicar tanto o fenômeno das isenções como das imunidades, podendo se encontrar semelhanças entre elas, como o caso da compreensão das mesmas como hipóteses de não-incidência, em que pese havermos tecido críticas a este respeito.

O próprio legislador Constituinte Originário, utilizou o termo isenção para se referir à imunidade, o que se verifica na disposição do artigo 195, § 7°, da Magna Carta, que prescreve que "são isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.". Tecnicamente, o referido preceito não contempla uma hipótese de isenção, mas de imunidade, de modo que o legislador incorreu em equívoco, pela impropriedade semântica no emprego do termo "Isenção" ao invés de "imunidade".

Deste modo, não se pode admitir ser supérfluo e injustificado a comparação entre os dois institutos, da imunidade e isenção, pois se o próprio constituinte utiliza-os incorretamente, não se pode negar a utilidade da comparação.

Seja como for, o importante é deixar claro que as imunidades são um fenômeno constitucional, enquanto as isenções são infra-constitucionais. Isto porque as imunidades estabelecem a incompetência para se tributar certas situações suficientemente caracterizadas, o que ocorre, sabidamente, no âmbito da Magna Carta, por ser onde se encontram traçadas as competências impositivas dos entes da Federação. As isenções se referem à regra-matriz de incidência retirando de sua hipótese de incidência certos fatos tidos por isentos.

Basicamente, a diferença entre a imunidade e a isenção, segundo Luciano Amaro, está em que a primeira atua no plano da definição da competência, e a segunda opera no plano do exercício da competência. Ou seja, a Constituição, ao definir a competência, excepciona determinadas situações que, não fosse a imunidade, quedariam dento do campo de competência, mas, por força da norma de imunidade, permanecem fora do alcance do poder de tributar outorgado pela Constituição. Já a isenção atua noutro plano, qual seja, o do exercício do poder de tributar: quando a pessoa política competente exerce esse poder, aditando a lei instituidora do tributo, essa lei pode, usando a técnica da isenção, excluir determinadas situações, que, não fosse a isenção, estariam dentro do campo de incidência da lei de tributação, mas, por força da norma isentiva, permanecem fora desse campo. [103]

Sobre o autor
Ari Timóteo dos Reis Júnior

Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Ex-Procurador do Estado de Minas Gerais. Procurador da Fazenda Nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS JÚNIOR, Ari Timóteo. Imunidade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2613, 27 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17284. Acesso em: 23 dez. 2024.

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