9- Impossibilidade material de restauração
Se resultar impossível a restauração dos autos, o efeito jurídico mais consentâneo é a declaração de nulidade do processo original por violação aos princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa. Isso porque o processo existe ainda que os autos não existam (Miranda, 1977, p. 153). Após o trânsito em julgado dessa decisão, é possível oferecer nova denúncia (ou queixa) e destravar a persecução penal, desde que o fato criminoso, pelo transcurso do tempo, não esteja acobertado pela prescrição ou outra causa extintiva da punibilidade (morte do acusado, por exemplo).
Mesmo existindo o processo e mantendo parte de sua eficácia, a despeito da desaparição dos autos, a sua validade é posta em xeque. Isso porque as partes não podem perseguir suas pretensões. E principalmente a defesa fica impossibilitada de conhecer a acusação em toda sua extensão e de usar todos os meios de defesa garantidos constitucionalmente. Fere os mais básicos princípios de justiça manter a ameaça de um processo criminal contra um indivíduo, sem que este tenha condições de contestá-lo ou envidar esforços para demonstrar sua inocência.
"A perda dos autos em 2ª. instância, caso seja impossível uma restauração condigna, acarreta a nulidade do processo por vertical ofensa ao amplo direito de defesa, a evidenciar a trágica inconstitucionalidade por desrespeito ao princípio do devido processo legal, vez que a presença dos dados e provas nele constantes se faz imprescindível para o regular julgamento de uma controvérsia, nos vários campos do direito aplicável seja ele estatal ou não" [12].
10- Sentença de restauração
O procedimento de restauração é posto fim através de sentença. A restauração depende do julgamento; portanto, de sentença que se pronuncie no incidente. Antes disso, por mais complexa que tenha sido a recomposição, nenhuma eficácia tem o que dos autos depende e só após serem restaurados, com o trânsito em julgado da sentença, se pode utilizar deles (Miranda, 1977, p. 157).
Nessa decisão é julgada a restauração dos autos e não o mérito da causa [13]. Não pode o juiz ao encerrar por sentença a restauração julgar simultaneamente o mérito da causa, sob pena de nulidade.
A sentença que julga restaurados os autos não faz coisa julgada material, pois aparecendo "os autos originais, nestes continuará o processo" (CPP, art. 547, §único). E tampouco interrompe a prescrição [14].
Ao final, com o trânsito em julgado da sentença, os autos restaurados valem pelos originais, restabelecendo-se o curso normal do processo, como se o feito não tivesse sido interrompido [15].
Contra a sentença cabe recurso de apelação (CPP, 593, II) e nesta somente será discutida, como é óbvio, a restauração feita, vedada a discussão do mérito da causa.
11- Conclusões
O incidente de restauração dos autos no processo penal apresenta alguns aspectos que merecem especial atenção para evitar nulidades absolutas. Dois desses aspectos merecem destaque: I- a intimação pessoal das partes para a audiência de restauração; II- a vedação de discutir sobre qualquer ponto de direito ou de fato da causa principal.
Ao julgador impõe-se a necessidade de conduzir o feito restaurativo de forma regular e observando os possíveis vícios capazes de gerar nulidade, pois como no curso do incidente não há interrupção da prescrição, boa parte dos acusados aproveita a ocasião para procrastinar a restauração de forma a alcançar essa causa extintiva de punibilidade.
Se ao cabo de todas as diligências restaurativas, resultar impossível a restauração dos autos, a decisão a ser proferida é a de declaração de nulidade do processo original, desde o início, por violação aos princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa.
Bibliografia:
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TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. Vol. II. São Paulo:Saraiva, 2ª. ed., 1981.
Notas
- "Restauração por iniciativa oficial. Ainda que a lei reconheça legitimidade apenas às partes, nada obsta a iniciativa oficial quando o fato ocorreu por falha do próprio Poder Judiciário. Exegese do art. 1.063 do CPC" (Tribunal de Justiça do RS, 1ª. Câmara Cível, Rel. Des. Irineu Mariani, j. em 22.10.2008, in:http://br.vlex.com/vid/44851093).
- Segundo Rosa (1982, p. 612), autos são o conjunto de todas as peças (queixa ou denúncia, inquérito policial, auto de exame pericial, alegações, requerimentos, termos, certidões, documentos, decisões etc.) pertencentes a um processo ou feito, constituindo um ou mais volumes. Para Pontes de Miranda (1977, p. 153), os autos são a concretização gráfica do processo.
- TJSP, Agravo de Instrumento, 35ª. Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Clóvis Castelo, j. 30.03.2009, in: http://br.vlex.com/vid/59965945.
- TJSP, JTJ 136/409.
- TJSC, in DJ, no. 9112, de 14-11-94, pág. 13; TACrimSP, RT 551/347; TJES, 2ª. CCrim., ACR 24010106383 ES, Rel. Sérgio Luiz Teixeira Gama, j. 30/04/2008, publ. 30/05/2008, in: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8298429/apelacao-criminal-acr-24010106383-es-024010106383-tjes;TACRSP, RT 551/347.
- Por exemplo, o escrevente que funcionou como auxiliar do juiz na audiência resconstituenda pode ser ouvido para reproduzir seu conteúdo (Junior/Andrade Nery, 2003, p. 1.199).
- TRF5, Pleno, Restauração de Autos 24 PE, Rel. Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, j. 14/06/2005, publ. 23/06/2005, Diário da Justiça p. 744, n. 119.
- TJMG, Rec 1.0672.03.000167-7/001, Rel. Célio César Paduani, DJU 05.05.2004, in: Franco/Stoco, 2004, p. 651.
- TA/PR – 3ª C. Cív., Ap. Cív. nº 178116800/Curitiba, j. 16.10.2001, in: http://www.jurisite.com.br/jurisprudencias/civil/restauracao.html.
- TJ/RO – C. Cív., Ap. Cív. nº 03.002860-4/Porto Velho, Rel. Des. Sebastião T. Chave, julg. 02.09.2003, in: http://www.jurisite.com.br/jurisprudencias.
- RJDTACRIM, 2/144-5.
- TACRIM-SP, AP, Rel. Oliveira Ribeiro, RJD 17/146.
- "Neste procedimento, a sentença visa, apenas e tão-somente, declarar a restauração dos autos do processo principal, restando inapreciável qualquer questão que versem sobre o direito material" (TJAP, RA 505 AP, Câmara única, Rel. Des. Dôglas Evangelista, j. 30/10/2007, publ. DOE 4139, p. 10, de 29/11/2007).
- TJRJ, AP, Rel. Dorestes Baptista, RF 270/298.
- TJDF, 1ª Turma Criminal, RA 126413920098070000 DF, Rel. Edson Alfredo Smaniotto, j. 28/01/2010, publ. 11/02/2010, DJ-e Pág. 105.