Reconhecido por Ruy Barbosa como o maior Jurista brasileiro de sua época, Clóvis Beviláqua carrega em si a imagem do civilista. Notável Acadêmico, estudioso do Direito Civil, Beviláqua era, acima de tudo, um Filósofo. Filho de José Beviláqua, que foi deputado provincial pelo Ceará e padre muito tempo, e de Martiniana Aires Beviláqua. Iniciou os estudos na cidade natal, Viçosa do Ceará, ingressando, em 1872, no Ateneu Cearense. Daí transferiu-se para o colégio oficial de Fortaleza, em 1875. No ano seguinte, com 17 anos, embarcou para o Rio de Janeiro, onde prosseguiu nos estudos freqüentando o Externato Gaspar e o antigo Mosteiro de São Bento, concluindo os preparatórios juntamente com Paula Ney e Silva Jardim. Em 1878, embarcou para Recife, iniciando os estudos jurídicos na renomada Faculdade de Direito do Recife.
Segundo o historiador Cássio Schubsky:
"O eclético Clóvis, já sabemos, ficou marcado por sua grande obra, o projeto de Código Civil Brasileiro, o primeiro a vingar, depois de seguidas tentativas frustradas de codificação, desde meados do Segundo Império."
Clóvis foi um senhor estudante e, além disso, um eterno aprendiz, apesar de ser o grande mestre que foi. Estudou na Faculdade de Direito do Recife. Dentre as várias carreiras jurídicas atuou como promotor público, membro da Assembléia Constituinte, secretário de Estado, consultor jurídico do Ministério do Exterior. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e era membro do Instituto Histórico e Geográfico.
Origens e seqüências
Clóvis Beviláqua é natural de Viçosa do Ceará, cidade pequena de uns poucos mil habitantes nas proximidades de Sobral. É neto de um imigrante italiano que no Ceará instalou-se, por isso o nome incomum: Beviláqua. Dizem as más línguas que Ângelo Beviláqua poderia ser de tudo um pouco, aventureiro, fugitivo, etc. Como nos diz o Ministro Cesar Asfor Rocha:
"Ninguém sabe,ao certo, nem por que, nem quando um italiano de nome Ângelo Beviláqua, talvez um aventureiro, talvez um fugitivo[...] veio dar com os costado em Fortaleza, no Estado do Ceará, aí pelo ano de 1774[...]."(ROCHA, p.22, 2007)
Tal italiano poderia ser também de família ilustre da Itália, pois existem inúmeros castelos com esse nome, uma localidade homônima, além da tradicional família Beviláqua. Porém, o importante é que Beviláqua avô veio e encantou-se pelo sertão norte cearense. E, como de praxe, se engraçou por uma jovenzinha de família abastada e exigente: Dona Luíza Gaspar de Oliveira. Como nos ensina Cássio Schubsky:
"A família Beviláqua tem origem italiana (nobre, segundo biógrafos de Clóvis). O avó paterno de Clóvis chegou ao Brasil ainda no século XVIII, instalando-se no Nordeste."
Dona Luíza era filha de sangue azul. Reconhecidamente, advinda de ancestrais portugueses que em Fortaleza ficaram bases residenciais. Desse entrelaçamento pouco comum, nasceu o pequeno Giuseppe ou, futuramente, o Padre José Beviláqua, pai de Clóvis Beviláqua, casou-se com Martiniana Maria de Jesus, que foi mãe de Clóvis Beviláqua. De acordo com o ensinamento de Cássio Schubsky:
"O pai do jurisconsulto, o padre José Beviláqua, foi vigário da cidade de Viçosa do Ceará, na serra de Ibiapaba, onde se casou de fato com a piauiense Martiniana Maria de Jesus. Desta união, entre outros filhos, nasceu Clóvis, em 4 de outubro de 1859, em Viçosa do Ceará, a cerca de 350 km de Fortaleza."
Filho segundo do Padre José Beviláqua, o garoto Clóvis viveu até os 10 anos na terra natal, indo estudar depois em Sobral, Fortaleza e no Rio de Janeiro. Graduou-se, em 1882, pela Faculdade de Direito do Recife (que mais tarde se integraria à atual Universidade Federal de Pernambuco).
Em 1876, embarca para o Rio de Janeiro objetivando concluir os preparatórios no Externato Jasper e no Mosteiro São Bento. Nesse período, o jovem Clóvis, então com 17 anos, dá início às suas atividades de homem das letras, fundando com Paula Ney e Silva Jardim, o jornal "Laborum Literarium".
Clóvis casou-se em 1884 com Amélia de Freitas, no Recife. Com esta, Clóvis teve quatro filhos. Piauiense de grande brilho literário, possuía uma grande identificação com o mestre cearense, este a amou de todas as formas. Conta-se que Clóvis gastou 100 contos de réis em jóias para sua esposa, mas a criada de sua casa as roubou. Clóvis, em um ato de extrema compreensão, porém, não a condenou, dizendo que se ela tinha as levado era porque precisava.
Clóvis Beviláqua e a vida escolar, acadêmica e profissional.
Clóvis travou seus primeiros passos na sua cidade natal Viçosa de Vila Real depois foi estudar em Sobral, de lá transferiu para o famoso Ateneu Cearense, onde concluiu os estudos básicos, partindo daí para o Rio de Janeiro terminar os estudos preparatórios para a Faculdade. O jovem Clóvis escolheu a Faculdade de Direito do Recife, segundo Cesar Asfor Rocha, para ficar mais próximo da família e, como desde cedo era inclinado para as ciências humanas e sociais, escolheu acertadamente o curso de Direito. Cássio Schubsky nos ensina que:
"O menino Clóvis viveu até os 10 anos na terra natal, indo estudar depois em Sobral, Fortaleza e no Rio de Janeiro. Graduou-se, em 1882, pela Faculdade de Direito do Recife (que mais tarde se integraria à atual Universidade Federal de Pernambuco)."
Na Faculdade de Direito de Recife, Clóvis revelou a sua brilhante mente. Altamente inclinado para o estudo das ciências jurídicas teve em Tobias Barreto o seu maior mestre, sendo, portanto, seu fiel discípulo e, mais do que isso, superando o mestre na opinião de muitos juristas.
Em 1878, viaja para o Recife matriculando-se no curso de Direito. Torna-se bacharel em 1882. Nesta cidade, teve uma vida acadêmica bastante intensa, pois ligou-se ao grupo de jovens responsáveis pela chamada "Escola do Recife", mobilizando o ambiente intelectual da época. Seguidor dos ideais positivistas na Filosofia, participou da Academia Francesa do Ceará, ao lado de Capistrano de Abreu, Rocha Lima e outros. Através de concurso público, em 1889, passa a lecionar Filosofia no Curso Anexo da Faculdade de Direito do Recife, e, logo após, torna-se responsável pela cátedra da Legislação Comparada.
Logo após sua formatura, Clóvis foi para o Ceará tentar a sua vida profissional, não conseguindo nesta província, porém. No entanto, viu que o seu tino era mesmo para o magistério e para as leituras. Apesar de ter trabalhado como promotor na comarca de Alcântara no Estado do Piuai, onde inclusive conheceu sua amada esposa, Clóvis voltou para o Recife e trabalhou como bibliotecário. Como nos ensina Gabriel Kwak, em seu artigo para a Revista da Escola de Magistratura de São Paulo:
"Em 1882 diplomou-se bacharel. Depois de exercer por um ano o cargo de promotor em Alcântara, no Maranhão, voltou a Pernambuco, em 1884, para trabalhar como bibliotecário da Faculdade de Direito. Em 1889 foi nomeado por concurso professor de Filosofia da mesma instituição. "Clóvis, no entanto, era mais do que um indivíduo professor", segundo as palavras de Celso Lafer, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. "Era um símbolo de aspirações coletivas pelo exemplo de trabalho, de tenacidade, modéstia, elegância mental, despreocupação personalista e amor à ciência – atributos da sua autoridade de doutrinador no mundo jurídico brasileiro."
Além disso, Clóvis foi o primeiro professor de Legislação comparada da Faculdade de Direito do Recife, dando início ao seu brilhante estudo sobre o direito internacional privado, onde foi catedrático e muito influente até hoje no Brasil inteiro.
Ainda foi professor de Filosofia do Direito, era filiado à famosa Escola do Recife, tendo como companheiros juristas do porte de Silvio Romero e Tobias Barreto. Sua posição era bastante clara, pois o próprio se dizia filósofo positivista monista. Como nos afirma Cássio Shubsky:
"Trabalhou durante cinco anos como bibliotecário da Faculdade, tornando-se, depois, professor de Legislação Comparada e Filosofia do Direito. Filiou-se à Escola do Recife, corrente filosófica influente, comandada por intelectuais do porte de Tobias Barreto e Silvio Romero."
Clóvis ainda era um notável consultor jurídico da República dos Estados Unidos do Brasil. A frente do ministério Clóvis emitiu pareceres, notas e outras produções que até hoje são importantes documentos históricos e doutrinários. Foi sem dúvida um dos maiores consultores jurídicos do Ministério da Relações Exteriores. Como nos diz Cássio Schubsky:
Clóvis Beviláqua foi, durante 28 anos, ininterruptamente, o consultor jurídico do Itamaraty. De 1906 a 1934, redigiu centenas de pareceres, à frente do Ministério das Relações Exteriores. Foi, seguramente, o consultor jurídico que mais tempo ocupou o cargo à frente da Casa de Rio Branco, que já contou, em seus quadros, com nomes como Pimenta Bueno (Marquês de São Vicente, o grande constitucionalista do Império) e Amaro Cavalcanti (notável administrativista dos primórdios da República), além de Lafayette Rodrigues Pereira, Rodrigo Octávio e muitos outros eminentes juristas.
Clóvis Beviláqua e a Academia Brasileira de Letras
Clóvis Beviláqua foi sócio fundador da Academia Brasileira de Letras, tendo ocupado a cadeira de número 14. O seu patrono foi Franklin Távora. Antes, porém, é bom que se frise que foi fundador da Academia Cearense de letras em 1884. Ele era um literato digno de ser agraciado com o título de imortal, pois, além do excepcional e grandioso jurista que foi, ele era filósofo e literato de grande porte. Merecido foi o seu título de fundador e membro da Casa de Machado de Assis.
Por outro lado, se poucos o conhecem como jurista, menos ainda como literato e filósofo. Um grande estudioso do quilate de Clóvis jamais poderá ser esquecido, pois sua contribuição para a modernização do Direito Civil Brasileiro foi apoteótica. Porém, Clóvis era bem mais do que jurista, era um filósofo, não só do Direito, mas de todas as áreas.
Esse fato pode ser comprovado porque o primeiro cargo que ocupou na Faculdade de Direito do Recife foi a de filósofo e não de professor de assuntos jurídicos. Além disso, era escritor de larga escala, jornalista, historiador e magistrado.
Porém, algo de catastrófico aconteceu que amargurou o ilustre professor. Sua mulher, Dona Amélia de Freitas Beviláqua, teve sua indicação negada para concorrer à vaga de Alfredo Pujol, sob a alegação de que as mulheres não podiam ser acadêmicas. Beviláqua, como resposta merecida, deixou de freqüentar o lugar.
Isso amargurou fortemente Clóvis, tanto que ele desligou-se da Academia por profundo desgosto com os imortais que se manifestaram preconceituosos com a indicação de uma mulher, por afirmar que no estatuto só era feita referência a brasileiros e não a brasileiras.
Dona Amélia Beviláqua merecia ser imortal não somente por ser esposa do maior jurista do Brasil, mas por ser uma mulher de vanguarda e apaixonada pelas letras. D. Amélia era membro da Academia Piauiense de Letras, professora da Faculdade do Recife e coordenadora/escritora do Jornal o Lírio, patrocinado pela APL.
Finalmente, Clóvis, que já mantinha uma vida de recato e de ambiente familiar, desligou-se definitivamente da ABL, juntamente com Oliveira Lima e Graça Aranha. A chocante e triste notícia foi publicada na A Gazeta de Notícias, de 20 de agosto de 1926, causando mal-estar entre os estudiosos e acadêmicos de todo o Brasil.
O episódio com Ruy Barbosa
Como todos já sabem, Clóvis foi o grande autor do Código Civil Brasileiro de 1916. Depois de tantas tentativas frustradas, Clóvis escreveu um ante-projeto do Código Civil sozinho, tendo este vigorado 86 anos. Mas nem tudo eram flores, como diria o poeta, Clóvis sofreu inúmeros ataques no Congresso Nacional, tendo que escrever e sustentar oralmente uma defesa ao iminente Código Civil.
Analisado no Congresso Nacional a partir da virada para o século XX, o Projeto de Código Civil de Clóvis suportou duros ataques. A começar dos desfechados por Ruy Barbosa, que contestou inúmeros consertos ao vernáculo empregado pelo jurista cearense. Travou-se debate público a respeito, e Clóvis fez contundente sustentação escrita do projeto, transformada em sua obra Em Defesa do Projeto do Código Civil Brasileiro.
Para alguns, Ruy foi movido por despeito, pois gostaria, ele mesmo, de ter sido o autor do projeto. Para outros, o que motivou o magistral jurista baiano, principal redator da Constituição Republicana de 1891, foi o zelo com a elaboração legislativa, procurando o debate amplo e detido da matéria, para evitar uma aprovação açodada, que comprometesse o conteúdo de obra de tamanha envergadura, a primeira codificação civil do País.
Porém, é mais vigorante a tese de que Ruy Barbosa ficou enciumado por Epitácio Pessoa, então Ministro da Justiça, ter escolhido a Clóvis, muito menos famoso e espalhafatoso do que Ruy, para a feitura do projeto do Código Civil. Ora pois, é bastante provável, porque Ruy afirmou em seus discursos que o bairrismo do ministro era evidente, pois, este sendo da Paraíba, quis, portanto, um seu conterrâneo nordestino para confecção do Código.
Além disso, Ruy acusava o tal Clóvis (como Ruy se referia) de ser muito jovem e não ter o devido conhecimento vernáculo para uma obra de tamanha envergadura para o ordenamento jurídico nacional, desferindo até ataques pessoais e sem fundamentos. Ruy Barbosa analisou artigo por artigo e encontrou problemas ou imperfeições em praticamente todos. Como nos explica o Texto da Academia Brasileira de Letras, extraído no dia 30 de agosto de 2010:
"É que para Rui Barbosa a firmeza e propriedade das expressões eram de capital importância. A esse propósito travou-se uma longa polêmica entre Rui Barbosa e o filólogo Carneiro Ribeiro. Em sessões públicas memoráveis Clóvis Beviláqua defendeu o seu trabalho. Somente depois de dezesseis anos de discussões, em 10 de janeiro de 1916, o seu anteprojeto era transformado no Código Civil brasileiro, libertando-nos, afinal, das Ordenações do Reino, que nos tinham vindo da época colonial."
No entanto, Ruy Barbosa tinha o espírito grandioso e reconhecia seus erros, em um de seus belíssimos discursos proferiu acalorada homenagem ao tal Clóvis, aclamando-o como o maior jurista do Brasil, como se fosse um pedido bastante atrasado de desculpas. E a obra de Clóvis e o seu grandioso trabalho em prol do Brasil demonstrava a grandiosidade de Clóvis, não sendo exagerados os elogios de Ruy, que reservou para si o título de maior jurisconsulto do País.
O caso Olga Benário: uma injusta atribuição ao grande mestre.
Passagem controversa da vida de Clóvis Beviláqua, ainda hoje mal contada, informa que o jurista teria opinado favoravelmente à deportação para a Alemanha nazista da militante comunista Olga Benário, judia alemã, ativista da Terceira Internacional, que carregava no ventre uma filha do seu marido, Luis Carlos Prestes. Presa pela polícia política da ditadura do Estado Novo, Olga acabou extraditada e foi executada nos campos de concentração, deixando órfã a filha recém-nascida. A versão em desfavor da memória de Beviláqua é confirmada no livro Olga, do jornalista Fernando Morais, embora sem indicação exata das fontes dessa informação. Como nos ensina:
"O resultado do alarde em torno das alegadas declarações, repetidas vezes ecoado pela imprensa pátria após a publicação do livro de Fernando Morais, é que a obtusa participação de Clóvis Beviláqua no episódio conseguiu, assustadoramente, encarquilhar sua biografia e apagar, ainda mais, seus enormes feitos, ao longo de décadas, como consultor jurídico e especialista em Direito Internacional. Uma nódoa que tem o dom de ofuscar o brilho do jurista como internacionalista. E inclusive sua postura de democrata, que não se curvou ao Estado Novo, como teve a ocasião de provar diversas vezes, mediante manifestações escritas (assinadas de próprio punho e, portanto, fontes primárias para a pesquisa histórica) pela democracia e o Estado de Direito, em plena ditadura. A imagem que restou de Clóvis, lamentavelmente, é a de um jurista subserviente, integrado ao ideário autoritário de Vargas e colaborador do regime nazista."
Finalmente, a obra de Clóvis e a sua contribuição é muito maior do que toda essa falsa idéia que formularam sobre o maior jurista do Brasil. Clóvis era um vanguardista e democrata, pelas suas idéias ousadas perante o regime varguista. Portanto, é necessário que se respeite a memória de Clóvis. Ainda que tenha cometido tal erro, é preciso que se guardem a enorme contribuição de Clóvis. Como nos ensina Cássio Schubsky:
"Ainda que tenha cometido um erro – e um erro grave de apreciação –, Clóvis não merece que se jogue no lixo a sua biografia e a sua vasta e percuciente produção bibliográfica.[...] Clóvis carrega nas costas, sozinho, o estigma de malfeitor, em uma história ainda muito mal contada..."
O Código Civil brasileiro de 1916.
Sem dúvidas, a maior obra de Clóvis Beviláqua é o seu projeto para o Código Civil de 1916. Obra apoteótica de cunho eminente jurídico moderno com muitas inovações e modernidades que estranharam bastante o congresso nacional da época e, por isso, algumas mudanças conservadoras foram feitas. Porém, é uma obra de seu tempo, pois a moral e a virtude deveriam ser mantidas como nos ensina Felipe Camilo Dall`Alba:
"O Código de Beviláqua é uma obra de seu tempo, projetada em abril de 1889 e concluída em novembro daquele ano, e que foi aprovada em 1912 pelo Senado Federal com 186 emendas, vigendo a partir 1° de janeiro de 1917. O autor do Código foi professor de direito internacional, sendo, juntamente com Tobias Barreto, um dos baluartes da Escola de Recife, tendo sua obra cunho doutrinário, havendo nela ‘muitas influências, não só jurídicas, como filosóficas’"
O antigo Código Civil (1916) possuía 1.807 artigos, sendo antecedido pela Lei de Introdução ao Código Civil. O referido diploma sofreu influências dos códigos francês (1804) e alemão (1896), quando de sua elaboração. Clóvis redigiu o projeto, de próprio punho, em apenas seis meses, porém o Congresso Nacional precisou de mais de quinze anos para que fossem feitas as devidas análises e emendas. Sendo promulgado em 1916, passando a vigorar a partir de 1917 (apenas recentemente substituído pela lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002), pode-se afirmar que o Código Civil Brasileiro imortalizou Clóvis Beviláqua no cenário jurídico e intelectual.
A sua composição continha duas partes: Geral (compreendendo o estudo das pessoas, como sujeitos de direito; dos bens, como objeto de direito; e dos fatos jurídicos, disciplinando a forma de criar, modificar e extinguir direitos.) e Especial (dividida em quatro livros: Direito de Família, Direito das Obrigações, Direito das Coisas, e Direito das Sucessões.).
Embora fosse dotado de clareza na técnica jurídica, mantinha os reflexos do século XIX, os quais no século XX já restavam ultrapassadas, vez que baseadas no individualismo reinante, especialmente quanto ao direito de propriedade a liberdade de contratar.
No decorrer do século XX, o diploma de 1916 sofreu diversas modificações, v.g., a Lei nº 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada), as Leis nºs 8.917/94 e 9.278/96 (Regulamentou e reconheceu os direitos dos companheiros e conviventes), a Constituição Federal de 1988, a Lei nº 6.015/73 (Leis dos Registros Públicos) e outras diversas leis extravagantes.
Além disso, não é exagero notar que o Código Civil de 2002 não desvirtuou na sua integridade o Código de 1916, ao contrário, muitos de seus institutos continuam imperturbados no seu cerne; os institutos foram alterados para adequá-los aos tempos modernos, mas o seu baseamento permanece aquele que foi construído por Teixeira de Freitas, Nabuco de Araújo, Felício dos Santos, Coelho Rodrigues, Ruy Barbosa e Clóvis Beviláqua.
Alguns cretinos sem o devido conhecimento hitórico-jurídico criticam o Código Civil de 16 por conter o marido como o chefe da "sociedade conjugal". A mulher, "relativamente incapaz", precisava de autorização do "chefe" para trabalhar. Se o marido constatasse que casou com mulher já "deflorada", tinha dez dias para pedir anulação do casamento.
Ora, isso eram as características da época, Clóvis não fez mais do que se esperava do seu brilhantismo e para o momento histórico em que se vivia. O mérito de Clóvis não se esconde, como alguns querem fazer, por trás desses artigos conservadores, porém históricos e momentâneos. É necessário, portanto, que se respeite a obra valiosa de Clóvis Beviláqua.
Além disso, o Código Civil de 1916 é extremamente pela genialidade de quem o escreveu e compreendido como um monumento jurídico de uma época, onde reinava o individualismo e o patriarcalismo. Como nos ensinam os Professores Carlos Roberto Gonçalves e Miguel Reale:
"Elogiado pela clareza e precisão dos conceitos, bem como por sua brevidade e técnica jurídica, o referido código refletia as concepções predominantes em fins do século XIX e no início do século XX, hoje em grande parte ultrapassadas, baseadas que estavam no individualismo então reinante, especialmente ao tratar do direito de propriedade e da liberdade de contratar." (GONÇALVES, , 2002. p. 3.)
Assim também se pronunciou Miguel Reale:
"[...] é inegável que o código atual obedeceu, repito, como era natural, ao espírito de sua época, quando o individual prevalecia sobre o social. É, por isso, próprio de uma cultura fundamentalmente agrária, onde predominava a população rural e não a urbana" (REALE, 2004., p.1)
Como reconheceu o maior Filósofo do Direito, depois de Pontes de Miranda, que o Brasil já teve: Miguel Reale. Miguel Reale, autor principal do projeto do novo Código Civil, aprovado em 2002 e que entrou em vigor em 2003, fez questão de assinalar os méritos da vasta produção bibliográfica e legislativa do mestre cearense em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras:
"Clóvis Beviláqua, o artífice incomparável de nosso Código Civil. (...) O dom de síntese, que se estadeia em todas as suas obras, desde as suas primeiras monografias sobre o Direito da Família, das Sucessões e das Obrigações até o Direito das coisas, publicado aos 83 anos, derradeira mas não menos valiosa pérola de um precioso colar, atinge o seu momento culminante nos comentários límpidos e sucintos do Código Civil, exemplo admirável de sacrifício do supérfluo para que não houvesse sombras perturbando o pensamento essencial".
Clóvis era uma sumidade tão elevada, que em apenas seis meses, elaborou o projeto encaminhado ao Congresso Nacional. A responsabilidade era abissal, porque algumas tentativas de codificação tinham sido malogradas, abrangendo as de autoria de grandes jurisconsultos, como Teixeira de Freitas e Coelho Rodrigues. E mais: continuavam em vigor muitas normas jurídicas anacrônicas, a regular a vida civil brasileira, incluindo antiquados dispositivos legais que integravam as Ordenações do Reino. Não era, pois, tarefa simples sistematizar uma nova legislação civil, ainda mais em tempo determinado breve.
No entanto, a sociedade evoluiu de forma rápida e frenética. Um assustador desenvolvimento consumista e tecnológico constrangeram a obra de Clóvis que, em algumas partes, ficou obsoleta e tornou-se letra morta. A inversão de valores e a liberdade, confundida com libertinagem, macularam a sociedade brasileira. O Código Civil teve que passar por uma reforma, porém essa reforma manteve as bases filosóficas e jurídicas do grande Clóvis, demonstrando assim a sua envergadura.