Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A busca da solução para as demandas repetitivas no 1º grau de jurisdição e o pretendido efeito vinculante no novo Código de Processo Civil

Exibindo página 1 de 2
Agenda 22/09/2010 às 09:07

O anteprojeto de novo CPC insere o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), dando efeito vinculante às decisões proferidas na instância superior.

RESUMO: O presente artigo aborda o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) inserido no anteprojeto do novo Código de Processo Civil e o pretendido efeito vinculante às decisões proferidas na instância superior, com a pretensão de refletir as consequências na atividade interpretativa dos juízes. Ressalta a importância do processo como instrumento pacificador da sociedade e da segurança jurídica, bem como a necessidade da efetiva prestação jurisdicional em tempo razoável, nos termos da EC 45/2004. Assevera a relevância do papel do legislativo para ampliar as discussões com a comunidade e fortalecer o exercício da cidadania. Aborda o controle misto de constitucionalidade adotado no Brasil e o princípio da independência funcional do magistrado, com ênfase em soluções que não afrontem o livre acesso à justiça.

PALAVRAS CHAVES: Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, novo código de processo civil, efetividade da jurisdição, razoável duração do processo, segurança jurídica, efeito vinculante, livre convencimento do juiz.


INTRODUÇÃO

O presente artigo aborda inicialmente alguns dos principais temas que serão tratados na proposta do novo Código de Processo Civil e seleciona para estudo e debate o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, lançado para atacar o problema das demandas repetitivas no 1º grau de jurisdição com pretendido efeito vinculante.

A problemática está na tensão entre as atuais necessidades da sociedade contemporânea na prestação jurisdicional célere e as garantias constitucionais do processo. Pergunta-se: Estabelecer efeito vinculante às decisões para demandas repetitivas fere a garantia do devido processo legal?

A comissão de juristas encarregada de elaborar o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, que foi entregue no dia 8.6.2010 ao Presidente do Congresso Nacional, teve como norte dos trabalhos o princípio da Razoável Duração do Processo atrelado à necessidade de se amoldar o CPC aos preceitos da Constituição promulgada em 1988.

O princípio da razoável duração do processo, expresso no texto constitucional através de EC nº 45/2004, no art. 5º, inciso LXXVIII, a nível de garantia fundamental, espelha a insatisfação da sociedade com a prestação da tutela jurisdicional e a busca de efetividade no serviço prestado pelo Estado através do Poder Judiciário. Por meio da EC nº 45 foi inserido, ainda, o artigo 103-A na Constituição Federal inovando com as súmulas vinculantes, consistente em um extrato do resultado das reiteradas decisões sobre matéria constitucional, cuja edição é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal.

O art. 5º da Constituição Federal, por sua vez, consagra, no rol dos direitos fundamentais, o direito de acesso à justiça: "inciso XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

De outro lado, estar em juízo vai muito além do exercício do direito de ação por meio do ajuizamento de um processo, e, nesse viés, as discussões do novo texto processual devem partir do ponto de vista da necessidade de adaptar o processo civil ao tipo de litígio, analisar as características que diferenciam um litígio de outro e o grau de complexidade de solução das lides.

Sem embargos, o momento é de crítica ao funcionamento do Judiciário, já que a noção de efetividade do processo está ligada ao tempo de tramitação do processo, e, para que se concretize, é necessário detectar os principais obstáculos e encontrar soluções práticas, sem com isso engessar a atividade do magistrado.

Dentre os problemas da sociedade contemporânea, depara-se com a questão das demandas repetitivas que, além de entulhar o Judiciário com milhares de processos, geram diferentes decisões para casos idênticos pelos juízes de 1º grau e, consequentemente, insegurança jurídica.

A questão já vem sendo combatida após a Constituição Federal de 1988 com a criação de mecanismos que resolvem os litígios de forma mais célere, valorizando-se os precedentes jurisprudenciais. Nesse contexto ressaltam-se a súmula vinculante, a lei que trata dos recursos repetitivos no âmbito do STJ e a lei da repercussão geral na seara do STF.

Sobressaem-se do anteprojeto do novo Código de Processo Civil diversas propostas de simplificação do código, albergando os novos instrumentos inseridos no ordenamento jurídico com as reformas fragmentadas que ocorreram nos últimos anos pós CF/88.

O trâmite do projeto de lei teve início na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e poderá receber emendas dos parlamentares. A proposição legislativa precisa ser apreciada nas duas Casas do Congresso Nacional, oportunidade em que a sociedade deve participar das discussões para reforçar a democracia e o exercício da cidadania.

É de se registrar que o Código de Processo Civil vigente foi escrito em 1961 por Alfredo Buzaid, fundador da Sociedade Brasileira de Direito Processual, e sancionado em 1973. Portanto, a elaboração do texto se deu nos anos 50/60, ocasião histórica em que o Brasil tinha uma sociedade predominantemente rural, em que a Justiça tinha um universo pequeno de demandas cíveis, prevalecendo as questões de direito comercial, imobiliário e de família. Ausentes naquele contexto as disputas de massa, bem como dispositivos de direito ambiental e de processos coletivos.

Assim, o atual Código está firmado em um pressuposto de demandas individuais, quando o momento da sociedade está baseado no princípio da coletivização das lides, necessitando um novo texto à luz da Constituição Federal de 1988.

Portanto, o presente artigo pretende analisar as primeiras impressões da proposta de criação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas IRDR com efeito vinculante, instituto que foi provisoriamente anunciado pela Comissão como incidente de coletivização, e que tem suas bases na repercussão geral, nos recursos repetitivos e na súmula vinculante.

O novo instrumento processual visa à efetividade da prestação jurisdicional em tempo razoável à luz da estabilidade e da segurança jurídica, com base nos princípios da igualdade e isonomia das decisões judiciais de 1ª instancia, de tal sorte que se acabe com a loteria das decisões favoráveis. Conquanto, é preciso refletir se outras garantias constitucionais não serão prejudicadas, a exemplo da livre convicção do juiz, e quais os valores mais importantes da sociedade atual.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

2 O PROCESSO COMO INSTRUMENTO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

O direito amplo à Jurisdição dignifica o próprio cidadão, tornando-se membro ativo perante o Estado e aos demais integrantes da sociedade, passando a lutar pelos seus direitos e consequentemente participar ativamente da vida política.

Carmen Lúcia Antunes Rocha [01] afirma que quanto mais democrático o povo, mais alargada é nele a jurisdição, mais efetiva, rápida, facilitada e concretizada a sua prestação; e, acrescenta: Direito Positivo não sabido é direito inexistente. Quem dele não sabe, não o reivindica; sem o seu conhecimento, não há seu exercício.

Entretanto, a prestação jurisdicional precisa ser célere. Nessa esteira, agilizar os procedimentos já existentes é uma das saídas apontadas por Asfor Rocha [02] para a superação dos entraves processuais/procedimentais:

O procedimento que toca justamente ao modelo, à forma fixada para o desenvolvimento da relação jurídica processual, sem que interfira no direito, até agora parece ser um calcanhar-de-aquiles para a Justiça. Nesse aspecto, ainda há um grande salto a ser dado pelo Legislativo e Judiciário, sendo necessário adequar-se os seus padrões à realidade social e tecnológica atual, trazendo, assim, para si a contemporaneidade.

Nessa corrente doutrinária, Arruda Alvim [03] trata da efetividade do processo através da utilização dos instrumentos processuais, a saber:

A efetividade dos resultados do processo significa que o direito processual civil deve construir instrumentos que sejam aptos a proporcionar precisamente aquilo que o cumprimento de uma obrigação ou a obediência ao dever proporcionaria se não tivesse havido ilícito algum.

O processo judicial serve de instrumento para garantir a todos o acesso à justiça e, é nessa visão, que se verifica a necessidade de desburocratização dos procedimentos na busca da essencialidade nos serviços prestados, para vencer o que jurista Mauro Cappelletti [04] chama de "obstáculo processual" ao acesso à Justiça.

O projeto do novo Código de Processo Civil reorganiza o instrumento em seis livros na seguinte estrutura:

- LIVRO I – PARTE GERAL;

- LIVRO II - PROCESSO DE CONHECIMENTO;

- LIVRO III – PROCESSO DE EXECUÇÃO;

- LIVRO IV – PROCEDIMENTOS ESPECIAIS;

- LIVRO V – RECURSOS;

- LIVRO VI – DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS.

As principais questões trazidas nos livros do novo código, constantes das temáticas apresentadas no anteprojeto, são: a valorização da audiência; uso da informática para imprimir objetividade e celeridade aos processos; unificação dos prazos para quinze dias contados em dias úteis; a junção das defesas possíveis na contestação, contemplando em preliminar as exceções e impugnações, bem como o pedido contraposto com natureza de ação, neste inserido a reconvenção; a criação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, a participação popular com a inclusão das audiências públicas na 1ª instância e um maior controle no comportamento da atividade dos magistrados.

A parte geral é uma das inovações do novo CPC e as disposições terão aplicação em todos os demais livros. A importância dessa parte geral é a de que terminem as discussões jurídicas e processuais do que é cabível em um e noutro processo. Para isso, as questões como as da fixação de honorários advocatícios e da antecipação de tutela, que estão hoje nos dispositivos do processo de conhecimento, migram para a parte geral, ficando estabelecida a utilização para todos os demais processos.

Conforme entrevista realizada pelo ConJur [05], Bruno Dantas, integrante da Comissão, afirma que esse foi um trabalho metódico, consistente em analisar o Código vigente inteiro, descobrir o que é aplicável a todos os processos e enquadrar na parte geral.

Salienta-se que as propostas visam um maior controle da atividade do magistrado, a exemplo da determinação da emenda à inicial, oportunidade em que o juiz deverá especificar claramente o quer que a parte autora esclareça, vedando-se a conduta corriqueira de dizer simplesmente "venha a inicial em termos" ou "emende-se a inicial nos termos do art. 282 do CPC".

Segue essa tendência em diversas outras passagens do texto, a exemplo da exigência do juiz, ainda que tenha competência para apreciar determinadas matérias de ofício, ter que previamente disponibilizar vista às partes, para somente após decidi-las, o que gerou severas críticas por parte de um dos integrantes da Comissão, Elpídio Donizetti [06].

Outro exemplo é a do pedido de desconsideração da pessoa jurídica, que antes de qualquer decisão, deverá ser intimada a pessoa física que será afetada para poder apresentar defesa, para em momento seguinte prolatar a decisão.

Neste ponto da reforma os princípios proclamados pela Comissão são da ampla defesa e do contraditório. Entretanto, o cercamento de previsibilidade da conduta do magistrado não deve ser de maneira que se levantem dúvidas quanto à qualificação do juiz que é conhecedor das garantias constitucionais do processo.

Há uma nítida valorização na utilização dos meios eletrônicos em relação ao cumprimento de diligências por meio de Oficial de Justiça e Correios, na busca da modernização do processo. Menciona-se, como exemplo, a retirada da vedação da citação postal nos processos de execução, atualmente prevista no art. 221, inciso II, do CPC [07].

A preocupação com a reforma atinente aos recursos é latente. Nesse viés, os recursos passam a seguir a regra geral de ter efeito meramente devolutivo, invertendo-se a atual sistemática do efeito suspensivo, com o fortalecimento da execução provisória da sentença. Conquanto, para obtenção do efeito suspensivo, poderá ser atravessada simples petição nos autos para que a instância superior decida acerca da matéria.

Propõe-se a possibilidade do julgamento improcedente na apreciação da petição inicial em caso de jurisprudência pacífica dos tribunais. Em caso de recurso, o juiz determinará a citação da parte ré e, em seguida, remeterá os autos à instância superior. Permanece, entretanto, a possibilidade do juízo de retratação. Esse ponto da reforma merece profunda discussão na comunidade jurídica, sob o risco de afronta ao princípio do livre acesso à justiça.

Importa-se para o processo civil no 1º grau de jurisdição a figura do amicus curiae, com intuito principal de auxiliar na produção da prova, trazendo dados científicos de outras áreas do saber para elucidação dos fatos. A natureza jurídica da intervenção do amicus curiae na justiça de 1ª instância não é consenso na Comissão da reforma do CPC, conforme afirmou o Juiz Jansen Fialho de Almeida [08], membro da comissão, em palestra realizada na sede da OAB/DF em 5.5.2010.

A Comissão pretendia incluir no novo código a competência absoluta da matéria dos juizados especiais cíveis e estabelecer a exigibilidade da presença do advogado para todos os feitos de competência dos juizados especiais [09]. Recuou. Certamente, diante do inegável conflito com o princípio constitucional do livre acesso à justiça e dos princípios norteadores dos juizados de celeridade e informalidade processuais.

Feitas essas breves considerações a alguns dos novos dispositivos e dos trabalhos da Comissão, passa-se para o objeto principal do presente estudo, que é o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e o pretendido efeito vinculante.


3 O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANFAS REPETITIVAS

Na busca do enquadramento do sistema processual com a Constituição Federal de 1998 e com a realidade social, vários mecanismos foram criados para adequar o Judiciário ao crescimento das demandas. Dentre eles, a solução uniforme nos recursos repetitivos pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Assim, a Lei n. 11.672/2008 estabeleceu o instrumento dos recursos repetitivos no âmbito do STJ, visando efetivar o principio da razoável duração do processo. É importante trazer algumas considerações acerca deste instituto porque certamente a proposta de criação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nas instâncias estaduais, constante do anteprojeto do novo Código de Processo Civil, tem suas bases nesse sistema de uniformização de jurisprudência para casos análogos, com o diferencial de pretender que as decisões proferidas no Incidente tenham efeito vinculante.

A lei dos recursos repetitivos, por sua vez, foi inspirada na técnica anteriormente estabelecida no Supremo Tribunal Federal, consistente na Lei n. 11.418/2006 da Repercussão Geral, criada também para solucionar o problema de acúmulo de processos na Corte Superior.

Na luta pela efetividade da jurisdição, Cesar Asfor Rocha [10] assevera que:

A inquietação com o tempo empreendido no processo é, portanto, preocupação constante não só da doutrina do direito, mas também das partes que litigam em juízo, caracterizando a morosidade o maior tormento daqueles que anseiam pela busca da tão emblemática justiça social e jurídica.

Percebe-se, conforme anteriormente mencionado, que, após a EC n. 45/2004 ter tornado explícita a garantia de que o processo ocorra em razoável período de tempo, várias providências foram tomadas para solucionar o problema de acúmulo de processos no STJ, na seara de matéria infraconstitucional, e no STF, de matéria constitucional, e, consequentemente, uniformizar a jurisprudência nacional, afastando-se da famigerada conduta da jurisprudência defensiva.

Espelhando essa tendência, a proposta no anteprojeto do CPC é a de que nas questões de direito material com potencial de multiplicação e com relevância social o juiz deverá suscitar ao órgão especial ou ao tribunal pleno, instaurando-se procedimento próprio, uma decisão única para a matéria. Todos os processos que versarem sobre a matéria suscitada ficarão suspensos e a duração da tramitação do procedimento do incidente não deverá ultrapassar a cento e oitenta dias. A decisão terá efeito vinculante para o juiz suscitante e todos os demais juízes da instância inferior.

Estarão legitimados a suscitar o incidente além do juiz, as partes, a Defensoria Pública, o Ministério Público, bem como qualquer interessado poderá intervir no procedimento, utilizando-se da figura do amicus curiae. A decisão do tribunal de 2ª instância que julgar o incidente será atacável por Recurso Especial, se a matéria for infraconstitucional, e por Recurso Extraordinário, em caso de matéria constitucional.

O novo instituto pretende que os tribunais de segundo grau decidam questões importantes a nível regional, com o intuito de vincular as decisões dos juízes de primeiro grau, evitando decisões conflitantes e gerando segurança jurídica, bem como previsibilidade no comportamento do magistrado.

As demandas que tiverem potencial de se tornarem repetitivas em todo o território nacional deverão ser suscitadas diretamente ao STF e STJ, cujas decisões poderão vincular os tribunais e varas cíveis de todo o país, com a pretensão de ocasionar a diminuição e até eliminação dos recursos repetitivos.

Um dos debates na Comissão levado ao Congresso Nacional é se o referido incidente dependerá de Emenda Constitucional para ser criado, seguindo o modelo da súmula vinculante, ou se poderá simplesmente entrar no ordenamento jurídico por meio da lei que instituir o novo CPC.


4 CONSIDERAÇÕES QUANTO AO EFEITO VINCULANTE

O processamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas por óbvio vai buscar os acertos do sistema dos institutos dos recursos repetitivos e da repercussão geral, o que não é o cerne da discussão neste trabalho. O problema que se levanta no presente estudo está na imposição do efeito vinculante e suas conseqüências no livre acesso à justiça e na atividade interpretativa do juiz.

A preocupação quanto ao tempo de duração do processo está sedimentando na cultura jurídica nacional a força dos precedentes dos tribunais superiores como fator uniformizador da jurisprudência, contudo não se pode dizer o mesmo quanto ao efeito vinculante das decisões.

A expansão da jurisdição constitucional no cenário brasileiro e a maximização dos direitos fundamentais direcionam para o tema da evolução do sistema de precedentes judiciais no âmbito da esfera processual civil [11], com a implementação de instrumentos capazes de evitar a multiplicação de questões idênticas com decisões conflitantes, geradoras de insegurança jurídica e afrontando o princípio da igualdade.

Entretanto, verifica-se resistência na utilização do efeito vinculante integrando esses mecanismos, diante da valorização do princípio da independência funcional dos magistrados e do sistema misto de constitucionalidade adotado no Brasil, convivendo com o controle difuso e concentrado harmonicamente.

Tanto é assim que a utilização do efeito vinculante até o momento está atrelada às súmulas decorrentes exclusivamente da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional. Dessa constatação, depreende-se a tensão entre a súmula vinculante e a formação histórica do direito brasileiro do princípio da liberdade de convicção dos magistrados, tido como valor importante para sociedade.

A restrição do universo interpretativo do juiz é uma das preocupações na adoção do efeito vinculante. Karl Larenz [12], tratando o tema sob esse aspecto, afirma:

O juiz está na nossa ordem jurídica vinculado às leis e ao direito constitucional, mas é livre na interpretação da lei e no desenvolvimento do Direito conforme ao seu sentido. Nessa tarefa só tem de seguir a sua própria convicção, formada conscienciosamente. Daí resulta que o que pode vinculá-lo não é o precedente enquanto tal, mas sim e só a interpretação ou concretização correta da norma, que nele porventura se exprimam. Se a interpretação ou concretização da lei contida no precedente é correcta, porém, é ponto que cada juiz há-de, em princípio, decidir por si próprio e em cada novo caso, visto que o precedente não lhe pode tirar a responsabilidade pela correcção da sua decisão. O juiz não tem pois apenas o direito, está até obrigado a divergir de um precedente, sempre que chegue à convicção de que ele traduz uma incorrecta interpretação ou desenvolvimento da lei, ou de que a questão, então correctamente resolvida, deve hoje – mercê de uma mudança de significado da norma ou de uma alteração fundamental das circunstâncias relevantes para a sua interpretação – ser resolvida de outro modo.

O problema da adoção do efeito vinculante parece, portanto, estar na capacidade do juiz em identificar as diferenças e peculiaridades de cada caso e fazer o acertamento do enquadramento ou não dos precedentes. Ressalta-se que o respeito que os magistrados brasileiros têm com a relação à jurisprudência decorre culturalmente do princípio do duplo grau de jurisdição, portanto não afronta a independência dos juízes na forma como vem sendo conduzido.

O embate entre a independência hermenêutica do juiz e a obediência às reiteradas decisões no mesmo sentido pelos tribunais superiores foi objeto de análise pelos STF na ADC n. 1/DF [13], de relatoria do Ministro Moreira Alves, julgada em 1.12.1993, que teve por objeto a análise da constitucionalidade dos artigos 1º, 2º, 9º (em parte), 10 e 13 (em parte) da Lei Complementar n. 70 de 30.12.1993 (CONFINS), com base no art. 2º da CF, redação da EC n. 3/1993. Para o debate do tema deste estudo, selecionam-se dois trechos dos votos do acórdão lançados na ADC n. 1/DF.

O ministro Francisco Rezek refletiu em seu voto a necessidade do respeito à análise jurídica praticada nas decisões da Suprema Corte, o que não ofende o esforço hermenêutico dos juízes nos casos concretos, nos seguintes termos:

De modo que me pergunto: faz sentido – não ser vinculante uma decisão da Suprema Corte do país? Não estou falando, naturalmente de fatos concretos, cada um com seu perfil, reclamando o esforço hermenêutico da lei pelo juiz que conhece as características próprias do caso. Estou me referindo a hipóteses de pura análise jurídica. Tem alguma seriedade a idéia de que se devam fomentar decisões expressivas de rebeldia? A que serve isso? Onde está o interesse público em que esse tipo de política prospere?

No voto do ministro Sepúlveda Pertence se verifica a defesa da ponderação da conveniência no controle de constitucionalidade da adoção do sistema difuso e concentrado e a necessidade de se encontrar soluções para os litígios de massa:

Esta conveniência não se faz sem uma permanente tensão dialética na qual, a meu ver, a experiência tem demonstrado que será inevitável o reforço do sistema concentrado, sobretudo nos processos de massa; na multiplicidade de processos que inevitavelmente, a cada ano, na dinâmica da legislação, sobretudo tributária e matérias próximas, levará, se não se criam mecanismos eficazes de decisão relativamente rápida e uniforme, ao estrangulamento da máquina judiciária, acima de qualquer possibilidade de sua ampliação e, progressivamente, ao maior descrédito da Justiça, pela sua total incapacidade de responder à demanda de centena de milhares de processo rigorosamente idênticos, porque reduzidos a uma só questão de direito.

A posição da autora do presente texto é no sentido de que a tarefa de uniformização e o efeito vinculante sejam reservados às súmulas dos tribunais superiores, após a análise de diversas decisões judiciais em casos idênticos nas instâncias inferiores, não suprimindo instâncias na tarefa hermenêutica de criação da norma para o caso concreto.

A resolução vinculante no incidente proposto no projeto de lei do novo código não decorre das reiteradas decisão da 1ª instância, mas da interrupção do processo interpretativo do juiz logo no primeiro caso que se verifique potencial de repetitivo, o que implica em verdadeira supressão de instância e barreira de acesso à justiça.

Sobre a autora
Janete Ricken Lopes de Barros

bacharel em Direito, analista judiciário, Diretora da Vara Cível, de Família e de Órfãos e Sucessões do Núcleo Bandeirante/DF, pós-graduada em Processo Civil pelo IDP, mestre em Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Janete Ricken Lopes. A busca da solução para as demandas repetitivas no 1º grau de jurisdição e o pretendido efeito vinculante no novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2639, 22 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17426. Acesso em: 23 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!