O exercício na Divisão de Defesa de 1º Grau da Procuradoria Regional da Fazenda Nacional 1ª Região, especificamente na defesa da União nos processos de competência do primeiro da Justiça Federal do Distrito Federal que envolvem a matéria aduaneira, permitiu-me identificar alguns processos que representam casos típicos de "abuso do direito de acesso ao Judiciário".
Com efeito, são corriqueiros, em matéria aduaneira, os casos de Empresas que, valendo-se da previsão constitucional de poderem litigar contra a União na Capital Federal, ajuizarem ações ordinárias com pedido de tutela antecipada na Justiça Federal do Distrito Federal quando, em momento anterior, já haviam postulado o mesmo pedido e mesma causa de pedir em sede de Mandado de Segurança com pedido de liminar nas Seções Judiciárias dos Estados. Ou seja, são recorrentes os casos de litispendência.
Isso porque, nos termos do art. 301, §§1º e 2º do Código de Processo Civil, verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada, sendo consideradas idênticas as ações em que haja identidade de partes, causa de pedir e pedido.
No entanto, o posicionamento já pacificado das Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça é da caracterização da litispendência entre mandado de segurança e ação ordinária, promovidos visando ao mesmo resultado, em face da mesma parte, fundados na mesma causa de pedir, verbis:
"PROCESSUAL CIVIL.LITISPENDÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA VERSANDO O MESMO PEDIDO FORMULADO EM SEDE DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA EM SEDE AÇÃO ORDINÁRIA. TRANSITO EM JULGADO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO QUE MANTEVE A DECISÃO INFDEFERITÓRIA. COISA JULGADA.
1. A ratio essendi da litispendência interdita à parte que promova duas ações visando o mesmo resultado o que, em regra, ocorre quando o autor formula, em face da mesma parte, o mesmo pedido fundado na mesma causa petendi.
2. . Consectariamente, por força da mesma é possível afirmar-se que há litispendência quando duas ou mais ações conduzem ao "mesmo resultado"; por isso: electa una via altera non datur.
3. In casu, o pedido referente à não inscrição da empresa no CADIN veiculado no Mandado de Segurança impetrado pela empresa ora recorrente consta, com a mesma extensão, como pedido de tutela antecipada, em Ação Ordinária.
4. Ademais, o pedido de tutela antecipada formulado na ação ordinária, referente à oposição quanto à inscrição no CADIN, foi indeferido e, 25.10.2001, e foi objeto de agravo de instrumento cuja decisão indeferitória transitou em julgado em 20.02.2003.
5. Destarte, verifica-se que o Mandado de Segurança, de que trata os presentes autos, impetrado em 24.01.2002 com o objetivo de obstar a inscrição da empresa no CADIN pelo não pagamento dos boletos referentes ao ressarcimento ao SUS, conforme previsto no art. 32, da Lei n.º 9.656/2001, sendo certo que foi manejado em data posterior ao indeferimento da antecipação dos efeitos da tutela na ação ordinária que tinha idêntico objetivo.
6. O pedido do mandamus não só restou prejudicado como também não pode ser atendido porquanto infirmará a decisão que indeferiu a tutela antecipada cuja negativa foi confirmada com o trânsito em julgado da decisão do Agravo de Instrumento ocorrido em 20.02.2003.
7. Deveras, um dos meios de defesa da coisa julgada é a eficácia preclusiva prevista no art. 474, do CPC, de sorte que, ainda que outro o rótulo da ação, veda-se-lhe o prosseguimento em prestígio à res judicata impedindo infirmar-se o resultado a que se alcançou na ação anterior.
8. A ofensa ao art. 535 do CPC não resta configurada quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.
9. O requisito do prequestionamento, porquanto indispensável, torna inviável a apreciação, em sede de Recurso Especial, de matéria sobre a qual não se pronunciou o tribunal de origem. É que, como de sabença, "é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada na decisão recorrida, a questão federal suscitada" (Súmula 282/STF). (Ausência de prequestionamento do art. 2º, § 8º, da Lei n.º 10.522/2002, uma vez que o Tribunal a quo não se pronunciou acerca do mérito do Mandado de Segurança) 10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.
(REsp 948.580/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/10/2009, DJe 16/10/2009)"
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA E MANDADO DE SEGURANÇA. LITISPENDÊNCIA RECONHECIDA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. MATÉRIA DE DIREITO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO-OCORRÊNCIA. NULIDADE DA CDA. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7/STJ.
1. Configura litispendência o ajuizamento de Ação Declaratória que contém as mesmas partes, pedido e causa de pedir constantes de Mandado de Segurança anteriormente impetrado, sendo irrelevante a circunstância de as demandas possuírem ritos diversos. Precedentes do STJ.
2. Hipótese em que o Tribunal a quo assentou que a agravante renovou pedido de reconhecimento da decadência e a inconstitucionalidade da Taxa Selic postulado em Mandado de Segurança já impetrado.
3. O julgamento antecipado da lide não ocasiona cerceamento de defesa quando o Juízo entende que o processo versa exclusivamente sobre matéria de direito, cuja análise prescinde da produção de prova pericial, como ocorre no caso concreto.
4. É necessário o exame de matéria fática para aferir a presença dos requisitos essenciais à validade e à regularidade da CDA, o que encontra óbice no disposto na Súmula 7/STJ.
5. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no REsp 761.671/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 06/05/2009)"
Em matéria aduaneira, percebe-se o fenômeno com mais frequência quando envolvidas as Seções Judiciárias de Santos/SP, Rio de Janeiro/RJ e Vitória/ES, as quais reiteradamente julgam improcedentes as ações que versam sobre a matéria aduaneira, inclusive denegando os pedidos liminares. Importante lembrar que são exatamente essas localidades onde se localizam alguns dos portos de maior movimentação do Brasil e, por isso, é onde ocorrem maiores demandas judiciais envolvendo o direito aduaneiro.
A Justiça Federal do Distrito Federal torna-se, nesse contexto, "alvo" de Empresas que vem tentando vitórias em pretensões nas quais já têm (quase) certeza de que não conseguiriam nos Estados onde se originaram a demanda, com o nítido intuito de "escaparem" da jurisdição/jurisprudência que está mais "familiarizada" com os fatos e o direito discutido, em razão do volume de ações nesta matéria.
Felizmente, não tem sido raro que a Procuradoria da Fazenda Nacional no Distrito Federal, com o apoio dos imprescindíveis subsídios prestados pelas Unidades das Alfândegas da Receita Federal do Brasil, venha conseguindo identificar casos de litispendência como os elencados acima, quais sejam, entre mandados de segurança ajuizados nos Estado Federados e ações ordinárias posteriormente ajuizadas no Distrito Federal com o mesmo objetivo. Inclusive casos de ofensa à coisa julgada soberana (vez que ultrapassado, inclusive, o prazo da ação rescisória) também já foram registrados.
Nessas situações, a nossa atuação tem sido no sentido de tentar demonstrar aos juízes federais do Distrito Federal que tais casos representam abuso do direito de acesso ao Judiciário e litigância de má-fé das Empresas Autoras.
Entende-se que essas situações caracterizam violações aos princípios da lealdade e da boa-fé processual, além de configuração de tentativa de burla ao princípio do juiz natural, ou seja, de tentativa de usar o processo para conseguir objetivo ilegal.
Ressalta-se o dano à atividade do exercício da jurisdição como patente, vez que as Empresas que assim procedem "jogam" com o direito de demandar contra a União no Distrito Federal com o nítido intuito de tentarem obter "mais uma chance" de conseguir uma decisão a si favorável em outro órgão jurisdicional.
O sistema processual civil previu expressamente três sanções para os litigantes de má-fé: multa; indenização em perdas e danos, além do pagamento das demais despesas da parte lesada, inclusive com honorários advocatícios, tudo nos termos do artigo 18 do Código.
Entendo que nesses casos, a atuação da Procuradoria da Fazenda Nacional seja no sentido de ser requerer ao Judiciário a aplicação destas sanções, não especialmente em razão dos valores pecuniários envolvidos - os quais são, na maioria dos casos, ínfimos – a multa por litigância de má-fé, por exemplo, é de apenas 1% sobre o valor da causa, conforme o art.18 do Código de Processo Civil -, mas sim em razão do efeito pedagógico que podem provocar no estado de espírito de alguns litigantes, os quais não se gostariam de receber a pecha de litigantes de má-fé.
Considerando, ainda, que tais sanções por litigância de má-fé podem ser aplicadas de ofício pelos juízes, segundo a previsão do mencionado artigo 18 do CPC, defende-se que, ainda quando inicialmente não requerida a aplicação destas sanções, seja possível a interposição de Embargos de Declaração, alegando-se omissão no julgado que não condenou a Autora em litigância de má-fé, a despeito do reconhecimento da litispendência do processo.
Por fim, convém registrar, entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser incabível a condenação solidária do Advogado nas penas de litigância de má-fé, didaticamente proferido no Acórdão proferido no RESP 1.173.848-RS, Relator Min. Luis Felipe Salomão, o qual já havia se manifestado nos mesmos termos no julgamento do Resp 140.578 /SP:
" (...)
Já tive a oportunidade de me manifestar sobre o tema no julgamento do Resp 140.578 /SP (QUARTA TURMA, julgado em 20/11/2008, DJe 15/12/2008), cuja fundamentação transcrevo:
"Nos termos do art. 14 e incisos, do CPC, "são deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo" agir com lealdade processual e boa-fé, atributos que se irradiam por todo o capítulo que disciplina os deveres das partes e dos seus procuradores. Assim, a exegese do artigo impõe a inclusão, não só das partes, mas também dos advogados, membros do Ministério Público, assistentes, peritos, e outros, no rol daqueles a quem é exigida probidade processual. Inclusão análoga foi feita pelo legislador no art. 15, na expressão "partes e seus advogados".
Por outro lado, os arts. 16, 17 e 18 devem ser interpretados em bloco, sempre em vista o título da seção do qual fazem parte: "Da responsabilidade das Partes por Dano Processual". Assim, nos termos do art. 16, "Respondem por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente". Já nos arts. 17 e 18, o Código faz alusão à expressão litigante de má-fé.
Assim, penso que a conclusão mais acertada é aquela segundo a qual respondem por litigância de má-fé (arts. 17 e 18) quem causar dano com sua conduta processual, que, nos termos do art. 16, somente podem ser as partes, assim entendidas como autor, réu ou interveniente em sentido amplo.
Pontes de Miranda, ao comentar os aludidos dispositivos, leciona que Litigante , no art. 17, é quem peça ou quem tenha de responder: o autor; o reconvinte; o terceiro embargante; aquele a quem a lei dá direito de recurso; aquele que se apresentou como se tivesse tal direito; qualquer autor nos processos acessórios; o que pede homologação de sentença estrangeira; o que suscita conflito de jurisdição; o que interpõe recurso extraordinário; o que executa a sentença (Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo I, 5ª edição. Forense, p. 366).
A própria topologia do CPC assim sinaliza. Se, por um lado, o art. 14, que proclama o dever de boa-fé a ser observado por todos os atores do processo, está inserido na Seção intitulada simplesmente "Dos deveres", por outro lado, os arts. 16, 17 e 18 estão, não sem razão, inseridos na Seção cujo o título é "Da Responsabilidade das Partes por Dano Processual".
Quisesse o legislador incluir os procuradores nos arts. 16, 17 e 18, não restringiria o título da seção às "partes", como não o fez na seção anterior.
Ademais, a redação do art. 18 é clara ao instituir que o litigante de má-fé pagará multa e indenização à parte contrária. O advogado, por sua vez, não tem como "parte contrária" nenhuma das partes do processo, razão por que se conclui que os arts. 16, 17 e 18 não se aplicam aos patronos das partes, mas somente a estas.
Em síntese, todos que de qualquer forma participar do processo têm o dever de agir com lealdade e boa-fé (art. 14, do CPC). Porém, em caso de má-fé, somente os litigantes, estes entendidos tal como o fez Pontes de Miranda, estarão sujeitos à multa e indenização a que se refere o art. 18, do CPC.
A conduta processual do advogado é disciplinada pelo art. 14, do CPC, e pelo Estatuto da OAB, Lei n. 8.906/94, que, no seu art. 32 e parágrafo, assim estabelecem:
Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.
Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.
Com efeito, os danos causados pela conduta do advogado deverão ser aferidos em ação própria para esta finalidade, sendo vedado ao magistrado, nos próprios autos do processo em que fora praticada a conduta de má-fé ou temerária, condenar o patrono da parte nas penas a que se refere o art. 18,do Código de Processo Civil." (REsp 140578/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/11/2008, DJe 15/12/2008)"