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A assistência no processo eleitoral

Agenda 07/10/2010 às 10:34

O Direito Eleitoral é o ramo do direito público que, dentre outras coisas, tutela os direitos políticos e as eleições, compreendido aí o processo de escolha pela vontade popular, livre de quaisquer máculas.

No âmbito do Direito Processual Eleitoral, com o fito de garantir da higidez do processo de escolha, o legislador colocou à disposição algumas ações para tal desiderato, que podem se desenrolar antes do pleito, durante ele, ou mesmo posteriormente. São as ações de impugnação ao registro, investigação judicial eleitoral, recurso contra a expedição de diploma, ação de impugnação de mandato eletivo e ação rescisória eleitoral.

O tema em debate no sistema eleitoral é a vontade do eleitorado, essência do princípio democrático, que somente pode ser questionada caso esteja viciada.

Neste contexto, bastante comum em uma relação processual eleitoral em que é representante o Ministério Público Eleitoral e representado um dos candidatos, que seu adversário político postule o ingresso no feito na qualidade de assistente do autor.

Tem-se admitido, em alguns casos a assistência sob a alegação da existência de interesse. É o tema que se desenrola.

Pois bem. O direito processual eleitoral tem institutos próprios, somente podendo se dar aplicação subsidiária do processo civil e do processo penal no vácuo da disposição eleitoral.

Pelo que se dessome no processo eleitoral, da análise do Código Eleitoral, da Lei Complementar 64/90, bem como da Lei Ordinária 9.504/90, não há previsão legal da intervenção de terceiro via assistente no processo.

Ora, dessa maneira, desde que não haja incompatibilidade pode ser utilizado instituto egresso de outra área do direito processual.

No caso, busca-se o manejo da assistência disciplinado no Código de Processo Civil. Não há incompatibilidade alguma da utilização desta modalidade de intervenção de terceiros no processo eleitoral. Entretanto, como é egresso do processo civil, há de obedecer os requisitos de admissibilidade in concreto.

No processo civil, assistência

é o instituto pelo qual um terceiro ingressa voluntariamente em feito pendente para atuar, de forma mais ou menos livre, em prol de uma das partes (assistido) objetivando obter decisão jurisdicional favorável a ela e beneficiar-se dos efeitos dessa decisão. Seu ingresso em juízo não altera a estrutura subjetiva ou objetiva da demanda originária. As partes (autor e réu) e o objeto da ação (o que havia sido pedido pelo autor em face do réu) não sofrem qualquer modificação, apesar de sua intervenção [01].

A assistência simples, disciplinada nos artigos 50/52, CPC, é a modalidade de intervenção de terceiro no processo com a finalidade de sustentar as razões de uma delas contra a outra [02].

Por sua vez, na assistência litisconsorcial, disciplinada no artigo 54, CPC, o terceiro apresenta-se

como titular de uma relação jurídica idêntica ou dependente da relação jurídica deduzida em juízo, ou seja, de uma relação jurídica contra o adversário do assistido, e que será normada pela sentença. Então, o interveniente poderia agir conjuntamente com o autor, contra o adversário comum, e, não o sendo, tendo sido deixado fora da relação processual, intervém, assistindo a parte contrária àquela que teria sido o seu adversário, com a finalidade de impedir que a sentença, que normará a relação jurídica de que este participa, lhe estenda os efeitos. Assim, na ação de anulação de testamento proposta contra o testamenteiro, o legatário poderá intervir como assistente do réu, porque a sentença anulatóra sobre ele se refletirá como coisa julgada.[03]

Ela se dá quando o assistente intervém porque tem com o adversário do assistido a mesma relação jurídica material deduzida em juízo.

O assistente litisconsorcial poderia ter sido parte e atua, quando ingressa no feito, como um verdadeiro litisconsorte. São os clássicos exemplos dos credores ou devedores solidários (arts. 267 e 275, CC); fiadores (art. 818, CC); condôminos na defesa da coisa comum (art. 1314, CC); herdeiros na defesa dos bens da herança possuídos injustamente por terceiro) arts. 1719 c/c 1314, CC); adquirente ou cessionário do bem litigioso que não seja autorizado a suceder o alienante ou cedente na relação processual (art. 42, § 2º, CPC) e mulher na ação em que se discutiam os bens dotais (art. 289, III, CC/16); legatário na ação de anulação de testamento, do herdeiro contra o testamenteiro. [04]

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Ressalva-se que a assistência litisconsorcial impõe requisitos específicos, não exigíveis na assistência simples: a) a existência de uma relação jurídica entre o interveniente (assistente) e o adversário do assistido; b) essa relação há de ser normada pela sentença, ou seja, que a sentença proferida tenha influxo sobre nesta relação.

Por isso, para a análise do tema em foco desde logo afasta-se a possibilidade de intervenção via assistência litisconsorcial, porque de difícil ocorrência. A análise será sob a tutela da assistência simples.

Pois bem. A finalidade da intervenção de terceiros via assistência é para ajudar o assistido e por isso se chama assistência ad adjuvandum, porque "o papel do assistente é o de auxiliar da parte assistida, à qual adere – e por isso se fala em assistência adesiva – em defesa do direito da mesma" [05].

Na verdade,

o que fundamenta a intervenção do assistente simples são os efeitos prejudiciais da sentença a ser proferida na causa em que pretende intervir, que muito provavelmente o afetarão se o assistido vier, em alguma medida, a sucumbir. O que está em discussão na ação proposta pelo outro ou contra o assistido, não é relação jurídica de direito material sua. É ele estranho a esta relação, e o que justifica sua intervenção é, diferentemente, outra relação jurídica que ele possui, atual ou futuramente, com o assistido. Sua esfera jurídica é afetada colateral ou reflexamente; não, entretanto, diretamente... Será, todavia, afetado pelos efeitos reflexos da sentença, já que a assistência se funda exatamente no interesse jurídico do assistente na vitória da parte a quem assiste. [06]

O assistente, em ambas as modalidades – tanto a simples quanto a litisconsorcial, ingressa no feito porque "os efeitos de decisão desfavorável ao assistido afetam diretamente a relação jurídica que existe entre ele (assistente) e o assistido [07]".

Necessário que tenha o terceiro interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas, para assisti-la. O interesse deve ser entendido no sentido de que a sentença, se proferida contra o assistido, pode influir desfavoravelmente na situação jurídica do assistente [08].

Assim, a assistência tem por escopo possibilitar ao assistente que não seja proferida decisão desfavorável ao assistido que por sua vez, mediata ou imediatamente, poderá lhe trazer prejuízos de ordem jurídica.

Tradicionalmente, cita-se como exemplo de assistência simples o sublocatário na ação de despejo motiva contra o sub-locador (locatário) pelo locador, titular do domínio do imóvel; na ação do fiador na causa entre o credor e o afiançado.

Nos exemplos acima, o sub-locatário terá legitimidade para atuar na qualidade de assistente porque eventual sentença de procedência na ação de despejo terá influxo em sua relação locatícia, nascendo daí seu interesse jurídico de que o locatário vença a demanda. De igual sorte o fiador na causa entre o credor e o afiançado. Se o credor vencer a demanda e o afiançado for insolvente, o fiador fatalmente será acionado face à sua posição de garante. Daí seu interesse jurídico em que o afiançado vença a demanda, o que o legitima a agir como assistente simples.

Após tais ponderações não se vislumbra qual o interesse jurídico que possui o adversário político do pleito eleitoral para ingressar no feito na qualidade de assistente. Isso porque a vitória do Ministério Público Eleitoral em nada influirá juridicamente em sua órbita de influência.

O que o adversário do assistido no pleito eleitoral deseja, na verdade, é a procedência do pedido para se beneficiar da situação: ou assumindo o cargo ou pela realização de novas eleições. Não possui interesse jurídico.

No campo político é indiscutível o interesse porque possibilitará uma nova oportunidade para pleitear o cargo majoritário. Contudo, tal interesse não é interesse jurídico, mas interesse político, que não é de molde a sustentar a assistência oriunda do direito processual civil via aplicação subsidiária.

Por fim, há ainda último obstáculo. Para os que entendem, em uma interpretação aleatória, admissível a existência de uma nova modalidade de assistência no direito eleitoral, desfigurando sua concepção real, a admissão da assistência esbarrará, por vezes, no artigo 224, do Código Eleitoral [09], porque, nos casos elencados no artigo mencionado, na hipótese da procedência do pleito do Ministério Público Eleitoral, necessário se fará realização de outra eleição. Neste sentido:

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO MATO GROSSO DO SUL. AGRAVO REGIMENTAL DO RECURSO ELEITORAL N. 263 CLASSE 27ª – ANASTÁCIO – 49ª ZONA ELEITORAL AGRAVANTE: COLIGAÇÃO FORÇA DO POVO (MPDB, PTB, PDT e PL) e JÚLIO CEZAR DE SOUZA AGRAVADO: FÉLIX JAYME NUNES DA CUNHA RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

RELATOR: EXMO. SR. DR. CARLOS ALBERTO DE JESUS MARQUES

EMENTA – AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO. PEDIDO DE INTEGRAR NO FEITO NA CONDIÇÃO DE ASSISTENTE. NECESSIDADE DE RELAVANTE INTERESSE JURÍDICO E NÃO APENAS POLÍTICO. IMPROVIMENTO.

A admissibilidade da assistência no processo eleitoral há de preceder do relevante interesse jurídico, nos termos do art. 50 do CPC, partindo-se da hipótese de vitória da parte contrária para indagar se dela adviria à parte prejuízo ou benefício juridicamente relevante, não havendo que se fundamentar apenas no interesse meramente político ou eleitoral.

De efeito, não se encontrando a parte na contingência de ser beneficiada ou prejudicada por eventual decisão, porquanto não se perquire qualquer iminência de titularidade da relação jurídica de direito material posta no feito, vez que pela votação obtida pelo então recorrente, caso haja insucesso processual, faz-se ensejar a realização de nova eleição majoritária municipal, nos termos do art. 224 do Código Eleitoral, pelo que inexistirá a assunção automática do segundo colocado, ora agravante, no cargo pretendido, nega-se o pedido de assistência com o improvimento do agravo regimental.

Assim, porque interesse jurídico não se confunde com interesse político não cremos possível a intervenção do adversário político do representado na qualidade de assistente do Ministério Público.


Notas

  1. BUENO, CÁSSIO SCARPINELLA. Partes e terceiros no processo civil brasileiro, Ed. Saraiva, São Paulo: 2003, p. 135, em conformidade com Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 63 e 67-69, e Cândido Rangel Dinamarco, Intervenção de terceiros, p. 36-38.
  2. SANTOS, Moacyr Amaral. PRIMEIRAS LINHAS DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, atualizada por Maria Beatriz Amaral Santos Köhnen, 2º volume, 24a edição, Ed. Saraiva, São Paulo: 2008, p. 51.
  3. . SANTOS, Moacyr Amaral. PRIMEIRAS LINHAS DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, atualizada por Maria Beatriz Amaral Santos Köhnen, 2º volume, 24a edição, Ed. Saraiva, São Paulo: 2008, p. 52.
  4. . BUENO, CÁSSIO SCARPINELLA. Partes e terceiros no processo civil brasileiro, Ed. Saraiva, São Paulo: 2003, p. 136.
  5. SANTOS, Moacyr Amaral. PRIMEIRAS LINHAS DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, atualizada por Maria Beatriz Amaral Santos Köhnen, 2º volume, 24a edição, Ed. Saraiva, São Paulo: 2008, p. 51.
  6. SANTOS, Moacyr Amaral. PRIMEIRAS LINHAS DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, atualizada por Maria Beatriz Amaral Santos Köhnen, op., cit., pp. 158-159.
  7. BUENO, CÁSSIO SCARPINELLA. Partes e terceiros no processo civil brasileiro, Ed. Saraiva, São Paulo: 2003, p. 135.
  8. SANTOS, Moacyr Amaral. PRIMEIRAS LINHAS DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, atualizada por Maria Beatriz Amaral Santos Köhnen, 2º volume, 24a edição, Ed. Saraiva, São Paulo: 2008, p. 51.
  9. Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.
Sobre o autor
Antônio Veloso Peleja Júnior

Juiz de Direito no Estado de Mato Grosso. Professor de Direito Processual Civil. Autor de obras jurídicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PELEJA JÚNIOR, Antônio Veloso. A assistência no processo eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2654, 7 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17573. Acesso em: 22 dez. 2024.

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