CAPITULO III
PODER NORMATIVO DO JUDICIÁRIO TRABALHISTA E LIBERDADE SINDICAL
Ao se abordar os entraves para uma democratização do sindicalismo praticado no Brasil, impossível não tocar na questão do poder normativo da Justiça do Trabalho, isto é, na competência material de criar normas gerais e abstratas destinadas às categorias profissionais e econômicas, respeitadas as disposições legais e convencionais mínimas de proteção ao trabalho (LEITE, 2007).
Este tipo de competência entra em franco conflito com o princípio da liberdade sindical, analisado em amplo aspecto, eis que restringe a negociação coletiva. E o faz porque a negociação coletiva ampla e livre nunca foi lugar comum na cultura sindicalista brasileira.
Em verdade, o poder normativo foi forma de o Estado corporativista controlar os conflitos coletivos e, reflexamente, afastar a responsabilidade do dirigente sindical sobre as decisões e rumos da classe que representa – representa, relembre-se por força legal, por conta da unicidade sindical, mas não pela vontade uníssona da classe. Conforme assevera Carlos Henrique Bezerra Leite (LEITE, 2007, p. 1032):
No âmbito do direito laboral pátrio, sabe-se que o tradicional sistema processual coletivo do trabalho recebeu forte influência da Carta del Lavoro, apresentando-se, por isso mesmo, ultrapassado e incapaz de solucionar satisfatoriamente os novos e cada vez mais complexos conflitos trabalhistas de massa. Entre os inúmeros fundamentos que empolgam essa afirmação, podemos destacar a opinião corrente de que a função anômala do Poder Normativo da Justiça do Trabalho, como criador de normas heterônomas gerais e abstratas aplicáveis às categorias profissionais e econômicas e que produzirão efeitos nas relações individuais de trabalho, inibe ou desencoraja a desejável solução democrática da autocomposição dos conflitos coletivos adotada em quase todas as democracias contemporâneas.
Realmente, a liberdade de negociação (indubitavelmente, um dos aspectos da liberdade sindical) é aviltada quando o Judiciário substitui as partes, estabelecendo condições e regras que poderiam constar de modo diverso em instrumento coletivo, eliminando, portanto, a negociação e outras formas de solução de conflitos. O recurso do dissídio coletivo é no mais das vezes utilizado por entidades sindicais profissionais sem poder para mobilizar as categorias que representam, "conquistando as condições de trabalho que necessitam, o que as enfraquece ainda mais, em círculo vicioso só traz prejuízos aos trabalhadores" (BRITO FILHO, 2000, p. 282).
De outro ponto de vista, a solução jurisdicional normativa também serve ao patronato como eficiente contra-ataque à melhor arma reivindicatória à disposição do trabalhador: a greve. Este instrumento, importantíssimo para a luta por melhores condições de trabalho, tem sua força drenada, ao ser suprimido pelo pleito normativo. Nos sábios dizeres de Mozart Victor Russomano (CABANELLAS, RUSSOMANO, 1979, p. 153):
O reconhecimento da competência normativa do Poder Judiciário para julgar conflitos coletivos de natureza econômica reduz a importância da negociação intersindical (limitada à condição de fase prévia de solução do conflito) e opõe um freio ao desenvolvimento da greve, que é uma contingência violenta da luta de classes, ao subordiná-la à decisão do juiz.
E é acompanhado por José Claudio Monteiro de Brito Filho, que acrescenta, com certo radicalismo (BRITO FILHO, 2000, p. 283):
Para nós, a solução jurisdicional é meio de solução de conflitos econômicos que não pacifica, de fato, o conflito, e pouco contribui para a melhoria das relações entre o capital e o trabalho. A greve, por outro lado, é instrumento de pressão que não pode ser descartado, não só por razões históricas, mas por ser instrumento comprovadamente eficaz (...). O primeiro deveria ser, então, abandonado, até para não prejudicar o exercício do direito de greve.
O sindicalista da classe profissional geralmente sente-se desconfortável em enfrentar o patronato na mesa de negociação, em parte pela falta da prática da autonomia de atuação, de outra parte por conta do próprio costume arraigado da cultura da submissão ao patrono. Em uma perspectiva histórico-sociológica, oriunda do liberalismo iberista, que fundou o substrato cultural do latino-americano, contrariar diretamente o patrão – ser dotado de inata superioridade –, seria um sacrilégio, algo contra a natureza do homem, enfim, algo, de certo modo, errado de se fazer.
Some-se a isso o desejo do Estado corporativista, que, frise-se, instituiu o modelo sindical brasileiro, de rejeitar ou negar os conflitos privados – os coletivos, primordialmente – por não admitir seus desdobramentos autônomos, e, por conta disso, também não construía formas institucionais para seu processamento. "Os canais eventualmente abertos pelo Estado tinham o efeito de funcionar, no máximo, como canais de sugestões e pressões controladas, dirigidas a uma vontade normativa superior, distanciada de tais pressões e sugestões" (DELGADO, 2007, p. 1.375). Ou seja, a normatização jurídica teria de ser sempre oriunda fundamentalmente da vontade estatal, e não da criatividade autônoma dos grupos sociais.
Assim, é mais confortável ao sindicalista entregar a solução do conflito ao Estado, através do Judiciário, ao invés de resolvê-lo entre seus pares e adversários; desta forma, se por um acaso a decisão não for totalmente satisfatória, "a culpa não é dele". E este aspecto também se aplica às entidades sindicais patronais. De ambas as partes, é gritante a busca por uma transferência de responsabilidade, conforme demonstra Wagner Giglio (GIGLIO, 1986, p. 61):
Ao se submeter à decisão do Poder Judiciário, os empregadores, assim como os órgãos sindicais, se eximem da responsabilidade perante a população e, do ponto de vista psicológico, se livram da acusação de seus associados, de terem sido derrotados ou de terem feito um mau acordo.
Uma outra questão importante a ser aventada é a contradição do instituto do poder normativo com a Convenção nº 98 da Organização Internacional do Trabalho, que trata da aplicação dos princípios do direito de sindicalização e negociação coletiva. Diferentemente da Convenção nº 87, citada outrora, a de nº 98 foi ratificada pelo Brasil, estando em pleno vigor no ordenamento jurídico pátrio desde 1953. Em seu artigo 4, a referida Convenção dispõe:
Artigo 4. Medidas apropriadas às condições nacionais serão tomadas, se necessário, para estimular e promover o pleno desenvolvimento e utilização de mecanismos de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores, com o objetivo de regular, mediante acordos coletivos, termos e condições de emprego.
Pelo texto convencional, há de se verificar a enorme importância que a OIT confere à livre negociação. E que instituto seria mais impeditivo a essa liberdade de negociação coletiva que o poder normativo da Justiça do Trabalho?
Esta competência anômala do Judiciário Trabalhista trava o desenvolvimento da maturidade do sindicalismo no Brasil, pois, como já dito, impede que os dirigentes sindicais tenham plena responsabilidade pelas decisões que tomam, ou poderiam tomar. É de fato muito cômodo, se uma negociação chegar a impasse de difícil solução, simplesmente transferir o encargo do resultado a um terceiro, ainda mais se este goza de presunção de legitimidade, de forte arcabouço técnico e de segurança jurídica nas suas decisões. Nesse sentido, ensina Mozart Victor Russomano (RUSSOMANO, 1998, p. 292):
A negociação coletiva não encontrou, facilmente, no Brasil, um desenvolvimento histórico apreciável, porque, em lugar de ir à mesa de debates (os sindicatos operários sobretudo) preferem ajuizar ações de dissídio coletivo, obtendo – de uma Justiça do Trabalho reconhecidamente generosa no uso de sua competência normativa – decisão com força de res iudicata, asseguradora às respectivas categorias profissionais das melhores condições de trabalho possíveis.
Porém, o que deve ser levado em conta para a garantia de mais e melhores direitos aos trabalhadores representados pela entidade sindical não é somente a correção técnica dos termos do contrato coletivo, mas sim seu conteúdo, que interessará somente aos que vivem em similares condições de trabalho.
Os envolvidos nas querelas coletivas conhecem melhor suas necessidades e desejos do que um julgador distante da sua realidade sócio-laborativa. É um embaraçoso contrassenso entregar a solução dos conflitos coletivos a um estranho; por mais qualificado que seja este estranho, ele sempre será um terceiro na relação, pois nunca esteve imiscuído no dia-a-dia da vida no local de trabalho.
Então, que medidas o Estado Brasileiro, como signatário da Convenção nº 98 da OIT, estaria tomando para para estimular e promover o pleno desenvolvimento e utilização de mecanismos de negociação voluntária?
A Emenda Constitucional nº 45/2004 houve, talvez, com o objetivo de incentivar a negociação coletiva, trazendo maior responsabilidade aos dirigentes sindicais, ao estabelecer o requisito do "comum acordo" para o ajuizamento do dissídio coletivo. Ou seja, somente frustrada, em último nível, a negociação coletiva, poderia haver submissão da demanda ao Judiciário e, ainda assim, se ambos concordassem. A nova redação do art. 114, §2º, da Lei Maior, aproximaria o Judiciário Trabalhista da figura do árbitro, uma vez que implementa o quadro de as duas partes, de vontades convergentes, escolherem um terceiro para a solução de um conflito o qual não foi passível de autocomposição.
É claro que não se defende o total afastamento do Judiciário dos conflitos coletivos, o que seria, diga-se de passagem, violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CRFB). Pelo contrário, o que se debate é a função anômala do Tribunal do Trabalho de criar normas sobre condições específicas de trabalho, substituindo o papel negociador das entidades sindicais, como bem afirmou acima, e continua afirmando, Carlos Henrique Bezerra Leite (LEITE, 2007, p. 1035):
Vale dizer, se uma das partes não concordar com a propositura do DC de natureza econômica, a Justiça do Trabalho deverá extinguir o processo, sem resolução de mérito, por inexistência de acordo entre as partes. Além disso, certamente haverá cizânia doutrinária e jurisprudencial acerca da constitucionalidade do novel §2º do art. 114 da CF introduzido pela EC n. 45/2004, pois há entendimento de que essa regra fere o princípio da inafastabilidade do acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV), mas também há quem entenda que o dissídio coletivo de natureza econômica implica a criação de direito novo (interesse para a constituição de novas formas de trabalho), e não lesão a direito subjetivo preexistente, ou seja, o princípio constitucional não seria violado porque não se trata de hipótese de lesão ou ameaça a direito subjetivo, e sim de interesse da categoria na criação de direito novo.
Desta forma, conforme se infere das palavras do renomado processualista, quiçá seja o novel requisito do "comum acordo" uma sinalização do legislador constituinte derivado no sentido de corrigir falhas do passado, e represente um animus de avançar em definitivo para o abandono dos resquícios corporativistas que ainda impregnam o Poder Judiciário brasileiro, porém o tema ainda deve ser objeto de muitas discussões no meio jurídico.
CAPÍTULO IV
A CONTRIBUIÇÃO SINDICAL OBRIGATÓRIA E A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE
O sindicato é uma associação civil, e como qualquer entidade atuante no âmbito privado da sociedade, independentemente de ter fins lucrativos ou não, depende de uma receita para não perecer. No caso do sindicato no Brasil, a sua principal fonte de sustento é a contribuição sindical obrigatória.
A contribuição sindical, que já foi denominada imposto sindical, até 1966, é devida anualmente para todos os membros da categoria (independentemente de filiação), sendo disciplinada nos arts. 578 a 610 da CLT, correspondendo a um dia de trabalho para os empregados (art. 580, I), a um percentual fixo para os trabalhadores autônomos e profissionais liberais (art. 580, II) e a importância proporcional ao capital social da empresa, para os empregadores (art. 580, III).
É assim, com sustentáculo legal, que se dá o custeio das entidades sindicais brasileiras, e é assim o único modo de garantir a existência de sindicatos em um sistema de unicidade sindical. Inexistindo a liberdade de se criar novos sindicatos, tendo o trabalhador de se conformar com o sindicato único, é extremamente difícil para este aceitar uma real e legítima representação por parte da entidade sindical preexistente. Daí o desinteresse em contribuir voluntariamente, e daí a necessidade de, para a sustentação deste sistema, a contribuição ter de ser compulsória.
Aliás, a unicidade sindical e a contribuição sindical compulsória são duas faces da mesma moeda; os dois institutos são interdependentes. Sem a contribuição compulsória, o sindicato único ruirá, por conta da falta de interesse em contribuir da grande maioria dos trabalhadores, que não se sentem legitimamente representados. Por outro lado, inexistindo a unicidade, a contribuição compulsória não tem razão de ser: uma vez formado o sindicato pela vontade real e legítima dos seus associados, estes terão grande interesse em mantê-lo, contribuindo voluntariamente, e não de maneira obrigatória.
Isto, sem se falar na afronta que este instituto representa ao princípio da liberdade sindical, pois enquanto existir a contribuição sindical compulsória, decorrente de lei, que independe da vontade do trabalhador ou da empresa de pagá-la ou não, se estará aviltando o referido princípio, já que mesmo os não-sindicalizados são obrigados a pagar tal exação.
No quadro sindical brasileiro é a falta de interesse da categoria que alimenta os sindicatos não-representativos e, por vezes, submissos às manobras empresariais e governamentais (e, por isso, chamados "pelegos"), que, por sua vez, não têm o menor interesse em conscientizar a categoria, até mesmo por receio de que seu lugar seja tomado. E esses falsos líderes sindicais fazem isso pois são sustentados pela contribuição que, por ser compulsória, chega aos cofres do sindicato sem o menor esforço. É um verdadeiro círculo vicioso. Neste diapasão, Sérgio Pinto Martins, em obra dedicada ao estudo das contribuições sindicais, comenta (MARTINS, 1998, p. 26):
O sindicato dos trabalhadores arrecadava, praticamente sem qualquer esforço, a contribuição dos operários, correspondente a um dia de serviço por ano, em relação a todos os integrantes da categoria. Não precisava angariar novos sócios ou prestar bons serviços, perpetuando também os dirigentes ‘pelegos’ na diretoria dos sindicatos, pois as assembleias normalmente eram vazias e não havia interesse em que novos associados viessem reivindicar cargos na diretoria. Com isso, mantinha-se a mesma diretoria por vários anos a fio. (...) Na verdade, o que ocorre ainda hoje, é a existência de sindicatos de assembleias vazias e cofres cheios, em virtude da arrecadação das contribuições sindicais.
, na maior parte das vezes inexiste autenticidade na representação sindical. Muitas vezes – melhor dizendo, na maioria das vezes – o trabalhador nem sabe a que sindicato "pertence". Sim, pois no sistema monista – oriundo, repise-se do corporativismo de Vargas – através de um de seus sustentáculos, que é o conceito de categoria, o trabalhador não tem qualquer escolha a não ser pertencer obrigatoriamente a uma classe preestabelecida. Basta se enquadrar naquela categoria, e já estará sendo representado por uma entidade preestabelecida, independentemente de o trabalhador conhecê-la ou não. Como uma representação assim pode pretender ser legítima, ter o mínimo de autenticidade? Sérgio Pinto Martins prossegue (MARTINS, 1998, p. 28-29):
A contribuição sindical, entretanto, é um resquício do corporativismo de Getúlio Vargas. Permite a organização e a manutenção de sindicatos sem a menor autenticidade, que não prestam e não têm interesse em prestar serviços aos associados, apenas na manutenção da direção por certas pessoas com o objetivo de obter estabilidade no emprego. Não há necessidade de prestar serviços ou de conseguir associados para o sindicato, pois a contribuição sindical já custeia todas as suas despesas, ainda havendo sobras. É desnecessário aumentar o quadro de associados da agremiação, porque caso contrário haverá outras pessoas tentando participar da diretoria, o que não interessa aos pelegos e àqueles que pretendem perpetuar-se no poder sindical.
De fato, com muita argúcia diz o doutrinador que pouco importa ao dirigente agradar a categoria, pois não depende da vontade desta para manter o sindicato, que o sustenta. Poder-se-ia falar de contestação de tais dirigentes através das eleições sindicais; contudo, os trabalhadores descontentes com o desconto compulsório em seus contracheques raramente têm o ânimo de se organizar sem o respaldo de ter o direito de criar uma associação legítima, contestatória do sindicato que os desagradam. E quando se organizam em chapa opositora, e são vencedores, invariavelmente incidem nos mesmos vícios dos antigos dirigentes. O poder é algo como um entorpecente para o homem, e quando ele é quase absoluto, como ocorre nas direções sindicais, é quase impossível livrar-se do vício; a tentação de perpetuação no poder é praticamente irresistível.
Assim, todo esse sistema acaba por cooperar fortemente para a desunião dos trabalhadores, por não proporcionar, o Estado, subsídios formais de modos diversos de representação profissional. E provavelmente é esta desunião por envidar esforços para uma atuação em comum que contribui para a ineficiência da maioria das entidades sindicais. Sobre a necessária escapatória deste modelo, disserta José Claudio Monteiro de Brito Filho (BRITO FILHO, 2000, p. 16):
Não há sindicalismo em condições de agir. Não há, também, união. É que esta, em sistema que prega o sindicato único, que não abre espaço para outras formas de representação de trabalhadores, não pode, em condições razoáveis, existir. Como falar em união, se esta só pode ocorrer, no plano jurídico, que é onde os conflitos são resolvidos, por meio de um sindicato debilitado e ineficiente? Sendo os problemas gerados por um modelo de organização dos trabalhadores que não dá mais resultados, é imperioso achar uma forma de possibilitar melhor representação dos interesses dos trabalhadores, quer pela alteração do modelo de sindicalização existente, quer pela busca de novas formas de representação.
Todos esses aspectos apontam para a grave questão da responsabilidade das entidades sindicais ante seus representados. Isto é: a obrigatoriedade de sustentar financeiramente o sindicato termina por eximi-lo de prestar contas aos membros da categoria – não apenas no sentido contábil, mas também na esfera das ações sociais relevantes para a elevação da qualidade de vida e condições trabalho em geral dos representados, bem como na condução da filosofia da própria entidade sindical como instituição.
Por outro lado, a entidade sustentada por contribuições voluntárias vê-se cobrada e obrigada à contrapartida, devendo responder aos seus representados; caso não atenda satisfatoriamente às expectativas dos contribuintes, acabará perdendo associados e perecerá.
O resultado disso é que em um sistema sem contribuição compulsória somente sobrevivem as entidades sindicais que realmente se desdobram para lutar pelos direitos dos associados – estes sim, legitimamente representados, pois contribuem voluntariamente para a existência de suas associações.
Porém, o modelo sindical brasileiro, principalmente por causa do respaldo oferecido pelo custeio obrigatório, independentemente de associação, reafirme-se, força ao contrário, faz com que as direções das entidades sindicais, ao invés de desejarem atrair grande número de associados, satisfaçam-se com uma quantidade mínima. Para este fenômeno, José Claudio Monteiro de Brito Filho oferece explicação (BRITO FILHO, 2000, p. 153):
Nosso modelo de organização sindical faz com que os dirigentes das entidades sindicais rejeitem quantidade muito grande de sócios. É que, na unicidade sindical, a única resistência que pode ser oferecida é a interna, e, quanto mais sócios tiver o sindicato, maior a possibilidade que essa resistência apareça. Por outro lado, como em nosso modelo, no setor privado, existe a contribuição sindical, além de os sindicatos cobrarem – irregularmente – outras contribuições dos não associados, é possível auferir receita sem que se precise de sócios em grande número.
E o que se verifica, com o sistema de financiamento sindical imperativo, é exatamente isto: o afastamento em massa dos trabalhadores em relação aos sindicatos. Com efeito, a perversidade deste modelo transfere para fora da classe trabalhadora "a sorte de suas organizações e representações institucionais, impedindo a efetiva dominância dos trabalhadores sobre suas ações coletivas" (DELGADO, 2007, p. 120). É, assim, um sistema paradoxal: o sindicato existe para defender interesses, mas independe do interesse dos representados para existir.
A gestão democrática das entidades sindicais – que deveria ser um dos primados da Constituição Cidadã de 1988 – tem como condição sine qua non o controle dos representados sobre a entidade representante, mas esbarra, ironicamente, conforme explanado, no próprio Texto Constitucional que deveria defendê-la.