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O processo administrativo fiscal e as falsas lacunas.

Uma abordagem didática

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Da falsa lacuna:

A simples existência de determinada norma construída a partir de enunciados normativos de uma lei A não significa que exista lacuna em outra lei B que eventualmente não contenha os tais enunciados. Trata-se de falsa lacuna. Se não há lacuna, não há integração a ser feita; se não há integração, então obviamente não se pode aplicar norma construída a partir daquele determinado artigo, parágrafo ou inciso da lei A como se eles precisassem existir lei B.

Evidentemente, portanto, não configura lacuna a simples falta de previsão da exceção "causa madura", originada do CPC, numa outra lei processual que também tenha duplo grau de jurisdição como regra geral. Em outras palavras: a existência da "causa madura" no CPC não implica existência de lacuna na outra lei processual que não a tenha. Logo, não se pode aplicar, nessa outra lei processual, a título de integração por analogia, a referida exceção chamada "causa madura".

A situação pode até ser graficamente imaginada. Considere uma certa lei B, como sendo uma lei processual administrativa qualquer. Considere que a lei B seja dotada de duplo grau de jurisdição, isto é, contenha previsão para interposição de recurso, ou seja, possibilidade de que a parte descontente com a primeira decisão solicite sua reforma. Imagine essa norma geral do duplo grau como sendo um grande círculo cinza-claro. Considere ainda que essa norma geral do duplo grau, veiculada na lei B, contenha exceções, tais como valor de alçada recursal ou delimitação de matéria. A existência de valor de alçada recursal impede que haja recursos se a causa tem valor inferior a determinado patamar, enquanto que a existência de limitação de matéria impede recursos de acordo com o objeto do litígio. Um exemplo de limitação de valor de alçada pode ser a vedação de recursos aos casos em que a condenação de primeira instância for inferior a dez mil reais; um exemplo de delimitação de matéria pode ser a vedação de recurso no caso de a questão versar sobre deveres instrumentais tributários, tais como emissão de nota fiscal. Visualize essas exceções do duplo grau, alçada recursal e delimitação de matéria, como sendo pequenos círculos de tom cinza-escuro, situados dentro do círculo maior, cinza-claro, que representa a norma geral do duplo grau.

Constate que é de cor cinza-claro toda á área que cerca os círculos menores. O espectro cinza-claro do duplo grau preenche todo espaço. Não há espaços em branco. Não há lacunas. Não há vazios para serem preenchidos por normas de exceção outras, retiradas de outras leis. Não há espaço para ali inserir o cinza-escuro da causa madura ou do efeito translativo, nem outra norma de exceção qualquer, trazida do CPC.


Da necessidade de retorno à instância a quo:

Portanto, na eventualidade de que algum processo administrativo tributário esteja sendo julgado em segunda instância sem que a matéria ou parte dela tenha sido apreciada pelo julgador de primeira e sem que haja a adequada previsão na lei processual própria de supressão de grau, não se pode, a título de integração, aplicar medidas restritivas originadas do CPC a fim de que se conclua o julgamento. Impõe-se, ao contrário, que se adote as decisões e providências processuais necessárias para que se retorne e se aprecie e julgue a matéria em primeira instância, com posterior oferecimento de oportunidade recursal ao contribuinte, se for o caso.


Conclusão:

1 - Há conflito de interesses quando duas ou mais pessoas tenham interesse pelo mesmo bem. A solução pacífica mais comumente utilizada é a arbitral. O instrumento por meio da qual as partes em litígio relacionam-se entre si e com o árbitro ou juiz é o processo.

2 - Via de regra, o árbitro é o próprio Estado, por meio do seu Poder Judiciário, situação em que a solução para o litígio é dada em processo judicial. Nos litígios em que uma das partes é a administração pública, costuma ser oferecido às partes também o processo administrativo.

3 - Judicial ou administrativo, o processo é sempre regulado pela lei processual. A lei processual visa, dentre outras coisas, ao tratamento igualitário às partes.

4 - A lei processual, como qualquer outra, pode ter lacunas, isto é, a lei pode deixar de abordar e prescrever conseqüências para fatos relevantes.

5 - O juiz não pode deixar de julgar diante de lacunas. Ele precisa preenchê-las por meio de integração. Na integração, o juiz preenche o vazio normativo com uso de outra norma que contenha hipótese semelhante.

6 - Nos casos em que a própria lei a ser integrada deixa de listar os instrumentos a serem utilizados, costumam-se usar aqueles indicados no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil ou artigo 126 do Código de processo Civil, nesta ordem: analogia, costumes e princípios gerais de direito.

7 - Somente se pode fazer integração da lei se nela houver lacuna.

8 - Dentro das leis costuma haver regras gerais; dentro dessas, normas de exceção ou específicas.

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9 - A simples ausência, em uma lei, de determinada norma de exceção presente em outra lei, não significa que exista lacuna. Diz-se, nesse caso, que há falsa lacuna.

10 - A falsa lacuna não autoriza uso de integração.

11 - Um exemplo de falsa lacuna é a ausência do instituto da teoria da causa madura ou do efeito translativo dos recursos, regras de exceção do CPC, nas leis processuais administrativas que contemplam duplo grau de jurisdição.

12 - Não existe o chamado "princípio do duplo grau de jurisdição". A Constituição da República não obriga que haja direito a recurso em todo e qualquer processo. Mas se a lei processual prevê o duplo grau, então o direito a recurso deve ser rigorosamente observado.

13 - Se a lei processual administrativa tem o duplo grau como regra geral, então não se pode aplicar, no respectivo processo, nem a causa madura, nem outra norma de exceção qualquer, seja do CPC, seja de qualquer outro código.

14 - Se a lei processual administrativa tem o duplo grau como regra geral, e não tenha norma especial restritiva de recursos cabível, então não se pode aplicar grau único sob pretexto de preenchimento de lacuna.

15 - Portanto, na eventualidade de que algum processo administrativo tributário esteja sendo julgado em segunda instância, sem que a matéria ou parte dela tenha sido apreciada pelo julgador de primeira, e sem que haja previsão de supressão de grau na lei processual própria, deve-se retornar os autos para que se aprecie e julgue a matéria em primeira instância, para só então dar prosseguimento normal ao processo.

Sobre os autores
Walcemir de Azevedo de Medeiros

Mestrando em Direito das Empresas pelo Instituto Universitário de Lisboa.Fiscal de tributos estaduais em Mato Grosso, membro titular do Conselho Administrativo Tributário de Mato Grosso, bacharel em Direito e em Administração, pós-graduado em Contabilidade Avançada.Especialista em Direito Tributário pelo IBET

Neuci Pimenta de Medeiros

Gestora Governamental em Mato Grosso e Advogada.Especialista em Direito Público pela UNIVAG.Especialista em Gestão Pública pela UNIC.Mestranda em Direito pela UNIMAR.Bolsista pela FAPEMAT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Walcemir Azevedo; MEDEIROS, Neuci Pimenta. O processo administrativo fiscal e as falsas lacunas.: Uma abordagem didática. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2658, 11 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17594. Acesso em: 26 nov. 2024.

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