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Da medida provisória

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Agenda 01/07/2000 às 00:00

I- Medida provisória: análise do texto constitucional

          A Constituição Federal de 1988 traz em seu texto a previsão de edição por parte do Poder Executivo da chamada medida provisória. Este dispositivo está regulado de forma única e exclusivamente no artigo 62 da Carta Magna vigente. E o texto afirma:

          "Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.

          Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em Lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes."

          De acordo com o texto constitucional, o Constituinte categorizou a medida provisória na forma de uma espécie normativa. E por isso mesmo, apta a criar direito e obrigações. Mas fica claro, que em primeira análise, que a medida provisória, mesmo contida no artigo 59 da Constituição Federal, não é lei.

          Este artigo dispõe sobre Processo Legislativo, denominação aqui empregada pelo Constituinte de maneira não muito apropriada. Pois o termo mais correto seria procedimento legislativo, já que a terminologia processo, em Direito, representa uma realidade diversa de procedimento. Processo, diante das lições do Prof. Rosemiro Pereira Leal (1999), é espécie do gênero Procedimento. Este se transmuta em Processo, quando presente o módulo do contraditório. E, por sua vez, Procedimento é a "estrutura técnica constituída, segundo modelo normativo, constituindo-se numa relação espácio-temporal em que o primeiro ato é antecedente lógico-jurídico do segundo e o terceiro é conseqüente do segundo, e assim por diante até o provimento que é o ato final, ato estatal".

          Pode-se constar neste dispositivo legal que a medida provisória adquire, após sua publicação, força de lei. Mas ter este atributo, não é o mesmo e suficiente para torná-la lei. Segundo Michel Temer (1997):

          "Lei é ato nascido no Poder Legislativo o que se submete a um regime jurídico predeterminado na Constituição, capaz de inovar originalmente a ordem jurídica, ou seja, criar direitos e deveres."

          Por isso, é requisito para ser lei a sua produção pelo Poder Legislativo. E este requisito falta à medida provisória. Mas mesmo assim, também, é capaz de criação de direitos e deveres. Porém, sua capacidade tem origem do fato do Constituinte ter permitido uma exceção ao princípio doutrinário segundo o qual legislar incube ao Legislativo. Trata de um fruto de vontade unipessoal, e não da representação popular como estabelece o art. 1º, parágrafo único da Carta Magna vigente que afirma que "todo poder emana do povo".

          Outra informação que se pode inferir após a leitura do dispositivo constitucional é que só o Presidente da república tem legitimidade para editar medidas provisórias. O que exclui do Poder Executivo dos Estados e Municípios esta atribuição. Porém, há uma corrente que defende a utilização da medida provisória em texto constitucional estadual. Para Roque Carrazza (apud Morais, 1998),

          "nada impede, porém, que exercitando seus poderes constituintes decorrentes, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal prevejam a edição de medidas provisórias, respectivamente, estaduais, municipais e distritais. A eles, mutatis mutantis, devem ser aplicados os princípios e limitações que cercam as medidas provisórias federais".

          Três exemplos desta posição podem ser observados ao examinarmos três Constituições Estaduais. A primeira é a Constituição do Estado de Tocantins, que nos §§ 3º e 4º, do art. 27, prescreve que o governador poderá adotar medidas provisórias com força de lei nos casos de relevância e urgência, devendo submetê-las de imediato à Assembléia Legislativa, que em recesso, deverá ser convocada imediatamente para se reunir no prazo de cinco dias. Além disso, prevê a perda de eficácia desde a edição se não forem convertidas no prazo de trinta dias.

          No mesmo sentido, a Constituição do Estado de Santa Catarina prevê, no art. 51, em caso de relevância e urgência, que o governador poderá adotar medidas provisórias, que terão força de lei. Estas devem ser submetidas, igualmente, à Assembléia Legislativa, que deverá ser convocada se em recesso. Prevê, ainda, a perda da eficácia se não aprovada no prazo de trinta dias contados após sua publicação. Porém como bem lembra Alexandre Morais (1998):

          "A Constituição de Santa Catarina inova ao vedar a edição de medida provisória sobre matéria que não possa ser objeto de lei delegada, bem como a reedição de matéria objeto de medida provisória não deliberada ou rejeitada pela Assembléia Legislativa".

          E a última Constituição é a do Acre. Esta além de prever a possibilidade de edição de medidas provisórias estaduais, de acordo com o mesmo modelo federal, faz previsão expressa que se as medidas provisórias que não forem apreciadas pela Assembléia legislativa e nem convertidas em lei, não poderão ser objeto de nova proposta.

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          O dispositivo legal traz, também, as informações referentes ao procedimento de aprovação das medidas provisórias por parte do Congresso Nacional. O artigo 62 da Constituição Federal vigente determina que a medida provisória deve ser submetida a exame imediato pelo Congresso Nacional. Este se reunirá extraordinariamente em até cinco dias e terá o prazo de trinta dias para deliberar sobre a questão. A apreciação da medida provisória deverá se dar por sessão conjunta.

          O texto constitucional, também, prevê que as medidas provisórias perderão eficácia, se não convertidas em lei, de modo ex tunc, ou seja, desde a sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas decorrentes. Ives Gandra Martins (1995) esclarece que "é como se não tivesse existido no mundo do direito, seus efeitos nada valendo e, podendo, inclusive, se gerou prejuízos qualificáveis pecuniariamente, permitir a responsabilização do Poder Público, do presidente e dos ministros que a assinaram". Esse dever de reparação está previsto na Lei Maior, no seu art. 37, § 6º. Entretanto como ainda lembra Martins (1995):

          "A falta de hábito, de um lado, e o temor reverencial, de outro, fazem desta garantia do cidadão, esculpida na lei maior, instrumento de pouco uso, razão pela qual nunca foram aplicados os dispositivos junto ao governo, pela edição de medidas provisórias não aprovadas ou rejeitadas."

          O Congresso Nacional editou as Resoluções n.ºs 1 e 2 de 1989, regulamentando o procedimento legislativo das medidas provisórias (ver Apêndice). Este procedimento tem seu início com o Presidente da República, que edita a medida provisória e a submete ao Poder Legislativo, para que este a aprecie. No Congresso Nacional, será instituída uma comissão composta por sete Deputados Federais e sete Senadores da República, que formularão um parecer pela aprovação ou não da medida provisória.

          No caso de rejeição, a medida provisória será arquivada. O Presidente do Congresso Nacional deverá baixar um ato atestando a não existência daquela. Ficará a cargo da Comissão disciplinar as relações jurídicas, que decorrerem do tempo de vigência da medida provisória, por meio de um decreto legislativo. Este deverá começar a tramitar na Câmara dos Deputados. Alexandre Morais (1998) acrescenta ao dizer que:

          "não existe possibilidade de reedição de media provisória expressamente rejeitada pelo Congresso nacional. Neste ponto, filiamo-nos integralmente à opinião consensual da doutrina constitucional brasileira, que enfatiza com veemência a impossibilidade jurídico-constitucional de o Presidente da República editar nova medida provisória cujo texto reproduza, em suas linhas fundamentais, os aspectos essenciais da medida provisória que tenha sido objeto de expressa rejeição parlamentar".

          A reedição de medida provisória que, expressamente, foi rejeitada pelo Congresso Nacional configura hipótese de crime de responsabilidade, pois impede o livre exercício do Poder Legislativo (art. 85, II, da Constituição Federal de 1988).

          Mesmo no caso de rejeição tácita da medida provisória, que é a rejeição que se opera quando o Congresso Nacional não a aprecia em trinta dias, a mesma perderá sua eficácia retroativamente (ex tunc). Porém este fato, não impede de haver reedição sucessiva de uma determinada medida provisória. E é este o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional.

          Já no caso de admissão, a Comissão no prazo de 15 dias, dará uma parecer sobre os aspectos constitucionais e sobre o mérito. Neste parecer, como lembra Alexandre Morais (1998), "poderá sugerir a aprovação total ou parcial ou até a aprovação com emendas, ou ainda, a rejeição expressa da media provisória (...)."

          As emendas poderão ser supressivas ou aditivas. Sendo que é, totalmente, proibidas as emendas que versem sobre matéria estranha à tratada pelo texto da medida provisória. Após a aprovação com modificações, a medida provisória estará transformada em projeto de lei de conversão e deverá ser remetida ao Presidente da República, para que este sancione ou vete. Se sancionado, o próprio presidente é responsável pela sua promulgação e publicação. Mas, se houver aprovação do texto integral, a media provisória será convertida em lei e será promulgada pelo Presidente do Senado.


          II- Fontes da Medida Provisória

  1. Decreto-Lei

          O antecedente mais próximo do decreto-lei brasileiro se encontra no Direito italiano. A doutrina e jurisprudência italiana reconheciam validade aos decretos de urgência, que eram motivados pela absoluta necessidade, como tradução do princípio salus reipublicae suprema lex esto. Porém, tal argumentação levou a abusos que levaram o legislador promulgar uma lei, em janeiro de 1939. Manuel Gonçalves Ferreira Filho (1977) ao tratar dessa lei esclarece:

          "Essa lei mantinha a necessidade de ratificação pelo Parlamento conquanto as normas baixadas pelas ordinaze tivessem eficácia desde sua promulgação e até expressa rejeição parlamentar".

          O decreto-lei representou a atividade normativa do Poder Executivo, que despontou na Carta de 10 de novembro de 1937. O art. 12 desta Carta dispunha sobre a forma de atividade eventual do Presidente da República, que segundo ensinamentos de Raul Machado Horta (1995), deveria atuar

          "mediante autorização do Parlamento, dentro de condições e limites (...), ou do exercício extraordinário, durante os períodos de recesso do Parlamento ou de dissolução da Câmara dos Deputados (art. 13), para tornar-se atividade permanente, por não se ter reunido o parlamento, na vigência da Carta de 10 de novembro , como previa a disposição transitória do artigo 180, erigido em fundamento da pletórica atividade legislativa do presidente da República (...) (art.73), conforme dizia a norma consagradora do autoritarismo político".

          A atividade normativa do Presidente da República, que se daria sob a forma do decreto-lei, não estava presente na Constituição Federal de 1946. Mas seu reaparecimento deu-se pela Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967. Recebeu a denominação de decretos com força de lei. O decreto-lei é típico ato normativo primário e geral, pois representa a existência de um poder normativo primário próprio do Presidente da República e independente de qualquer forma de delegação.

          Entretanto, ao contrastar o decreto-lei com a medida provisória, algumas diferenças são notadas.

          A primeira diferença é que o decreto-lei tinha seus pressupostos de expedição são apresentados de modo alternativo, pois seu texto determinava seu uso "em casos de urgência ou de interesse público relevante" (grifo nosso). Por sua vez, a medida provisória os exige cumulativamente os "casos de relevância e urgência" (grifo nosso).

          Outra divergência é que teoricamente a medida provisória tem um aspecto de abrangências superior ao decreto-lei, que por sua vez estava subordinado a condições determinadas pelo art. 55 da Emenda Constitucional n. 1 de 1969:

          "O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, e desde que não haja aumento de despesas, poderá expedir decretos-leis sobre as seguintes matérias:

          I. segurança nacional;

          II. Finanças públicas, inclusive normas tributárias; e

          III. criação de cargos públicos e fixação de vencimentos".

          Logo, o decreto-lei estava limitado pela não ocorrência de aumento de despesas e por limitações materiais. Pelo texto constitucional em vigor, a medida provisória não possui limites, podendo versar sobre qualquer matéria.

          Outra mudança é quanto à aprovação. O decreto-lei previa a figura do decurso de prazo, ou seja, em caso de ausência de manifestação do Congresso Nacional, o decreto-lei era tido como aprovado tacitamente. Já a medida provisória necessita de aprovação expressa do Congresso Nacional.

          Mudou-se também a nulidade dos atos praticados na vigência do ato. A rejeição do decreto-lei não acarretava nulidade dos atos praticados durante sua vigência. Já a medida provisória perde sua eficácia de modo retroativo.

          Outra modificação é a possibilidade das medidas provisórias receberem emendas por parte do Congresso Nacional, pois o decreto-lei só poderia ser aprovado ou rejeitado em in totum, ou seja, em bloco.

          Ives Gandra Martins (1995) explica que:

          "o repúdio nacional à emasculação do Congresso nacional – que, no período de exceção, deixara de legislar, visto que o Executivo o fazia por decretos-leis – levou a Constituinte de 1988 a entender que o decreto-lei deveria ser eliminado do direito pátrio."

  1. Medida Provisória Italiana

          Quanto à medida provisória italiana, esta também serviu como fonte para a adoção da atual medida provisória por parte do Constituinte brasileiro em 1988.

          O ensinamento de Ives Martins (1995) é esclarecedor ao demonstrar as disparidades que causou a adoção da medida provisória pelo Direito brasileiro, tornando-a um instrumento diverso de sua finalidade em que foi criado, pois o Constituinte não cuidou de fazer as adaptações que deveriam ter sido feitas.

          "A perspectiva todavia, da adoção de um sistema parlamentar de governo, em que o Executivo é eleito pelo Legislativo e dele depende para se sustentar, levou a Constituinte de 1988 a pensar no instrumento legislativo que permitisse ao governo, subordinado ao Legislativo, governar de tal forma que a edição de medida provisória que não fosse aprovada pela Casa das Leis, representasse a queda do gabinete. Em sua dimensão histórica, a medida provisória não se assemelha ao decreto-lei, visto que, neste, o Poder Executivo de um sistema presidencial governa independente do Congresso, seu mero órgão acólito e vicário, não representando, a não aprovação do diploma, queda do gabinete. Ao contrário, no sistema parlamentar a medida provisória idealizada, se não recepcionada pelo Congresso, implicaria, na quase-totalidade das hipóteses, a derrubada do gabinete e do governo, com nova escolha a ser procedida pelo Poder Legislativo.

          A preferência, em Plenário, pelo sistema presidencialista, sem que fizesse, no Plenário da Constituinte, adaptações dos demais dispositivos legislativos idealizados, gerou descompasso, cujo exemplo mais dramático foi o da permanência da medida provisória, projetada para um governo parlamentar". (Martins, 1995).

          O artigo 77 da Constituição italiana determina a estrutura normativa das medidas provisórias e dispõe sobre a perde de eficácia se não convertidas em lei no prazo de sessenta dias.

          Segundo Raul Machado Horta (1994):

          "O modelo italiano projetou-se no Projeto de Constituição (A) da Comissão de Sistematização da Assembléia Nacional Constituinte de nosso País, sob a Presidência do Senador Afonso Arinos de Mello Franco, que adotou o regime parlamentar de governo e a ele incorporou as Medidas provisórias, com força de lei, reduzindo a técnica recolhida no modelo parlamentar italiano.

          No Projeto da Comissão de Sistematização, as Medidas Provisórias, em caso de relevância e urgência, poderiam ser adotadas pelo presidente da República, quando precedidas de solicitação do Primeiro-Ministro (art. 76). A substituição do regime parlamentar pelo regime presidencial, a partir do projeto de Constituição (B), no 2º Turno da deliberação da Assembléia Nacional Constituinte, converteu a adoção das Medidas provisórias em ato da competência monocrática e privada do presidente da República (arts. 64 e 87, XXXVI), o que se manteve na Constituição presidencialista de 1988 (arts. 62, parágrafo único, e 84, XXVI)".

          O texto constitucional italiano de 1947, no artigo 77, refere-se à figura da medida provisória com força de lei como provvedimenti provvisori com forza di legge. Para Constantino Mortati (apud Horta, 1995), há distinção entre norma e provvedimenti. A segunda designa ato particular e concreto. Logo, é termo usado para indicar provisoriedade, o que elimina a idéia de seu uso para regular uma série indeterminada de casos futuros. Por isso mesmo, que a Constituição italiana não empregou a palavra norma, pois, se assim o fizesse, reclamaria duradoura a aplicação no tempo.

Sobre o autor
Flávio Quinaud Pedron

Mestre e Doutor em Direito pela UFMG. Professor do Mestrado da Faculdade Guanambi (Bahia). Professor Adjunto no curso de Direito do IBMEC/MG. Professor Adjunto da PUC-Minas (graduação e pós-graduação). Advogado em Belo Horizonte (MG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDRON, Flávio Quinaud. Da medida provisória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/176. Acesso em: 22 dez. 2024.

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