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Da medida provisória

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01/07/2000 às 00:00
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III - Limitações da Medida Provisória

          Após análise comparativa da figura da medida provisória e do decreto-lei, notamos que há um grave agravante, pois as disposições legais sobre medita provisória apresentam uma esfera muito restrita de limitações. Entretanto, muitos juristas buscam estabelecer limitações teóricas.

          A primeira observação a ser feita versa sobre os requisitos para a edição de uma medida provisória, que são a RELEVÂNCIA e a URGÊNCIA.

          Numa ordem natural, a "relevância" seria a categoria que possa levar à exceção do processo legislativo que ocorreria em casos de extrema necessidade onde a falta de comando legal pudesse levar a uma situação caótica, de desgoverno ou de grave abalo à paz social ou econômica, que pudesse comprometer os fundamentos do Estado - a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

          E ainda que verificada a relevância, esta não é suficiente para a edição de uma medida provisória, pois o artigo 62, da Constituição Federal de 1988, faz uso da preposição aditiva "e" e, por tanto, exige cumulativamente a presença do requisito "urgência", cujo significado e importância, segundo o Juiz José Anselmo de Oliveira (1999):

          "pode-se extrair do conceito existente como pressuposto da ação cautelar, assim URGENTE é o que não se pode prescindir sob pena de dano irreparável ou de difícil reparação sob a ótica dos direitos existentes (...). A falta de um dos requisitos torna a Medida Provisória inválida e ilegítima, passando a ser instrumento de arbítrio e da força contrária à democracia e ao Estado de direito".

          Oliveira (1999) acrescenta:

          "analisando as centenas de Medidas já editadas não encontramos os requisitos exigidos na maioria delas, pois a gama de temas que foram alcançados por esse meio de legislar, surpreendentemente não passavam de situações normais onde o processo legislativo atenderia satisfatoriamente, merecendo a discussão de interesse do povo ser debatida e votada de acordo com os princípios da democracia representativa que vige entre nós, porém o que menos importava era o respeito ao direito, e sim os resultados, trazendo insegurança jurídica e provocando danos irreparáveis para a sociedade brasileira. De tudo se tratou. Medidas econômicas, impostos, direito processual, direito material, trem da alegria, direito administrativo, enfim, uma verdadeira panacéia para atender os fins do governo nem sempre claros e de interesse do povo brasileiro".

          Para Marcelo Figueiredo (1991),

          "matéria relevante, seja de fato ou de direito, é a que se apresenta em toda exuberância, em todo evidencia, para ser acatada ou apreciada como justificativa do pedido, da pretensão, ou da proteção ao direito".

          Já urgência:

          "assinala o estado das coisas que se devam fazer imediatamente, por imperiosa necessidade, e para que se evitem males, ou perdas, conseqüentes de maiores delongas ou protelações". (Figueiredo, 1991)

          Logo, relevância deve ser entendida como o insuperável e urgência, como inadiável.

          Outra observação a ser feita é quanto aos limites materiais das medidas provisórias.

          Ives Martins (1995) dá sua posição quanto ao assunto:

          "Tenho para mim que estes limites existem e são os mesmos da lei delegada. Se o Constituinte não permitiu que determinadas matérias, por sua gravidade, fossem decididas por um homem só homem (direitos e garantias individuais, separação de poderes, matéria orçamentária e tributária) em veículo legislativo de maior dignidade (lei delegada), não teria sentido excluir tais limites ao arbítrio, à irresponsabilidade administrativa ou incompetência gerencial em veículo processual provisório, condenado à morte em trinta dias".

          Para Michel Temer (1997), representam limitações às medida provisórias as matérias que: a) sejam entregues à lei complementar; b) que não possam ser objeto de delegação legislativa; c) legislação em matéria penal; d) legislação em matéria tributária. Segundo o autor:

          "No primeiro caso porque não tem sentido autorizar medida provisória onde o constituinte exigiu quorum especial – maioria absoluta – para a aprovação.

          No segundo caso porque a Constituição determinou a iindelegabilidade, fixando, portanto, a idéia de que só o Legislativo pode dispor a respeito daqueles temas.

          Na terceira hipótese porque a Constituição determina, principiologicamente, a impossibilidade da definição de crime ou pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX). Nem seria sentido que medida provisória determinasse prisão temporária, por exemplo, se é da sua natureza a transitoriedade (...).

          Na quarta hipótese, extrai-se do Texto Constitucional que a única possibilidade de sacar recursos do patrimônio individual (propriedade) se dá por via de lei formal (CF, art. 150, I)."

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          A medida provisória como espécie normativa definitiva e acabada, mesmo possuindo caráter temporário, está sujeita ao controle de constitucionalidade como todas as demais leis e atos normativos. Representando este controle de constitucionalidade, também, mais uma forma de limitação da medida provisória.

          Porém, uma das questões que mais querem atenção e estudo por parte dos juristas brasileiros é quanto à reedição de uma media provisória, pois o grande número de reedições tem feito os juristas questionar o aspecto de urgência das medidas provisórias (para maiores informações veja tabela no item APÊNDICE).

          Como bem afirma Toshio Mukai (1999):

          "Verifica-se, assim, que a reiteração exagerada das medidas provisórias, por seis meses ou até mesmo por mais de um ano, é um procedimento que violenta a Constituição por mais de uma vez, posto que:

          a) tal reiteração das medidas provisórias além dos noventa dias já não conta mais com qualquer respaldo constitucional baseado no pressuposto da urgência.

          b) descaracteriza a medida provisória, que passa então a ser diploma legal indefinidamente e, portanto, definitivo, com clara usurpação das funções constitucionais atribuídas ao Congresso Nacional.

          c) a reiteração excessiva de medida provisória constitui abuso de poder por afrontar as funções exclusivas de legislar, e de inovar a ordem jurídica de acordo com os parâmetros constitucionais, próprias do Congresso Nacional, pois tais medidas provisórias, reeditadas indefinidamente, configuram o exercício de função legislativa pelo Poder Executivo contrariamente aos preceitos constitucionais pertinentes".

          Mukai (1999) acrescenta, ainda que:

          "ultimamente, o presidente da República tomou a reiteração da edição das medias provisórias uma praxe comum e corriqueira, tanto que passou a simplesmente reedita-las, mensalmente, com idêntico conteúdo e a mesma numeração, apenas acrescentando um ou dois dígitos, conforme o caso, para diferenciar cada uma, seqüencial e sucessivamente, da que lhe antecedeu no mês imediatamente anterior".

          O autor, ainda, afirma sua posição ao dizer que uma segunda via para os assuntos tratados por medida provisória seria a apresentação da mesma matéria da medida provisória anterior, na forma de um projeto de lei e solicitar urgência na apreciação, conforma dispõem os §§ 1º e 2º do art. 64 da Constituição Federal vigente. Neste caso, o texto constitucional determina que se a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem, sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobre a proposta, esta será incluída na Ordem do Dia, sobrestando-se a deliberação quanto aos demais assuntos, para que se ultime a votação. Esta seria uma alternativa muito mais apropriada com o universo de um Estado Democrático de Direito, conforme mesmo atesta o art. 1º da Carta Magna em vigor e com o respeito ao princípio de separação de Poderes, previsto no art. 2º do mesmo texto constitucional.

          Entretanto, pode-se observar justamente o inverso, pois a cada ano aumenta de forma exagerada a quantidade de medidas provisórias que são reeditadas pelo presidente da República, como bem mostra o quadro a seguir:

Quadro demonstrativo de edições de Medidas Provisórias por ano

Ano

Total de edições

Total de edições + reedições

Reedições c/ alteração

Transformadas em Lei

1988 

15 

15 

11 

1989 

93 

103 

80 

1990 

89 

163 

20 

74 

1991 

11 

1992 

10 

1993 

47 

96 

28 

1994 

91 

405 

37 

40 

1995 

30 

438 

86 

45 

1996 

39 

648 

69 

15 

1997 

33 

716 

71 

31 

1998 

24 

458 

50 

13 

          Sobre a reedição de medida provisória, a Profª Carmem Lúcia Antunes Rocha (1997), ao escrever o artigo "Constituição e Prepotência", utilizou um texto do então Senador Fernando Henrique Cardoso:

          "O Executivo abusa da paciência e da inteligência do país, quando insiste em editar medidas provisórias sob o pretexto de que, sem sua vigência imediata, o Plano (econômico Collor) vai por água abaixo, e, com ele, o combate à inflação. Com esse ou com pretextos semelhantes, o governo afoga o Congresso numa enxurrada de "medidas provisórias". O resultado lamentável: a Câmara e o Senado nada mais fazem que apreciá-las aos borbotões. É certo porém que, seja qual for o mecanismo, ou o Congresso põe ponto final no reiterado desrespeito a si próprio e à Constituição, ou então é melhor reconhecer que no País só existe um Poder de verdade, o do Presidente. E daí por diante esqueçamos também de falar em democracia."

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Sobre o autor
Flávio Quinaud Pedron

Mestre e Doutor em Direito pela UFMG. Professor do Mestrado da Faculdade Guanambi (Bahia). Professor Adjunto no curso de Direito do IBMEC/MG. Professor Adjunto da PUC-Minas (graduação e pós-graduação). Advogado em Belo Horizonte (MG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDRON, Flávio Quinaud. Da medida provisória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/176. Acesso em: 26 abr. 2024.

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