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A multa reparatória no Código de Trânsito Brasileiro.

O caminhar do Direito Penal rumo à Vitimologia

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SUMÁRIO: RESUMO. INTRODUÇÃO. 1 PRINCIPAIS ASPECTOS DO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. 1.1 BREVES COMENTÁRIOS A RESPEITO DO SISTEMA DE Penas ADOTADAS NO BRASIL. 1.1.1 Penas Privativas de Liberdade. 1.1.2 Penas Restritivas de Direitos. 1.1.3 Pena de Multa. 2 O CÓDIGO NACIONAL DE TRÂNSITO: LEI 9.503/97. 2.1 ESPECIALIDADE DA LEI Nº 9.503/97. 2.2 INTEGRAÇÃO DA LEI Nº 9.503/97 AO ORDENAMENTO VIGENTE. 2.3 INCOERÊNCIAS ENCONTRADAS NO CTB. 3 DA VITIMIZAÇÃO NO DIREITO PENAL. 3.1 REPARAÇÃO DE DANOS EM MATÉRIA PENAL NO BRASIL. 3.2 MULTA REPARATÓRIA. 3.3 CONSTITUCIONALIDADE DA MULTA REPARATÓRIA. 3.4 A MULTA REPARATÓRIA NA JURISPRUDÊNCIA. APONTAMENTOS FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


RESUMO

No presente trabalho fez-se uma análise sucinta do fenômeno que é o Direito Penal, de onde se inferiu que este precisa estar adstrito à lógica decorrente do Princípio da Legalidade, poder/dever de que dispõe o Estado Moderno para manter a ordem, em substituição à autotutela e ao regime absolutista.

O Direito Penal sofreu grandes transformações. Estas transformações acabaram por denotar maior ou menor importância da vítima enquanto componente da relação jurídico-penal. Viu-se no decorrer do trabalho que, à luz do enunciado pelas escolas Clássica e Positiva, a vítima restou preterida, já que estas se calcavam na tríade delito-delinqüente-pena e dentro deste sistema esta não teve lugar. Por outro lado, quando a vítima passa a ser considerada pela fórmula penal o Direito Penal se apresenta de forma valorada.

Analisando a realidade legislativa brasileira, infere-se que esta foi muito diferente ao longo da história. Assim se tratou dos regimes informados pelo Código Criminal do Império e, depois, dos decorrentes dos Códigos Penais. Vimos que muitas das disposições do Código Criminal, apesar da notada preocupação com a vítima, não mais poderiam subsistir, eis que contrariam muito do que se assegurou o legislador constitucional, por exemplo, a imposição de trabalho para a satisfação de direito do credor.

A multa reparatória foi inferida dentro do contexto de vigência da Lei nº 9.503/97. Traçou-se, pois, linhas sobre as condutas em si tipificadas, onde, inclusive, foram destacados alguns dos inconvenientes decorrentes do preterimento da proporcionalidade e da razoabilidade que devem orientar o procedimento legislativo.


INTRODUÇÃO

Partindo do postulado dicionarizado que introdução é ato ou efeito de introduzir, ou ainda, explicação que serve de preparação para um estudo, este é o momento de se apresentar o estudo desenvolvido ao leitor.

Inicialmente apontamos que o presente trabalho apresenta caráter predominantemente bibliográfico, ainda que se possam perceber ecos jurisprudenciais e algumas peculiaridades não referenciadas diretamente, como as vistas no tópico a tratar da constitucionalidade da multa reparatória, cerne temático desta monografia.

A finalidade deste trabalho final de curso é propiciar maior aprofundamento no conhecimento da Multa Reparatória, daí ter sido intitulado "A Constitucionalidade da Multa Reparatória no Código de Trânsito Brasileiro". Por esta questão a presente monografia foi dividida em três capítulos, divisão feita objetivando a facilitar a compreensão do leitor.

No capítulo introdutório falar-se-á dos aspectos atinentes ao Princípio da Reserva Legal e do sistema de penas adotado no Brasil. Nesse ponto um destaque será conferido ao Princípio da Legalidade, verdadeiro pilar do Direito Penal, ressaltando que a nuança que deste decorre a interessar ao trabalho presente é a que contém a realidade do particular, já que a legalidade a comportar a atuação do agente público é tema transversal nesta monografia.

Como dito, ainda no capítulo primeiro, se enfrentará o sistema de penas no Direito Penal brasileiro, destacando neste ponto a efetividade das penas neste encontradas. Não apenas enquanto possibilidade punitiva, mas também como prerrogativa preventiva. Por essa ocasião inferências pessoais quanto às penas restritivas de direito serão tracejadas, já que o rol destas é muito extenso, permitindo que sua efetividade varie de acordo com a medida adotada.

No segundo capítulo se abordará especificamente a Lei nº 9.503 de 1997. Esta lei – introdutora do Código Nacional de Trânsito – será analisada sob a perspectiva de sua especialidade. Debaterá nesse diapasão a integração desta ao ordenamento vigente, tendo em vista a perspectiva sistêmica em que deve se circunscrever todas as leis, a fim de se manter a unidade do ordenamento. Nesse sentir cuidar-se-á precisamente da Lei nº 9.099/95, eis que esta foi referida diretamente pelo artigo 291 do código sob exame.

A despeito do caráter especial da lei de 1997 e da imposição de sua integração, um tópico no capítulo segundo será destinado especificamente para tratar das incoerências que nesta se percebem.

O terceiro capítulo cuidará da possibilidade de o autor do ato criminoso reparar diretamente à vítima. Ver-se-á que tal possibilidade se adstringe aos casos em que a vítima suportou prejuízos materiais, decorrentes, por certo, do ato criminoso, possibilidade erigida dentro do contexto de vitimização no Direito Penal; de maior consideração da vítima.

Dentro do contexto de vitimização se cuidará da multa reparatória enquanto possibilidade genérica. Falar-se-á, pois, da reparação em matéria penal no Brasil. Cuidar-se-á, por fim, da constitucionalidade da multa reparatória e de como esta tem sido percebida na jurisprudência.


1 PRINCIPAIS ASPECTOS DO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL

Analisando a sistemática na qual se encontra inserido o Direito Penal uma questão resta clara: sua intervenção na sociedade deve estar adstrita ao Princípio da Legalidade, de onde surge a chamada reserva legal.

O Princípio da Legalidade afigura-se, pois, como sendo o único meio de evitar o arbitrário exercício do poder punitivo. Assim, para que se tenha por legítimo o comando cominado, este deve estar limitado às regras de positivação legal do Direito. Ou seja, deve observar todas as especificidades do processo legislativo.

A legalidade no Direito Penal possui importância estrutural singular, eis que se encontra inserta em uma lógica de poder/dever. Conquanto o Estado tenha o poder de punir em certas situações, essa prerrogativa é restringida à observância do comando legal. Garante-se, desta feita, os direitos individuais mínimos, postulado que nos permite inferir que os ditames do Direito Penal, em sua maioria, encontram base de sustentação no que se convencionou chamar Direitos Humanos de Primeira Geração [01], onde o Estado tem um dever precípuo de abstenção. Vige, pois, a autonomia da vontade.

Os apontamentos ora trazidos à colação foram sistematizados de forma clara e objetiva pelo professor Damásio, razão pela qual nos socorreremos de seu sempre seguro magistério. In verbis:

"O Princípio da Legalidade (ou de reserva legal) tem significado político, no sentido de ser uma garantia constitucional dos direitos do homem. Constitui a garantia fundamental da liberdade civil, que não consiste em fazer tudo o que se quer, mas somente aquilo que a lei permite. À lei e somente a ela compete fixar as limitações que destacam a atividade criminosa da atividade legítima. Esta é a condição de segurança e liberdade individual. Não haveria, com efeito, segurança ou liberdade se a lei atingisse, para os punir, condutas lícitas quando praticadas, e se os juízes pudessem punir os fatos ainda não incriminados pelo legislador." [02]

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Como não poderia deixar de ser, os preceitos referentes à legalidade foram instados em sede constitucional. Tal colocação se justifica, afinal a matéria penal demanda uma segurança que apenas os textos magnos conseguem conferir.

Os preceitos atinentes à legalidade encontram-se apostos no artigo 5º da Constituição Federal. São dotados, assim, do caráter pétreo inerente aos textos que cuidam das garantias individuais fundamentais [03].

Como não poderia deixar de ser, todo o sistema que se liga ao Princípio da Legalidade, matéria afeita em magnitude ao Direito Penal, está encampado pelo Código Penal, fato que decorre da necessidade de adequação de todo ordenamento ao asseverado na Carta Magna.

Na esteira da seara percorrida, consigna Luiz Carlos de Oliveira – em citação creditada ao professor Mirabete – que o artigo 1º do Código Penal "define o Princípio da Legalidade" [04], asseverando ser este "a mais importante conquista de índole política, norma básica do Direito Penal Moderno, inscrito como garantia constitucional." [05] Pondera-se, assim, que a imputação de tipicidade a uma prática só se afigura legítima quando prevista em Lei, entendida em seu sentido estrito.

Os desdobramentos do Princípio da Legalidade são defendidos na doutrina brasileira, dentre outros, por Francisco Toledo, como se depreende de sua obra intitulada "Princípios Básicos de Direito Penal" [06].

O mestre Toledo, defendendo fórmula consagrada na doutrina estrangeira, sobretudo italiana, propugna que o Princípio da Legalidade apresentaria quatro desdobramentos, destacando: nullum crimen, nulla poena sine lege praevia [07]; nullum crimen, nulla poena sine lege scripta [08]; nullum crimen, nulla poena sine lege stricta [09]; e, nullum crimen, nulla poena sine lege certa [10].

As citadas especializações são, pois, corolárias do Princípio da Legalidade, cujo objetivo é garantir a inviolabilidade dos direitos e garantias individuais. Em matéria penal tal vedação à violação é possível em se assegurando que Lei a cominar pena seja anterior, escrita, estrita e certa.

Nessa linha de pensamento Fernando Carlomagno, citando o professor Osvaldo Palotti Junior, consigna que "a lei que institui o crime e a pena deve ser anterior ao fato." [11] Impede-se desta forma a retroatividade da lei penal que tome por delituosa conduta anterior ao seu império, ou, ainda, agrave de qualquer maneira a situação do agente.

Em linha fundamental impõe-se que a Lei – entendida em sentido estrito, e não qualquer norma – a instituir pena deve ser antecedente ao fato tomado por punível, conclusão do que assevera o professor Toledo ao apontar que "só a lei em seu sentido estrito pode criar crimes e penas criminais." [12] Axiologicamente impõe-se ainda – a par da consagração de que apenas a Lei pode tomar por típico certo ato – que, igualmente, apenas a Lei possa tomar por mais grave determinado ato, sendo certo que tal tomamento não pode retroagir.

Ao cuidar dos direitos e garantias individuais nosso legislador asseverou no artigo 5º da CF – pretificado pela impossibilidade de mutação pelo poder constituído derivado – que "não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal." Tal garantia vem a somar com a estrutura democrática vivenciada, cujo pilar é a ordem constitucional vigente, fundamento das relações sociais e base a sustentar e regular as disposições de ordem penal: suas regras punitivas, sanções e bens jurídicos tutelados.

Importante consideração na direção ora debatida é a esposada pela professora Alice Bianchini [13] ao elucidar que "a criminalização da conduta deve pautar-se, neste quadro, por processo meticuloso e que jamais pode deixar de contemplar direitos e garantias inscritos na Constituição." [14]

De fato, sabendo que o Direito Penal não pode ir de encontro às garantias individuais apostas em nossa Carta Magna, qualquer norma que contrariasse a postulados nesse sentido seria atentatória ao que se configurou de forma pétrea, razão pela qual deveria ser expurgada do mundo jurídico, já que eivada de inconstitucionalidade, formal e material. Formal e material porque não há procedimento legislativo autorizado a interferir nas matérias atinentes aos direitos e garantias individuais, óbice fundamentado no artigo 60, § 4º da Carta Constitucional.

O artigo 5º da CF, em seu inciso II, consagra o princípio em exame. Nos exatos termos da dicção constitucional "ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Conclui-se, assim, que, apenas a Lei pode impor a atuação ou abstenção do particular para que sua conduta esteja alinhada ao Direito legalmente positivado.

Os apontamentos do parágrafo anterior dizem pertinência à sistemática que deve seguir o particular. Todavia, é assente o entendimento de que tal tônica não pode ser aplicada em sua totalidade ao administrador público, conforme se verá.

Em sede de administração pública o Princípio da Legalidade veste outras roupas; as estilizadas pelo artigo 37 da CF. Deste, pois, aduz-se proposição em sentido diferente. Asseveramos assim, socorrendo-nos do magistério de Hely Lopes Meirelles, que o administrador público só deve atuar em existindo determinação legal expressa nesse sentido. Enquanto o particular pode fazer tudo o que lei não proíbe, o administrador público só pode aquilo que esta determina, consoante ao propugnado pelo citado mestre:

"A legalidade, como princípio de administração, (Constituição da República Federativa do Brasil - 1988, art.37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem-comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso." [15]

O Princípio da Legalidade explicitado no art. 37, caput, da CF, estabelece a vinculação de todo o agir administrativo público à legalidade. Tal vinculação é o que embasa, em nosso sentir, a segura lição trazida à colação.

Feita a digressão tendente ao esclarecimento das nuanças que assume o Princípio da Legalidade, voltemos ao cerne da questão a se desenvolver: a faceta em que se insere o particular, fatalmente o artigo 5º de nossa Constituição. Os apontamentos referentes ao artigo 37 tiveram o condão de estabelecer dogmaticamente que o Princípio da Legalidade, por vezes, assume fardagem diferente do que se costuma imaginar.

O que se entende por reserva legal representa marco avançado do Estado de Direito, porque, consigo, amoldam-se comportamentos às normas legais. É, pois, de importância vital, já que estabelece as distinções entre o Estado constitucional e o absolutista. Vivenciando o primado da lei, em análise finalista expressão da vontade coletiva, cessam, por óbvio, as prerrogativas caprichosas de quem detêm o poder e suas tendências personalistas. Nada obstante podemos identificar leis que nascem com um propósito bastante definido, praticamente de efeito concreto, daí receberem apelidos, como a chamada Lei Fleury [16].

De modo geral, pelo princípio da reserva legal, nenhum ato pode ser considerado crime se não existir uma lei que o tipifique como tal. No mesmo sentir nenhuma pena pode ser aplicada sem que haja previsão de sanção para o consubstanciamento de uma conduta. Constitui, assim, real e eminente limitação ao poder estatal de fazer ingerências na esfera das liberdades individuais, como dito antes, face dos Direitos Humanos de Primeira Geração.

O princípio da reserva legal justifica-se por uma questão que nos parece clara: o caráter subsidiário do Direito Penal. Diz-se isto porque as normas penais são excepcionais, isto é, aplicáveis apenas onde não há outra possibilidade de conservação da segurança, da paz e da ordem social por outros mecanismos de controle, como a religião, a moral, ou mesmo o Direito Civil ou Administrativo. Por isso, só deve este ramo especializado do Direito ser utilizado na proteção de bens jurídicos onde reste claro ser o único meio a evitar mal maior.

Do parágrafo anterior depreende-se a acessoriedade do Direito Penal. Afigura-se que, onde a proteção de outros ramos sociais, incluído aí diferentes seções do Direito, mostram-se ausentes ou falhas, pode e deve o legislador lançar mão de sanções penais, frise-se, como alternativa última.

Na esteira das proposições tracejadas nos parágrafos pretéritos a lição do mestre Toledo mostra-se mais uma vez se esclarecedora. Observe-se que:

"Se a intervenção do Direito Penal só se faz diante da ofensa de um bem jurídico, nem todos os bens jurídicos se colocam a tutela específica do Direito Penal. Do ângulo penalístico, bem jurídico é aquele que esteja a exigir uma proteção especial, no âmbito da norma penal, por se revelarem insuficientes, em relação a ele, as garantias oferecidas pelo ordenamento jurídico em outras áreas extrapenais." [17] (destacou-se)

Diz-se por fim que o fundamento básico da atuação do Direito Penal deve se limitar aos bens jurídicos fundamentais. Portanto, a elaboração de figuras penais típicas deve ser informada e corresponder à tutela de um bem consagrado na Constituição. Há de ser lembrando que, em nenhuma hipótese, tal elaboração pode ir de encontro aos direitos e garantias fundamentais.

1.1 BREVES COMENTÁRIOS A RESPEITO DO SISTEMA DE PENAS ADOTADAS NO BRASIL

Tendo em vista o caráter generalista do Código Penal, devemos nos socorrer de seus ditames para tratar desse tópico. Chegamos assim ao seu artigo 32, onde se encontra assente que as penas no Brasil são de três tipos: "privativas de liberdade, restritivas de direito e de multa."

A fim de melhor estruturar o trabalho do ponto de vista pedagógico, entendemos por bem que essas possibilidades sejam tratadas em separado.

Vejamos então nos próximos itens como as possibilidades punitivas de que pode lançar mão o Estado para a preservação da paz social, através da tutela jurisdicional, estão sendo entendidas pelos operadores do Direito.

1.1.1 Penas Privativas de Liberdade

São modalidades de pena que se executam através da reclusão, da detenção ou mesmo da prisão domiciliar. Teleologicamente mostram-se afeitas ao exercício do jus puniendi do Estado quando o bem jurídico tutelado atingido tem maior importância na escala de valoração abstrata elaborada pelo legislador.

Embora a escala aventada não se paute por silogismos matemáticos, fato é que sua gradação pode ser entendida ao se observar a sistematização dos tipos penais. Não por acaso o homicídio fui o primeiro a ser tratado. Percebemos assim a magnitude do bem a receber tutela: a vida!

Caminhando nessa abstrata escala de valoração outros tipos são ventilados. Logo após cuidar da vida, foi preocupação do legislador a integridade física, a qual pode ser atingida de diversas formas. Assim tem-se a lesão corporal. Primeiramente "lesão corporal" e a seguir a do tipo "leve". Incrimina-se a conduta a partir da consideração subjetivo-valorativa do bem a se preservar.

No que concerne às penas privativas de liberdade, assim como na de multa, não há muito a se discutir. Faz-se tal ponderação em razão de a atuação do juiz, nesses casos, pautar-se por regras de subsunção [18], que se socorre, em regra, dos critérios Bobbinianos [19]. A temática vivenciada é a do raciocínio silogístico, pautada, pois, pelo jogo de premissas.

Ainda que se suscite uma atuação automatizada, não podem ser olvidados preceitos específicos, que, indubitavelmente, impõe um grau de subjetivismo quando da aplicação da pena pelo julgador, caso da condição pessoal do agente, aduzida no artigo 59 do Código Penal.

Desbravando essa escala, que foi chamada subjetivo-valorativa, outros bens jurídicos são encontrados. Concomitantemente surgem outras formas de se os tutelar. Manifestar-se-á, pois, diferentemente, o direito de punir do Estado. Assim é que se chega às penas restritivas ou privativas de direitos.

1.1.2 Penas Restritivas de Direitos

Através dessa modalidade punitiva impõe-se um dever de atuação ou abstenção, normalmente ao querelado, já que essa forma de punir afina-se de forma mais estável aos crimes cuja ação penal é privada.

Ao cuidar das penas restritivas de direito o trabalho do juiz – e em alguns casos do promotor, por exemplo nos Juizados Especiais Criminais onde a proposta de transação penal parte do membro do parquet – é mais abrangente.

A afirmativa pretérita decorre da constatação de que o rol de medidas aplicáveis é bem mais extenso, conforme enumera Damásio Evangelista de Jesus, penalista emérito e delegado brasileiro do 9º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento do Delinqüente. Vejamos:

"1) prestação de serviço à comunidade; 2) limitação de fim-de-semana; 3) interdição temporária de direitos; 4) multa, mediante recolhimento aos cofres públicos; 5) verba indenizatória, destinada à vítima; 6) reparação do dano; 7) tratamento de choque – penas privativas de liberdade de curta duração; 8) tarefa – por exemplo, visita a hospitais, a residências de vítimas de trânsito, a obras assistenciais, a empresas e escolas; 9) proibição de freqüentar determinados lugares; 10) exílio local, ou confinamento; 11) freqüência a cursos profissionalizantes; 12) prisão domiciliar; 13) prisão descontínua; 14) admoestação pública ou privada; 15) retratação ou pedido de desculpas; 16) entrega de quantia em dinheiro para instituição de utilidade social; 17) entrega de quantia em dinheiro ao Estado, com destinação específica, como o subsídio à formação educacional, a atividades assistenciais ou artísticas; 18) pagamento de cestas básicas ou cobertores a instituições de caridade; 19) perda de direitos; 20) expulsão do território; 21) suspensão e privação de direitos políticos; 22) freqüência a cursos escolares; 23) multa assistencial, destinada a instituições públicas ou privadas de assistência social; 24) perda de cargo, função ou mandato eletivo." [20] (destacou-se)

Dada a elasticidade do rol apresentado, e o imperativo de observância das condições pessoais do agente, que entendemos deverem ser sopesadas mesmo nos casos de transação penal, o trabalho de persecução penal assume muitas vias.

É fato que o trabalho de persecução penal pode assumir muitas vias, caminhos. Não se pode perder de mente, por isso, que um crime de trânsito cometido por "Alexandres Pires" é diferente do praticado por "Joaquins das Couves", sobretudo no que diz respeito às conseqüências pecuniárias, pois os agentes possuem condições pessoais absolutamente diferentes.

Tal consideração impõe, ao se lançar mão de uma pena restritiva de direito, atenção sobejada às condições pessoais do agente. Esquecer disso é, ao mesmo tempo, tornar possível que a medida aplicada seja inócua por não punir e não prevenir o crime. Tal inocuidade é facilmente configurada, por exemplo, em se valendo o membro do Ministério Publico no oferecimento da transação penal da modalidade mais comum de pena restritiva de direito: a fadada "cesta básica".

Para milionários o pagamento de cestas básicas não representa absolutamente nada em seu patrimônio. Para o "fulano das couves", contudo, a medida pode ferir inclusive preceitos constitucionais, como o que aduz não poder a pena passar da pessoa do criminoso. Assim, enquanto a família de um pobre é atingida com o tomamento de medidas com reflexos pecuniários, nem mesmo o agente rico é atingido pela aplicação da medida com tal caráter.

As penas restritivas de direito, bem utilizadas, representam uma alternativa viável ao modelo encarcerador, mas é preciso ter em mente que, no trato dessas, o Princípio da Proporcionalidade assume uma importância que nem todos os aplicadores do direito alcançam e conferem ao princípio.

As penas em estudo encontram-se, a despeito da numerosa relação aventada pelo mestre Damásio, previstas no Código Penal, proposição encontrada no artigo 43. O seguinte traça parâmetros à utilização das mesmas, conforme se pode ler no diploma legal: "As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem a privativa de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, ou qualquer que seja  a pena aplicada, se o crime for culposo."

A nosso ver, ainda que o trabalho ora desenvolvido apresente caráter eminentemente bibliográfico, caberia uma opinião pessoal. Assim asseguramos que, dentre as penas restritivas de direitos, a prestação de serviços à comunidade desponta como a mais efetiva. Primeiramente porque atende ao postulado básico da democracia, inscrito no artigo 5º da Constituição Federal, donde se aduz que todos são iguais perante a lei. Assim, os que se encontram na situação de prestadores de serviços sofrem com uma limitação temporal proporcional ao efeito lesivo de sua conduta, ocasião em que são tratados de forma absolutamente igualitária.

Além da igual limitação temporal – igualdade apurada de acordo à conduta consubstanciada –, atinge-se com igualdade a esfera econômica do agente. Não com qualquer igualdade, mas com a valorada pelo preceito Aristotélico de que os iguais devam ser tratados na proporção em que se desigualam.

O que se asseverou, a partir do que dissera Aristóteles, vem ao encontro da constatação de que o valor/hora de cada pessoa é diferenciado por suas potencialidades. O times is money, consagrador do capitalismo em sua essência, aponta que a prestação de serviços à comunidade atinge cada um na exata proporção em que se desiguala. Mostra-se, assim, efetiva ao punir [21] e ao prevenir novas condutas típicas.

Seguindo a abstrata escala valorativa aventada, chega-se à pena de multa, a terceira forma do exercício do direito de punir do Estado que se previu no Código Penal.

1.1.3 Pena de Multa

A pena de multa é, pois, a terceira forma de o Estado exercer seu direito de punir antevista no Código Penal, previsão valorada pela inscrição dessa modalidade punitiva na Constituição, expressamente no artigo 5º, XLVI, c.

Com essa modalidade punitiva em estudo o autor da conduta típica paga ao fundo penitenciário quantia fixada na sentença. Esse débito é calculado à base de dias-multa, variando de 10 a 360.

O valor "dia-multa" é fixado pelo juiz, não podendo ser inferior a 1/30 do maior salário mínimo mensal, nem superior a cinco vezes esse mesmo salário, vigente ao tempo do ato.

Com o advento da Lei nº 9.268/96 um novo caráter foi trazido para a pena de multa. Antes desta lei, caso não se pagasse a multa aplicada ou se frustrasse sua execução, a mesma era transmudada em detenção. Atualmente, todavia, tendo em vista assumir caráter de dívida de valor a pena de multa, impõe-se que, transitando em julgado a sentença condenatória cuja pena aplicada tenha sido a de multa, esta passa a ter natureza extrapenal. Desta consideração impõe-se que, restando inadimplida, o que se deve fazer é a promoção de sua execução pela Fazenda, a qual obedecerá aos moldes da cobrança judicial de Dívida Ativa.

Sobre os autores
Alessandro Marques de Siqueira

Mestrando em Direito Constitucional pela UNESA. Professor da Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Professor convidado da Pós-Graduação na Universidade Cândido Mendes em parceria com a Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ na cidade de Petrópolis. Associado ao CONPEDI - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis.

Joana Sarmento de Matos

Juíza de Direito em Roraima. Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA. Professora licenciada de Direito Penal da FACSUM. Pós-Graduada em Direito Público pela UNIGRANRIO. Associada ao CONPEDI - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Bacharel em Direito pelo Instituto Vianna Júnior.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Alessandro Marques; MATOS, Joana Sarmento. A multa reparatória no Código de Trânsito Brasileiro.: O caminhar do Direito Penal rumo à Vitimologia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2661, 14 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17622. Acesso em: 23 dez. 2024.

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