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Os princípios do UNIDROIT aplicáveis aos contratos internacionais do comércio

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Agenda 31/10/2010 às 11:10

3. HARMONIZAÇÃO, UNIFICAÇÃO E UNIFORMIZAÇÃO JURÍDICA E O PAPEL DO UNIDROIT

3.1 Introdução

No final do século XVIII e início do século XIX, o ideal de codificação do direito espalhou-se na Europa Continental – sendo concretizado com o Código Civil da Prússia em 1797 e também com o Código de Napoleão, de 1804. Assim, o movimento codificador expandiu-se tanto em países europeus como americanos. Isto porque, a partir da ação recíproca entre o direito nacional e os direitos estrangeiros (direitos de outros Estados), houve a necessidade de diminuir as tensões que ocorriam entre o conflito de um direito nacional e outro estrangeiro. Isto já se fez e vem se fazendo mediante a aplicação de regras conflituais de Direito Internacional Privado ou mediante o uso de instrumentos uniformes de direito material ou substantivo. [124]

O Direito Internacional Privado soluciona o conflito de leis no espaço mediante a indicação da norma conflitual do direito aplicável à relação jurídica. Tais conflitos também podem ser solucionados através da criação de um sistema uniformizador que elimine totalmente ou parcialmente a diversidade legislativa através do estabelecimento e criação, como foi dito anteriormente, de normas materiais ou substantivas sobre determinada matéria.

Deste modo, diante dessa diversidade jurídica existente no mundo, concebeu-se a criação de mecanismos de harmonização, unificação e uniformização do direito, tentando-se assim, ao menos uma aproximação jurídica. Através do movimento de harmonização jurídica pode-se alcançar uma aproximação das normas de conflitos do Direito Internacional Privado, não necessitando mudar as normas nacionais de direito material. Assim obtém-se uma maior previsibilidade à solução de conflitos, e o Direito Internacional Privado tende a ser o mesmo, não mais importando em que país estará acontecendo a disputa. [125]

Essa unificação jurídica geralmente acontece através de uma convenção ou um tratado. Ela elimina os contrastes existentes nas normas conflituais ou materiais, substituindo-se parcialmente o direito nacional por normas uniformes sobre determinado tema ou matérias.

Numa breve explicação sobre a unificação e harmonização alguns autores consideram que a unificação jurídica implica na adoção de um texto comum por vários países, mediante ratificação de tratados e convenções internacionais ou a incorporação de uma lei modelo na ordem interna do qual poderá ser aplicada pelos Tribunais locais ou de revisão judicial por uma corte supranacional. E que a harmonização, por sua vez, indica processos mais flexíveis, não implicando necessariamente a adoção de regras uniformes. [126]

Destaque-se, porém que há situações nas quais ocorre a harmonização voluntária, tais como a recepção, transmigração ou comunicabilidade do direito. [127]

3.2 Definições de Harmonização, Unificação e Uniformização.

A harmonização se consubstancia num processo onde diversos elementos são combinados ou adaptados entre si formando um todo, mas que permite que esses elementos conservem sua individualidade. Seu objetivo se consubstancia em reconhecer e reconciliar as divergências entre esses diversos elementos, de forma que os efeitos jurídicos resultantes de uma mesma situação tornem-se próximos tanto quanto possível em todos os sistemas jurídicos envolvidos. [128]

Segundo Paulo Borba Casella, a harmonização diz respeito às normas de conflitos (ou as chamadas normas de Direito Internacional Privado), permanecendo as normas nacionais de direito material intocadas e na medida em que essas normas se tornam harmônicas eliminar-se-ão os conflitos de lei. [129]

Diante dos efeitos danosos da diversidade jurídica e juntamente com a insegurança e imprevisibilidade que ela gera nas relações a harmonização é o meio encontrado para dirimir e facilitar o fluxo de trocas comerciais e garantir a aproximação entre Estados. [130]

São freqüentemente utilizadas diretivas (art. 129 do Tratado de Roma) dirigidas aos legisladores nacionais, que visam o estabelecimento, ao final de um prazo determinado, de certo grau de homogeneidade jurídica entre países membros, em conformidade com os objetivos comunitários. [131]

A unificação consiste na substituição das normas nacionais de direito material por novas normas previamente negociadas e acordadas (unificadas), que eliminam os conflitos na medida em que esta norma (sendo conflitual como material) passa a ter vigência entre os diferentes Estados - o que se dará através de uma convenção internacional. Assim, capítulos inteiros dos direitos nacionais são eliminados e entrando no lugar destes, novos dispositivos unificados. [132]

Sobre o conceito de uniformização – esta representa a combinação entre elementos de Direito Internacional e de direito material no que for possível. A uniformização detém maior flexibilidade e alcance do que a harmonização e uma extensão menor que a unificação, onde os conflitos são eliminados pela completa substituição das normas anteriores (que eram diversificadas). Com isso se ganha uma maior flexibilidade e alcance, mas aumentam-se os problemas de delimitação e conciliação. [133]

A uniformização poderá possibilitar: a) a aproximação de diferentes povos (visão política) baseado na idéia de uma instituição comum que induz um modo de pensar similar no mundo; b) função de integração econômica; c) o aparecimento do sentimento de justiça comum diante de situações ligadas à diferentes sistemas jurídicos – aliada com a necessidade de ter-se garantido o respeito às leis e á ordem social. [134]

Quanto aos aspectos operacionais, há uma grande diversidade de modalidades e mecanismos de harmonização, unificação e uniformização do direito: os instrumentos podem ser vinculantes ou não – vinculantes. Os vinculantes são os Tratados e Convenções [135] e geralmente são os mais empregados. Estes são preparados por organizações internacionais, celebradas em conferências, depois aguardam a ratificação dos Estados (em um número significativo) para que assim possam atingir os objetivos propostos. Como instrumentos não–vinculantes, podemos citar como exemplo desses: as leis-modelo e leis–uniformes, que são redigidas visando à sua adoção pelos Estados nacionais. Isto significa que caberá a cada Estado configurar os termos da matéria em seu ordenamento interno. Nesses instrumentos percebe-se uma flexibilidade quanto a sua utilização, mas que, por outro lado, recebe muitas críticas como perda de segurança e exatidão do conteúdo da norma. [136]

Também podemos distinguir os instrumentos de caráter intergovernamental ou não–governamental. Os de caráter intergovernamental, podemos citar como exemplo os tratados e convenções internacionais. Enquanto os não-governamentais correspondem às normativas sobre contratos internacionais e cartas de crédito elaboradas pela Câmara de Comércio Internacional (CCI) e os Princípios do UNIDROIT. Neste, sua aplicação é mais rápida e flexível em comparação à intergovernamental. [137]

Os instrumentos de harmonização, unificação e uniformização quanto ao seu âmbito de atuação detêm vocação universal ou regional.

São exemplos de instrumento regional: Convenção Interamericana sobre o direito aplicável aos contratos internacionais – que estabelece regras conflituais uniformes sobre o direito aplicável aos contratos internacionais. Quanto aos instrumentos de vocação universal podemos citar: a Convenção da ONU sobre a compra e venda internacional de mercadorias [138] (em Viena, 1980) e os Princípios do UNIDROIT. [139]

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 3.3 Breve Histórico das Relevantes Iniciativas Uniformizadoras

No final do século XIX, pessoas de grande importância no meio jurídico europeu, como Tobias M.C. Asser, se uniram em favor da harmonização jurídica utilizando-se da unificação de regras substantivas ou normas de eleição do direito aplicável. No ano de 1874 e, posteriormente, em 1882, o Institut de Droit International pronunciou-se favoravelmente à unificação das regras de Direito Internacional Privado e do direito material interno dos Estados em matéria comercial, especialmente das letras de cambio, os contratos de transporte e o direito marítimo. [140]

Na Conferência da Haia de Direito Internacional Privado [141], em 1893, Tobias Asser novamente sustentou a importância da unificação e disse que as regras substantivas são tidas como tarefa complementar à unificação das normas conflituais. O objetivo principal dessa organização foi a unificação progressiva das regras de Direito Internacional Privado, ou seja, das regras conflituais – como dispõe seu art. 1º no seu Estatuto. [142]

O continente americano, tendo em vista os problemas causados pela diversidade legislativa, procurou realizar a unificação das normas de eleição do direito aplicável. Sendo assim, foi considerado o pioneiro nas iniciativas de unificação jurídica. A primeira conferência que se reuniu no mundo para a codificação do Direito Internacional ocorreu entre 1877 e 1879: foi o Congresso de Plenipotenciários Jurisconsultos Americanos, em Lima – Peru, que em 1878 aprovou o Tratado para estabelecer regras uniformes em matéria de Direito Internacional Privado, sendo firmado por 7 países: Peru, Argentina, Chile, Bolívia, Equador, Venezuela e Costa Rica. Em 1881 aprovou-se também um projeto para uniformizar as legislações mercantis das Repúblicas Americanas no que se refere ao Direito Internacional Privado. [143]

Entre 1888 e 1889 realizou-se em Montevidéu (Uruguai) o Congresso de Juristas dos Estados Americanos chamado: Congresso Sul Americano de Direito Internacional Privado. Neste congresso aprovaram-se 8 convenções e um protocolo adicional em 1889, que além de uniformizarem normas conflituais, previram instrumentos de direito substantivo uniforme, tais como: tratado sobre patente de invenção; tratado sobre propriedade literária e artística; o tratado sobre marcas de comércio e de fábrica e o tratado sobre exercício de profissionais liberais,ratificados por Argentina, Uruguai e Peru. Em 1911, O Congresso de Caracas resultou no tratado Boliviano de direito processual, o qual foi muito inspirado em Montevidéu. Este tratado entrou em vigor para todos os participantes – Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. Em 1897, o Congresso da Guatemala (chamado também de primeiro Congresso Jurídico Centro–Americano) celebrou vários tratados de Direito Internacional Privado, inclusive um diploma sobre o processo civil internacional – todos influenciados pela obra de Montevidéu (1889). No entanto, esses instrumentos não entraram em vigor (limitaram-se somente ao aspecto histórico). Este Congresso reuniu países como: Costa Rica, Guatemala, Honduras, Nicarágua e El Salvador. [144]

Entre 1889 e 1890 foi dado um grande passo quanto ao movimento codificador pan-americano com a I Conferência Internacional Americana (realizada em Washington). Posteriormente, em 1928, houve a realização da VI Conferência na cidade de Havana – na qual se aprovou a Convenção de Havana de Direito Internacional Privado – mais conhecida como Código Bustamante. Essa Convenção foi ratificada por 15 Estados latino-americanos: Cuba, República Dominicana, Haiti, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, El Salvador e Guatemala, Chile, Bolívia, Equador, Peru, Venezuela e Brasil. No Brasil, a Convenção de Havana foi promulgada pelo decreto n. 18.871 de 13. 08. 1929. Vale ressaltar que essa Convenção continua em vigor nos dias atuais e uniformiza em 437 artigos regras de Direito Internacional Privado em matéria Civil, Comercial, Criminal e Processual. Percebe-se que sua aplicação não se restringiu a somente os países signatários. [145]

Os trabalhos para a unificação jurídica da América prosseguiu e originou a VII Conferência Internacional Americana – realizada em Montevidéu, em 1933, da qual resultou a unificação do direito cambiário. Na VIII Conferência, ocorrida em Lima, em 1938, aprovou-se a resolução sobre a unificação do Direito Civil e Comercial, mas todas as iniciativas foram interrompidas com advento da II Guerra Mundial, sendo retomadas após o seu término, mas com algumas diferenças. [146]

Segundo Lauro Gama:

No resto do mundo, além dos esforços regionais, alguns diplomas de vocação universal tiveram larga aceitação, vigendo até hoje, como a Convenção da União de Paris sobre a propriedade industrial, marcas de fábrica e patentes (1883), a Convenção de Berna sobre a propriedade artística e literária [147] (1886), as Convenções de Bruxelas sobre direito marítimo (1910) e as Convenções da Organização Internacional do Trabalho [148], celebradas a partir de 1919. [149]

Especialmente na Europa, a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, fundada em 1893, e a Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional (CNUDCI), criada em 1966 por resolução da Assembléia Geral da ONU, exerceram – e ainda exercem - relevante papel na unificação jurídica, seja de normas conflituais, como a primeira, seja de normas substantivas, sobre o comércio internacional, como a segunda. [150]

Durante a segunda metade do século XX, três fenômenos distintos tiveram grande importância nas transformações contemporâneas, principalmente no que diz respeito ao aspecto jurídico, tendo resultado no plano internacional uma maior aproximação jurídica; primeiramente, a descolonização do continente Asiático e Africano (com maior intensidade após a II Guerra Mundial) ocasionou o aparecimento de novos Estados nacionais, os quais foram aumentando no decorrer dos anos: em 1978 o mundo possuía cento e sessenta e quatro novos Estados independentes contabilizando no dobro do que possuía há quarenta anos. Já em 2002 eles somavam cerca de 192 países. A partir dos anos 50, o modelo positivista Kelseniano, baseado na identificação entre direito e Estado e na exclusão de juízos valorativos da interpretação e aplicação do direito, sofreu certa desintegração refletindo até na esfera internacional. Por último, com o desenvolvimento das comunicações, a globalização econômica e mundial, as reduções dos custos dos transportes criaram um mundo, principalmente do ponto de vista jurídico, diversificado e fragmentado. Assim, as tarefas de aproximação jurídica idealizadas no século anterior se transformaram num processo inviável. [151]

Em 1948, na Nona Conferência Panamericana, realizada em Bogotá, foi criada a Organização dos Estados Americanos (OEA), da qual participaram 21 países americanos. [152] Essa conferência trouxe um novo estímulo para o movimento de codificação do Direito Internacional e inovou por trazer a este movimento os países ligados à tradição da common law como EUA. Além disso, tinha como escopo readequar o sistema interamericano à criação da Organização das Nações Unidas (ONU), ocorrida em 25 de junho de 1945. [153]

A Partir de 1975, a OEA liderou o processo de uniformização e harmonização do Direito Internacional Privado. Esse trabalho foi realizado conjuntamente com o comitê jurídico interamericano incluído na carta da OEA como comissão permanente do conselho interamericano de jurisconsultos, que em vez de optar por fazer uma revisão dos tratados de Montevidéu ou do Código Bustamante, optou pela elaboração de convenções interamericanas contendo normas materiais e conflituais em diversas áreas, com o intuito de estabelecer o processo de harmonização e uniformização do direito para os países da América. Assim entre 1975 e 2002, como já mencionado neste trabalho, realizaram-se seis Conferências Interamericanas especializadas em Direito Internacional Privado (CIDIP): CIDIP I (Panamá, 1975), CIDIP II (Montevidéu, 1979), CIDIP III (La Paz, 1984), CIDIP IV (Montevidéu, 1989), CIDIP V (México, 1994) e CIDIP VI (Washington, 2002). [154]

O Brasil participou de todas as CIDIPs, ratificando a maioria das vinte e duas convenções aprovadas. Essas convenções apesar de terem muitas normas conflituais também contemplam normas substanciais ou de direito material. [155]

Vale destacar que a CIDIP de 2002 (considerada a mais recente) foi muito significativa quanto às mudanças no tema, bem como na metodologia do processo de uniformização jurídica regional, se concentrando principalmente em temas voltados para as relações comerciais internacionais, como por exemplo: a documentação uniforme de conhecimento de carga para transporte rodoviário de mercadorias e a criação de uma lei modelo interamericana sobre garantias mobiliárias. Deste modo, percebe-se que a CIDIP VI não somente visou ao direito substantivo, como também procedeu à uniformização jurídica mediante a elaboração de uma lei modelo – mecanismo chamado: soft law, em vez de utilizar-se de instrumentos costumeiros de caráter vinculante (convenções interamericanas). [156]

Após comentar aqui as tentativas uniformizadoras do continente americano, irei discutir o labor do Instituto Internacional para Unificação do Direito Privado (UNIDROIT), que originou os princípios relativos aos contratos internacionais do comércio os quais se enfocam nesse trabalho.

3.4 O Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT)

3.4.1 Criação do UNIDROIT

O Instituto Internacional para Unificação do Direito Privado (UNIDROIT) é uma organização internacional intergovernamental, com sede em Roma, na Itália. Tem como objetivo o estudo das vias e métodos para a modernização, harmonização e coordenação do direito privado, principalmente quanto ao direito comercial entre os diferentes Estados. [157]

O Instituto foi criado em 1926 como órgão auxiliar da Sociedade das Nações (SDN) – entidade que precedeu a organização das Nações Unidas (ONU). O UNIDROIT ainda nessas condições continuou suas atividades até a dissolução de fato da Liga das Nações - durante o ínicio da Segunda Guerra Mundial, em 1939.

Em 1940, o Instituto foi reformulado tendo como base um acordo internacional multilateral – o Estatuto Orgânico do UNIDROIT - que vincula atualmente 61 Estados – membros [158] extraídos dos 5 continentes e que representam uma variedade de sistemas jurídicos, econômicos e políticos, assim como conhecimento cultural diferente. A sociedade do UNIDROIT é restrita para os Estados que consentiram com o seu estatuto. [159]

3.4.2 Estrutura do UNIDROIT

Quanto à sua estrutura, o UNIDROIT está subdividido em três partes: o secretariado, o conselho de direção e a assembléia geral. O secretariado é o órgão executivo, e seu responsável é o secretário-geral. Este é nomeado pelo conselho de direção após a indicação do presidente do Instituto. No mais é integrado por funcionários internacionais. O conselho de direção supervisiona se as diretrizes impostas pela assembléia geral estão sendo cumpridas, e também determina os meios a serem empregados pelo Instituto para a realização de seus objetivos atentando para os estabelecidos principalmente pelo seu programa de trabalho – o chamado work programme trienal, e também se incumbe das relações externas do UNIDROIT (com Estados e outras organizações internacionais). Vale ressaltar que o presidente do Instituto é nomeado pelo governo da Itália; os demais são escolhidos utilizando-se de um caráter pessoal entre juizes, advogados, professores, e funcionários públicos. Por último, a Assembléia Geral se refere ao órgão deliberativo máximo do UNIDROIT, sendo composta pela reunião de representantes dos Estados-membros. Ela detém a tarefa de votar o orçamento anual do Instituto, aprovar seu programa de trabalho trienal e eleger a cada qüinqüênio o conselho de direção. [160]

3.4.3 Importância Institucional e sua Recente Atuação

A relevância do UNIDROIT como organização internacional voltada para a unificação do direito privado foi reconhecida pelo governo brasileiro. [161]

O UNIDROIT está mostrando um resultando politicamente neutro, isto por que possui independência em relação às demais organizações governamentais com atribuições semelhantes, como por exemplo: a Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional (CNUDCI) e a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado. [162]

Quanto ao método de uniformização adotado pelo UNIDROIT tem-se em vista a origem e estrutura intergovernamental do instituto, seguindo–se a forma de convenções internacionais multilaterais, ou seja, essas convenções constituem instrumentos legislativos vinculantes – de origem internacional, e necessitam de sua incorporação formal em cada ordenamento interno de cada Estado signatário. Atualmente o UNIDROIT tem se preocupado com formas alternativas de unificação jurídica (de forma que o instrumento vinculante não seja essencial). Tais alternativas incluem leis-modelos (que podem inspirar os Estados a elaborar regras nacionais sobre determinado assunto), assim como princípios gerais dirigidos diretamente a árbitros, juizes e contratantes – que poderão decidir livremente sobre sua aplicação. [163]

O UNIDROIT na sua existência elaborou um rol numeroso e variado de instrumentos internacionais de direito uniforme. Seus trabalhos já serviram de base para outras convenções internacionais aprovadas sob direção e coordenação de outras organizações internacionais, como por exemplo: convenção da ONU sobre compra e venda internacional de mercadorias (Viena, 1980). [164]

Quanto à sua metodologia na uniformização do direito contratual internacional, o UNIDROIT procura se afastar das convenções internacionais, leis uniformes e o método das leis-modelo. Pela sua opção por instrumentos uniformes não vinculantes, em 1971 o conselho de direção do UNIDROIT incluiu no programa de trabalho do instituto "um ensaio sobre a unificação da parte geral dos contratos (tendo-se em vista uma Codificação Progressiva do direito das obrigações ex contractu)" [165], do qual formou-se uma comissão-piloto encarregada de conduzir os estudos preliminares de viabilidade do projeto, sendo integrada pelos juristas: o francês René David (1906 – 1989) da Universidade de Aix – in – Provence, representante da tradição romano-germânica; o professor Clive M. Schmitthoff (1903 – 1990) da City University de Londres – representante da Common Law; e o professor da Universidade de Bucareste, Tudor R. Popescu – representante dos sistemas socialistas. A comissão foi encarregada de conduzir os estudos preliminares de viabilidade do projeto. [166]

Em 1974, foi produzido o 1º relatório produzido pela comissão-piloto, contendo a estrutura básica da obra. Somente em 1980 é que o projeto tomou impulso com a criação de um Grupo de Trabalho (Working Group) integrado por especialistas em direito contratual e do comércio internacional (incluindo representantes dos maiores sistemas jurídicos e socioeconômicos de todo o mundo), que foi encarregado da tarefa de preparar estudos preliminares sobre os princípios aplicáveis aos contratos internacionais do comércio. [167]

Para cada capítulo da obra que posteriormente se transformaria nos princípios foi eleito um relator entre os membros do grupo de trabalho com missão de preparar projetos desses capítulos acrescidos de comentários. Umas das suas primeiras tarefas foi determinar o sentido da expressão "princípios gerais" para os contratos internacionais do comércio tendo em vista a intenção de assimilá-las aos usos comerciais consolidados em cláusulas-padrão e contratos modelos elaborados por certos segmentos do comércio internacional. Essas cláusulas-padrão e os contratos modelos dizem respeito aos interesses específicos de quem os tenha elaborado e seu funcionamento e existência pressupõe a existência prévia de certos princípios diretores nos quais devem se apoiar. Deste modo, tornou-se necessário dirigir esforços à formulação de um sistema supranacional – que constituirá em uma espécie de jus Commune moderno, contendo os princípios gerais de direito destinados à regulação dos diversos contratos internacionais do comércio. [168]

Tendo em vista não ser possível considerar o direito individual de cada Estado nacional como também dar igual peso aos diferentes sistemas jurídicos com relação ao tratamento de cada um dos temas eleitos, o grupo de trabalho criado pelo UNIDROIT optou por adotar entre as compilações legislativas e codificações nacionais, as mais recentes, como: o Uniform Commercial Code e o Restatement (Second) of the law of Contracts dos Estados Unidos; o Código Civil da Argélia de 1975; a Lei Chinesa sobre Contratos Econômicos Estrangeiros; e os então projetos de Código Civil da Holanda (que entrou em vigor em 1992), e da Província do Quebec, Canadá (aprovado em 1994). Já com relação à legislação internacional o grupo de trabalho adotou a Convenção da ONU sobre a compra e venda internacional de mercadorias (estabelecendo como um ponto obrigatório de referência). Contudo, foi se distanciando a medida em que os Princípios do UNIDROIT não se restringiam apenas aos contratos de compra e venda internacional de mercadorias, mas pretendiam englobar todos os contratos de natureza comercial. Vale citar que quando pertinente também levou em conta outros instrumentos internacionais, elaborados pelo UNCITRAL. [169]

Alguns outros instrumentos foram levados em conta na elaboração dos Princípios do UNIDROIT:

Consultaram-se também normas não estatais elaboradas por entidades internacionais especializadas e adotadas largamente no comércio internacional, como INCOTERMS e as regras e práticas uniformes para créditos documentários, da Câmara de Comercio Internacional; as condições gerais para o suprimento e ereção de fábricas e maquinários para importação e exportação, da Comunidade Econômica Européia; as condições dos contratos internacionais de obras de engenharia civil, da Fédération Internationale dês Ingénieurs – Conseils (FIDIC). [170]

Durante o trabalho de elaboração dos Princípios do UNIDROIT houve discussões sobre os projetos preliminares de cada capítulo, preparados pelos respectivos relatores que após serem revisados por estes, passam por uma segunda revisão, para comentários de um grupo mais especializado formado por juristas e homens de negócios. Esses projetos eram igualmente submetidos periodicamente ao conselho de direção do UNIDROIT, que orientava o grupo de trabalho sobre as diretrizes a serem observadas, principalmente nos casos em que o grupo não alcançava um consenso. Posteriormente, os projetos eram remetidos a cada Estado-membro do Instituto para informação e comentários. [171]

Finalmente, em 1994, após a aprovação do conselho de direção do Instituto, os Princípios do UNIDROIT relativos aos contratos internacionais do comércio nasceram.

Os Princípios do UNIDROIT foram originalmente escritos em inglês – língua utilizada pelo grupo de trabalho. Atualmente, em adição à versão em inglês, há a existência de versão completa dos princípios (com o texto dos artigos e os comentários) também em chinês, francês, italiano, português, russo, eslovaco e espanhol, enquanto uma completa versão em alemão é preparada. [172]

Os Princípios do UNIDROIT pretendem enunciar regras que são comuns na maioria dos sistemas legais existentes e ao mesmo tempo selecionar soluções que pareçam mais adaptáveis às exigências do comércio internacional. [173]

Ressalte-se que o trabalho do instituto não é dirigido para a transformação de seus textos apenas em convenções internacionais, mas sim para serem utilizados como uma fonte para os tribunais que precisam cuidar dessas questões; podem servir como base para novas leis inspiradas em seus conceitos e postulados, e também para as partes que estão negociando um contrato e precisam esclarecer determinados pontos e até mesmo adotar no seu contrato algumas de suas normas. Um contrato internacional contendo cláusula arbitral pode determinar a aplicabilidade dos Princípios do UNIDROIT para resolver uma disputa futura. [174]

Dez anos após sua publicação, podemos dizer que o sucesso dos Princípios do UNIDROIT excedeu as expectativas mais otimistas, sendo recebido pelos círculos acadêmicos; foi considerado modelo para legisladores nacionais; norma para negociação nos contratos; escolha pelas partes da lei que irão reger seus contratos e aplicação nos procedimentos judiciais. [175]

Obviamente, não foram todas as partes dos Princípios do UNIDROIT que tiveram a mesma importância nas soluções das disputas no âmbito internacional. Entre as mais freqüentemente utilizadas e aplicadas, podem ser destacadas: artigo 1.7 no dever das partes em agir de acordo com a boa-fé e a lealdade negocial no comércio internacional; Capítulo 4, na interpretação do contrato; Capítulo 7, seção 3 na resolução dos contratos em caso de ruptura; e o Capítulo 7, seção 4, dos Danos. [176]

Em 2004, eles foram acrescidos de novas normas e capítulos, e deu-se uma nova edição, resultando na segunda versão adotada pelo UNIDROIT.

Sobre a autora
Daiille Costa Toigo

Advogada na área societária; Pós-Graduanda em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Bacharel em Direito pela Fundação Armando Álvares Penteado -FAAP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOIGO, Daiille Costa. Os princípios do UNIDROIT aplicáveis aos contratos internacionais do comércio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2678, 31 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17715. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Texto elaborado sob orientação do Prof. Fabrício Bertini Pasquot Polido.

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