Resumo
O presente trabalho pretende tratar dos Princípios do UNIDROIT aplicáveis aos contratos internacionais do comércio, sua importância e regulação no Direito do Comércio Internacional.
Serão analisadas questões de Direito Internacional Privado, tais como conflitos de leis, autonomia da vontade, regras de conexão, lex mercatoria, lei aplicável aos contratos internacionais do comércio, tratados e convenções sobre a disciplina. Também irá ser suscitado o problema da harmonização, unificação e uniformização jurídica.
Destaque–se também a importância da atividade do UNIDROIT para o desenvolvimento da disciplina dos contratos internacionais do comércio e sua influência sobre os direitos nacionais.
Por fim, pretende-se analisar alguns comentários e interpretações sobre os princípios fundamentais dos contratos internacionais do comércio constantes nos Princípios do UNIDROIT, ressaltando seus aspectos gerais, características, importância e âmbito de aplicação.
1. INTRODUÇÃO:
O presente trabalho tem como objetivo geral analisar temas relacionados aos contratos internacionais do comércio, suas peculiaridades e, principalmente, sua regulação. Escolhemos como ponto de partida os Princípios do UNIDROIT aplicáveis aos contratos internacionais do comércio.
Tendo-se em vista que os contratos internacionais são resultado do intercâmbio e das relações entre diferentes pessoas e Estados, conseqüentemente temos a presença de ordenamentos jurídicos distintos em contato com as partes contratantes, o que significa, à primeira vista, potencial conflito de leis. Diante disso, o jurista costuma se indagar sobre qual a lei aplicável, qual possa ser o ordenamento competente para resolver os problemas da concorrência de leis e, ao mesmo tempo, que traga aceitação pelas partes.
Neste contexto, há que se considerar as fontes existentes no Direito Internacional Privado e no Direito do Comércio Internacional tais como: tratados, leis domésticas, direito costumeiro, decisões arbitrais e verificar se elas ficam sem aplicação pela dificuldade encontrada pelo juiz ou não incorporação pelos direitos nacionais, bem como seu não reconhecimento, já que cada país possui seu ordenamento próprio.
Buscando suprir as deficiências, incertezas e insatisfações dos institutos até então utilizados, organizações de vocação internacional têm se empenhado na criação e surgimento de novas fontes, as quais estão associadas ao escopo de harmonização, unificação e uniformização do Direito do Comércio Internacional. Esse é o caso justamente da atividade e missão histórica do UNIDROIT, o Instituto Internacional para Unificação do Direito Privado. Os Princípios do UNIDROIT sobre contratos internacionais do comércio tiveram como função originária reduzir a imprevisibilidade relativa ao direito aplicável aos negócios entre comerciantes internacionais, sendo concebidos para lidar especificamente com as relações empresárias do comércio internacional, suprindo suas exigências e características. Os Princípios do UNIDROIT parecem ter gradativamente aceitação pela comunidade internacional, conforme atesta a publicação de duas edições do documento formulado pela Organização em questão: a versão de 1994 e a versão de 2004.
Assim, o presente estudo buscará desenvolver uma breve análise dos Princípios do UNIDROIT, bem como seu histórico, estrutura, finalidade, importância, prática recente, seu método de uniformização e suas formulações. E procurará também apontar as mudanças ocorridas entre a sua primeira edição de 1994 e sua última e mais recente proposição – a edição de 2004, a partir das constatações doutrinárias do tema.
O item 2 deste trabalho trata especificamente dos contratos internacionais, mencionando sua importância, formação, como também sua principal fonte: a lex mercatoria, que será abordada em termos de suas considerações históricas, importância para os contratos, definições, suas fontes e como se pode atingir a segurança nas relações do comércio internacional por seu intermédio.
Ainda neste capítulo, será falado sobre os conflitos de lei no Direito do Comércio Internacional, e também sobre o princípio da autonomia de vontade (lex voluntatis) e aplicação no direito brasileiro. Além disso, se tratará sobre as regras de conexão e lei aplicável aos contratos internacionais do comércio. E por último serão abordadas as convenções internacionais sobre o Direito Internacional Privado.
Logo após, no item 3, se passará a uma análise sobre a harmonização, unificação e uniformização jurídica e o papel do Instituto Internacional para a Unificação do Direito privado – UNIDROIT.
Já no item 4, serão realizados comentários sobre os Princípios do UNIDROIT 2004, fazendo-se, primeiramente, uma breve análise sobre os seus princípios, tais como: seus aspectos gerais, estrutura e conteúdo. Em seguida, serão tratados seus princípios fundamentais, tais como: princípio da liberdade contratual, princípio do consensualismo (da liberdade de forma e de prova), princípio da força obrigatória do contrato, princípio da primazia das regras imperativas, princípio da natureza dispositiva dos princípios, princípio da internacionalidade e uniformidade (interpretação e integração dos princípios), princípio da boa-fé negocial, vedação do venire contra factum proprium, princípio da primazia dos usos e práticas, princípio da recepção, definições, contagem de prazos, princípio favor contractus, princípio da sanção aos comportamentos desleais.
Ainda sob a perspectiva dos Princípios do UNIDROIT, no item 5 serão abordados os tópicos sobre a formação, validade, interpretação, conteúdo dos contratos internacionais.
No item 6, serão discutidas a execução dos contratos em geral, como também a cláusula de hardship.
A inexecução será tratada no item 7 deste trabalho, a qual englobará: a inexecução dos contratos em geral, direito à execução, resolução e, por último, perdas e danos.
Finalmente, no item 8 serão mencionadas as inovações trazidas pela edição dos Princípios do UNIDROIT 2004, constantes no seu preâmbulo (com a inclusão dos parágrafos 4 e 6), o artigo 1.8 - proibição do comportamento contraditório; também o artigo 5.1.9 sobre a renúncia mediante acordo; o poder de representação dos agentes comerciais (authority of agents) constante no capítulo 2, seção 2; sobre direito de terceiros (third party rights) no capítulo 5 – seção 2; e também sobre a inclusão de novos capítulos como o 8, 9 e 10 que tratam respectivamente sobre: compensação (Set- Off); cessão de créditos, transmissão de dívidas e cessão de contratos; e prazos de prescrição (limitation periods).
2. OS CONTRATOS INTERNACIONAIS E A REGULAÇÃO DO DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL
2.1 Importância dos Contratos Internacionais do Comércio
O Século XX se caracterizou por uma grande internacionalização das relações entre Estados, o que continua até os dias atuais com a crescente globalização econômica, acordos e trocas entre países, o que ocasionou o surgimento de problemas derivados da prática dos contratos. Os juristas e comerciantes envolvidos no setor do comércio internacional tinham a idéia de que as leis nacionais interferiam negativamente no crescimento global do fluxo de bens, e de que haveria a necessidade de se desenvolver regras que pudessem ser aplicadas indistintamente, seja onde for que ocorra uma transação de comércio.
Assim, seria interessante alcançar uma espécie de lei apta a resolver os conflitos e dar segurança aos comerciantes. Isto porque os contratos internacionais são resultado do intercâmbio e das relações internacionais entre diferentes pessoas e Estados distintos, cujas características e mecanismos jurídicos utilizados diferem a cada fronteira.
É inegável a multiplicidade de sistemas jurídicos existentes no mundo, cada um deles têm seu âmbito de aplicação e vigência que geralmente se esbarram no limite de seu território. Contudo, essa limitação não é absoluta, já que há algumas normas jurídicas que reúnem elementos fáticos (circunstâncias de vinculação – elemento de conexão) que levam a uma extensão extraterritorial que a fará atravessar os limites do sistema que pertence e se aplicará a outro Estado ocasionando assim um conflito de leis. [01]
Nessa questão em particular, a doutrina costuma ressaltar que um contrato pode conter diversos elementos, vinculando-o a diferentes Estados. Eles são evidentes quanto às partes, ou melhor, sua nacionalidade, localização do seu estabelecimento e objeto do contrato, vale dizer, a procedência ou destinação das mercadorias ou a moeda utilizada. [02]
Assim, podemos dizer que os contratos internacionais em sentido estrito são aqueles nos quais um ou mais sistemas jurídicos estão em concurso, ou seja, diferentes ordenamentos convergindo para uma determinada situação jurídica; essa é sua principal característica, como por exemplo: se uma das partes for domiciliada em um país estrangeiro ou se o contrato é celebrado em um país para ser cumprido em outro.
Os contratos internacionais possuem como elementos formadores: as partes capazes, consentimento, objeto lícito, forma prescrita ou não em lei, além do componente internacional, como foi mencionado. Nesse ponto em especial, o que caracteriza o contrato internacional é a presença de um elemento de estraneidade que o conecte a dois ou mais ordenamentos jurídicos nacionais. [03]
O domínio do Direito do Comércio Internacional é identificado com a Lex Mercatoria, cujos aspectos serão analisados em um tópico especifico no presente trabalho.
Possui pressupostos próprios e inconfundíveis, pois resulta da regulação das atividades negociais no trânsito econômico internacional. Ele se submete, todavia, a exigências de acordo com o que é estabelecido por pactos e convenções. [04]
Os contratos internacionais são responsáveis por movimentar o comércio internacional e as relações internacionais. [05] Além de conferir juridicidade às operações, permitem a formalização das promessas realizadas entre as partes, sendo a garantia de que os direitos de cada parte poderão ser plenamente exercidos.
Ele se vincula com um ou mais sistemas jurídicos estrangeiros, além de outros elementos como: domicílio, nacionalidade, lex voluntatis, a localização da sede ou o centro em que se desenvolve a principal atividade de uma determinada empresa.
Há, assim, uma complexidade nas relações internacionais do qual o Direito Internacional Privado tenta solucionar os conflitos. O direito aplicável ao contrato conforme estabelecido por normas de conflitos de leis no espaço não satisfaz os problemas do contrato âmbito internacional, visto que as características da contratação nacional são bem diferentes do contrato internacional.
Os contratos internacionais integram a parte especial do Direito Internacional Privado, e nesse campo em especial apresenta-se o princípio da autonomia da vontade como um dos tópicos mais importantes com relação à determinação do direito aplicável. Segundo este princípio, as partes podem negociar e estabelecer cláusulas de acordo com suas necessidades e interesses, o que remete ao princípio do pacta sunt servanda. No Direito Internacional Privado, a autonomia da vontade tem uma característica distinta do direito privado comum: as partes podem no exercício de tal liberdade, determinar a escolha da lei aplicável aos contratos internacionais. Trata-se de princípio aceito quase que universalmente pelas legislações domésticas, também reconhecido pelos tribunais arbitrais e encontra limites quanto à proteção da ordem pública dos direitos estatais. [06]
A partir da utilização de cláusulas de eleição de foro e de arbitragem as partes podem prever situações futuras e estabelecer regras no contrato para resolvê-las; e ainda determinar onde e como o litígio dali decorrente será julgado.
Como bem estabelece a doutrina, as normas de Direito Internacional Privado, apenas têm uma função indireta e indicativa, que é a de designar qual direito deve ser aplicado nas relações jurídicas contendo elementos de conexão; as ‘normas conflituais’ indicam qual sistema jurídico deve ser aplicado nos casos mistos. [07]
Nesse sentido, as regras de conexão mais utilizadas são: a) a Lei do local da celebração (Lex Loci Celebrationis) nos países de direito civil; b) e o da Lei do Local da Execução (Lex Loci Executionis) nos países da Common Law.
Já durante o século XX, como analisa Nádia de Araújo, tais regras foram substituídas por critérios mais flexíveis como o princípio da proximidade ou dos vínculos mais estreitos. Este último foi muito utilizado para a uniformização internacional, incorporado à Convenção de Roma sobre lei aplicável às obrigações contratuais de 1980 e na Convenção Interamericana do México de 1994 sobre o direito aplicável aos contratos internacionais, adotada sob os auspícios da Organização dos Estados Americanos. Assim, como as normas de Direito Internacional Privado variam muito de país para país, procurou-se a harmonização através da criação de normas conflitais internacionais uniformes, o que garante aos países signatários a solução dos seus problemas de conflitos de lei. [08]
Os Princípios da UNIDROIT [09] relativos aos contratos internacionais do comércio tiveram como função originária reduzir a imprevisibilidade relativa ao direito aplicável e foram concebidos para lidar especificamente com as relações do comércio internacional.
Outra iniciativa de uniformização foi a Convenção da UNCITRAL sobre a compra e venda internacional, assinada em Viena, em 1980, e em vigor a partir de 1988 em 27 países. [10]
2.2 Formação dos Contratos Internacionais do Comércio
O ciclo que envolve os contratos, em geral, perfaz-se mediante três fases fundamentais: a formação (geração – nesta fase o contrato deixa o plano de cogitação e entra para o da existência), a conclusão (aperfeiçoamento) e a execução (consumação).
A etapa de formação dos contratos internacionais é considerada a mais importante durante o processo de ajuste de vontades, pelas conseqüências jurídicas que gera e pela eficácia vinculativa dos entendimentos. [11]
A concretização do princípio da autonomia de vontade é muito importante durante a formação do contrato internacional, por meio dele é que se consolidam as espécies preliminares onde vão nascer os vínculos obrigacionais e subordinações. Todas as etapas que os contratantes iriam percorrer desde a negociação contribuem e têm validade para exprimir e identificar a vontade das partes até a consolidação do contrato definitivo.
Na visão de alguns autores, os primeiros contatos e negociações (fase das pré-tratativas) durante a fase de formação dos contratos possuem certa força convencional capaz de gerar conseqüências jurídicas relevantes.
Numa concepção ampla podemos dizer que durante a etapa de formação dos contratos internacionais, este encontra certa equivalência com os contratos internos, mas que com eles não se confunde em razão de diferenciações e peculiaridades que somente os contratos internacionais apresentam. Mas, de um modo geral, tanto os contratos de direito interno como contratos internacionais não surgem repentinamente, isto é, dependem de esclarecimentos, negociações, ajustes prévios de vontade, levantamento de questões etc, até se chegar ao um contrato definitivo.
No âmbito internacional, a formação do contrato internacional pode ser extensa segundo as tradições prevalecentes e a fase preliminar do contrato geralmente tem força obrigatória, diferentemente do contrato no âmbito interno, onde tem como a natureza negocial o parâmetro de decisão do contrato definitivo.
Segundo Irineu Strenger, a fase de formação do contrato internacional pode ser assim esclarecida:
(...) chamam-se formação do contrato internacional do comércio todas as fases, a partir das tratativas iniciais, que têm por finalidade a colocação de pressupostos do objeto consensual, com força vinculativa, e eficácia jurídica, que prevalece para todos os efeitos posteriores, salvo revogação expressa das partes. [12]
O contrato definitivo engloba o contrato preparatório, este tem por finalidade unicamente a preparação dos futuros contratos definitivos.
As negociações constituem fundamental e indispensável fase preliminar da formação dos contratos, a qual não está isenta de conseqüências jurídicas. Contudo, não se pode ter como regra que as conversas preliminares têm vínculo jurídico, a não ser quando elas se fazem por meio de palavras.
A proposta, porém, pode ser englobante, envolvendo ambas as situações, ou seja, a oferta e o convite para negociar. Nesse caso, iniciar-se-á o processo formativo, e todo intercâmbio de palavras tem valorização jurídica, compreendidos, nesse intercâmbio, todos os mecanismos de comunicação. [13]
Deste modo, conclui-se que a negociação só irá ter força vinculativa na medida que as discussões possam gerar compromissos que potencializem a ocorrência de danos em face da ruptura negocial preliminar.
As negociações são indispensavelmente compostas de propostas e contrapropostas, mas temos que observar alguns requisitos tais como: os negociadores devem agir de boa-fé e se esforçar para a construção de um contrato equilibrado, ter discussões francas e ter a livre aceitação do contrato pelo seu parceiro (presença da liberdade contratual – autonomia da vontade), já que os contratos apenas vantajosos para uma parte não têm vida longa, ou seja, nenhuma previsibilidade de durabilidade e eficácia.
Se o contrato não for realizado tendo em vista essas exigências, duas sanções poderão ser aplicadas: o contrato poderá ser anulado por dolo ou a vítima do comportamento desleal pode pedir perdas e danos quando o negociador não cumprir com seus deveres de lealdade, devendo este último reparar o prejuízo que resultou ao parceiro, como por exemplo: despesas feitas na esperança da conclusão do acordo, bem como danos materiais e morais, eventualmente sofridos por uma das partes pela ruptura das tratativas.
Vale ressaltar que o negociador também não pode ter um contrato baseado em uma condição suspensiva, principalmente quando sua entrada em vigor e validade estão subordinados a uma aprovação administrativa, abstendo-se de efetuar as formalidades necessárias.
Ao final das negociações chegamos no momento da decisão, que consiste na junção de todos os momentos das negociações e debates, onde as questões foram levantadas e se obteve uma estabilização dos entendimentos, um acordo final e definitivo – quando as partes se comprometem definitivamente a assumir certas obrigações determinadas.
2.3 Lex Mercatoria: Considerações Históricas, Importância para os Contratos Internacionais, Definições, Fontes e Segurança nas Relações do Comércio Internacional
2.3.1 Considerações Históricas
O comércio internacional historicamente esteve ligado ao comércio marítimo e com as atividades mercantis transfronteiriças. Foi a partir do comércio marítimo o comércio internacional começou a se desenvolver.
Com a queda do Império Romano (que era marcado por instituições políticas contra a flexibilidade, rigidez e dureza nas suas regras), inicia-se o período de formação do direito comercial. A difusão do Cristianismo trouxe liberdade e desenvolvimento contra as velhas instituições políticas. Assim, o ius commune conjuntamente com oIus gentium bastaram para prover as exigências do tráfico comercial. A primeira manifestação jurídica do exercício do comércio foram os Usos e costumes, juntamente com o trato dos negócios. Estes vieram suprir a insuficiência de textos romanos regulando, assim, novos casos. [14]
Com a queda do Império Romano, a Europa encontrava-se em fragmentação territorial, faltava poder político para proteção e assistência dos comerciantes. Tanto no interior como no exterior, houve a constituição das corporações de classe e corporações de mercadores. Essas corporações de mercado formavam um pequeno Estado com poderes Legislativo e Judiciário e detinham leis e estatutos e patrimônio próprios. [15]
Portanto, pelos usos e costumes adotados para disciplinar as transações comerciais desconhecidas do direito escrito então existente, pelas leis inspiradas por influência daquelas corporações e pela jurisprudência dos seus tribunais, constitui-se um complexo de normas reguladoras tão somente de pessoas de determinada classe e dos institutos especiais que as interessavam, e por isso se compôs um direito profissional, sintetizado em importantes fontes: os statuto mercatorum ou jus mercatorum. [16]
Deste modo, percebe-se que o Direito comercial e a Lex mercatória surgiram com o trabalho dos próprios comerciantes. A história do nosso direito comercial é relembrada pelo novo contexto do sistema de trocas, intercâmbios de mercadoria (mex), nas cidades medievais italianas e demais localidades européias em que as feiras de comércio se manifestavam.
Atualmente, temos uma crescente internacionalização do comércio, acentuando-se as exigências e tentativas de manter correlação com as necessidades da atividade mercantil. Com relação à isso, Irineu Strenger menciona:
A diversidade dos sistemas existentes e a participação dos Estados nos atos de comércio convenceram os juristas e comerciantes, nessa área, de que as leis nacionais interferem negativamente no crescimento global do comércio e há a necessidade de desenvolver regras que possam ser aplicadas indistintamente, seja onde for que ocorra uma transação do comércio. [17]
Assim, a internacionalização e os problemas decorrentes da mesma, fez com que juristas promovessem o reconhecimento de uma autonomia comercial que pudesse crescer independentemente dos sistemas nacionais desse direito.
2.3.2 Importância da Lex Mercatoria para os Contratos Internacionais
Num primeiro momento podemos dizer que a Lex Mercatoria foi uma forma de internacionalização dos contratos, usada como forma de disciplinar materialmente as relações entre comerciantes. [18]
Seu precursor foi Berthold Goldman. Ele contribuiu para o enriquecimento do assunto através de seus escritos, ensinamentos e sua atividade profissional como advogado e árbitro. [19] Na sua visão, a lex mercatoria é tida como um conjunto de princípios e regras costumeiras, espontaneamente referidos ou elaborados no quadro do comércio internacional, sem referência a nenhum sistema particular de lei nacional. [20]
Goldman ainda menciona que a lex mercatoria é proveniente de várias fontes, e significou para as partes contratantes a solução dos problemas que o direito nacional não conseguiu suprir. [21]
Para alguns é tida como uma das fontes do Direito Internacional. A história remete sua origem ao direito da comunidade de comerciantes na Idade Média (ius mercatorum), que após a queda do Império Romano, necessitavam de uma assistência para regular seus negócios.
A Lex Voluntatis (autonomia de vontade), presente nos contratos internacionais do comércio, tido como um de seus mais significativos alicerces, abriu novos rumos para o atingimento do objetivo da Lex mercatoria, no tocante à liberdade de atuação, no sentido de alcançar definitivamente seus próprios instrumentos jurídicos formais. Segundo Goldman, as normas resultantes da autonomia da vontade, pela sua repetição na prática das operações do comércio internacional e arbitragem, emanciparam os contratos das ordens jurídicas nacionais, resultando na criação de um corpo autônomo de direito: a lex mercatoria. [22]
Deste modo, a lex mercatoria é tida como um conjunto de procedimentos que possibilita adequadas soluções para o comércio internacional, sem conexão com os sistemas nacionais e de forma juridicamente eficaz. [23]
Aqui vale ainda dizer que a lex mercatoria também se expressa a partir de regras originadas nas sentenças arbitrais, o que faz da jurisprudência arbitral a sua segunda grande fonte. [24]
2.3.3 Definições Relativas À Lex Mercatoria
Em seu estudo Goldman, observa que a lex mercatoria pode ser definida como um conjunto de princípios, instituições e regras com origem em várias fontes, que sempre nutriu estruturas e funcionamento legal específico da coletividade dos agentes do comércio internacional. Isso se deve: a) aos princípios gerais do direito; b) aos provimentos contratuais, como cláusulas especiais e novos tipos convencionais; e c) às decisões arbitrais que contribuíram para a elaboração de princípios do comércio internacional. [25]
A lex mercatoria regula quase a totalidade das questões que possam surgir da interpretação e da execução dos contratos econômicos internacionais. [26]
Strenger, em análise doutrinária, observa a definição da lex mercatoria como um corpo de regras regulando relações comerciais de direito privado envolvendo países diferentes. [27]
As definições de Lex mercatória procuram sempre realçar um estado de insatisfação com os sistemas nacionais pela impossibilidade que demonstram em solucionar os problemas fundamentais do comércio internacional. [28]
As regras da lex mercatoria desenvolvidas no âmbito do comércio internacional, apesar de nem sempre previstas nos direitos nacionais, não são conflitantes com estes, sendo geralmente compatíveis com os princípios que regem o direito obrigacional. Os tribunais poderão usá-la desde que fundamentada nos princípios do pacta sunt servanda, na boa-fé e nos princípios gerais do direito. Somente se a ordem pública for violada é que os tribunais terão que afastar sua aplicabilidade como regra costumeira internacional. [29]
2.3.4 As Fontes da Lex Mercatoria
Inúmeras são as fontes da lex mercatoria citadas pela doutrina. Dentre elas se destacam: os princípios gerais do direito; os usos e costumes comerciais internacionais; os contratos-tipo e a jurisprudência arbitral. [30]
São princípios gerais do direito, geralmente ligados às relações contratuais, como o princípio da boa-fé, pacta sunt servanda, culpa in contrahendo, exceptio non adimplenti contractus, dever de limitar danos, entre outros. Tais princípios abrangem tanto o direito interno quanto o internacional, extraídos do estudo do direito comparado de diversos ordenamentos nacionais. Os usos comerciais derivam da adoção voluntária e repetida dos mesmos procedimentos por parte da generalidade dos operadores comerciais econômicos. Usos e costumes internacionais, assim como falado anteriormente, são considerados como uma das mais importantes fontes da lex mercatoria. Os contratos-tipo, seriam regulamentações ou fórmulas de contratos padronizadas, com inúmeros pontos em comum, somente se diferenciando nas particularidades de cada ramo do comércio. São elaborados por organizações ou associações internacionais que buscam uniformizar a prática comercial. Como por exemplo, devemos citar a London Corn Trade Association. Finalmente, temos a jurisprudência arbitral, que foi onde se concretizou a lex mercatoria. [31]
2.3.5 Reconhecimento da arbitragem comercial no contexto da Lex Mercatoria
O regime arbitral é que exprime muito bem a independência do comércio internacional no que diz respeito à solução de seus problemas, residindo nos textos de suas decisões uma das fontes da Lex mercatoria. E, além disso, se constitui em um dos melhores meios para justificar a existência da mesma.
Os árbitros detêm poder de criação amplo devido à natureza das jurisdições arbitrais. Eles podem criar regras materiais, pois estão diante de diferentes ordenamentos estatais, não sendo responsáveis pelas ordenações nacionais. Isso permite descartar ou combinar textos estatais. Na arbitragem também há predominância da autonomia das partes.
Na arbitragem existe um conjunto de regras desvinculadas de qualquer sistema normativo ou fonte estatal, que é chamada de lex mercatoria. Como falado anteriormente ela se funda nos costumes e nos princípios gerais do direito, na experiência reiterada de cláusulas e contratos-padrão, e em práticas reconhecidas pela associações profissionais, organizações supra-nacionais, e entidades semelhantes. A jurisprudência arbitral integra o conteúdo da lex mercatoria, que mesmo não constituindo um sistema ou ordem, tende a se institucionalizar cada vez mais superando a insuficiência do método de conflitos (de leis e jurisdição) do Direito Internacional Privado para a disciplina dos contratos internacionais. [32]
Diante do exposto acima, conclui-se que a jurisprudência arbitral é um campo que favorece muito para a existência e exercício da lex mercatoria. Ambas estão baseadas no direito costumeiro, e estão desvinculadas das leis impositivas nacionais.
2.3.6 Lex Mercatoria e a Segurança nas Relações do Comércio Internacional
Esta dependeria da possibilidade de se conseguir submeter às relações e o comércio internacional a um regime único. Isto implica em encontrar um modo de evitar que essas relações fiquem continuamente sujeitas ao impacto de leis imperativas e divergentes, e assim, impossibilitando a realização dos negócios. [33]
Diante dessa situação e conhecendo a função que a Lex mercatoria veio alcançando com o passar dos anos, não podemos afirmar que ela é um dado consumado na esquemática do comércio internacional, mas sim algo que está em processo de desenvolvimento e adaptação. [34]
A UNIDROIT vem também se preocupando com isso, e continua seu trabalho objetivando a unificação do direito.
Podem ser incontáveis os exemplos que demonstram a dificuldade de adaptação da lex mercatoria, mas ao mesmo tempo temos vários casos que demonstraram o sentido contrário.
Em nossos dias dá-se grande ênfase à autonomia de vontade e ao reconhecimento da arbitragem como jurisdição predominante na solução de litígios. Por outro lado, verifica-se a presença de inúmeras regras uniformes já existentes que detêm plena eficácia e vigência, além de regularem operações do comércio internacional e possuírem força universalizadora, pois sua aceitação é impositivamente total para quem queira enquadrar-se no comércio internacional. [35]
Há também várias convenções internacionais visando à disciplina e uniformização dos atos e questões do comércio. É por esses meios que o comércio internacional encontra na lex mercatoria o suporte de que necessita, mas que ainda está caminhando para o progresso, pois a segurança ainda não foi alcançada na sua amplitude. [36]
2.4 Conflitos de Lei
O Direito Internacional, por ter uma extensão extraterritorial, se defronta com a diversidade de leis, de usos e costumes e conflitos de qualificação e jurisdição. [37]
O Direito Internacional Privado funciona hoje quase exclusivamente como um ramo do direito interno de cada Estado.
Os Estados gozam de certa liberdade para elaborar seu próprio Direito Internacional Privado, porém esta liberdade não pode ser considerada sem limitações. No entanto, existe um corpo de matérias que o Direito Internacional Privado deixa à competência exclusiva de cada Estado, sendo que é a ordem jurídica internacional que outorga essas competências, e de onde se deduz que pode fazê-lo com imposição de limites. Esses limites existem tanto em relação às normas sobre conflitos de leis de origem estatal como em relação às que regulam a nacionalidade e a condição do estrangeiro. Assim, houve algumas coincidências com relação a essas matérias, e que resultaram num direito consuetudinário internacional. [38]
O aspecto da internacionalidade do Direito Internacional Privado é o resultado da ocorrência normativa de todos os sistemas jurídicos existentes.
Os conflitos de lei surgem na esfera do comércio internacional na medida em que se tenha atenuado o prevalecimento da autonomia da vontade e que nessas circunstâncias passa a figurar e viver sob os elementos de conexão constantes do direito internacional privado de cada país. Admitida, porém ampla liberdade contratual, a escolha do direito aplicável pelas partes determinará um superamento das questão conflitual. [39]
Esse aspecto é interessante para a lex mercatoria por poder eliminar os entraves que possam gerar conflito.
Quando as partes deixam de mencionar o direito aplicável, algum sistema interno deverá intervir para estabelecer qual a solução tecnicamente viável para o caso. Alguns autores dizem que essa solução pode ser buscada tanto em um ordenamento do direito positivo como na própria lex mercatoria. Diante de um caso em que as partes se omitem e estando a disputa submetida a um determinado tribunal arbitral, os árbitros poderão adotar normas gerais que sejam compatíveis com os usos prevalecentes na comunidade comercial. As soluções são sempre dadas no sentido de sanar o que o sistema nacional não pode atender. [40]
A autonomia de vontade e, conseqüentemente, a liberdade contratual desempenham papel importante na criação das normas. Ela fornece às partes da comunidade comercial a possibilidade de criar seus regulamentos pela interação contratual minimizando a intervenção estatal.
Na medida em que as práticas no setor comercial são cada vez mais freqüentes, irá conseqüentemente aumentar esse seu procedimento auto-regulador, e maior será a estabilidade que leva à consolidação dos tipos criados pelo direito costumeiro.
Assim, as regras de conflito irão prevalecer para a solução das pendências dentro do âmbito internacional.
Conforme o método conflitual tradicional, que é ainda utilizado pelo Direito Internacional Privado, é a regra de conflito a responsável para a solução de uma questão de direito contendo um conflito de leis – através da designação da lei aplicável. Compete ao Direito Internacional Privado designar o ordenamento jurídico a qual a norma deverá ser requerida. Neste caso, não se trata de escolher a melhor lei, mas sim a mais apropriada para solucionar o caso sob discussão. O Direito Internacional Privado utiliza-se das normas de conflito para promover a regulamentação e a solução dos casos no âmbito internacional. [41]
Na visão de Irineu Strenger, há um princípio geral importante que se encontra cada vez mais ganhando importância no Direito Internacional Privado pela forte influência da lex mercatoria. De acordo com esse princípio é função do juiz, do árbitro e do jurista, diante de um conflito de leis, apurar a lei ou o costume com a qual a transação está significativa e substancialmente conectada. Levando-se em conta ainda se as partes manifestaram suas intenções, especificando a lei que deve governar a convenção – isto constitui uma conexão muito significativa. [42]
Outro modo encontrado para enfrentar as diferenças entre as regras conflituais, para sua diversidade de país a país, foi a harmonização através da criação de normas conflituais internacionais uniformes. [43]
São exemplos de iniciativas que têm por finalidade a uniformização de regras substantivas: Convenção sobre compra e venda internacional da UNCITRAL [44] e os Princípios do UNIDROIT que é tema deste trabalho.
2.5 O Princípio da Autonomia da Vontade (Lex Voluntatis) nos Contratos Internacionais e sua Aplicação no Brasil
2.5.1 Contexto Histórico
Foi Charles Dumoulin, jurista francês do século XVI, o principal responsável pelo desenvolvimento do princípio da autonomia da vontade como escolha da lei aplicável aos contratos. Considerado prosseguidor da idéia da doutrina estatuária italiana, distinguindo-se dessa escola pela sua idéia sobre a escolha pelas partes de uma lei para os contratos internacionais e para os regimes patrimoniais. Mas foi somente nos séculos XIX e XX que suas idéias foram postas em prática. Apesar dos seus opositores como Niboyet e Pillet, a jurisprudência francesa posicionou-se pela permissão da autonomia da vontade pelas partes. É de se destacar que o Princípio da autonomia da vontade tornou-se universalmente aceito com adoção expressa, tanto em Convenções Internacionais como na legislação interna de diversos países, como, por exemplo, no caso dos países em que vigora a Common law nos quais esse principio teve plena aceitação. [45]
2.5.2 Conceito
A autonomia da vontade é tida como a liberdade de contratar. Significa a liberdade de contratar quando a pessoa quiser, com quem quiser e sobre o que quiser. As partes poderão contratar sem a interferência do poder público; contudo, terão que observar e respeitar a ordem pública e os bons costumes. Os contratos que possuem causa contrária a leis de ordem pública e aos bons costumes são tidos como nulos. [46]
(...) em que pesem as necessárias limitações à liberdade jurídica individual, sua aceitação é admitida em sentido muito lato, obedecidas às restrições impostas pela ordem pública, porque o Estado não pode ser considerado, nem pode ser uma camisa–de–força que prive os cidadãos e os estrangeiros de toda a ação e de todo o movimento. A liberdade abrange o direito privado, o direito público e a sociedade política, não impondo suas leis às pessoas, a não ser quando o bem comum reclama tal conduta. [47]
A Autonomia da vontade é tida como uma das mais importantes bases do comércio internacional. Podemos dizer que por seu intermédio se deu a abertura para se atingir os objetivos da lex mercatoria, ou seja, a liberdade de atuação e de se alcançar seus próprios instrumentos jurídicos. Deste modo, foi a autonomia da vontade o maior suporte da lex mercatoria, e assim a doutrina a tem classificado como fonte de direito aplicável à contratação internacional. [48]
A autonomia da vontade concede às partes a liberdade de contratar conforme melhor lhes convier. Escolhendo seus instrumentos e cláusulas contratuais, as partes também possuem a faculdade de escolher a lei aplicável aos contratos.
Deste modo, a autonomia de vontade poderá regular suas próprias relações e seus próprios interesses, mas dentro das limitações maiores ou menores ditadas pelo bem comum.
Segundo a visão de Irineu Strenger, a autonomia de vontade está adquirindo caráter de instituição se acomodando nos contratos, por sua vez, submissos às inovações trazidas pela nossa realidade atual, diante de um mundo globalizado em que o intercâmbio e relações entre países estão sendo cada vez mais constantes. As diversas manifestações de vontade foram com o passar do tempo sendo consolidadas na concretização dos atos do comércio internacional e sua prática cada vez mais freqüentes foram transformando-se em vontade coletiva e contribuiu para o surgimento da lex mercatoria. [49]
A autonomia de vontade praticamente se concentra no contrato, pois este representa a relação entre sujeitos de direitos. Há certos institutos de direito em que a vontade é considerada como elemento de relevância ou mesmo gerador de direitos, como, por exemplo, nos caso contratos consensuais (compra e venda, locação, sociedade, mandato) que se constituem em situações em que a vontade é criadora de situações jurídicas. Entre os deveres jurídicos nestes casos, alguns são fixados por regras de direito - conseqüência obrigatória dos fatos jurídicos, enquanto outros são prescritos ou recebem predominante incidência da vontade humana. [50]
2.5.3 O Princípio da Autonomia da Vontade no Brasil
Na lei de Introdução ao Código Civil de 1916, a autonomia da vontade foi considerada permitida pela doutrina, pois nela constava a seguinte expressão: "salvo estipulação em contrário" no seu artigo 13: [51]
Contudo, muito se discutiu a respeito dos seus limites, principalmente sobre até onde iria a liberdade das partes para escolher a lei aplicável às suas obrigações contraídas. [52]
A vontade das partes quanto à lei aplicável somente poderia ser exercida com observância à substância e aos efeitos do ato. Já com relação à capacidade e execução pode haver a incidência de uma lei diferente daquela aplicada ao contrato internacional, e isto porque a lei que rege a capacidade das partes e para a execução são respectivamente a lei do seu estatuto pessoal e a lei do lugar onde se efetuá-la. Deste modo, para a determinação dessas leis a autonomia da vontade não encontra espaço. [53]
Da leitura do artigo 13 e seu parágrafo único, não é claro se a regra do caput é utilizada em conjunto com o parágrafo único, ou se, quando a execução fosse na Brasil, aplicar-se-ia a lei brasileira não só às questões da execução ou a estas questões e áquelas relativas à substância e efeito. No entanto, da jurisprudência da época verifica-se que a tendência era a aplicação da lei brasileira para todos os aspectos dos contratos internacionais cuja execução se desse no território nacional (tanto para as questões relativas à substância quanto á execução).Apesar da opinião favorável de Bevilaqua, muitos autores do período se posicionaram contrariamente ao princípio (...). [54]
Com a nova Lei de Introdução ao Código Civil de 1942 abriu-se uma nova discussão sobre a exclusão ou não do princípio da autonomia da vontade, devido à supressão da expressão: "salvo estipulação em contrário", que existia na LICC de 1916. [55]
Alguns achavam que a eliminação da expressão deveu-se à vontade do legislador. Outros entendiam que essa supressão não poderia eliminar um principio anteriormente aceito. Percebe-se que não houve uma permissão expressa para a autonomia de vontade, mas também não ocorreu proibição, deixando sua permissão à lei do contrato, sempre que a lei da celebração a permitisse. [56]
Vale ressaltar que no ano de 1996, a posição favorável à aplicação da autonomia da vontade foi reforçada pela Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996 – a Lei de Arbitragem.
Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, com relação à Lei de Arbitragem e a possibilidade de aplicação da autonomia de vontade, esclarece:
Apesar de pecar pela falta de clareza, há um consenso entre doutrinadores pátrios de que seu art. 2º e parágrafos conferem às partes a possibilidade de escolherem "livremente as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem", incluindo, sem limitação, os princípios gerais do direito, os usos e costumes e regras internacionais do comércio. Tal entendimento limita-se porém aos contratos internacionais, já que para os contratos internos, como acima visto, é inclusive vedado cogitar a aplicação de um direito que não seja o brasileiro, aí incluídos os contratos nacionais cujos conflitos deverão ser solucionados por arbitragem. [57]
Maria Helena Diniz, ao tratar o artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil, entende ser esta uma norma cogente, não podendo as partes alterá-las. [58]
E ainda menciona:
Há autores, como Oscar Tenório, que não excluem a possibilidade de se aplicar à autonomia da vontade, desde que ela seja admitida pela lei do país onde a obrigação se constituir (lex loci celebrationis), sem que se contrarie norma imperativa. Mas, na verdade, será inaceitável a autonomia da vontade para indicar a lei aplicável; haverá tal autonomia para escolha do local para regulamentação de seus interesses ou do foro etc. Logo o art. 9º não excluirá a manifestação da livre vontade dos contratantes se ela for admitida pela lei do local do contrato (lex loci contractus). [59]
Assim, no âmbito dos contratos internacionais a autonomia da vontade consiste no exercício da liberdade contratual dentro das limitações fixadas em lei. Porém, serão ineficazes os atos que ofendam a ordem pública interna, a soberania nacional e bons costumes (como o art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil determina). Mesmo nos países de common law, esse princípio da autonomia de vontade não é absoluto, pois também se limita às imposições de ordem pública e também as interpretações jurisprudenciais, que criam precedentes para casos similares. [60]
Assim, no direito brasileiro, com relação às restrições que são feitas relativamente à autonomia de vontade, só é permitida a escolha da lei quando esta não fere o ordenamento jurídico interno em nenhum aspecto, sempre atentando para o artigo 17 da LICC.
2.6 Regras de Conexão
"As regras de conexão são as normas estatuídas pelo D.I.P. que indicam o direito aplicável às diversas situações jurídicas conectadas a mais de um sistema legal". [61]
A regra de conexão é a questão central que envolve os conflitos de lei. Na norma de Direito Internacional Privado procura-se determinar ou ao menos estabelecer um meio, encontrar instrumento ou critério para aplicar direito estrangeiro ou o direito nacional. [62]
O desconhecimento sobre as regras de conexão impede a atuação do Direito Internacional Privado, pois elas são de grande importância para que haja a solução dos conflitos de lei e também constituem o objeto de investigação e estudo do Direito Internacional Privado.
As regras de conexão indicam a lei aplicável no caso em espécie, tendo assim função indicativa. Ela subordina fatos a um sistema jurídico estrangeiro ou nacional, e isto se dá mediante a identificação de um vinculo, o elemento de conexão. Este poderá ser: a nacionalidade, a residência, o domicílio, lugar da situação dos imóveis, da perpetração do delito, o domicilio de escolha, entre outras. [63]
Haroldo Valadão apresenta uma classificação objetiva das regras de conexão classificando-as em reais, pessoais e institucionais. As reais são todas aquelas que encerram um elemento espacial: situação da coisa, lugar do ato ou do fato, lugar da origem ou do nascimento, do domicílio ou da residência habitual; são pessoais a nacionalidade, via ius sanguinis, a religião, a raça, a tribo, a vontade expressa ou tácita, e são institucionais, o pavilhão ou a matricula do navio ou da aeronave e foro. [64]
Jacob Dolinger enumera algumas regras de Conexão:
Lex Patriae: Lei da nacionalidade de pessoa física, pela qual se rege seu estatuto pessoal, sua capacidade, segundo determinadas legislações, como as da Europa Ocidental; Lex domicilii: Lei do domicílio que rege o estatuto, a capacidade da pessoa física em legislações de outros países, como a maioria dos países americanos; Lex loci actus: Lei do local da realização do ato jurídico para reger sua substância; Lócus regit actum: Lei do local da realização do ato jurídico para reger suas formalidades; Lex loci contractus: A lei do local onde o contrato foi firmado para reger sua interpretação e seu cumprimento; ou para a mesma finalidade, a Lex loci solutionis: A lei do local onde as obrigações, ou a obrigação principal do contrato, deve ser cumprida; ou ainda, Lex voluntatis: A lei escolhida pelos contratantes; Lex loci delicti: A lei do lugar onde o ato ilícito foi cometido, que rege a obrigação de indenizar; Lex damni: A lei do lugar onde se manifestaram as conseqüências do ato ilícito, para reger a obrigação referida no item anterior; Lex rei sitae ou Lex situs: A coisa é regida pela lei do local em que está situada; Mobília sequuntur personam: O bem móvel é regido, segundo certas legislações, pela lei do local em que seu proprietário está domiciliado; Lex loci celebrationis: O casamento é regido, no que tange às suas formalidades, pela lei do local de sua celebração; The proper law of the contract: no sistema do D.I.P. britânico, esta regra indica o sistema jurídico com o qual o contrato tem mais íntima e real conexão; Lex monetae: A lei do país em cuja moeda a dívida ou outra obrigação legal é expressa; Lex loci executionis: A lei da jurisdição em que se efetua a execução forçada de uma obrigação, via de regra se confundindo com a lex fori; Lex fori: A lei do foro no qual se trava a demanda judicial. Fala-se em lex causae, em sentido genérico, como referencia à lei determinada por uma das várias regras de conexão, geralmente em contraposição à lex fori. Portanto, todas as regras de conexão aqui enunciadas (excetuada a lex fori) podem ser consideradas lex causae. Lei mais favorável – Modernamente resolve-se certas dúvidas sobre a lei a ser aplicada pelo critério da lei mais benéfica, como por exemplo, a lei que melhor protege o menor nas relações familiares, a lei mais vantajosa para o empregado nas relações trabalhistas, a lei que considera válidos o ato, o contrato, a constituição da sociedade ou o casamento, e muitas outras situações que se resolvem no mesmo espírito. Existem ainda regras de conexão que orientam o direito processual internacional: Fórum rei sitae: Competência do foro em que se situa a coisa; Fórum obligationis: Competência do foro do local em que a obrigação deva ser cumprida; Fórum delicti: Competência do foro em que ocorreu o delito; Fórum damni: Competência do foro onde a vítima sofreu o prejuízo. [65]
Assim, dentre as regras de conexão acima, cada país escolhe as que melhor lhes convém para compor o Direito Internacional Privado interno.
O Direito Internacional Privado brasileiro elegeu a lex domicilii para reger o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família; outros países preferem a lex patriae. O Brasil emprega a lex rei sitae para reger os bens enquanto outros países elegem a mobília sequuntur personam.
E quanto aos atos jurídicos conforme seu conteúdo e efeitos, irão obedecer à lei do lugar de sua celebração (lex loci celebrationis), a lei do lugar de sua execução (lex loci executionis) ou à lei do lugar de sua constituição (lócus regit actum), sendo estes também elementos de conexão do Direito Internacional Privado.
2.6.1 Histórico das Regras de Conexão
A definição da regra de conexão aplicável aos contratos internacionais coube à escola estatuária italiana, na Idade Média e perdura até hoje em vários países, inclusive no Brasil, no qual a regra aplicável é a do local da celebração do contrato. [66]
Assim, o artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil menciona: "Para qualificar e reger as obrigações aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem". [67]
Foi Bartolo de Sassoferato que realizou a sistematização dessas regras, dividindo as questões contratuais entre as originadas do contrato e de sua forma (regidas pela lei do local da celebração) e as posteriores aplicando-se a lei do local da execução. Sassoferato abordou também a possibilidade de aplicação de mais de uma lei. No passado o uso da lei do local da celebração era bem utilizado, pois havia uma dificuldade da contratação entre ausentes, a mobilidade das pessoas era menor e a comunicação à distância incerta e escassa. [68]
No Século XIX, Savigny formulou a teoria sobre os conflitos de lei. Quanto às obrigações contratuais, designava como lei aplicável à lei da sede das relações jurídicas. Ele adotou como regra de conexão a lei do local da execução por considerar ser o local onde ocorriam as ações mais importantes para a realização da obrigação assumida, como, por exemplo, a da entrega da coisa ou do pagamento. Criticou a regra do local da constituição por considerá-la efêmera e fortuita. No entanto, ambos os critérios foram perdendo importância pelo incremento das comunicações, globalização, viagens, etc, e foram substituídos por outra regra como a autonomia da vontade.
A autonomia da vontade como fator da lei aplicável foi acolhida nos Estados Unidos pela via jurisprudencial. Já na Europa, o processo se deu pela via convencional através da Convenção de Roma sobre a Lei aplicável às obrigações contratuais (1980). Apesar da teoria da autonomia da vontade ter tido aceitação mundial, a teoria da escola italiana - lei do local da celebração ainda tem muita aceitação e utilização, principalmente em países de tradição romano-germânica da América Latina. [69]
2.6.2 As Regras de Conexão e suas aplicações no Brasil
No Direito Internacional Privado brasileiro observam –se os seguintes elementos de conexão: a) domicilio; b) nacionalidade; c) residência; d) lugar do nascimento ou falecimento; e) lugar da sede da pessoa jurídica; f) lugar da situação do bem; g) lugar da constituição ou execução da obrigação; e h) lugar da prática do ato ilícito. [70]
Quanto aos atos jurídicos no Brasil, antes do advento do Código Civil adotávamos o critério da lei do local da celebração.Atualmente vigora a regra geral descrita no artigo 13 mantido pelo artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro, do qual é adotada a lei do país em que se constituiu a obrigação. Assim, a doutrina tem afirmado que o sistema brasileiro não adota o princípio da autonomia da vontade para determinação da lei aplicável aos contratos.É preciso modificar a LICC para adotá-la. [71]
Na arbitragem, a Lei n. 9.307/96 traz a autonomia de vontade (art. 2º) para as arbitragens internas e internacionais. Não há certeza jurídica de que a autonomia é permitida no art.9º da LICC, uma situação que também não é presente na prática jurisprudencial. [72]
A regra geral para a lei aplicável é a do local da constituição da obrigação (art. 9º, caput, da LICC) assim como a LICC de 1917, com a diferença da supressão da expressão "salvo estipulação em contrário", que acarretou a proibição à autonomia da vontade.
O Novo Código Civil brasileiro no seu artigo 435 também considera celebrado o contrato no lugar em que foi proposto. [73]
O caput do art. 9º trata da lei aplicável à validade substancial – aspectos intrínsecos ou de fundo do contrato, para os contratos celebrados entre presentes. No caso de contratos celebrados entre ausentes, é regulado pelo seu parágrafo segundo – que utiliza como regra de conexão a lei da residência do proponente.
Considera se proposta, nos termos do artigo, não a inicial, mas sim a ultima versão, na forma da lei brasileira, que adota a teoria da expedição da resposta como o momento em que se aperfeiçoa a obrigação nos contratos entre ausentes. [74]
O legislador brasileiro também optou ainda por regras de caráter imperativo para regular a forma que o contrato deverá seguir, ou seja, os requisitos que devem ser observados quando a execução se der no Brasil adotou-se o princípio da lócus regit actum. Deste modo as peculiaridades da lei estrangeira também serão consideradas. [75]
Contudo, comentarei os elementos de conexão aplicáveis aos atos jurídicos que, como dito anteriormente quanto ao seu conteúdo e seus efeitos obedecem à lei do lugar de sua celebração (lex loci celebrationis), a lei do lugar de sua execução (lex loci executionis) ou à lei do lugar de sua constituição (lócus regit actum).
2.6.3 Teoria do ‘Locus Regit Actum’ ou ‘lex loci contractus"
O lugar da conclusão do contrato (lex loci contractus) é um dos critérios de conexão mais populares.
Podemos conceituar a locus regit actum como uma norma de Direito Internacional Privado, aceita pelos juristas para indicar a forma extrínseca do ato. [76]
Assim, trata-se da forma como é exteriorizada a vontade, definida com certo arbítrio pelo Estado. A aplicação deste princípio se consagra no texto legal brasileiro pelo artigo 9, parágrafo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, a qual estabelece que quanto aos requisitos extrínsecos dos atos serão admitidas as peculiaridades da lei estrangeira. [77]
O ato jurídico, seja um testamento, procuração, contrato etc, estando revestido de forma prevista pela lei do lugar e do tempo onde foi celebrado, será válido e poderá servir de prova em qualquer outro lugar em que tiver de produzir efeitos.
Deste modo, a locus regit actum tem sua aplicabilidade apenas quanto à forma extrínseca dos atos, ou seja, àquilo que serve para constatar o ato concluído, aos elementos exteriores que o torna visível ou aparente, como por exemplo: a escritura pública. Com relação à sua forma intrínseca, como o conteúdo do ato, sua substância, as suas condições relativas à validade do consentimento, à legitimidade de seu objeto e à prescrição extintiva, se regulará por outras normas. [78]
Há presunção de validade e legalidade do ato praticado no exterior, quando são observadas e atendidas todas as formalidades legais. Para tanto deve-se ter observado a locus regit actum (observância dos requisitos formais ou solenes previstas pela lei ou país em que foi realizado o ato, ou seja, a forma extrínseca do ato).
Assim, podemos dizer que Locus regit actum trata da declaração de validade de ato que satisfaça as condições formais previstas legalmente e, conseqüentemente, todo ato constituído quanto á forma extrínseca nos termos da lei local será válido em qualquer país. [79]
A lex loci actus ou Ius loci contractus regula a obrigação, mesmo se for condicional quanto sua forma externa.Neste caso se sujeitará às normas do país em que se constituir, pouco importando onde vai se verificar a condição. Portanto, um ato celebrado no exterior poderá ter eficácia em outro país se foi observada a forma do lugar de sua celebração. Aplica-se, portanto, a lei do local de constituição do ato negocial.
Não há acolhida da autonomia da vontade como elemento de conexão em matéria alusiva a contratos. Os contratantes apenas poderão exercer sua liberdade contratual na seara das normas supletivas da lei aplicável imperativamente determinada pela lex loci contractus. [80]
Assim, a autonomia de vontade só poderá prevalecer quando não estiver conflitante com norma imperativa ou de ordem pública, esta última visa proteger um determinado país de que a aplicação de uma norma estrangeira que puder lesar outro país.
Vale ressaltar que o artigo 17 da Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro considera ineficazes os atos que ofendam a ordem pública interna, a soberania nacional e os bons costumes. [81]
A lex loci contractus regerá o negócio atendendo às negociações feitas, excluindo outras leis aplicáveis à avença, respeitando as limitações de ordem pública. Porém, há casos em que apesar da lei que irá regê-los, não se subordinam à lei da autonomia da vontade das partes, por estarem vinculados a uma lei em razão da ordem pública. Neste caso haverá a incidência da lex fori cumulativamente. [82]
2.6.4.Teoria da "Lex Loci Celebrationis"
O lugar da conclusão do contrato (lex loci contractus) é um dos critérios de conexão mais populares.
Além do Brasil outros países adotam essa teoria sempre que as partes não tenham feito a escolha expressa de outra lei aplicável. Não é só a lei a fonte da aplicação desse elemento de conexão mas também a jurisprudência, isto se dando nos mais diversos países. Atualmente, com o implemento e desenvolvimento das comunicações e da tecnologia, juntamente com a grande mobilidade dos negociantes, faz com que ocorram inúmeros contratos entre ausentes pela via do telefone, internet, e-mail ou correspondência, tornando difícil estabelecer qual o momento da celebração e o local onde esses contratos se deram. Assim, cada país irá impor o critério que quiser para estabelecer o momento da conclusão do contrato. A conseqüência dessa variedade é a necessidade de se recorrer antes à lex fori para resolver a questão. [83]
Doutrinadores visando a solução deste problema em que mais de uma jurisdição é competente propôs que em contratos por correspondência fosse aplicada a lei do país da parte que estabelece as condições nos contratos. A Lei de Introdução ao Código Civil estabeleceu que o contrato reputa-se celebrado no local onde partiu a oferta. No entanto há algumas objeções quanto a isso em razão de ser rara a situação em que nos contratos à distancia possa estabelecer e determinar objetivamente quem fez a oferta, já que a negociação nasce com tratativas e consultas entre as partes. [84]
Diz o artigo 9º da LICC: "para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem" – sendo este considerado pelo sistema brasileiro como elemento de conexão para determinar a lei aplicável, conforme já foi mencionado em item anterior neste trabalho. E no seu parágrafo segundo, trata da possibilidade de contratação entre ausentes: "a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente".
Destaque-se ainda que a Lei de Introdução ao Código Civil em seu artigo 9º não acolhe o princípio da autonomia da vontade como elemento de conexão para reger os contratos no âmbito do Direito Internacional Privado, que deverão ser disciplinados pela lei do local em que se constituírem com relação à forma extrínseca. Contudo há algumas exceções em que a Locus loci celebrationis não terá aplicabilidade:
a) A dos contratos trabalhistas assumidos pelas partes (estrangeiras ou não; no território nacional ou exterior) quando deverão obedecer à lei do local da execução do serviço ou do trabalho; b) nos contratos de transferência de tecnologia, que será competente o direito pátrio interno, no caso do Brasil, a lei brasileira para regê-los de acordo com o art. 17 da LICC e os princípios de direito internacional econômico defendido no Brasil, pois o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) assim determina, sendo essas normas de ordem pública pois garantem os interesses nacionais que deverão ser respeitadas e mantidas pelo Poder Público. Deste modo não poderão regular-se pela lei escolhida pelos contratantes nem pela do país onde se constituíram; c) atos relativos à economia ou aos regimes de Bolsa e Mercados, que se subordinaram à lex loci solutionis, portanto, filiando-se à lei do país de sua execução. Assim como preceitua o art. 9º da LICC do qual as partes poderão escolher a lei do local a ser firmado o contrato (exceção: contrato de trabalho, do ato relativo à economia dirigida ou à bolsa, contrato de transferência de tecnologia e do contrato concluído pelos consumidores – regulado pelo art. 5º da Convenção de Roma de 1980), de acordo com Maria Helena Diniz: "Por essa Convenção, se o contrato, submetido pelas partes a determinada lei, tiver por escopo o fornecimento de bens móveis corpóreos ou de serviço a uma pessoa para uma finalidade alheia à sua atividade profissional, ou o financiamento desse fornecimento, a escolha da lei aplicável não poderá retirar do consumidor a proteção que lhe é assegurada pela norma do país da sua residência habitual. [85]
2.6.5 Teoria Da "Lex Loci Executionis" - Exeqüibilidade da Obrigação no Território Brasileiro
Este elemento de conexão foi previsto pelo art. 9º parágrafo 1º da LICC brasileira para reger questões relativas à forma do contrato. É adotado, também por outras legislações e pelo Tratado de Montevidéu. [86]
Uma obrigação contraída no exterior, desde que de acordo com os requisitos extrínsecos, atenderá pelo lócus regit actum (à sua lei de constituição), mesmo se a sua execução se der no Brasil. Neste caso deverá observar o que dispõe o art. 9º, parágrafo 1º da Lei de Introdução do Código Civil. Em se tratando de obrigação que requer forma especial, será observada segundo a lei brasileira, mas admitirá as peculiaridades da lei alienígena quanto à sua forma extrínseca. [87]
É preciso lembrar que se a obrigação for executar-se no território nacional vai se aplicar a lex loci solutionis quanto aos requisitos extrínsecos, isto porque a sede da relação jurídica obrigacional é o local de sua execução. Já a lei do local de sua constituição disciplinará a sua validade e produção de seus efeitos. A lex loci executionis detém a competência para disciplinar os atos e medidas necessárias para a obtenção da prestação devida ou exoneração do devedor, como por exemplo: tradição da coisa, a forma de pagamento ou de quitação, a consignação em pagamento, constituição e apuração da mora, indenização em caso de inadimplemento da obrigação, etc. [88]
Por um lado, o artigo 9º, parágrafo 1º da LICC, permite a aplicação da lócus regit actum no que diz respeito às peculiaridades da lei local da constituição da obrigação e, por outro lado, também determina o respeito à lei brasileira quanto à forma essencial consagrada em nossa legislação – quando a obrigação tiver que ser executada em nosso país; mas isso, contudo, não desclassifica a aplicação da lócus regit actum. [89]
Assim, como exemplifica Maria Helena Diniz:
Se um contrato de compra e venda de um prédio for lavrado por um notário nos Estado Unidos, que não em oficial público, mas pessoa particular investida do poder de autenticar documentos, esse ato será válido e idôneo a produzir efeitos no Brasil, que exigirá apenas para ser executado e escritura pública. [90]
Ressalta-se ainda que, em contratos não exeqüíveis no Brasil, mas que sejam acionáveis, não se aplicará o art. 9º, parágrafo 1º, devendo-se seguir o lócus regit actum.
2.6.6 Obrigação Contratual "Inter Absentes"
Diz o artigo 435 do Código Civil de 2002: "Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto". O local onde o contrato foi proposto é tido como aquele em que a proposta é expedida ou conhecida. [91]
A determinação do lugar onde o contrato foi concluído é de grande importância no Direito Internacional Privado porque dele dependerá não só a apuração do foro competente, mas também a determinação da lei a ser aplicada à relação contratual. Com relação ao contrato celebrado entre ausentes, conforme já foi mencionado, o art. 9º parag. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil de 2002 prescreve que a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente. Deste modo, a lei de residência do proponente regerá os contratos entre ausentes, sendo os contratantes residentes em países diversos. [92]
Há uma aparente contradição entre o art.9º, parágrafo 2º, da Lei de Introdução e o art. 435 do Código Civil. Enquanto o art. 435, que é de direito interno, atendo-se ao problema de as partes terem residência no Brasil, reputa-se celebrado o contrato no lugar em que foi proposto, o art.9º, parágrafo 2º, alude ao local em que residir o proponente, sendo aplicável quando os contratantes estiverem em Estados diferentes. Ora, o verbo "residir" significa "estabelecer mora" ou achar-se em", "estar", e é nesta última acepção que está sendo empregado o art.9º parag. 2º, logo o lugar em que residir o proponente significa onde estiver o proponente. Os arts. 435 do Código Civil e 9º, parag.2º, da Lei de introdução, visam o local onde foi feita a proposta; logo um está a confirmar o outro. [93]
Os contratos inter presentes dependerão da lei do lugar onde forem contraídos, não se considerando a nacionalidade, o domicílio ou a residência dos contratantes.
2.7 Lei Aplicável aos Contratos Internacionais do Comércio
Os contratos internacionais, pela sua natureza, não ficam subordinados a um único sistema jurídico a não ser os casos de uniformidade do direito, nem se submetem de forma espontânea e direta ao sistema normativo de um único Estado.
Ao se falar em contratos internacionais vamos nos deparar com duas situações: a) Quando o contrato for omisso quanto ao direito aplicável; b) Quando as partes já fizeram a escolha da lei aplicável no contrato apoiadas no principio da autonomia da vontade. Admite-se atualmente que as partes de um contrato designem expressamente a lei que os rege. Entretanto, existem contratos que não possuem essa escolha e acabam se sujeitando a regras do direito estrangeiro ou local – de acordo com que o determinam as regras de conflitos, elementos de conexão dos paises perante os quais a questão é abordada e discutida na esfera judiciária ou na arbitral. [94]
Deste modo, os contratos sem cláusula de lei aplicável estarão sujeitos a elementos de conexão vigente nos ordenamentos positivos de Direito Internacional Privado.
As normas do comércio internacional tem sido cada vez mais respeitado tanto pelos Tribunais como pelas Cortes de Arbitragem. Tanto que as partes podem expressamente designar a lei aplicável e regedora do acordo, desde que essa escolha não seja contrária à ordem pública e às disposições imperativas. [95]
Segundo Irineu Strenger: "pode-se afirmar que os usos e costumes do comércio internacional, normalmente admitem a inserção na convenção de uma cláusula de escolha expressa da lei aplicável, até mesmo nos contratos-tipo". [96]
Nos dias atuais é bem freqüente a adoção dessa faculdade. Porém, há ainda alguns sistemas jurídicos que fazem restrições ao princípio da autonomia contratual. Alguns limitam a escolha a uma lei que tenha inevitavelmente relações com as partes ou com a transação, como por exemplo: a lei do lugar da execução do contrato (Lex loci celebrationis). Outros limitam essa possibilidade à lei nacional ou domiciliar das partes. Também há a hipótese em que é conferida às partes a possibilidade de exprimir escolha livre de lei aplicável dando-lhe a oportunidade de escolher uma legislação neutra ou o direito que melhor se adapte às circunstâncias do contrato. Contudo, essa liberdade tem suas limitações, se ocorre de as partes fundadas na lex mercatoria escolherem para reger seus contratos os princípios gerais do direito que regem o comércio internacional ou adotam sistemas jurídicos desaparecidos como o Direito Romano. [97]
A Ordem Pública desempenha fundamental papel neste sentido da escolha da lei aplicável; ela se distingue em interna e externa ou internacional.
A ordem pública interna diz respeito aos princípios de base: éticos e morais estabelecidos e respeitados num sistema jurídico particular. Neste caso, leva-se em conta a ordem pública do foro e do lugar do qual o julgamento vai ocorrer. A externa ou internacional está atrelada a normas imperativas, isto é, que não podem ser evitadas nem excluídas pelo acordo das partes. A ordem pública será menos intensa: a do lugar da conclusão e a do lugar da arbitragem, sendo que todo Estado deverá respeitar a ordem pública internacional, não devendo ela ser violada ou ignorada. [98]
Há ainda numerosos casos em que as partes não expressaram o direito que deverá reger o seu contrato, mas indicam de algum modo ao tribunal sua vontade de ver tal ou qual lei reger suas relações convencionadas.
Irineu Strenger menciona:
A teoria da vontade tácita é baseada na interpretação da doutrina de Dircey sobre proper law: segundo essa teoria, desde que nenhuma escolha expressa foi registrada, a lei mais apta a reger o contrato seria aquela que as partes indubitavelmente teriam considerado como devendo reger suas relações contratuais, se a questão lhes tivesse sido colocada, logo após a conclusão do contrato. [99]
Os tribunais desenvolveram algumas presunções para indicar qual seria a intenção da parte quando redigiu o contrato. São exemplos dessas presunções: a) Quando as partes utilizam língua que não pode ser compreendida ou não é inteligível se não sobre um sistema jurídico determinado – esse então é o sistema que rege o contrato; b) Outro fator de presunção é a existência de cláusula exprimindo a opção de escolha de um tribunal determinado; isto manifesta uma determinação implícita da lei competente; c) Não podemos deixar de mencionar a hipótese em que as partes não fazem a escolha da lei aplicável nem explicitamente nem implicitamente, deixando assim de fazer qualquer indicação. Neste caso irão prevalecer as regras de Direito Internacional Privado. [100]
2.8 Convenções Internacionais sobre Direito Internacional Privado
2.8.1 Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais
A Convenção de Roma [101] é considerada como exemplo da metodologia norte - americana no Direito Internacional Privado europeu, isto porque tomou como regra de conexão para os contratos internacionais o princípio da proximidade, ou chamados "vínculos mais estreitos", tendo grande importância para os países signatários no que diz respeito à modificação do direito conflitual. Pois, em vários países, além de atuar como norma para os signatários, substituiu também as regras internas que regulavam a matéria para outros países. Percebe-se, portanto, que a convenção passou a ser adotada não somente pelos países signatários e sim por todos aqueles em que a regra de conexão indique como lei aplicável aos contratos internacionais a lei de um dos países signatários. [102]
Esta convenção estabeleceu três formas de escolha da lei aplicável: a) A primeira diz respeito ao principio da autonomia da vontade, sendo desnecessário expressar tal escolha. A escolha, porém, vai ter que ser entre leis, o que afasta a idéia de utilização da lex mercatoria, tal como os princípios sobre os contratos internacionais comerciais do UNIDROIT. A Convenção de Roma não contemplou os princípios da UNIDROIT e nem a lex mercatoria; b)A segunda elege o principio da proximidade ou dos vínculos mais estreitos, para a hipótese de quando as partes não tiverem efetuado a escolha da lei aplicável. Além disso, a conexão mais estreita é um princípio de difícil aplicação e alguns a consideram, inclusive, como não-regra; c) A última forma adotada por esta convenção é a adoção de algumas presunções com base na teoria da prestação mais característica – esta significa que o contrato está conectado à lei do país no qual será prestada a parcela da obrigação mais característica daquele contrato. Essa teoria tem sido muito criticada, pois os contratos se mostram cada vez mais complexos, mas também estão mais objetivos, e isto representa certa vantagem com relação a esse ponto. [103]
No artigo 10 da Convenção de Roma estão descritas algumas questões que devem ser tratadas pela lei aplicável:
Artigo 10 – âmbito de aplicação da lei no contrato: 1. A lei aplicável ao contrato por força dos artigos 3º a 6º e do artigo 12º da presente Convenção, regula, nomeadamente: a) A sua interpretação; b) O cumprimento das obrigações decorrentes; c) Nos limites dos poderes atribuídos ao tribunal pela respectiva lei de processo, as conseqüências do incumprimento total ou parcial dessas obrigações, incluindo a avaliação do dano, na medida em que esta avaliação seja regulada pela lei; d) As diversas causas de extinção das obrigações, bem como a prescrição e a caducidade fundadas no decurso de um prazo; e) As conseqüências da invalidade do contrato". 2. Quanto aos modos de cumprimento e às medidas que o credor deve tomar no caso de cumprimento defeituoso, atender-se-á à lei do país onde é cumprida a obrigação. [104]
Essa liberdade vai encontrar limitação nos casos em que a escolha ferir a ordem pública ou quando as regras do foro de caráter imperativo impedirem a aplicação da norma encontrada através da escolha feita pelas partes. Também permite ao Tribunal que leve em consideração as regras imperativas de um terceiro país com a qual a transação possua conexão próxima, como também protege a parte mais fraca em contratos especiais, como os dos consumidores e os de trabalho. [105]
2.8.2 Convenção Interamericana sobre o Direito Aplicável aos Contratos Internacionais
Esta Convenção foi assinada pelo Brasil em 17 de Março de 1994, sendo somente ratificada pelo México e pela Venezuela. Posteriormente, também assinaram esta convenção a Bolívia e o Uruguai. Seu campo de aplicação diz respeito somente aos contratos internacionais. Todavia, contém algumas situações concretas às quais não se aplica. Quanto ao seu campo de atuação, essa convenção também inovou estabelecendo que as legislações internas dos países que a adotarem irão sofrer modificações. Haverá assim uma substituição da norma de direito interno positivo – a convenção passa, portanto, a ser um elemento uniformizador importante, alinhando as idéias de regras do Direito Internacional Privado. [106]
A Convenção do México adota os dois critérios para definição de um contrato internacional no seu art. 1º. O primeiro critério é o geográfico, pois a convenção menciona que o contrato é considerado internacional quando as partes tiverem sua residência habitual ou estabelecimento comercial localizado em países membros diferentes. O segundo critério de definição é baseado em quando os contratos tiverem pontos em comum que envolvam mais de um Estado – parte. [107]
Artigo l: Esta Convenção determina o direito aplicável aos contratos internacionais. Entende-se que um contrato é internacional quando as partes no mesmo tiverem sua residência habitual ou estabelecimento sediado em diferentes Estados - Partes ou quando o contrato tiver vinculação objetiva com mais de um Estado Parte. [108]
Já no seu art. 2º ela adota um caráter universal para sua aplicação no qual estabelece que o direito designado na convenção será aplicável, mesmo que se trate do direito de um Estado não parte. [109]
A regra geral para estabelecer a lei aplicável é a autonomia de vontade, quase na mesma forma estabelecida pela Convenção de Roma, aceitando-se até a escolha de uma lei sem vínculo com o contrato e possibilidade de sua modificação posterior. Diferencia-se da convenção quando permite também a escolha dos princípios (como o do UNIDROIT) ou da lex mercatoria para reger o contrato. Isso não era permitido na convenção de Roma. Houve assim, a inclusão da lex mercatoria como fonte jurídica, e a sua incorporação a uma convenção internacional, definindo-a como os princípios gerais do direito comercial internacional sendo aceito por organismos internacionais - isto representou um dos seus maiores avanços e inovação, deste modo devendo os princípios seguir a lex mercatoria como guia. [110]
O artigo 9º desta convenção menciona que o tribunal terá que levar em conta tanto os elementos objetivos como subjetivos constantes no contrato para que assim seja determinado o direito do Estado com o qual se mantém os vínculos mais estreitos, levando-se também em conta os princípios gerais do direito comercial internacional aceito por organismos internacionais. [111]
O Artigo 10 desta convenção diz que aplicar-se-ão conjuntamente à lei aplicável, quando pertinente as normas, os costumes e princípios do Direito Comercial Internacional. A finalidade desse dispositivo consiste em solucionar o caso tendo em vista as exigências impostas pela justiça e a equidade. [112]
Segundo Nádia de Araújo:
Esta inovação procurou somar à utilização do direito tradicional as experiências dos tribunais arbitrais, responsáveis por decisões baseadas em critérios mistos, sempre procurando realizar a justiça no seu sentido mais amplo. [113]
Ressalta-se também que o artigo 7º, na sua segunda parte, menciona expressamente que a escolha do foro não significa a escolha da lei ou direito aplicável. [114]
A regra de conexão adotada para os casos em que não houve escolha foi a dos ‘vínculos mais estreitos’ [115] já que ficou estabelecido na Convenção que em situações de não escolha acarretaria-se a exclusão da lei do foro. Assim, teve-se como finalidade a aplicação de uma lei que indique o resultado mais adequado ao contrato.
Diferentemente da Convenção de Roma, o conceito de vínculos mais estreitos evoluiu na Convenção do México para uma acepção mais genérica, de modo que caberá ao juiz analisar os elementos objetivos e subjetivos existentes no contrato para determinar quais serão esses vínculos mais estreitos. A tradição anterior se baseava em regras de conexão, tais como: local da execução e local da constituição. Inicialmente foi difícil a sua aplicação; a flexibilidade trouxe uma indeterminação para os juizes e as partes, gerando medo e insegurança. A adoção da regra dos ‘vínculos mais estreitos’ no artigo 9º é uma regra de caráter narrativo que representou uma grande inovação da Convenção do México, além de ter incorporado a Lex Mercatoria e os Princípios do UNIDROIT em uma convenção internacional. Já a autonomia da vontade é limitada pelo principio da ordem pública e por leis imperativas, estas serão aplicadas quando existentes no foro, não impedindo com isso a aplicação da lei conforme os artigos 7º ou 9º. [116]
A Convenção é um possível instrumento de uniformização, se os países a adotarem. Isso garantirá a harmonização da legislação do Estado – parte. Sua adoção representa a possibilidade de uma solução rápida para determinados casos, e por outro lado auxiliará a facilitação das trocas comerciais internacionais.
2.8.3 Conferências Interamericanas de Direito Internacional Privado (CIDIPs)
Na América Latina o movimento de harmonização do Direito Internacional Privado, que significava a tentativa de uniformização de toda matéria, foi muito bem acolhida em meados do séc. XIX.
Sendo na América Latina a primeira iniciativa mundial neste sentindo – em 1975 o governo Peruano convidou os demais governos a se reunirem em um congresso de jurisconsultos com a finalidade de harmonizar as legislações de diversos países. A Conferencia de Lima resultou no Tratado de Lima, o qual estabeleceu regras uniformes em matéria de Direito Internacional Privado, adotando o critério da nacionalidade para reger o estado e a capacidade das pessoas. Assim, mesmo que uma pessoa se estabelecesse em outro país ela não perderia seu caráter de estrangeiro e também o domicilio de uma pessoa poderia ser variável (as qualidades das pessoas não se modifica com a troca de domicílio). Por outro lado, esse tratado não foi bem aceito pela maioria dos países presentes, já que estes adotavam o critério domiciliar. O tratado foi adotado por poucos e transformou-se em matéria doutrinária. [117]
Em 1897, Gonzalo Ramirez (jurista e professor uruguaio), partidário do critério do domicílio, elaborou um outro projeto de codificação do Direito Internacional Privado. Através das tentativas uruguaias em 1889/90 foi realizado o congresso de Montevidéu, uma iniciativa de uniformização da Argentina e do Uruguai, na qual o Brasil também compareceu, além das delegações da Bolívia, Chile, Paraguai e Peru, e que resultou em oito tratados de diversas áreas, principalmente quanto ao direito civil internacional. O delegado do Brasil, Domingos de Andrade Figueira, discordou do que foi estabelecido na conferência, especialmente no tocante ao tratado de Direito Civil, alegando que não foi possível conciliar suas normas com a da legislação brasileira, principalmente quanto ao estatuto pessoal, e isto porque a legislação pátria adota o critério da nacionalidade e o tratado adotara o critério do domicílio. [118]
Em 1939 e 1940 os tratados foram revisados em reuniões posteriores quando celebraram os 50 anos dos tratados de 1889, através do II Congresso Sul Americano de derecho internacional privado de Montevidéu, que resultou no tratado de Direito Civil de 1940 que atualmente ainda se encontra em vigor na Argentina, Uruguai e Paraguai. O Brasil deixou de recepcionar esse tratado por 3 motivos: a) primeiramente em face da adoção do critério do domicilio para reger o estatuto pessoal (pois o Brasil adotava o critério da nacionalidade); b) segundo por causa da adoção da lei do local da execução para reger as obrigações (o Brasil era partidário do sistema do local da celebração); e, finalmente c) Pela divergência em matéria de sucessões que adotou o critério da pluralidade sucessória (o Brasil filiava-se à corrente universalista). No século XX, continuaram essas reuniões, como por exemplo, a Convenção da Haia – na Europa. Depois da segunda reunião em 1901, a 3º ocorreu no Rio de Janeiro, em 1906.
No que diz respeito ao movimento codificador americano foi de grande importância a formação da Comissão Internacional de jurisconsultos, atual órgão da OEA, a Comissão jurídica interamericana, sediada no Rio de Janeiro. Essa comissão teve de elaborar dois códigos: a) sobre Direito Internacional Público (por Epitácio Pessoa) e b) Sobre o Direito Internacional Privado (por Lafayette Rodrigues Pereira). Em 1912, no Rio de Janeiro, ambos os códigos foram apresentados na reunião da Comissão de jurisconsultos, que determinou a formação de duas sub-comissões para analisar os projetos, que foram abandonados no ínicio da I Guerra Mundial, pois não tiveram grande repercussão. As reuniões desse grupo só foram retomadas em 1927 no Rio de Janeiro, onde foi apresentado o projeto do código Bustamante. Este é fruto da reunião realizada em Havana em 1928. Incorporado ao direito brasileiro desde 1932, sempre foi uma legislação pouco conhecida e pouco usada nos tribunais. [119]
Em torno dos anos cinqüenta, após o estabelecimento da OEA, começou-se a estudar a viabilidade da atualização dos tratados na América Latina, e em 1965, a Comissão jurídica interamericana chamou a atenção da OEA para a necessidade de aprofundar a analise dos aspectos jurídicos para uma melhor integração econômica na América Latina. Em 1971, a Assembléia Geral da OEA convocou a 1º conferência especializada interamericana sobre Direito Internacional Privado. Até hoje foram realizadas 6 conferencias (números I, II, III, IV, V, VI), as chamadas CIDIPs [120] – conferências interamericanas sobre Direito Internacional Privado. [121]
A CIDIP I, realizada no Panamá em 1975, foi considerada como primeiro passo para renovação do movimento uniformizador da América Latina. Seu objetivo principal foi desenvolver uma estrutura jurídica adequada quanto à matéria comercial. Aprovou-se na oportunidade 8 convenções sobre diversos tópicos, mas se destacam a arbitragem comercial e as cartas rogatórias.
A CIDIP II ocorreu em Montevidéu em 1979, dando continuidade ao que foi estabelecido no Panamá na área de direito comercial e processual internacional. O que se destacou pela sua importância foi a convenção sobre normas gerais de Direito Internacional Privado que é a base do sistema conflitual interamericano, sendo uma convenção única no seu gênero.
A CIDIP III, ocorreu em La Paz em 1984, na qual aprovaram-se 4 convenções.
A CIDIP IV, realizada em Montevidéu em 1989, adotou três convenções: restituição internacional de menores, alimentos e transporte internacional de mercadorias, e também recomendou que se realizasse a CIDIP V, para dar prosseguimento aos trabalhos iniciados nesta CIDIP (IV), principalmente quanto a área de contratos internacionais (tendo aprovado somente princípios gerais na CIDIP IV). Vale ressaltar que a convenção interamericana sobre restituição de menores em 1989, apresenta uma regra de caráter narrativo, pois define como objetivo primordial da convenção, assegurar a pronta restituição de menores ao país de residência habitual, quando transportados ilegalmente para outro país. Também possui normas de caráter material como por exemplo: normas que definem o direito de custódia e do direito de visita no seu art. 3º. Também a Convenção sobre obrigação alimentar possui regra de caráter narrativo, como por exemplo: "Art. 4º toda pessoa tem o direito a receber alimentos sem distinção de nacionalidade, raça, sexo, religião, filiação, origem, situação migratória ou qualquer outro tipo de discriminação". Esta convenção teve como objetivo maior em suas normas assegurar a efetivação da obrigação alimentar.
A CIDIP V realizou-se no México em 1994. Nela foram aprovadas duas convenções: sobre contratos internacionais e sobre aspectos civis e penais do tráfico de menores. Na convenção sobre tráfico internacional de menores estabeleceu-se como objetivo principal a proteção dos direitos fundamentais e dos interesses superiores do menor, cabendo ao Estado garantir a proteção do menor levando em conta seus interesses superiores e assegurar a restituição. Ainda há definições sobre o que seja menor, trafico internacional de menores, propósito ilícitos e meios ilícitos (art. 2º ).
A CIDIP VI ocorreu em Washigton em 2002. Aprovou uma lei –modelo interamericana sobre garantias mobiliárias e dois documentos uniformes para o transporte rodoviário. Neste houve uma verdadeira unificação, pois se baseou na idéia de que fosse utilizado em todos os países do continente para os transportes rodoviários. Optou-se pela lei –modelo: característica inovadora e diferenciadora das convenções antes realizadas, ela significava a uniformização de direito material, mas de caráter não vinculante.
Essas convenções especializadas em determinado tema (método adotado de acordo com a convenção da Haia sobre Direito Internacional com a elaboração de convenções de temas específicos), nos dão uma vantagem, que é a aproximação de dois sistemas jurídicos diferentes: ‘common law’ e o de ‘Direito Civil’, que com a ratificação das convenções promove sua uniformização. As convenções originadas na CIDIPs detêm também caráter universal, pois permitem a inserção de reservas de caráter especial e de cláusulas de interpretação para a sua futura aplicação pelo juiz nacional. [122]
Não temos ainda uma definição quanto aos temas para uma futura codificação interamericana. Entretanto, uma área que merece proteção é a do consumidor. Isto se deve ao fato de o consumo não estar limitado somente ao âmbito interno. Atualmente encontramos um crescente movimento turístico entre paises, negócios praticados por intermédio da Internet entre outras formas de relações privadas deste tipo internacional. Isso interessa ao Direito Internacional Privado porque envolve o elemento internacional. Na América Latina ainda não há proteção especifica para esses contratos. Na Europa, a Convenção de Roma sobre a lei aplicável às obrigações contratuais de 1980 excepciona contratos envolvendo relações de consumo de seu âmbito de aplicação, tema que é deixado para a regulação pelo Direito da União Européia em seus regulamentos e diretivas. [123]