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A importância da autorização legal para o parcelamento de débitos não-tributários no âmbito administrativo

Agenda 03/11/2010 às 09:12

O presente estudo promove uma discussão acerca da importância da concessão de parcelamento, por autarquias e fundações públicas federais, de débitos não-tributários advindos da cobrança de multa ou preço público, por exemplo.

Antes da edição da Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009, existiam opiniões no sentido da impossibilidade de concessão de parcelamento por autarquias e fundações públicas federais. No entanto, prevalecia a inteligência consubstanciada na quase totalidade dos pareceres jurídicos pela possibilidade de concessão do parcelamento de multas pelas autarquias e fundações.

Sendo assim, impende trazer à baila toda a legislação que subsidia, ainda hoje, o parcelamento. Sendo causa de suspensão de exigibilidade do crédito, ele está fundamentado no artigo 155-A do Código Tributário Nacional, incluídos pela LC nº 104/2001, in verbis:

Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.

§ 1º Salvo disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito tributário não exclui a incidência de juros e multas.

§ 2º Aplicam-se, subsidiariamente, ao parcelamento as disposições desta Lei, relativas à moratória. 

(...)

É mister destacar que o artigo 155-A do CTN refere-se ao parcelamento de créditos tributários. Ao contrário, o escopo do presente trabalho é fundamentar o parcelamento de créditos não-tributários, ou seja, aqueles advindos de cobrança de multas punitivas [01] advindas do poder de polícia e de preços públicos variados.

Das normas regulamentares, em especial a Lei nº 9.469/97, facilmente se denotava que o parcelamento poderia ser realizado antes da propositura da execução fiscal e, realizando-se uma interpretação a contrario sensu, no âmbito administrativo.

Não se pode olvidar que o instituto do parcelamento é uma forma de se possibilitar a quitação por devedores em situação de aperto financeiro. Ora, se todas as prerrogativas da Administração Direta lhe foram asseguradas por lei [02], inclusive a inscrição em dívida ativa (que é o mais), não haveria por que impedir a autarquias e fundações de parcelar os seus créditos na via administrativa (que seria o menos). Nessa linha de pensamento se insere o brocardo "quem pode o mais, pode o menos".

Noutra via, se toda a legislação conferia competência exclusiva das entidades públicas em decidir pelo parcelamento na via judicial, não haveria por que ser negada essa possibilidade na via administrativa, através da qual igualmente lhe seria dada a exclusividade na opção de se parcelar ou não os débitos das empresas em dívida com a autarquia.

Todas as discussões acerca da possibilidade ou não de parcelamento administrativo de débitos não-tributários acabaram por ser espancadas com a edição da Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009, a qual incluiu o artigo 37-B na Lei nº 10.522/2002, doravante transcrito:

Art. 37-B. Os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, poderão ser parcelados em até 60 (sessenta) prestações mensais.

Da leitura acurada da norma alhures mencionada, percebe-se a inexistência de restrições no que tange à natureza do crédito que pode ser parcelado. Ao alocar a palavra "créditos", sem limitações, o legislador positiva a possibilidade de parcelamento de valores tributários ou não- tributários devidos a autarquias e fundações públicas federais. Não há, também, qualquer referência ao valor máximo do crédito a ser parcelado, podendo o parcelamento ser efetuado em até 60 (sessenta) meses.

Algumas diferenciações entre o parcelamento judicial e o extrajudicial foram bem anotadas no artigo "Parcelamento dos créditos das Autarquias e Fundações Públicas Federais: das modalidades ordinárias" [03], nos seguintes termos:

O parágrafo primeiro apresenta uma limitação para a aplicabilidade do parcelamento extrajudicial, determinando que a sua incidência esteja restrita aos créditos inscritos em dívida ativa. Nota-se aqui uma diferença relevante entre o parcelamento judicial e o extrajudicial, qual seja, a necessidade ou não de que o crédito esteja inscrito em dívida ativa, já que no parcelamento judicial o débito deve estar ajuizado, mas não necessariamente inscrito em dívida ativa.

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Interessante notar ainda, que para o parcelamento extrajudicial não há qualquer restrição quanto aos créditos já ajuizados ou não, sendo possível essa modalidade de parcelamento em ambos os casos.

Inegável foi o avanço da positivação do parcelamento administrativo. Isso porque a negativa dessa possibilidade atentava também contra o princípio da eficiência, consolidado no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, o qual deve pautar a atuação dos agentes públicos, posto que acarretava, necessariamente, a inscrição em dívida ativa quando do não-pagamento pelas empresas, mesmo tendo estas manifestado o desejo de ver quitados seus débitos através de parcelamento, mas que não o fizeram por impossibilidade financeira.

Dessa forma, toda a máquina do judiciário, já tão assoberbado com diversas ações judiciais (muitas inúteis), era movimentada para a satisfação de um crédito que poderia ser pago na via administrativa. Isso redundava, bastantes vezes, num pagamento de dívida em tempo superior a uma resolução amigável, pois é de conhecimento público a demora habitual do judiciário na solução das lides.

A atividade administrativa dos órgãos e entidades públicas deve ser uma atividade eficaz, ou seja, deve produzir o efeito desejado visando ao atingimento de bons resultados. Sobre o princípio da eficiência, pronunciou-se o conspícuo administrativista José dos Santos Carvalho Filho:

"O núcleo do princípio é a procura da produtividade e economicidade e, o que é mais importante, a exigência de se reduzir os desperdícios de dinheiro público, o que impõe a execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional."

Não bastasse a ofensa à eficiência dos atos administrativos, tem-se que o princípio da economicidade também restaria por descumprido, pois haveria o dispêndio de esforço da máquina pública; não somente o trabalho e tempo dos procuradores e servidores do Poder Executivo que se movimentam para preparar a ação judicial, mas igualmente a força laborativa do Poder Judiciário em dar vazão a essas demandas.

Ao disciplinar o princípio da economicidade em seu artigo 71, a Constituição Federal, na linha acima apontada, supera uma concepção formal de Estado de Direito e consagra uma concepção material, preocupada não só com a legalidade dos atos de despesa, mas com a própria legitimidade e economicidade destes. Já aqui se pode antever, no princípio da economicidade, uma preocupação do Constituinte com a própria eficiência dos atos de despesa que nos conduz, em última análise, à própria eficiência da atividade administrativa [04].

Concernente à natureza jurídica do parcelamento, Ricardo Alexandre aduz que ele "consiste numa medida de política fiscal com a qual o Estado procura recuperar créditos e criar condições práticas para que os contribuintes que se colocaram numa situação de inadimplência tenham condições de voltar para a regularidade, usufruindo dos benefícios daí resultantes" [05].

Por fim, demonstrada a importância da possibilidade de concessão de parcelamento pelas autarquias e fundações públicas federais, cumpre destacar que a utilização da expressão "poderão ser parcelados" no artigo 37-B da Lei nº 10.522/2002 denota uma idéia de que o parcelamento se constitui num poder discricionário da Administração.

Ainda que assim fosse, o que se admite por mero esforço de argumentação, o gestor público não detém, no uso de uma competência discricionária, a prerrogativa de optar por uma solução que seja de eficácia duvidosa (do ponto de vista técnico) ou comprovadamente menos eficiente diante de outras alternativas possíveis. Conduta contrária a esta diretriz viola o próprio princípio da legalidade e, por tabela, o princípio da eficiência, positivação agora explícita de uma exigência inerente àquele, já dantes comentados.

Portanto, a negativa de parcelamento mereceria sempre ser motivada, nos moldes da letra da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal:

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

(...)

§ 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

De todo modo, Leandro Paulsen, insigne tributarista, em seus comentários ao Código Tributário Nacional, malgrado o fato de discorrer sobre parcelamento de créditos tributários, corrobora o entendimento de ser a concessão do parcelamento um ato vinculado:

Parcelamento depende de previsão legal específica. A referência expressa à forma e condição estabelecidas em lei específica nos leva à conclusão de que, de um lado, o contribuinte não tem direito a pleitear parcelamento em forma e com características diversas daquelas previstas em lei e, de outro, que o Fisco não pode exigir senão o cumprimento das condições também previstas na lei, sendo descabida a delegação à autoridade fiscal para que decida discricionariamente sobre a concessão do benefício. [06]

Importante deixar clarividente a opinião acima exposta: a partir da edição da norma que especificou os requisitos para a concessão de parcelamento no âmbito administrativo, o devedor passa a ter direito ao parcelamento se cumpridas as condições impostas pela lei. Corroborando esse entendimento, colaciona-se o aresto do Superior Tribunal de Justiça, in litteris:

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - CABIMENTO - PARCELAMENTO DE DÉBITO - RESOLUÇÃO 3.025/99 - SEF/RJ - ART. 535 DO CPC - INEXISTÊNCIA.

1. Inexiste contradição em julgado coerente na linha de entendimento adotada. Violação ao art. 535 do CPC que se afasta.

2. Não se trata de ato discricionário aquele que concede ou nega pedido de parcelamento, mas ato vinculado. O contribuinte que preenche os requisitos legais pertinentes tem direito líquido e certo ao parcelamento.

3. Cabe ao Judiciário examinar a legalidade do ato que indeferiu pedido de parcelamento via mandado de segurança, a partir das provas pré-constituídas.

4. Violação ao art. 1º da Lei 1.533/51. Necessidade do exame do mérito da impetração.

5. Recurso especial provido em parte.

(REsp 436.239/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 10.08.2004, DJ 11.10.2004 p. 260)

Assim, caso o Colegiado entenda pela ausência de requisitos da empresa para a concessão do parcelamento, essa decisão precisa ser motivada, sob pena de afronta à Lei nº 9.784/99.

Por tudo dito, conclui-se o grande avanço perpetrado pela Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009, a qual incluiu o artigo 37-B na Lei nº 10.522/2002. Ao normatizar o acesso dos particulares ao parcelamento obtido pela via administrativa, abriu-se um leque maior de condições para que a dívida possa ser quitada, com maior rapidez, em benefício deles mesmos e do próprio Poder Público.


Notas

  1. Assevera-se que a imputação dessa multa constitui divida fiscal não-tributária, de acordo com a Lei nº 6.830/80.
  2. É dentro desse contexto que poder-se-ia ser invocada a Teoria dos Poderes Implícitos, criada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, segundo, a qual quando se "concede a determinado órgão ou instituição uma função (ou atividade-fim), implicitamente estará concedendo-lhe os meios necessários ao atingimento de seu desiderato sob pena de ser frustrado o exercício do múnus que lhe foi cometido".
  3. SANTANA, Rafael Gomes de. Parcelamento dos créditos das autarquias e fundações públicas federais. Das modalidades ordinárias. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2553, 28 jun. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/15089>. Acesso em: 26 out. 2010.
  4. Corroborando com o pensamento acima esposado, oportuno trazer ao lume citação de trecho do Parecer nº 344/2007/PGF/FIGG/ER02, de lavra da procuradora federal Dra. Fernanda Ivelise Giacobbo, nos seguintes termos: "(...) é extremamente vantajosa para a Administração Tributária a concessão do parcelamento de débitos do contribuinte, haja vista que facilita o ingresso da receita sem maiores traumas para o administrado, que vê uma forma mais suave de adimplir suas obrigações junto ao fisco, bem como para a administração, que escapa das mazelas notórias do demorado e custoso processo de execução fiscal".
  5. Alexandre, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. São Paulo: Método, 2007, p. 379
  6. Paulsen, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, p. 915.
Sobre o autor
René da Fonseca e Silva Neto

Procurador Federal. Coordenador Nacional de Matéria Administrativa da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Chico Mendes - ICMBio. Ex-Coordenador Nacional do Consultivo da PFE/ICMBio. Bacharel em Direito pela UFPE. Especialista em Direito Ambiental. Coautor do livro Manual do Parecer Jurídico, teoria e prática, da Editora JusPodivm.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA NETO, René Fonseca. A importância da autorização legal para o parcelamento de débitos não-tributários no âmbito administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2681, 3 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17725. Acesso em: 24 nov. 2024.

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