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Internet no Brasil e o Direito no ciberespaço

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Agenda 01/06/1999 às 00:00

INTRODUÇÃO

A Internet, como é denominada comumente a World Wide Web - WWW, que é sua apresentação gráfica mais amplamente disseminada, utilizando intensamente o tráfego de dados digitais para conexão remota a arquivos de dados, sons e imagens, está completando uma década de existência (1). Nos últimos cinco anos, o crescimento exponencial dos acessos de novos usuários conectados à rede já acarreta questões e controvérsias jurídicas relevantes.


LIBERDADE, PROPRIEDADE E LIBERDADE ECONÔMICA

A livre circulação de idéias e manifestação do pensamento surge como o principal valor a ser protegido pelas regras de Direito. Em seguida, ganham corpo as questões tradicionalmente ligadas à propriedade:

- propriedade e uso da informação;

- propriedade e direito autoral, no uso de imagens e de criações intelectuais; marcas comerciais e outros signos distintivos.

Por fim, vem à lume a migração de atividades com finalidade lucrativa para a forma digital, ou a circulação de bens intangíveis, transacionados na Internet; expressão do que se vem denominando e-commerce, ou comércio eletrônico, e faz com que a Internet, seus usos e aplicações, passem a ser vistos como uma nova fronteira econômica, onde transitam e transferem-se dados e informações, providos de valor e expressão monetária.

Além disso, o funcionamento do sistema de tráfego de dados na WWW não observa limites materiais ou políticos claros. Isto por não haver um único e particular modo de operar esse tráfego, que pode utilizar as redes públicas de telecomunicações, tanto quanto o sistema de transmissão de TV a cabo, as transmissões satelitárias ou as redes de fibras óticas, já se prospetando até a utilização das linhas de transmissão de energia elétrica. E ainda porque as características técnicas e operacionais da Internet, notavelmente descentralizada, melhor dizendo, desprovida de hierarquização, fazem com que não exista uma sede geográfica definida (território) para as operações que a rede, na totalidade, propicia. Daí surgir o conceito de ciberespaço ou de realidade virtual.

A inexistência, assim, de limites geográficos reais ou de fronteiras para a circulação da informação digital e o acesso à rede acarretam novas dificuldades e perplexidades para a disciplina jurídica do que ocorre no âmbito da Internet, que passa a exigir a observância de critérios e procedimentos seguros para as operações realizadas pela via digital remota.


MIGRAÇÃO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS E TRIBUTAÇÃO

Quando se constata a tendência crescente para a comercialização das atividades transpostas para a rede, surgem indagações sobre como vai ser exercido o poder de tributar as novas formas de criação e circulação de riquezas em que se constitui o e-commerce.

Como conciliar as exigências estatais de manter e preservar suas fontes de receita, quando se passa de uma economia sustentada pelas trocas e circulação de bens materiais tangíveis para uma nova economia centrada na informação, ou, segundo analogia feita por um autor, quando a economia do átomo se transforma na economia do bit ?

Uma questão, que começa a ser percebida no Brasil, é a de como tributar transações correntes na Internet, adequando as operações virtuais e o poder de tributar às condições atuais de nossa economia e dos estatutos jurídicos vigentes.

O comércio eletrônico ainda é incipiente em nosso país, mas deverá acompanhar a tendência mundial de crescimento inarrestável. Há dúvidas sobre como se dará a taxação dos serviços de acesso à Internet, providos por empresas de portes variados, que prestam os chamados Serviços de Valor Adicionado, e que, para nosso Direito, não são serviços de telecomunicações.

Aliás, a Internet, a rigor não envolve telecomunicações, no seu sentido original, de trasmissão, à longa distância, de signos e significados, nem comunicações, como tradicional e amplamente entendidas, compreendendo tanto o transporte físico de cargas e pessoas, quanto a emissão de sinais de comunicação (telecomunicações).

A Internet, como usualmente conhecida (mas, em verdade, tratando-se da World Wide Web - WWW, ou, simplesmente WEB), consiste de um conjunto de tecnologias para acesso, distribuição e disseminação de informação em redes de computadores. Faz uso, sim, dos sistemas e da infra-estrutura de telecomunicações, embora o que ocorra ali seja a transferência e o tráfego de dados de um ponto a outro dessa rede, porque operando em conexão remota.

Aliás, outra vez, o que se tem na Internet não é simples prestação de serviços.

O que se tem na Internet - ou aquilo a que se assiste estar ocorrendo ali - é a conversão de uma economia baseada em trocas de mercadorias e serviços palpáveis, tangíveis - para usar o termo mais especialístico -, para outra economia em que se dá a conversão desses bens, serviços e valores para sua expressão virtual, eletrônica, projetando-se - como já dito - do reino da matéria, para o reino dos inputs e bits eletrônicos.

Tributar, então, o que está acontecendo na rede, segundo a visão do legislador da era pre-Internet, é uma im-pre-visão. Nosso sistema tributário não foi concebido para uma economia que não fosse centrada na produção e propriedade de bens materiais, como, por outro lado, nenhum, mas apenas o faz porque opera em rede de conexão remota outro sistema tributário conhecido.

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INTERNET - A REDE MUNDIAL

Um grupo de conexões de redes de computadores denomina-se internet. Denomina-se, também, Internet, a um sistema mundial de redes de computadores conectados (2). Sua origem está na ARPA ("Advanced Research Projects Agency"), fundada em 1957, uma agência federal norte-americana, nos moldes da NASA ("National Administration of Space Activities"). (3). Aí foram iniciados, em 1960, estudos que levavam ao conceito de que computadores seriam mais do que máquinas de calcular poderosas. Seria possível desenvolver relações de pessoa e máquina, onde aquela estabelecesse objetivos, formulasse hipóteses, determinasse critérios e estabelecesse a avaliação do que fosse realizado pela outra. O responsável pelo departamento de ciências do comportamento da ARPA, J.C. R. Licklider, desenvolveu, então, a teoria de que computadores aumentariam a capacidade humana de pensar, otimizando suas aptidões de comunicação e intercâmbio de informações, como se, ocorrendo um fluxo de dados em escala macro-humana, as idéias compartilhadas pudessem resultar em uma unidade inatingível antes.

No início de 1989, 80.000 computadores estavam conectados no que já se denominava então Internet. Hoje, estima-se em 159 milhões de pessoas, em todo o mundo, conectadas à rede. Até 2.003 serão 510 milhões de pessoas. (4)

Há alguns conceitos ou características operacionais ou instrumentais, próprios da Internet e que fazem dela o que é (5). A partir das possibilidades da Internet chegou-se a um modo de distribuir informação, que, na origem, se denominou World Wide Web - WWW (6). Outra característica da informação disposta pela WWW denomina-se hypertext link (ou, hyperlink) (7) Para conectar-se à WWW, além de um computador, necessita-se de um acesso à Internet, possibilitado por recursos técnicos e materiais, disponibilizados por terceiros, além de um programa (software ) (8) denominado browser.


FORMAS DE UTILIZAÇÃO DA INTERNET

A Internet compreende, além da WEB, ou WWW, outras formas de interação, tais como a Usenet (também denominada Newsnet), a FTP (File Transference Protocol), mas que não ganharam o destaque e a popularização da WWW e foram por esta superadas, por razões de facilidade no uso e manejo pelo usuário.

Várias aplicações para a Internet (WEB) são correntes hoje, entre elas a apresentação e a visualização de dados e informações sob forma gráfica; a transferência de informações ordenadas em arquivos armazenáveis e processáveis por computador; a transferência de imagem e som, a consulta à distância a arquivos de dados, imagens e sons, a comunicação entre dois ou mais terminais remotos. São essas características operacionais e instrumentais que estão ocasionando verdadeira revolução nas relações e interações dos usuários, quer individuais, quer institucionais ou corporativos.

Surgem, então, várias e diversificadas oportunidades para o desenvolvimento de usos, utilidades, meios e processos de acesso, utilização e operação dos recursos da WWW, inclusive desenvolvimento dos browsers e das linguagens ou códigos, para a realização/construção dos documentos a serem lançados e mantidos na rede e para ter acesso a eles.

Essas características da Internet, que foram identificadas quando de sua popularização em meados dos anos 90, fizeram surgir, então, o conceito de "superinfovia" ("Information Superhighway"), que seria o resultado da fusão de todas as fontes de informação em uma única base de dados acessável por todos os usuários dela, potencialmente interconectados. Cada lar, escritório, empresa, repartição, órgão governamental, estariam em conexão, por meio de múltiplos sistemas e equipamentos interdependentes, como o telefone, a televisão ou o computador, ou um híbrido deles todos.

Enquanto ainda não se tenha na prática esse resultado, a Internet expressa potencialmente essa concepção de " superinfovia " (9) e tende a absorver a comunicação telefônica, a comunicação pela transmissão simultânea do som e da imagem em movimento, em tempo real, e possibilitar, ainda, em paralelo, todos os demais usos que o computador pessoal admite, hoje (10).

Identifica-se no e-mail (correio eletrônico) (11) instrumento de popularização da Internet, com utilidade tanto pessoal quanto institucional; e um outro instrumento como esse é o chat (redes de comunicação instantânea e a tempo real entre multi-usuários) (12).

A partir daí uma atividade especializada, profissional, antes inexistente, surge com a disseminação do uso e o crescimento físico das conexões e acessos à Internet: os provedores de acesso à rede (ISP´s, i. e., Internet Service Providers). Isto porque, inicialmente, o acesso à Internet era limitado a conexões possibilitadas institucionalmente por grandes empresas, universidades e institutos de pesquisa, ou órgãos governamentais. Com a popularização da WEB e a disseminação de seus usos, e o conseqüente aumento de conexões e usuários, surge a oportunidade dessa prestação indiferenciada de serviços.

Outra característica funcional da WWW, ou WEB, está no que se denomina ferramenta de busca. A massa de dados armazenada de modo inteiramente descentralizado na WWW, para ser transformada em informação útil para alguém, necessita ter identificado o seu conteúdo; ser de alguma forma ordenada para que a informação reunida possa ser, quando necessária, acessada por quem dela venha a fazer uso; e referenciada de algum modo para que possa ser outra vez pesquisada e acessada (ou buscada), além de atualizada, quando devido.

De outra forma, seria o equivalente a procurar, em uma imensa biblioteca, ou depósito de livros, pastas e arquivos, desprovidos de catálogo ou inventário, algum item, que sequer se saberia existir de fato ali.

Ou seja, tarefa muito mais difícil do que procurar uma agulha no palheiro, quando então se sabe o quê se procurar, onde procurar e se tem a certeza de o que se busca estar onde se procura.

Outra oportunidade, então, para a prestação de serviços especializados, que ocorre, exclusivamente, na WEB.

Em resumo, as atividades que se desenvolvem, com repercussões para a economia, além da cultura e da vida em sociedade, e que tem como origem ou destino a Internet, e nesta a WWW, compreendem:

- os desenvolvedores de meios instrumentais da WWW

- os usuários de modalidades on-line de lazer e entretenimento

Pode-se dizer, sem medo de erro ou exagero, que a Internet abre imensas possibilidades técnicas, tecnológicas, operacionais, econômicas, culturais, de transformação social, e está modificando o modo como nos relacionamos e socializamos no mundo prático; tanto quanto o modo como buscamos atender necessidades vitais materiais, e como se vão estabelecer as relações de produção no futuro imediato em nossas vidas. Naturalmente, surgem as interseções com as exigências de regulação e de normatização, a partir das experiências já existentes, dos interesses estabelecidos e do choque das novas situações com a configuração dessas experiências e interesses.

Pode-se identificar abaixo as áreas de atividades na Internet e as questões e interseções jurídicas que estão sendo suscitadas:


REGULAMENTAÇÃO DA INTERNET NO BRASIL

Temos, inicialmente, a Internet sendo objeto de medidas administrativas e regulatórias das atividades que comporta, ao nível de suas exigências operacionais imediatas, e de utilização da infra-estrutura pública de telecomunicaçôes.

Em 1995, no Brasil, Nota Conjunta do Ministério das Comunicações e do Ministério da Ciência e Tecnologia (13) traça os delineamentos fundamentais das atividades da Internet, destacando-se :

- O provimento de serviços comerciais INTERNET ao público em geral deve ser realizado, preferencialmente, pela iniciativa privada.

- O Governo estimulará o surgimento no País de provedores privados de serviços INTERNET, de portes variados, ofertando ampla gama de opções e facilidades, visando ao atendimento das necessidades dos diversos segmentos da Sociedade.

- A INTERNET é organizada na forma de espinhas dorsais ("backbones"), que são estruturas de rede capazes de manipular grandes volumes de informações, constituídas basicamente por roteadores de tráfego interligados por circuitos de alta velocidade. Poderão existir no País várias espinhas dorsais INTERNET independentes, de âmbito nacional ou não, sob a responsabilidade de diversas entidades, inclusive sob controle da iniciativa privada.

- Conectados às espinhas dorsais, estarão os provedores de acesso ou de informações, que são os efetivos prestadores de serviços aos usuários finais da INTERNET, que os acessam tipicamente através do serviço telefônico.

- É facultada aos provedores de acesso ou de informações a escolha da espinha dorsal à qual se conectarão, assim como será de livre escolha do usuário final o provedor de acesso ou de informações através do qual ele terá acesso à Internet.

- Os preços relativos ao uso dos serviços INTERNET serão fixados pelo provedor, de acordo com as características dos serviços por ele oferecidos. O usuário final, por sua conexão com o provedor de acesso ou de informações ao qual está vinculado, pagará a tarifa regularmente praticada pela utilização dos serviços de telecomunicações correspondentes.

- Será estabelecido, pelo prazo de 1 (um) ano, prorrogável por decisão conjunta do MC e do MCT, tarifa especial equivalente a 50% das tarifas dos serviços de telecomunicações por linha dedicada, utilizados por instituições de educação e de pesquisa e de senvolvimento (IEPD), nos acessos à INTERNET, com utilização estritamente acadêmica.

- No sentido de tornar efetiva a participação da Sociedade nas decisões envolvendo a implantação, administração e uso da INTERNET, será constituído um Comitê Gestor INTERNET (14), que contará com a participação do MC e MCT, de entidades operadoras e gestoras de espinhas dorsais, de representantes de provedores de acesso ou de informações, de representantes de usuários, e da comunidade acadêmica.

Em dezembro de 1997, no Brasil, 1.310.001 usuários conectavam-se à Internet (15). O Brasil é o terceiro país, nas Américas, em número de usuários, situando-se abaixo dos EEUU e do Canadá, e sendo o 18º. colocado, mundialmente. Além da Rede Nacional de Pesquisas - RNP - www.rnp.br/backbone - o primeiro backbone operando no Brasil, a partir de 1991 -, já existem outros cinco backbones (16) (Banco Rural - www.homeshopping.com.br; Global One - www.br.global-one.net ; IBM - www.ibm.com.br ; Unysis - www.unisys.com.br; Embratel - www.embratel.net.br) (17).

Concomitantemente à institucionalização do Comitê Gestor INTERNET do Brasil, foi aprovada a Norma 004/95 - Uso dos Meios da Rede Pública de Telecomunicações para Acesso à Internet, pela Portaria n. 148, de 31 de maio de 1995 (18), que adota as seguintes definições específicas, com o objetivo de regular o uso de meios da Rede Pública de Telecomunicações para o provimento e utilização de serviços de conexão à Internet:

Encontra-se atualmente superada a fase experimental da Internet, e em pleno desenvolvimento os usos profissionais e o amadurecimento dos fins utilitários da rede WWW. Naturalmente, o potencial da WEB, tanto de prestação de serviços quanto de entretenimento, transformaram-na em arena de experimentação comercial, ou do que se denomina e-business, ou  comércio eletrônico ("e-commerce").

São incipientes, no Brasil, os estudos, avaliações e debates a respeito das interseções com o Direito, que a Internet e o desenvolvimento das atividades institucionais, corporativas ou individuais nela existentes geram, inclusive as iniciativas legislativas a respeito (20). Ao contrário do que já está ocorrendo nos EEUU e na União Européia, e países como Canadá e Austrália, onde as questões jurídicas envolvendo atividades em curso na Internet, já chegaram aos Tribunais (EEUU, Inglaterra e Alemanha), embora muita discussão despertem e se esteja longe da formação de consenso na grande maioria das controvérsias existentes.

Sobre o autor
Eury Pereira Luna Filho

advogado no Rio de Janeiro e no Distrito Federal, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUNA FILHO, Eury Pereira. Internet no Brasil e o Direito no ciberespaço. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 32, 1 jun. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1773. Acesso em: 24 nov. 2024.

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