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A reforma constitucional do divórcio: um silêncio eloquente

Agenda 06/11/2010 às 14:43

Qual o sentido e alcance da Emenda Constitucional n.º 66, que alterou a regulação do divórcio no sistema jurídico brasileiro? Que questões polêmicas e impasses surgiram dessa alteração constitucional? A referida emenda implica efetiva reforma e traz consigo avanços? Essas três questões transbordam o interesse dos especialistas. A mudança legislativa constitui tema sensível com repercussão direta na vida familiar. É de interesse geral.

A emenda, em sua forma, é muito simples. Ela baniu do texto constitucional os prazos exigidos para o divórcio. Antes, para um dos cônjuges ou para o casal ajuizar ação de divórcio deveria estar separado judicialmente há, no mínimo, um ano, ou estar separado de fato há mais de dois anos. Com a emenda constitucional, o § 6.º do art. 226 da Constituição Federal, que fixava tais prazos, passou a ter a seguinte redação: "O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio". O dispositivo constitucional é, agora, eloquente pelo que não diz. Em outras palavras, a norma constitucional não impõe mais qualquer limite temporal para o desfazimento do matrimônio pelo divórcio.

Esses limites temporais para o rompimento dos laços matrimoniais resultaram do embate entre divorcistas e antidivorcistas, quando da elaboração da Lei do Divórcio. Para que o divórcio fosse admitido em nosso sistema, pela Lei 6.515 de 1977, várias concessões foram feitas aos defensores da indissolubilidade do vínculo matrimonial. Assim, para chegar ao divórcio, impunha-se aos pretendentes o "estágio" da separação judicial ou de fato. Os prazos de separação exigidos por lei para a obtenção do divórcio eram mais alongados e foram encurtados pela própria Constituição Federal. Agora, os referidos prazos desapareceram do texto constitucional.

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Relevantes discussões surgiram com a promulgação da emenda 66. Juristas de grande renome têm afirmado que, com a alteração constitucional, a separação judicial estaria, de uma vez por todas, banida do sistema jurídico brasileiro. A única forma de rompimento do casamento seria pelo divórcio. Não me alinho àqueles que assim entendem. A alteração foi no sentido de suprimir os limites constitucionais referentes a prazos para a obtenção do divórcio. A Constituição jamais regulou a separação judicial. Esta matéria sempre foi tratada em legislação infraconstitucional. A separação só era referida, na Constituição, em razão da fixação de prazos para a demanda de divórcio. Logo, a supressão desses prazos, por si só, não tem a força de eliminar do sistema a possibilidade da separação judicial.

A imposição da separação como pré-requisito para o divórcio constituía uma intromissão indevida do Estado na esfera da intimidade do casal. Não se deve, porém, partir para o outro extremo, que é o de suprimir a alternativa da simples separação para aqueles que ainda não têm certeza de que pretendem o divórcio.

Outra polêmica que se tem levantado diz respeito à imediata aplicação da norma constitucional. Alguns sustentam que o ajuizamento do divórcio, independentemente de prazo de separação, só será possível após reforma da legislação infraconstitucional. Formalmente, tal entendimento poderia ser até sustentado. A Constituição não impõe limites temporais para o divórcio, mas não proíbe expressamente que a lei o faça. Prescreve simplesmente que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. O Código Civil, ao impor os mesmos prazos que antes constavam da Constituição, formalmente, não a contrariaria. Logo, concluem os adeptos de tal tese que somente com a reforma do Código Civil é que a Emenda Constitucional n.º 66 ganharia efetividade.

Entendo de forma diversa. A norma constitucional é eloquente pelo que deixou de dizer. Faço voz com os que sustentam a aplicação imediata das normas constitucionais às relações interprivadas. Ao suprimir os prazos de separação, como requisito para o divórcio, a Constituição não torna facultativo o estabelecimento de tais prazos, a critério do legislador infraconstitucional, mas sim determina seu banimento do ordenamento. Poder-se-ia falar da força normativa do não escrito. Trata-se de um silêncio afirmativo. A aplicação da norma constitucional deve ser imediata.

Essa alteração constitucional certamente terá repercussões para toda a regulação jurídica da conjugalidade, com vários benefícios, especialmente porá fim à discussão sobre a culpa na dissolução do casamento. Um tema para outra oportunidade.

Sobre o autor
Marcos Alves da Silva

Professor de Direito Civil e Coordenador do Curso de Direito da Universidade Positivo. Professor de Direito Civil do Curso de Direito das Faculdades Integradas do Brasil. Professor da Escola da Magistratura do Paraná (EMAP). Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Doutorando em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Advogado em Curitiba - PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcos Alves. A reforma constitucional do divórcio: um silêncio eloquente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2684, 6 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17762. Acesso em: 5 nov. 2024.

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