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Paulo de Barros Carvalho e Adriano Soares da Costa: duas visões sobre a incidência da norma jurídica tributária

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Agenda 15/11/2010 às 14:01

SUMÁRIO: 1. Considerações introdutórias. 2. Incidência da norma jurídica tributária em Paulo de Barros Carvalho. 3. Incidência da norma jurídica tributária em Adriano Soares da Costa. 4. Notas finais.


1. Considerações introdutórias.

O breve estudo que ora se apresenta almeja explanar duas visões epistemológicas sobre o fenômeno jurídico da incidência da norma jurídica, de modo especial tomando como base empírica o ramo do direito tributário.

O estudo se valerá do modelo jurídico ofertado por Paulo de Barros Carvalho e também pelo modelo jurídico cunhado por Adriano Soares da Costa.

Para examinar o primeiro pensamento nos valemos da obra, "Direito Tributário Linguagem e método", São Paulo: Noeses, 2008, e para o segundo, fizemos uso do livro, "Teoria da incidência da norma jurídica – crítica ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho", 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

Utilizamos este método de pensar o Direito porque estamos convencidos que a aproximação de modelos distintos é uma forma contundente de fazer ciência. [01]


2. Incidência da norma jurídica tributária em Paulo de Barros Carvalho.

Paulo de Barros Carvalho inicia sua obra com uma afirmação que é ao mesmo tempo reveladora de sua opção metodológica, e não menos importante no que tange a valorização da filosofia do conhecimento para a aproximação do objeto jurídico. Vejamos,

"Quero ressaltar que não sou filósofo do direito, mas compreendi, de há muito, que a consistência do saber científico depende do quantum de retroversão que o agente realize na estratégia de seu percurso, vale dizer, na disponibilidade do estudioso para ponderar sobre o conhecimento mesmo que se propõe construir. Expressando-me de outra maneira, estou convicto de que o discurso da Ciência será tanto mais profundo quanto mais ativer, o autor, ao modelo filosófico por ele eleito para estimular sua investigação." [02]

O autor também faz questão de frisar a quadra histórica em que vivemos segundo sua percepção do fenômeno jurídico e existencial,

"Atravessamos o tempo do "giro-linguístico, concepção do mundo que progride, a velas pandas, quer nas declarações estridentes de seus adeptos mais fervorosos, quer no remo surdo das construções implícitas dos autores contemporâneos. A cada dia, com o cruzamento vertiginoso das comunicações, aquilo que fora tido como "verdade" dissolve-se num abrir e fechar de olhos, como se nunca tivesse existido, e emerge nova teoria para proclamar, em alto e bom som, também em nome da "verdade", o novo estado de coisas que o saber científico anuncia". [03]

E é nesse diapasão, que mais a frente vai clarear ainda mais a sua visão do direito como um fenômeno marcadamente estruturado a partir da linguagem, ainda que para ele o direito não seja só linguagem,

"Para não alongar o assunto, e procurando ser bem objetivo, quero manifestar a convicção plena de que a realidade jurídica é constituída, em toda a sua extensão, em todos os seus momentos e manifestações, em todas as suas instâncias organizacionais, pela linguagem do direito posto, entrando nessa função configuradora tanto as normas gerais e abstratas e gerais e concretas, as quais decompostas, exibem a multiplicidade imensa dos enunciados jurídico-prescritivos." [04]

É de notar-se ainda, que para Barros Carvalho esta linguagem jurídica é sempre uma típica realização do espírito humano, logo um objeto da cultura que como tal carrega consigo valores,

"Como decorrência imediata, o direito positivo se apresenta aos nossos olhos como objeto cultural por excelência, plasmado numa linguagem que porta, necessariamente, conteúdos axiológicos. Agora, esse oferecer-se em linguagem significa dizer que aparece na amplitude de um texto, fincado este num determinado corpus que nos permite construir um discurso, utilizada aqui a palavra na acepção de plano de conteúdo, a ser percorrido no processo gerativo de sentido. Surgirá o texto quando promovermos a união do plano de conteúdo ao plano de expressão vale dizer, quando se manifestar um empírico objetivado, que é o plano expressional." [05]

Com estas observações mínimas atinentes a concepção metodológica explicitamente adotada por Barros Carvalho, podemos entender e compreender o que o autor está a afirmar neste parágrafo de sua obra,

"Penso ser inevitável, porém, insistir num ponto que se me afigura vital para a compreensão do assunto: a norma geral e abstrata, para alcançar o inteiro teor de sua judicidade, reivindica, incisivamente, a edição de norma geral individual e concreta. Uma ordem jurídica não se realiza de modo efetivo, motivando alterações no terreno da realidade social, sem que os comandos gerais e abstratos ganhem concreção em normas individuais.

"O fenômeno da incidência normativa opera, pois, com a descrição de um acontecimento do mundo físico-social, ocorrido em condições determinadas de espaço e de tempo, que guarda estreita consonância com os critérios estabelecidos na hipótese da norma geral e abstrata (regra matriz de incidência). Por isso mesmo, a consequência desse enunciado será, por motivo de necessidade deôntica, o surgimento de outro enunciado protocolar, denotativo, com a particularidade de ser relacional, vale dizer, instituidor de uma relação entre dois ou mais sujeitos de direito. Este segundo enunciado, como sequência lógica, e não cronológica, há de manter-se, também, em rígida conformidade ao que for estabelecido nos critérios da consequência da norma geral e abstrata. Em um, na norma geral e abstrata, temos enunciado conotativo; em outro, na norma individual e concreta, um enunciado denotativo. Ambos com a prescritividade inerente à linguagem competente". [06]

Noutro dizer, o método adotado por Barros Carvalho está assentado na premissa de que não é possível transitar do mundo do dever ser para o mundo do ser, sem que haja uma solução de continuidade, de maneira que o fato do mundo do ser não poderá sofrer a incidência da norma sem que exista o ato humano fazendo a subsunção e promovendo a implicação determinada pelo preceito normativo.

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Para ele, Barros Carvalho, esta é uma questão previamente colocada, ou seja, faz parte de uma proposta epistemológica: o campo objetal do direito é normativo, portanto, linguístico e, por conseguinte valorativo.

Insista-se, sob esta ótica o pensamento do autor não está a falar de superação de um modelo jurídico proposto por "A" ou por "B", mas tão-somente em oferecer uma entre outras visões possíveis para o fenômeno jurídico da incidência normativa.

Feita esta breve digressão, visitaremos agora as páginas 151/153, onde Barros Carvalho começa por assim dizer a entrar no tema que nos interessa mais de perto, a incidência da norma tributária, está ele a tratar do ponto 2.9.2. Escalonamento da incidência normativa na óptica da teoria comunicacional. O autor faz uma decisiva observação,

"Em rigor, não é o texto normativo que incide sobre o fato social, tornando-o jurídico. É o ser humano que, buscando fundamento de validade em norma geral e abstrata, constrói a norma jurídica individual e concreta, na sua bimembridade constitutiva, empregando, para tanto a linguagem que o sistema estabelece como adequada, vale dizer, a linguagem competente." [07]

Na ocasião, Barros Carvalho vale-se em favor de seu raciocínio de um texto de Gabriel Ivo que assevera: "A norma não incide por força própria: é incidida" (pág. 152). Com este pensamento a chamada incidência automática da norma jurídica é aperfeiçoada como modelo inadequado de apreensão da realidade jurídica. Como diz Barros Carvalho,

"Tecnicamente, interessa sublinhar que a incidência requer, por um lado, a norma jurídica válida e vigente; por outro lado, a realização do evento juridicamente vertido em linguagem, que o sistema indique como própria e adequada" [08]

Aprofundando o tema, já às páginas 588, ponto 3.2.2. O fenômeno da incidência tributária: a positivação da regra-matriz, Barros Carvalho volta a tratar do tema incidência para afirmar novamente,

"(...) É o ser humano que, buscando fundamento de validade em norma geral e abstrata, constrói a norma jurídica individual e concreta (...). Instaura, desse modo, o fato e relata seus efeitos prescritivos, consubstanciados no laço obrigacional que vai atrelar os sujeitos da relação. E tal atividade, que consiste na expedição da norma individual e concreta, somente será possível se houver outra norma, geral e abstrata, servindo-lhe de fundamento de validade". [09]

A incidência da norma jurídica neste sentido trabalhado pelo autor, somente se realiza mediante a atividade do ser humano que efetua a subsunção da norma ao fato mediante a produção de uma linguagem competente, ou seja, de linguagem em linguagem o direito constrói a sua realidade.

Tal entendimento fica mais claro com a leitura da página 824, quando o autor está a tratar da Teoria das provas e constituição do fato jurídico tributário – ponto 6.1.1, vejamos,

"Transmitido de maneira mais direta: fato jurídico requer linguagem competente, isto é, linguagem das provas, sem o que será mero evento, a despeito do interesse que possa suscitar no contexto instável e turbulento da vida social"

Em nossas palavras, mas tentando ser fiel a idéia do autor, a incidência da norma jurídica tributária pressupõe norma jurídica valida e vigente, evento fático ocorrido no mundo real e vertido em linguagem competente, para que assim possa haver a projeção da linguagem do direito positivo sobre o campo material das condutas intersubjetivas, havendo assim uma nítida ausência de distinção entre incidência e aplicação da norma jurídica tributária.

Eis aí a chave para se entender este ponto particular da obra de Barros Carvalho, qual seja, a premissa de que não cabe distinção entre incidência da norma jurídica e sua aplicação, porque ambos os fenômenos podem se reduzidos a uma atividade humana que realiza a subsunção que o preceito normativo determina. Como diz o próprio autor, a percussão da norma pressupõe relato em linguagem própria, é a linguagem do direito constituindo a realidade jurídica.

Destarte, para Paulo de Barros Carvalho, com este modelo jurídico ele entende ter aperfeiçoado o modelo até então defendido no direito tributário por Alfredo Augusto Becker, para quem a "incidência da norma jurídica tributária se daria de forma automática e infalível". Insista-se, para Barros Carvalho com o mero evento, sem que adquira expressão em linguagem competente, transformando-se em fato, não há falar-se em fenômeno da incidência da norma jurídica tributária.


3. Incidência da norma jurídica tributária em Adriano Soares da Costa.

Fundada em motivações pontesianas (Pontes de Miranda) e carvalhianas (Paulo de Barros Carvalho), vieram de Alagoas novas reflexões sobre o tema de incidência jurídica da norma tributária, com o autor Adriano Soares da Costa. [10]

O autor alagoano não nega estas influências em sua obra, senão vejamos em nota à 1ª edição,

"O primeiro livro que li sobre direito tributário foi a 4ª edição do Curso de Direito Tributário do professor Paulo de Barros Carvalho. Ali, antes mesmo de cursar a disciplina nos bancos universitários, aprendi meus primeiros fundamentos da matéria. Mais ainda: passei em razão daquela magnífica obra, a estudar os livros de Lourival Vilanova. Se aprendi a ler Pontes de Miranda através das aulas e da obra de Marcos Bernardes de Mello, foi através de Paulo de Barros Carvalho que me interessei pela obra do saudoso Mestre Pernanbucano" [11]

Assim também como não deixa de esclarecer que escreveu sua obra provocado por um chamamento do próprio Paulo de Barros Carvalho,

"Acompanhei de longe as mudanças do pensamento do professor paulista, sempre com o interesse de quem admira. Até que em 1998 me deparei com a obra Direito Tributário: Fundamentos jurídicos da incidência. Estava em Curitiba, para proferir palestra. Ao tomar o livro em minhas mãos e folheá-lo, vi que as mudanças no pensamento do professor já não eram simples mudanças, porém uma revolução. Quando cheguei a Maceió, passei a ler detidamente a obra, com profundo desejo de aprender aqueles novos conceitos, que introduziam profundas mudanças não apenas na teoria do direito tributário, mas em toda a teoria geral do Direito.

"Em 1999, encontrei a 2ª edição desta obra capital do professor paulista. No "Prefácio" constava o salutar desafio científico lançado pelo eminente tributarista, para que alguém, em qualquer dos quadrantes do Direito, apontasse um único fato jurídico sem linguagem competente. Era o convite plural ao diálogo, prontamente aceito por mim". [12]

É a partir destas motivações, em especial o chamamento de Paulo de Barros Carvalho, que Soares da Costa inicia sua caminhada visando demonstrar a existência de fato jurídico não revestido em linguagem competente.

Para tanto, frisa Soares da Costa a necessidade de se retomar a teoria pontesiana sobre a incidência da norma jurídica, para após, analisá-la também além de sua concepção original, criando uma fundamentação mais abrangente, sem abdicar da intuição do gênio alagoano de Pontes de Miranda, noutro dizer,

"A incidência, aqui, passa a ser vista como fenômeno do mundo do pensamento (ou "mundo 3" de Popper), que se dá no plano da ação comunicativa (Habermas), na dimensão simbólica do homem, como objetivação conceptual que se torna objetivação social (Vilanova). É fenômeno do mundo da vida (Husserl), Heidegger e Gadamer), contrafaticamente vivida intencionalmente, na dimensão histórica e cultural do homem (Reale). [13]

É de se notar que ambos os autores, Barros Carvalho e Soares da Costa, partem do mesmo porto, Pontes de Miranda, porém chegam a lugares distintos no que tange ao fenômeno da incidência da norma jurídica, em virtude da tomada de posição que adotam no percurso interpretativo do direito.

Para Soares de Costa, se os comportamentos se deixam modificar pelas normas jurídicas, tornando possível a vida em sociedade, é porque ela é prius ao seu cumprimento ou à sua aplicação, noutro falar, a incidência da norma jurídica não se confunde com a sua aplicação.

Soares da Costa chama a atenção para o fato de que,

"A norma jurídica que incide infalivelmente é a norma que ganhou densidade simbólica, como fato do mundo social, no seu subconjunto, o mundo do pensamento. Não se deve, desse modo, reduzir o mundo do pensamento ao mundo da psique, é dizer, da mente de um sujeito psicologizado." [14]

É que para Soares da Costa a questão do conhecimento do fato por alguém - exemplo: a morte de uma pessoa durante uma caçada sem que lhe tenham encontrado o corpo – ou ainda, a potência de prova do fato ocorrido, não diz respeito propriamente ao problema da incidência (a não ser que o conhecimento mesmo, como fato psicológico, seja elemento do suporte fático da norma), mas sim da aplicação.

Vejamos com as palavras do autor,

"Quando se fala em prova de um determinado fato se está a tratar do plano da aplicação, e não mais da incidência, que ocorre no mundo do pensamento. Se uma pessoa ultrapassa o sinal vermelho conduzindo seu veículo e não é vista pelo agente de trânsito nem tampouco fotografada pelo radar eletrônico, a norma incide infalivelmente, qualificando juridicamente o fático, nada obstante não possivelmente, ou mesmo nunca, a ser aplicada nessa situação concreta. A incidência nada tem com o conhecimento ou prova da ocorrência do fato jurídico. Ocorre no plano do pensamento, que não é o plano da psique da pessoa infratora, que sabe ter vulnerado a norma de trânsito, no exemplo citado." [15]

Soares da Costa insiste em várias passagens de sua obra, que o "mundo do pensamento" citado por Pontes de Miranda, é uma realidade que ultrapassa a subjetividade, e que está situado numa dimensão simbólica do homem, que o transcende e tem realidade própria, metapessoal. Para tanto, fornece exemplos,

"Um adolescente que apanha um ônibus, dá ao cobrador um passe-estudantil, passa pela roleta e segue viagem até sua escola; um jovem bebe refrigerante e paga o valor devido ao garçom; uma pessoa, em seu veículo, pára quando o sinal fica vermelho e segue seu percurso com a luz verde; uma loja de calçados anuncia uma promoção, pelos jornais, na venda de determinado modelo de sapato. Todos esses fatos são conhecidos nossos, vividos por uma infinidade de pessoas. E eles ocorrem com naturalidade, sem percalços, porque todos nós, como sujeitos situados numa realidade histórica, em tempo e espaço delimitados, participamos de uma mesma realidade simbólica, um "tesouro comum de pensamentos" (Frege). Se a pessoa pára o carro quando está vermelho, atende à norma jurídica que determina ser essa a conduta de vida; se o ultrapassa, sua conduta é lícita. Há uma significação social, meta-individual, no comportamento dessa pessoa: pouco importa saibamos que tenha ocorrido, ou que tenha sido na calada da noite. A significação é objetiva, e adjetiva esse fato como jurídico pela causalidade da incidência normativa. Se houve testemunhas, se o radar eletrônico fotografou o veículo no momento do descumprimento da norma, isso é outra questão: é matéria afeta à aplicação autoritativa da norma. Mas toda vez que essa pessoa parar diante de um sinal vermelho ela estará aplicando a norma que incidiu: ela estará cumprindo a norma." [16]

No dizer de Soares da Costa todos estes fatos são fatos jurídicos, porque reveladores ora de um contrato de transporte ou mesmo, de uma compra e venda etc. Não é sempre necessário o mundo formalizado dos tribunais para incidência da norma jurídica. Para Soares da Costa, se não pensarmos assim o fato do cumprimento da norma – exemplo, não transgredir o sinal vermelho – seria um fato irrelevante para o direito, já a inobservância do sinal vermelho que viesse a ocasionar um acidente cujo evento fosse relatado em uma demanda jurídica, seria aí sim um fato jurídico.

Tal raciocínio excluiria o cumprimento do direito do próprio mundo jurídico, excluindo também do direito todos os fatos que não se submetam à autoridade judiciária ou administrativa, simplesmente porque houve atendimento à norma jurídica.

Anota Soares da Costa que,

"A norma jurídica, nesse sentido, não é "incidida"; ela incide pela causalidade normativa. À pergunta sobre qual o sujeito da oração "a norma jurídica incide", só pode haver uma resposta gramatical e jurídica: a norma. É ela que incide, no mundo do pensamento. Incide independentemente da vontade psicológica do sujeito cognoscente, incide como processo histórico-social do simbolismo jurídico". [17]

Para Soares da Costa nem toda aplicação da norma é produto de algum fato jurídico, muito menos de ato de autoridade. O proprietário que colhe o fruto de suas propriedades aplica a norma jurídica, que lhe permite agir licitamente dessa forma. Tal conduta não é fato jurídico, é exercício de poder que enche o direito subjetivo de propriedade. [18]

No campo do direito tributário, outro exemplo, Soares da Costa cita o cumprimento/aplicação da norma independentemente da emissão de ato de autoridade com linguagem competente, o fato do sujeito passivo ser obrigado por lei a suportar o procedimento de fiscalização, ou mesmo o dever de assegurar publicidade aos documentos, tal atendimento pelo contribuinte é ato jurídico lícito de cumprimento da norma tributária, portanto, ato jurídico lícito independente da necessidade de emissão de enunciado protocolar da norma individual e concreta. [19]

Soares da Costa salienta em sua obra em várias oportunidades, que o Direito, ainda que por opção metodológica de redução de complexidade, não pode ser limitado à linguagem documental e escrita, afinal diz ele, como poderia ser compatibilizado este postulado com afirmação de que o Direito regula comportamentos sociais, sendo feito pelo homem e para o homem? Diz ele,

"Regular comportamentos sociais não é o mesmo que escrever sobre eles, como o faz um cronista ou historiador, mas prescrever condutas, conformando-as. Logo, interferindo na zona material da conduta humana, para além do texto escrito e documentado. É justamente aí, no simbolismo comum à comunidade do discurso, que a norma ganha em objetivação conceptual e, através da incidência, em objetivação social, no mundo do pensamento. O sentido institucionalizado, que é a norma jurídica, é vinculativo porque é construção intersubjetiva: não fosse assim, a prescritividade seria apenas uma função sintática da linguagem, sem qualquer relevo pragmático". [20]

É nesta linha de pensamento que Soares da Costa vai sustentar que não é razoável reduzir o Direito a uma de suas partes (norma jurídica), porque esta extremada opção metodológica também acaba por reduzir os atos materiais de cumprimento da norma jurídica em um "nada" jurídico, já que mercê da homogeneidade do campo objetal eles só seriam relevantes para o direito enquanto fossem revestidos também por normas jurídicas, o que segundo o autor é tomar a parte (norma jurídica) pelo todo (Direito). [21]

Para Soares da Costa, citando Lourival Vilanova,

"O Direito é objeto-cultural, formado pela intersecção dos dois mundos: ser e dever-ser, realidade e pura idealidade. A incomunicabilidade lógica entre ser e dever ser é superada na conjugação de ambos no objeto cultural, formando o todo objetal". [22]

Consoante Soares da Costa, este entendimento de Lourival Vilanova, supera a visão do Direito apenas como norma jurídica, o que é puro reducionismo, mas sim vê o Direito, como um objeto cultural onde se aproximam o ser e o dever-ser. Para tanto, o autor transcreve Lourival Vilanova,

"O ser e o dever-ser são logicamente separáveis, porque irredutíveis. Efetividade e validade (validade lógico-formal e validade jurídica) estão colocadas em dois planos. Mas o ponto de encontro é o homem mesmo e sua projeção comunitária, a sua existência como intersubjetividade. Levanta-se o problema de como ser e dever-ser, efetividade (eficacidade) e validade, fato e norma, idealidade e realidade, sendo diferentes, relacionam-se (...). E arremata: "A experiência nos dá o Direito como objeto contendo essa dualidade. É um dado-da-experiência, que se tem de aceitar. Toda teoria redutora (psicologismo, sociologismo, axiologismo, normativismo) tem forçoso ponto de partida nesse dado da experiência." [23]

Em resumo, diz Soares da Costa,

"Podemos asseverar: O Direito é o todo (fato, valor e norma) embora possamos em nível de meta-experiência, decompor o todo em partes, embora o Direito, como objeto mesmo, contenha aquela dualidade de ser e dever-ser, de facticidade e normatividade, sendo um dado da experiência "que se tem de aceitar"." [24]

Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

mestre em Direito Tributário, professor do Departamento de Direito Público das Universidades Católica de Petrópolis (UCP) , procurador do Município de Areal (RJ), membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET) é autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; co-autor dos livros "ISS - LC 116/2003" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Ives Gandra da Silva Martins), Curitiba, Juruá, 2004; e "Planejamento Tributário" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto), São Paulo, Quartier Latim, 2004.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Paulo de Barros Carvalho e Adriano Soares da Costa: duas visões sobre a incidência da norma jurídica tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2693, 15 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17811. Acesso em: 22 nov. 2024.

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