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Paulo de Barros Carvalho e Adriano Soares da Costa: duas visões sobre a incidência da norma jurídica tributária

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Agenda 15/11/2010 às 14:01

4. Notas finais.

Ao fim e ao cabo pensamos ter cumprido com o nosso sucinto objetivo previamente delimitado no item 1. Considerações introdutórias é dizer, a aproximação de dois modelos jurídicos distintos no que concerne a análise do fenômeno da incidência da norma jurídica tributária.

Feito isto façamos ainda uma breve digressão final na área da filosofia do conhecimento, que diz de perto ao objeto deste estudo.

Um dos grandes desafios que a pós-modernidade nos põe é a perda da noção do que seja a realidade, perdemos o sentido de que existe um limitado perto de nós, um ilimitado em volta e um infinito depois. A pós-modernidade reduziu o real ao ilimitado quantitativo e "desapareceu" com o infinito, é lógico que estamos falseando a realidade nos dias atuais. [25]

Isso quer dizer que a própria relação entre idéia e realidade mudou antes a realidade tinha prioridade, agora o que tem prioridade é a idéia. Precisamos ouvir os ensinamentos de Olavo de Carvalho quando verbera,

"Não existe nenhuma doutrina universalmente válida, a única coisa que é universalmente válida é a realidade. Só existe uma verdade, esta verdade é a realidade mesma, na sua totalidade. A verdade final Deus enuncia mediante a realidade, esta é a verdade. (...) Todas essas teorias que a gente está demolindo aqui não são errada consideradas nos seus limites. Agora, a única coisa que falta para elas é elas entenderem que elas são criações humanas como um poema ou uma música; é algo para você observar e dizer: "Ah, que bonito!" E em seguida voltamos para realidade". [26]

Vale dizer, a realidade não foi criada por nós e a base de confronto com a realidade é a aceitação do infinito, a aceitação da abertura, aceitação da insegurança, e a entrega a Deus na base da confiança. Igualmente, toda teoria humana é uma descrição feita pelo sujeito cognoscente desde DENTRO do mundo, logo, toda teoria humana será uma descrição em perspectiva, a partir do ponto de vista onde ele – sujeito - está.

Tal constatação não elimina a realidade última.

Por exemplo, o filósofo Kant não percebeu que estava DENTRO da realidade e falava como se estivesse FORA, vejamos com as palavras de Olavo de Carvalho,

"Quando Kant diz que nós não conhecemos a coisa em si, mas somente o seu aspecto fenomênico, nós temos o direito de perguntar a ele: E a filosofia de Kant, nós a conhecemos em si ou só na sua aparência fenomênica? Se você faz esta pergunta você paralisa a máquina filosófica de Kant. Significa que a filosofia de Kant só é validade se você supuser que Kant está fora dela como uma espécie de Deus ex machina, ele está fora do mundo, e ele descreve o mundo". [27]

É claro que se bem entendida as coisas, não há nada demais falar-se na existência de um relativismo, sim, existe um relativismo, existe uma perspectiva verdadeira e para além disso uma REALIDADE INFINITA. Ouçamos novamente Olavo de Carvalho,

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"A cultura geral absorve de maneira muito errada isso aí, o tipo de relativismo que a gente tem hoje que é um relativismo proibitivo, que ele no fundo abole todas as perspectivas: "Se todas as perspectivas são relativas, portanto, elas não existem!". Não, ao contrário, para serem relativas elas têm que existir, e elas têm que ser verdadeiras. (grifado)

"Você parte de um relativismo, para você nadificar o conhecimento, então, aí não vale, quer dizer, você nadifica todas, sobra somente a sua. Então, só você é o gostosão? Todas as perspectivas são relativas, menos a sua, por quê? E os caras usam o relativismo exatamente para isso, é só para bater na cabeça dos outros, então é um falso relativismo. (grifado)

Está certo? Então, esta aí é a mensagem inicial e final da filosofia: existe a realidade, ela é infinita, cada um de nós está no centro da sua perspectiva, essas perspectivas se articulam infinitamente e cada uma delas está aberta para o infinito. Começou assim e continua assim". [28]

Após esse parêntese voltamos ao campo jurídico, para anotar que tais reflexões filosóficas não passaram despercebidas em Hans Kelsen,

"A interpretação jurídico-científica não pode fazer outra coisa senão estabelecer as possíveis significações de uma norma jurídica. Como estabelecimento do seu objecto, ela não pode tomar qualquer decisão entre as possibilidades por si mesma reveladas, mas tem de deixar tal decisão ao órgão que, segundo a ordem jurídica, é competente para aplicar o direito. Um advogado que, no interesse do seu constituinte, propõe ao tribunal apenas uma das várias interpretações possíveis da norma jurídica a aplicar a certo caso, e um escritor que, num comentário, elege uma interpretação determinada, de entre várias interpretações possíveis, como a única <acertada>, não realizam uma função jurídico-científica mas uma função jurídico-política (de política jurídica). Eles procuram exercer influência sobre a criação do Direito. Isto não lhes pode, evidentemente, ser proibido. Mas não o podem fazer em nome da ciência jurídica, como frequentemente fazem". [29]

Colacionamos ainda Gilberto Freyre homenageado recentemente na FLIP (Feira Literária Internacional de Paraty),

"Há no livro do Sr. Oliveira espantosas afirmativas em tom categórico. São poucas felizmente. (...) As opiniões definitivas... É perigoso ter opiniões definitivas. Perigoso, porém fácil. É mais fácil formar um opinião que fazer um laço na gravata. (...) A verdade anda sempre de Paris. É rebelde à monogamia". [30]

Então, finalizamos este breve estudo com Norberto Bobbio, falando dele próprio,

"Sou uma pessoa indecisa, amo mais debater o pró e o contra do que tirar conclusões. Como o caçador de Pascal, mas a caça do que o ‘saqueio’." [31]


Notas

  1. Conheci Prof. Paulo num congresso do CEFIBRA no Rio de Janeiro em 1992. Desde então, nunca mais deixei de lê-lo. Minha formação vem destas leituras. Em 2001, por obra de sua generosidade, recebi o presente de tê-lo em minha banca de Mestrado na UCAM-Rio. Conheci Adriano em 2001, quando estava finalizando minha dissertação de mestrado, sua inteligência e sinceridade me cativaram. Desde então ficamos amigos e eu aprendo muito com ele sobre a vida e o Direito, máxime sobre Pontes de Miranda. Fruto desta admiração por ambos é que alinhavei este singelo, porém, afetuoso estudo.
  2. Cf. "Direito tributário, linguagem e método". São Paulo: Noeses, 2008.
  3. Cf. Paulo de Barros Carvalho, op. cit. p. 159.
  4. Cf. Paulo de Barros Carvalho, op. cit. 173.
  5. Cf. Paulo de Barros Carvalho, op. cit. 181.
  6. Cf. Paulo de Barros Carvalho, op. cit. 141/142.
  7. Cf. Paulo de Barros Carvalho, op cit. p. 151/152.
  8. Cf. Paulo de Barros Carvalho, op. cit. p. 152.
  9. Cf. Paulo de Barros Carvalho, op. cit. p. 588.
  10. Cf. "Teoria da incidência da norma jurídica – crítica ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho" 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
  11. Cf. Adriano Soares da Costa, op. cit. p. 23.
  12. Cf. Adriano Soares da Costa, op. cit. 24.
  13. Cf. Adriano Soares da Costa, op. cit. p. 26.
  14. Cf. Adriano Soares da Costa, op. cit. 46.
  15. Cf. Adriano Soares da Costa, op. cit. p. 47.
  16. Cf. Adriano Soares da Costa, op. cit. p. 55.
  17. Cf. Adriano Soares da Costa, op. cit. 54.
  18. Cf. Adriano Soares da Costa, op. cit. 59.
  19. Cf. Adriano Soares da Costa, op. cit. 58.
  20. Cf. Adriano Soares da Costa, op. cit. 151.
  21. Cf. Adriano Soares da Costa, op. cit. 156.
  22. Cf. Adriano Soares da Costa, op. cit. 158.
  23. Cf. Adriano Soares da Costa, op. cit. p. 175.
  24. Cf. Adriano Soares da Costa, op. cit. 175.
  25. Cf. Olavo de Carvalho, "A Realidade". Aula 32, Coleção História Essencial da Filosofia, São Paulo: É realizações, 2008, p. 34/35.
  26. Cf. Olavo de Carvalho, op. cit. p. 46/47 e 50.
  27. Cf. Olavo de Carvalho, op. cit. p. 58.
  28. Cf. Olavo de Carvalho, op. cit. 59/60.
  29. Cf. Hans Kelsen, "Teoria Pura do Direito", 6ª ed. Armenio Amado: Coimbra, 1984, p. 472.
  30. Apud, Hermano Viana, "Gilberto", O GLOBO, Segundo Caderno, Rio de Janeiro, 13/08/2010, p.2, em citação de Gilberto Freyre sobre comentários ao livro "História da Civilização" de Oliveira Lima.
  31. Cf. Araújo Netto, "Bobbio reconhece deslize de juventude" Jornal do Brasil, Caderno Internacional, Rio de Janeiro, 18/05/1997, p. 33.
Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

mestre em Direito Tributário, professor do Departamento de Direito Público das Universidades Católica de Petrópolis (UCP) , procurador do Município de Areal (RJ), membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET) é autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; co-autor dos livros "ISS - LC 116/2003" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Ives Gandra da Silva Martins), Curitiba, Juruá, 2004; e "Planejamento Tributário" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto), São Paulo, Quartier Latim, 2004.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Paulo de Barros Carvalho e Adriano Soares da Costa: duas visões sobre a incidência da norma jurídica tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2693, 15 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17811. Acesso em: 22 dez. 2024.

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