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A evolução dos sistemas administrativos, sua influência sobre o ordenamento jurídico e as reformas da máquina estatal

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Agenda 18/11/2010 às 09:39

5. O militarismo e a segunda reforma administrativa

Na vigência do "governo de exceção" [14], período de grande ingerência do Estado nas questões civis individuais e nas questões sociais, e ao mesmo tempo caracterizado pelo profundo distanciamento entre o centro de poder e a participação popular, o agente estatal continua ingressando de maneira desordenada e contundente na provisão de serviços secundários ao seu funcionamento (no assistencialismo, no setor habitacional, de energia, das estradas, dentre outros) [15].

No governo do general Costa e Silva, promove-se a segunda grande reforma da administração pública brasileira, por meio da edição do Decreto n.º 200/67, publicado no dia 25 (vinte e cinco) de fevereiro. Os objetivos do decreto, assim como aqueles propostos pelo DASP, giraram em torno de modificações na estrutura do Poder Executivo. Representou a tentativa de rompimento com a rigidez da administração burocrática, sendo atualmente considerado como a primeira tentativa de introdução dos princípios da administração gerencial no Brasil.

A proposta do decreto seria a de aumentar o dinamismo operacional da atividade administrativa pública brasileira por meio da descentralização funcional (com a criação dos Órgãos da Administração Indireta), instituindo-se como princípios a racionalidade administrativa, o planejamento da ação pública, a delegação de funções e a coordenação e controle das atividades por meio de Órgãos especiais.

A inabilitação do modelo como instrumento responsável pela modificação na administração burocrática esbarra na aproximação entre essa forma organizacional e a própria estrutura da corporação militar, na medida em que permite a coexistência de setores de eficiência e competência na administração indireta, com setores arcaicos e ineficientes da administração direta, situações que engessam a modernização da máquina.

Martins (1997, p. 22) esclarece que diversos serviços públicos típicos, como os de instalação de esgotos, começaram a ser realizados por empresas públicas. A despeito do empenho gerencial da reforma, referidas empresas não desenvolveram necessariamente práticas gerenciais para a sua organização ou para a execução de suas atividades, sendo que "em muitos casos foram adotados certamente a abordagem do custo/benefício para a alocação de investimentos". Como resultado, comunidades locais, pobres e consideradas como financeiramente pouco sólidas para produzir retornos, muitas vezes tiveram negada a implantação ou a melhoria de serviços públicos, ficando à margem da atenção do governo.

A ausência de alcance universal dos serviços públicos, sobretudo após a nova forma de intervenção estatal prevista no decreto, apresenta-se como o ponto frágil do Estado de bem-estar social no Brasil. As obras "faraônicas", a constante intervenção estatal na qualidade de agente empresário e os programas sociais, sobretudo nas áreas da habitação e educação, consumiram pesados investimentos financeiros, todos cobertos à custa de alto endividamento externo. A reforma fracassa.

Somam-se ao insucesso as crises do petróleo na década de 1970, que atacaram relevantemente os custos do Estado Social em um plano global. Os investimentos recorrentes e sem lastro de equilíbrio fiscal, aliaram-se à pesada carga tributária dispensada sobre a atividade produtiva privada, que durante o período militar saltou de 15% para 25%, inibindo a expansão do setor produtivo.

A diminuição da capacidade arrecadatória obriga o Estado a utilizar recursos das empresas públicas para socorrer o déficit orçamentário gerado pela crise econômica, uma vez que, de um lado a população exigia a manutenção dos serviços sociais básicos, enquanto de outro o Estado perdia capacidade financeira para manter o sistema social providencial.

Quatro fatores de origem socioeconômica contribuíram para que a crise do Estado fosse agravada. São eles: crise econômica mundial, iniciada na década de 1970, por conta da crise do petróleo, e que influencia diretamente na queda do padrão de crescimento baseado no financiamento externo ou estatal; crise fiscal (que traz em seu âmago a crise do modo de intervenção do Estado na economia), onde os países não mais conseguiam manter um ambiente de desenvolvimento econômico, extraindo do próprio sistema a condição de arrecadar recursos suficientes para a cobertura das obrigações financeiras do Estado; crise da governabilidade e da burocracia como forma estrutural da administração pública, onde os governos mostravam-se incapazes de controlar legitimamente os problemas econômicos e sociais de seus países; emergência da globalização e das inovações tecnológicas, alçados pelo surgimento dos novos grupos empreendedores dominantes e que fez com que profundas transformações ocorressem na economia e no setor produtivo, refletindo de forma direta no Estado.

Com o aumento do número das empresas transnacionais e dos grandes fluxos financeiros e internacionais, os Estados tiveram seus controles enfraquecidos, determinando a perda significativa do poder de definição de políticas macroeconômicas. Ao mesmo tempo em que necessita aumentar a arrecadação para cobrir os pesados custos da sua estrutura fiscal, o Estado se posta defronte ao dilema dos altos custos sociais sobre os quais alçou o setor produtivo.

A legislação existente demonstra-se influenciada pelo desenvolvimento da burocracia promovida pelas reformas administrativas, provocando distorções, notadamente de ordem trabalhista, previdenciária e tributária, que dificultam a flexibilização e o acometimento pela máquina administrativa dos princípios gerenciais. Superada a fase militar, retoma-se a república democrática no ano 1985.

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6. O processo de redemocratização

O processo de redemocratização política enfrenta um primeiro governo de transição. Tancredo Neves é eleito indiretamente, mas não chega a ser empossado em razão de seu falecimento. José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, conhecido como José Sarney, eleito vice-presidente na chapa de Tancredo, assume a presidência em 15 de março de 1985.

O governo Sarney caracteriza-se pela consolidação democrática e pela promulgação da Constituição de 1988, considerada retrocesso burocrático administrativo em certos aspectos, por ter se baseado no formalismo, no excesso de normas, na rigidez dos procedimentos, e por ter instituído o regime jurídico único (estatutário) para contratação de novos servidores. Normas como as que disciplinam a intervenção do Estado na propriedade particular, regime estatutário do servidor público, regras sobre licitação, orçamentação e finanças, para serem modificadas, dependem em grande parte de reformas constitucionais. [16]

Por outro lado, a Constituição trouxe benefícios como o restabelecimento das bases legais para o exercício da democracia. Após a sua promulgação passaram a ser implementados distintos instrumentos destinados às descentralização da ação governamental nos diferentes níveis federativos, orientadas para a promoção e a garantia dos direitos dos cidadãos.

José Sarney é sucedido por Fernando Collor de Melo, primeiro presidente eleito diretamente através do voto popular na 2ª fase da república democrática brasileira. O mandato [17] é caracterizado pela tentativa frustrada de redução do tamanho da máquina administrativa e do número dos servidores, e pelo lançamento do Plano Brasil Novo (também conhecido por Plano Collor) [18], conjunto de reformas econômicas e planos para estabilização da inflação. O presidente é substituído pelo vice, Itamar Franco [19].

O novo presidente convocou um plebiscito em 1993 para que a população pudesse optar entre a modificação ou continuidade da forma de governo (República ou Monarquia) e do sistema de governo (presidencialismo ou parlamentarismo). Credita-se ainda a Itamar Franco o lançamento do Plano Real, destinado a combater a inflação e a estabilizar a economia, que se encontrava em níveis críticos por diversas contingências entremeadas nos governos antecessores.

O quadro a seguir sintetiza as principais características do regime político, das classes de dirigentes e do modelo administrativo adotado pelo Estado brasileiro a partir da proclamação da independência, até o período contemporâneo

[20].

Categoria

1821-1930

1930-1985

1990...

Estado/sociedade

Patriarcal dependente

Nacional desenvolvimentista

Liberal dependente

Regime político

Oligárquico

Autoritário

Democrático

Classes dirigentes

Latifundiários e burocracia patrimonial

Empresários e burocracia pública

Agentes financeiros e rentistas

Administração

Patrimonial

Burocrática

Gerencial

Quadro 1: Classes dirigentes e modelo administrativo adotado peloEstado brasileiro no período de 1821 a 1990...

Fonte: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Burocracia Pública e classes dominantes no Brasil. Revista de Sociologia e Política nº 28: 9-30 Jun. 2007.

O quadro identifica o início da prestação de serviços públicos por parte do Estado brasileiro juntamente com o início do nacional-desenvolvimentismo autoritário e burocrático, na década de 1930. Ao mesmo tempo em que se preocupava com o acertamento das bases do desenvolvimento da economia nacional, o Estado passou a intervir como agente empresário, destinando sua atenção para tarefas outras, de cunho social.

Com a crise financeira que se agrava a partir da década de 1980, criam-se contribuições teóricas que procedem à investigação das melhores formas de intervenção política e econômica do governo, reproduzindo conceitos que pretendem identificar as causas da ineficiência e iniqüidade dos gastos públicos, com o apontamento de soluções.

A conjugação entre os fatores da crise passa a exigir profundos cortes, a redução dos gastos com a folha de pessoal e o aumento da eficiência das ações governamentais. Torna-se necessária a condução de novo projeto reformista nas estruturas do Estado, não atrelada exclusivamente ao âmbito do Poder Executivo como ocorrera nas duas reformas anteriores, capaz de torná-lo mais ágil e flexível, tanto na dinâmica interna quanto na capacidade de adaptação às mudanças trazidas pelo novo contexto capitalista mundial.

Com o crescimento das atribuições dos governos, elevam-se a complexidade e o alcance de suas ações. A demanda por serviços se tornou cada vez mais abrangente e específica. A insuficiência econômica que caracteriza as décadas de 1970 e 80 passa a exigir uma nova forma de orientação na prestação de serviços por parte da Administração, com foco no nível de satisfação dos cidadãos, como define a Nova Administração Pública (NAP) [21]. Estabeleceram-se as bases para construção do Estado gerencial no Brasil, que resultaram na reforma conduzida no governo de Fernando Henrique Cardoso. [22]


7. O gerencialismo e a redefinição do papel do Estado: a experiência da terceira reforma administrativa brasileira

O sistema burocrático, rígido e centralizado, demonstra-se funcional quando destinado a organizar estruturas relativamente reduzidas, como seria, por exemplo, o caso do Estado Liberal. A partir do momento em que o Estado assume orientação social e se responsabiliza por satisfazer o bem comum, ocorre significativa ampliação das suas responsabilidades nos campos político e econômico, o que faz com que o sistema administrativo burocrático entre em colapso.

Torna-se imperiosa a formatação de um novo modelo administrativo institucional, sem que rompa necessariamente com o modelo burocrático, e que seja orientado para a agilidade no atendimento das necessidades dos cidadãos, pelo aumento da eficiência governamental, pela reengenharia da máquina administrativa, pelo corte dos gastos com o pagamento de pessoal e pela geração da capacidade de destinação dos fluxos financeiros e comerciais. São todos conceitos típicos que identificam a administração gerencial e que submetem o Estado à modificação profunda de sua estrutura organizacional. [23]

Luiz Carlos Bresser Pereira, no artigo: "Do Estado Patrimonial ao Gerencial", situa o contexto político, econômico e social brasileiro no período da transição entre o regime militar e o retorno do presidencialismo democrático, como ponto nodal para introdução do gerencialismo no Brasil. Veja-se:

Com a abertura democrática era natural que a burocracia estatal se retraísse politicamente. Estava, entretanto, aberto o espaço para a afirmação de sua tradicional aliada, a burguesia industrial. Esta, entretanto, embora tivesse tido um papel decisivo na abertura democrática, fracassou em assumir a liderança política do país. Ao invés de perceber que estava na hora de abrir a economia para torná-la mais competitiva, e de reformar o Estado para reconstruí-lo, insistiu em lutar contra a abertura comercial e em defender o estabelecimento de uma indefinida política industrial, com isto se enfraquecendo politicamente.

(...)

Com o fim do autoritarismo e o fracasso da burguesia industrial em liderar politicamente o país, a Sociedade Capitalista Industrial e o Estado Burocrático-Industrial desaparecem. (...) Ao mesmo tempo, o problema da competição internacional entre as nações torna-se cada vez mais premente, obrigando as organizações privadas e as públicas a se tornarem mais eficientes. Estava aberto o caminho para a reforma gerencial da administração pública visando reconstruir o Estado nos quadros de uma política democrática e de uma economia globalizada, mas que precisava de um Estado forte para não se submeter à ideologia globalista. (BRESSER PEREIRA, 2001, p. 223).

Ainda segundo Bresser Pereira, a introdução do gerencialismo decorre do recondicionamento em escala mundial dos princípios da gestão democrática participativa e da eficiência na utilização dos recursos públicos para o atendimento às demandas dos cidadãos.

Para atingir o aumento da eficiência, a forma administrativa desenhada pelo modelo gerencial se baseia no deslocamento da ação governamental, centralizada em torno do controle da gestão conduzida por órgãos técnicos, para a descentralização e a transferência de responsabilidades, inclusive pela condução da gestão financeira e orçamentária, para novas instituições legais e organizacionais, assumindo o Ente público e sua burocracia profissional a postura de promotores do desenvolvimento social.

Sob o cenário apontado foi concebido durante o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, considerado a terceira grande reforma da administração pública brasileira. O principal objetivo do Plano seria a retomada da capacidade de governança pública, fundamentada na revisão do sistema jurídico/legal e das formas de propriedade do Estado.

No documento define-se a mudança da cultura burocrática para a cultura gerencial, com a promoção de um novo modelo de Estado, que motiva a participação da sociedade civil na gestão pública, que reconhece o potencial do servidor e de sua importância no processo produtivo e que busca efetivar a construção de um ambiente de igualdade e de oportunidades entre os cidadãos.

A proposta da nova gestão pública brasileira focaliza a terceirização de vasta sorte de serviços antes executados diretamente pelo Estado, para a sociedade civil (adotando como critério a natureza da competitividade inerente à mesma) e o incentivo ao desenvolvimento das agências autônomas (as reguladoras e as executivas) atribuindo-lhes a qualidade de autarquias em regime especial responsáveis pela fiscalização, regulamentação e controle, tanto das atividades trespassadas para o mercado quanto pelas que seriam realizadas pelo próprio Estado, em caráter exclusivo.

Imagina-se, ainda, a configuração do terceiro setor no Brasil, em que novas entidades públicas não-estatais, como as Organizações Sociais, OS’s, receberiam a incumbência da realização de certos serviços de interesse público oferecidos pelo Estado, que, porém, não são realizados em caráter exclusivo pelo mesmo, deflagrando fenômeno mundial [24].

Para tanto, investe o projeto de reforma no chamado "Programa Nacional de Publicização". Referido projeto origina a edição da Lei Federal nº 9.637/98, em 25/05/1998, que cria as Organizações Sociais. Nos termos do art. 1º da referida lei, serão atividades desenvolvidas pelas OS’s, aquelas "(...) dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde (...)".

Consideram-se serviços públicos sociais todos os que correspondam a atividades pertinentes ao art. 6º e ao título VIII da Constituição da República de 1988, de prestação obrigatória, não sendo, porém, de titularidade exclusiva do Estado, valendo dizer que poderão ser ofertadas também, em caráter complementar, pelo setor privado.

A rigor, os administrativistas contemporâneos aludem aos critérios (ou modalidades) subjetivos, materiais e formais para configuração dos serviços de interesse público a serem prestados pelo Estado, relacionando-os ora ao conjunto de órgãos e entidades que desempenham atividade administrativa, ora referindo-os a uma determinada coleção de atividades [25], destinadas à realização de obras públicas, ao fomento e à intervenção no domínio econômico.

A atividade de fomento envolve auxílios financeiros ou subvenções, favores fiscais e financiamentos. Através dessa modalidade o Estado concede benefícios aos administrados para que atuem em determinada área de interesse da Administração Pública. O objetivo da participação da sociedade na provisão de serviços seria o de substituir e corrigir o capitalismo centralizador para garantir a reprodução dos diversos sistemas sociais, de maneira a ampliar o acesso e a prestação dos serviços ao público.

José Matias Pereira, ao citar as características da reforma e modernização estatais, identificadoras do estágio de superação do Estado de bem-estar social burocrático, menciona a existência de duas vertentes, sendo a própria do gerencialismo e a do modelo democrático-parcitipativo [26]. O primeiro modelo se caracteriza pela importação de elementos da administração privada pela administração pública. O enfoque do segundo modelo passa a ser o "aumento do controle social pelo processo de democratização das relações Estado-sociedade e o aumento da participação da sociedade civil e da população na gestão pública" (PEREIRA, 2008, p. 117).

As características do regime-jurídico administrativo brasileiro apontam para a existência de bases solidamente fixadas em princípios construídos a partir da experiência da gestão burocrática. A impessoalidade das normas do regime-jurídico burocrático acaba por refletir na construção de um padrão prescritivo de relações, sem criar espaço para a informalidade e o desenvolvimento de noções mais flexíveis de gerenciamento.

O modelo administrativo gerencial busca contornar a rigidez típica do modelo weberiano ao propor a concepção de novos instrumentos legais que favoreçam a contratualização de resultados e formalização de parcerias entre o Poder Público e entes governamentais e, também entre o Poder Público e organismos sociais.

Sobre o autor
Igor de Matos Monteiro

Advogado, mestre em Direito Público, professor universitário e de cursos preparatórios para concursos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Igor Matos. A evolução dos sistemas administrativos, sua influência sobre o ordenamento jurídico e as reformas da máquina estatal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2696, 18 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17850. Acesso em: 23 dez. 2024.

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