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A condução de veículos como atividade perigosa.

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Agenda 26/11/2010 às 07:23

O presente trabalho pretende analisar a condução de veículos como atividade perigosa nos ordenamentos jurídicos português e brasileiro.

Resumo: O presente trabalho pretende analisar a condução de veículos como atividade perigosa nos ordenamentos jurídicos português e brasileiro. Em Portugal, a discussão consiste em saber se o art. 493.º, nº 2, do CC é aplicável aos acidentes de trânsito, eis que o art. 503.º do mesmo diploma prevê especificamente este tipo de situações. Enquanto o primeiro estabelece uma responsabilidade por culpa presumida, o art. 503.º institui uma responsabilidade baseada no risco. Determinou-se que o disposto no art. 493.º, nº 2, não era adequado em matéria de circulação terrestre e que o regime aplicável seria o da responsabilidade objetiva. No Brasil, o parágrafo único do art. 927 dispõe que a responsabilidade pelo risco está configurada nos casos especificados em lei e quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar risco para os direitos de outrem. Na primeira hipótese, encontram-se a responsabilidade do transportador terrestre, do comitente e dos condutores de veículos com seguro obrigatório. Na segunda, estão inseridas aquelas atividades habitualmente desenvolvidas com fins lucrativos que possam gerar riscos para os direitos de outrem, o que basta para eliminar desta previsão os acidentes de trânsito envolvendo o motorista que faz da condução um meio de deslocação, e não a sua atividade profissional. Nos demais casos, a responsabilidade é subjetiva.

Palavras-chave: atividade de risco; responsabilidade objetiva; responsabilidade subjetiva; culpa presumida; circulação terrestre; acidentes de trânsito.


1. A perspectiva do direito português

No Direito Português, a grande questão consiste em saber se o art. 493.º, nº 2, do CC deve ser aplicado aos casos de acidentes de viação, uma vez que no mesmo diploma legal há uma previsão específica para este tipo de situações, nomeadamente no art. 503.º e segs.

Segundo o mencionado art. 493.º, nº 2, quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir. Através da sua leitura, pode-se constatar que o mesmo estabelece uma responsabilidade com base na culpa, mas com nítida inversão do ônus da prova.

O art. 503.º, todavia, prevê um regime diferenciado, com base no risco. Neste caso, é aplicável o regime do art. 487.º, nº 1, competindo ao lesado a prova da culpa do autor da lesão.

Claro está que a circulação automóvel consiste numa atividade perigosa, mas este entendimento não significa necessariamente que se deve aplicar o regime jurídico do art. 493.º, nº 2.

São sábias as palavras de Joaquim de Sousa Ribeiro (1979, p. 416 e 417) neste sentido: Convém, antes de mais, deixar esclarecido que a dúvida não consiste em saber se a condução automóvel é ou não, em si mesma, uma atividade perigosa. Assim formulado, o problema nem chegaria verdadeiramente a existir, pois que a frequência e gravidade dos danos quotidianamente gerados por essa atividade atestam bem a sua enorme periculosidade. Poderá até afirmar-se, sem receio de desmentido, ser essa, na sociedade dos nossos dias, a zona da vida social mais exposta ao risco de lesões. Mas não é esse o campo problemático da questão, que deverá ser analisada, não no plano do "ser", mas sim num plano especificamente jurídico, em que se atente averiguar da adequação do conteúdo do nº 2 do art. 493.º à circulação terrestre de veículos.

Muito se especulou sobre o regime jurídico a ser aplicado nestas situações. Até meados de 1978 diversas decisões de tribunais defendiam a aplicação da presunção de culpa do art. 493.º, nº 2, aos acidentes de trânsito [01]. Contrariamente, também proliferaram diversos acórdãos em sentido oposto, porém nem todos apresentavam justificativas uniformes para a aplicação do regime da responsabilidade pelo risco.

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Outubro de 1978, previu regimes jurídicos distintos para cada uma das atividades perigosas existentes. Para as de caráter geral, o do art. 493.º, nº 2, CC, com responsabilidade baseada na culpa, mas com inversão do ônus da sua prova, e para a circulação automóvel, o dos arts. 483.º, nº 1, e 487.º, nº 1, com responsabilidade civil culposa, e o do art. 503.º CC, com responsabilidade civil objetiva ou pelo risco.

Joaquim de Sousa Ribeiro critica veementemente o posicionamento deste acórdão, pois considera que o mesmo situa o art. 503.º e seguintes como normas especiais em face do regime geral previsto no art. 493.º, nº 2. A referida decisão coloca a questão como um caso de concurso aparente de normas, em que a norma especial prevalece sobre a norma geral:

Sem dúvida que a circulação terrestre de veículos é uma espécie dentro do gênero mais amplo das atividades perigosas. Mas esta subsunção meramente lógica não basta para fundamentar a consunção total do nº 2 do art. 493.º pelos arts. 503.º e seguintes. Para tal, seria necessário que ambas as normas se situassem no mesmo plano axiológico, encarando o fato sob idêntico prisma valorativo (RIBEIRO, 1979, p. 420 e 421).

Afirma que a responsabilidade pelo risco não desenvolve a responsabilidade subjetiva, acrescentando-lhe especificidades. Pelo contrário, encaram a mesma situação – acidentes de trânsito - de forma completamente distinta. Enquanto a responsabilidade subjetiva avalia a conduta do agente causador do dano, a fim de verificar se a mesma é passível de censura, na responsabilidade pelo risco, o lesante possui a obrigação de indenizar por ser o detentor da direção efetiva e interessada do veículo [02], por ter criado uma situação de risco pelo seu simples uso, e não em decorrência de determinado comportamento da sua parte.

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Em relação ao condutor de veículo por conta de outrem, o referido acórdão decidiu que o mesmo não responde por culpa presumida, uma vez que o art. 503.º, nº 3, não estabelece uma presunção de culpa do comissário condutor do veículo, mas apenas que este responde objetivamente se não provar que agiu sem culpa. Segue este entendimento, pois considera que interpretação diversa dada ao referido dispositivo levaria a situações injustas, como seria o caso de choque entre veículos (art. 506.º), sendo um conduzido pelo seu proprietário e o outro por um comissário.

Relativamente a esta posição, Adriano Vaz Serra sustenta que o texto legal é claro ao estabelecer que o condutor por conta de outrem responde por culpa presumida, salvo se provar que não houve culpa da sua parte: Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem, responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte....

No caso de choque de veículos, sendo um conduzido pelo seu dono e o outro pelo comissário, ambos responderiam por culpa presumida, salvo se provarem que não houve culpa da sua parte. O proprietário responderia nos termos do art. 493.º, nº 2, e o comissário nos termos do art. 503, nº 3, e art. 493, nº 2 (SERRA, 1981a).

Se nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, aplica-se o disposto no art. 506.º, nº 1, isto é, reparte-se a responsabilidade entre os proprietários na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos. Neste caso, o comissário teria ilidido a presunção de culpa prevista no art. 503.º, nº 3, cabendo a responsabilidade pelos prejuízos resultantes ao comitente, nos termos do art. 503.º, nº 1. Se o comissário não ilidir a sua presunção de culpa, responderá solidariamente com ele o comitente, conforme prevê o art. 500.º do CC, podendo também responder o proprietário do outro veículo, quer com base no risco (art. 503.º, nº 1), quer com base na culpa, se não provar que não houve culpa da sua parte (art. 493.º, nº 2).

Em decisão de 19 de Outubro de 1978, o acórdão do STJ também sustentou a inaplicabilidade do art. 493.º, nº 2, aos acidentes de trânsito, mas utilizando-se de argumento diverso:

Não parece razoável admitir que o nosso legislador, depois de ter concedido aos acidentados na estrada a larga proteção que, em matéria de ressarcimento dos danos, resulta da regulamentação da responsabilidade pelo risco, ainda fosse inverter o ônus da prova no domínio da responsabilidade por culpa, e que tendo tratado a primeira em disposições especiais (arts. 503.º a 508.º do CC), tratasse a segunda em disposição genérica (art. 493.º, nº 2, do CC) (Acórdão do STJ, de 19 de Outubro de 1978, publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, nº 3642, p. 132 e ss).

Joaquim de Sousa Ribeiro considera que também aqui o argumento utilizado não pareceu razoável. O regime da responsabilidade pelo risco prevê limites máximos de indenização, expressamente previstos no art. 508.º do CC, diferentemente do regime da responsabilidade por culpa, no qual os responsáveis devem suportar os danos causados na sua totalidade, conforme regra geral estabelecida no art. 562.º do mesmo diploma legal.

Neste sentido, não seria razoável excluir das garantias da vítima da circulação terrestre a possibilidade de recorrer ao benefício da inversão do ônus da prova, fundamentando a sua pretensão indenizatória na culpa, uma vez que isto implicaria em dar menos proteção ao lesado de um acidente de viação do que ao lesado pelo exercício de uma atividade perigosa que não foi especialmente prevista em lei.

Não se compreende que a vítima possa ficar, em sede de culpa, em pior situação do que aquela em que estaria se não fosse a responsabilidade pelo risco. Um mínimo de coerência normativa impõe, pois, que a presunção de culpa e a responsabilidade objetiva sejam considerados como dois distintos mecanismos indenizatórios, não fungíveis nem intermutáveis, dispostos paralelamente em proteção ao lesado. Obedecendo a uma mesma razão inspiradora, eles conservam, contudo, plena independência de funcionamento em cada um dos espaços que lhes são próprios (RIBEIRO, 1979, p. 430).

O referido acórdão utiliza como argumento o facto de o art. 493.º, nº 2, do CC adotar o previsto no art. 2050 do Código Civil italiano, o qual se refere genericamente aos danos decorrentes de atividades perigosas, e não aos resultantes de atividades perigosas especialmente previstas na lei, como são os danos derivados da circulação de veículos.

No entanto, Vaz Serra critica esse entendimento ao afirmar que, no direito italiano, vigora o princípio da inversão do ônus da prova da culpa, em matéria de acidentes de trânsito, não por força do art. 2050, mas do disposto especificamente no art. 2054, o qual também estabelece uma presunção de culpa do condutor. Desse modo, na Itália, a responsabilidade decorrente de acidentes de trânsito não tem como base o risco, mas sim a culpa, com inversão do ônus da sua prova.

Considera a situação no direito português diferente, uma vez que, para as matérias de acidentes envolvendo veículos, estão previstos os princípios da responsabilidade pelo risco (art. 503.º e segs.) e da responsabilidade por culpa (art. 483.º), não havendo motivo, nestes casos, para excluir a aplicação do nº 2 do art. 493.º, até porque se trata de uma atividade perigosa.

Também não concorda com o posicionamento do dito acórdão em considerar a inversão do ônus da prova constante no nº 3 do art. 503.º do CC apenas nas relações internas dos vários responsáveis pelo risco. [03]

O Assento 1/80, de 21 de Novembro de 1979, pôs fim a esta dúvida que pairava na doutrina e jurisprudência portuguesas, ao determinar que o disposto no art. 493.º, nº 2, do Código Civil não tem aplicação em matéria de circulação terrestre.

A decisão em causa considerou irrazoável que o legislador tivesse criado dois regimes de exceção para a disciplina relativa aos acidentes de trânsito, nomeadamente o da responsabilidade pelo risco, previsto nos arts. 503.º a 508.º do CC, e o da inversão do ônus da prova, disposto no art. 493.º, nº 2, até porque, pelo uso deste, se deixaria aquele sem aplicação prática, com o consequente prejuízo de todas as incontestáveis vantagens que quis assegurar aos lesados (Assento 1/80 do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Novembro de 1979, relatado por Santos Victor, disponível em www.dgsi.pt.).

Nesse sentido, estabeleceu que a responsabilidade civil derivada de acidentes com veículos de circulação terrestre deveria obedecer tanto ao regime geral da responsabilidade por fatos ilícitos, prevista nos arts. 483.º, nº 1, e 487.º, nº1, do CC, como ao regime da responsabilidade pelo risco. Competiria ao regime da inversão do ônus da prova disciplinar os danos causados no exercício de outras atividades perigosas não especialmente previstas em lei.

Seguem esta mesma linha de raciocínio João de Matos Antunes Varela e Fernando Andrade Pires de Lima (1987). Segundo esses autores, o legislador estabeleceu um regime distinto e mais gravoso para os acidentes de viação, baseado na responsabilidade pelo risco (artigo 503.º), por considerar a circulação de veículos uma atividade especialmente perigosa.

No que se refere à responsabilidade subjetiva, consideram que o regime geral do art. 487.º do CC, que determina incumbir ao lesado a prova da culpa do lesante, deve ser igualmente aplicado nestas situações, nomeadamente quando a pretensão da vítima tiver como base a culpa e não o risco. Baseiam esta opinião no fato de existirem diversos preceitos (artigos 504.º, nº 2, 506.º, nº 1, 507.º, nºs. 1 e 2, e 508.º, nºs. 1 e 2) que se referem à culpa provada, e não à culpa presumida, do causador dos danos. Como única exceção neste sentido é a presunção de culpa do art. 503.º, nº 3, que, por ser um caso em que não existe responsabilidade pelo risco, o legislador quis sobrecarregar a situação do lesante com uma presunção de culpa.

Outrossim, Sinde Monteiro segue esta linha de pensamento, defendendo que o legislador estabeleceu um regime mais rigoroso para os acidentes de trânsito, especialmente nos casos de condução de veículos por conta de outrem, porém fixando limites máximos para a indenização do lesado (art. 508.º).

Ora a verdade é que existem razões substantivas, e de peso, para estabelecer para os casos de condução de um veículo por conta de outrem um regime especial, mais gravoso. É que se tratará em muitas hipóteses de veículos conduzidos por conta de empresas com capacidade econômica superior ao comum dos possuidores de veículos de circulação terrestre, constituindo simultaneamente este preceito um incentivo à contratação por tais empresas, ou pessoas que utilizam normalmente prepostos no desenvolvimento de uma atividade profissional organizada, de um seguro de responsabilidade de montante superior aos limites máximos da responsabilidade objetiva (MONTEIRO, 1981, p. 235).

Identifica a inércia legislativa em atualizar os limites fixados para a responsabilidade pelo risco como causa do aparecimento de situações injustas, que subvertem a verdadeira pretensão do legislador em conceder às vítimas de acidentes de trânsito um regime mais favorável do que o geralmente previsto para as vítimas de atividades perigosas.

Diante de tal situação, Sinde Monteiro sugeriu a utilização de uma interpretação corretiva para o art. 503.º, nº 3, do CC, com a aplicação da presunção de culpa prevista no art. 493.º, nº 2, aos casos de condução por conta de outrem. Esta solução, no entanto, seria temporária, até que os valores máximos fixados no art. 508.º fossem atualizados. Atualmente, este problema encontra-se solucionado, uma vez que a então redação do mencionado art. 508.º foi alterada pelo Decreto-Lei nº 59/2004, de 19 de Março.

A decisão do Assento 1/80 não foi unânime. O Conselheiro Abel de Campos, vencido em seu voto, considerou que o fato de a lei estabelecer o regime da responsabilidade pelo risco em alternativa com o da responsabilidade subjetiva não justificava o afastamento da presunção de culpa, até porque a presunção prevista no art. 503.º, nº 3, em relação aos prejuízos causados pelo comissário, ficaria sem razão de ser.

Menciona a incoerência dessa doutrina nos casos específicos de colisão de veículos, quando um é conduzido pelo seu proprietário e o outro por um comissário. Enquanto o primeiro responderia integralmente pelos danos causados apenas se a sua culpa restasse provada, o último responderia pela totalidade dos danos, salvo se demonstrasse não ter atuado com culpa.

Adriano Vaz Serra, em comentário à decisão do Assento 1/80, considerou que a referida questão não era suscetível de uma solução uniforme, do tipo conceitualista, uma vez que deveria ser obtida através de interpretação das disposições legais que consideram relevante a culpa do responsável pelo dano, variando de acordo com o sentido dado a cada uma dessas disposições.

Destarte, existiriam casos em que o previsto no nº 2 do art. 493.º seria aplicável no domínio desses acidentes e casos em que não o seria. Um dos casos em que o mencionado preceito ter-se-ia como aplicável seria o do art. 506.º, pois consistiria em absurdo que, no âmbito de uma colisão de veículos, sendo um deles conduzido pelo seu proprietário e o outro por um comissário, se presumisse a culpa deste (art. 503, nº 3, 1ª parte) e se não presumisse a daquele.

Vaz Serra também considera que o art. 503, nº 3, 1ª parte, deve ser aplicável não apenas nas relações internas dos vários responsáveis pelo risco, mas também nas relações com os terceiros lesados, uma vez que a razão de ser daquele preceito consiste em excluir a responsabilidade do comissário pelo risco, aplicando, em contrapartida, a sua presunção de culpa. O comissário conduz o veículo por conta de outrem, pelo que atua não no seu interesse, mas no interesse do comitente, não lhe cabendo, portanto, responder com base no risco.

Não considera absurdo que, em caso de colisão de veículos, sendo um deles conduzido pelo próprio dono e o outro por um comissário, este deva responder por culpa presumida e o comitente, solidariamente (art. 500.º), pelo risco, pois o outro condutor, proprietário do seu veículo, responderia por culpa presumida, nos termos do art. 493.º, nº 2.

No caso de colisão de veículos, não provando nenhum dos condutores a sua falta de culpa, o comissário teria, segundo o assento de 21 de Novembro de 1979, de suportar a totalidade dos danos (art. 503, nº 3, 1ª parte), ficando isento o condutor por conta própria cuja culpa se não provasse: é que, seguindo a fómula do assento, não é aplicável, em geral, em matéria de acidentes de viação, o disposto no nº 2 do art. 493.º, donde resultaria que só o comissário está sujeito a uma presunção de culpa (art. 503.º, nº 3, 1ª parte), não o estando o condutor por conta própria. Assim, se nenhum dos intervenientes na colisão de veículos prova a sua falta de culpa, o comissário não pode valer-se da repartição da responsabilidade prevista no art. 506.º e tem, por isso, de suportar totalmente os danos, liberando-se integralmente o condutor por conta própria se a sua culpa for provada – o que é manifestamente injusto. Por outro lado, desde que os limites máximos fixados no art. 508.º só são de observar quando não haja culpa do causador do dano, o comissário cuja culpa se presume e não ilida a presunção responde ilimitadamente e, com ele, o seu comitente (art. 500.º), ao passo que o condutor por conta própria apenas responderia ilimitadamente se se provasse culpa sua – o que é igualmente injusto (SERRA, 1981b, p. 239 e 240).

Apesar do Assento 1/80 ter estatuido a não aplicação do art. 493.º, nº 2, do CC aos acidentes de viação, algumas dúvidas permaneceram, sobretudo no que se refere aos casos de colisão de veículos e aos limites máximos de indenização previstos no art. 508.º, o que denota a ausência de uma certa diligência, na altura, ao tratamento dessas questões. Somente em 1994, estes corolários da presunção de culpa foram definitivamente explicitados, nomeadamente no Assento 3/94, de 26 de janeiro, e no Assento de 2 de março de 1994. [04]

Sobre a autora
Mariana Sena Vieira Paupério Pereira

Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia, Brasil. Advogada. Mestre em Direito na área de especialização jurídico-privatística pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Portugal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Mariana Sena Vieira Paupério. A condução de veículos como atividade perigosa.: As perspectivas do direito português e do direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2704, 26 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17915. Acesso em: 19 dez. 2024.

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